I - “Nem a morte de Cristo foi repouso para
nosso Redentor. O “Credo” nos recorda que, em sua missão
redentora, Jesus desceu ao limbo onde se encontravam as almas
santas.
Já consideramos que Cristo morreu realmente e
foi sepultado. Com a morte, a alma santíssima de Cristo se
separou verdadeiramente de seu corpo. Este permaneceu três
dias no sepulcro, perfeitamente livre de toda corrupção, como
já havia predito o profeta: “Não permitireis que o Vosso Santo
sofra corrupção”. Ficou portanto o corpo de Jesus, do qual
nunca se separou a Divindade, esperando no seio da terra o
momento de sua gloriosa ressurreição. E a alma de Jesus? A
alma santíssima de Cristo continuou a viver enquanto o seu
corpo repousava na sepultura, tendo descido, conforme diz o
Credo, “aos infernos” e lá ficado todo o tempo que seu corpo
esteve sepultado. A primeira vista causa-nos estranheza o ter
a alma de Cristo descido aos infernos, mas vamos explicar o
sentido desta palavra “infernos” e depois mostrar a
finalidade da descida de Nosso Senhor a esse lugar onde
estavam as almas dos justos.
A expressão “infernos” significa de um modo
geral um lugar baixo e profundo e designa os lugares
escondidos em que são detidas as almas que não conseguiram a
bem-aventurança do céu. Neste sentido aparece em muitos
lugares da Sagrada Escritura. Assim, por exemplo, na Epístola
de São Paulo aos Filipenses: "Ao nome de Jesus deve dobrar-se
todo joelho, no céu, na terra e nos infernos". Nos Atos dos
Apóstolos, São Pedro afirma que “Cristo Nosso Senhor
ressuscitou depois de vencer as dores dos infernos”.
São vários os sentidos da palavra “inferno”:
O primeiro é a horrenda e tenebrosa prisão em
que são atormentadas as almas dos condenados. É o inferno
propriamente dito, esse lugar de desesperação e de horror, em
que um fogo misterioso, que nunca se apaga, atormenta as almas
condenadas, juntamente com os demônios, sem nunca os
consumir. É claro que não foi a esta horrível morada que
desceu a alma de Jesus Cristo depois de sua morte.
Há também um fogo de expiação no qual se
purificam as almas dos justos até que lhes seja dado entrar na
Pátria Celestial. É o purgatório, lugar onde devem permanecer
as almas daqueles que morrem em estado de graça, mas manchados
por culpas veniais e que devem ainda pagar a pena temporal
devida a pecados mortais já perdoados. É que no Céu, como nos
diz o Apocalipse, nada de impuro ou manchado pode entrar. Por
isso essas almas justas devem purificar-se antes de serem
admitidas à visão de Deus. Também não foi para o purgatório
que Jesus desceu depois da sua morte.
Existe, finalmente, uma terceira morada onde
permaneciam juntas e retidas as almas dos patriarcas, dos
profetas e de muitos outros justos que haviam morrido antes
da vinda de Jesus Cristo.
Este lugar chama-se vulgarmente o limbo dos
patriarcas. Dá-se-lhe também o nome de paraíso, e é deste
lugar que falava Jesus Cristo, quando disse ao bom ladrão:
“Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43).
O limbo é também chamado o "seio de Abraão" (Lc 16, 22).
O limbo é lugar diverso do purgatório. Em
ambos, é verdade, não se vê a Deus, mas no purgatório as almas
sofrem penas que não existem no limbo. As almas que ali
estavam desfrutavam um suave remanso, sem nenhuma sensação de
dor. Gozavam, pois, de certa felicidade, como se vê na
parábola do rico avarento e do pobre Lázaro, em que este é
consolado, porque no juízo particular haviam estas almas boas
recebido a certeza de sua felicidade eterna. Não podiam,
porém, entrar nas alegrias eternas do céu, porque o céu ainda
não estava aberto (Hb 9, 8). Por isso o limbo é também
chamado de prisão, ou seja de cativeiro, porque as almas eram
incapazes de sair de lá antes da morte de Cristo. Depois da
morte de Cristo este limbo deixou de existir.
Todas estas almas justas que se encontravam no
limbo se consolavam com a doce esperança da redenção,
suspirando pela vinda do Messias prometido. Sentiam muitos
desejos do céu, pensando na imensa felicidade que teriam ao
chegarem à presença de Deus. Lá estavam todos os justos do
Antigo Testamento, desde nossos primeiros pais, Adão e Eva,
Abel, Noé, Abraão, Isaac, José do Egito, Jacó, o santo rei e
profeta Davi, Isaías, Daniel, o santo Jó, Tobias, São José, o
pai nutrício de Jesus, e muitos outros, até os Santos
Inocentes, que foram os primeiros a dar sua vida por Jesus
Cristo.
Estas almas santas e eleitas esperavam no limbo
a vinda de Cristo, seu Redentor, que iria libertá-las de seu
penoso cativeiro.
Os Apóstolos, que conheceram a Nosso Senhor,
ouviram certamente dos seus lábios, nos quarenta dias após a
Ressurreição, a narração desta descida ao limbo e por isso
eles incluíram no “Credo”, que é o Símbolo dos Apóstolos, esta
verdade.
Nem a alma de Jesus nem as dos justos vagaram
pelos espaços, como defendem os espíritas.
Isto é apenas produto da imaginação dos
espíritas para explicar mais facilmente a sua doutrina de
comunicação com as almas dos mortos através dos médiuns.
As almas separadas, ou como dizem os espíritas,
os espíritos desencarnados não vagam pêlos espaços e pelos
planetas, mas vão para o lugar que Deus, na sua justiça, lhes
indicou e de lá não saem para satisfazer a curiosidade de
qualquer pessoa e nem atendem aos chamados dos médiuns
espíritas.
Mas voltemos ao nosso assunto, perguntando qual
a razão por que Jesus desceu ao limbo.
Cristo desceu ao limbo primeiramente para
consolar as almas dos justos e anunciar-lhes o seu próximo
livramento. Os justos que lá estavam não sofriam ali nenhuma
dor, mas estavam privados da felicidade do céu. Eram isentos
de dor, mas não gozavam da vista de Deus. Jesus foi
consolá-los e alegrá-los com sua presença e comunicar-lhes a
boa-nova da Redenção que se cumprira. Descendo ao limbo, Nosso
Senhor queria arrebatar as presas do demônio, livrar do
cárcere a todos os justos e levá-los ao céu em sua companhia.
A presença de Cristo teve como efeito derramar entre os
cativos uma luz brilhante, infundir-lhes na alma um indizível
sentimento de prazer e alegria e dar-lhes também a desejada
felicidade que consiste na visão de Deus.
Ao mesmo tempo Nosso Senhor foi anunciar-lhes
que estava bem próxima a sua libertação, pois, de fato,
quarenta dias depois entraram com Ele no céu. São Cipriano
diz que Cristo se assemelhava a um rei que se apoderou de uma
fortaleza em que os seus estavam prisioneiros. A saída dessas
almas com Cristo do limbo é imagem da entrada triunfal de
Cristo com os eleitos no céu depois do juízo final”
(Leituras de Doutrina Cristã, I Dogma). |