Visto que muitos católicos
insistentemente nos pedem uma palavra de esclarecimento
a respeito de aparições, possíveis revelações
particulares e alocuções interiores, as presentes
Orientações Pastorais, assim o esperamos, deverão servir
de base para o posicionamento dos católicos sobre esses
assuntos.
1.
REVELAÇÃO NATURAL E REVELAÇÃO SOBRENATURAL
. Muitas vezes e de modos diversos falou Deus,
outrora, aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que
são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez
os séculos. (Hb 1,1´2).
"Deus é amor" (1 Jo 4,8), e quer livremente
partilhar com os homens Sua vida e felicidade. Por isso,
Deus se revela. Revelar quer dizer levantar o véu. Desde
a origem do mundo, Deus se dá a conhecer, por meio das
coisas criadas que, em sua beleza e harmonia, são um
testemunho perene da bondade do Criador (cf. Rm
1,19´20). Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o
seu senso do bem moral, com a sua liberdade e a voz da
sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à
felicidade, o homem se interroga sobre a existência de
Deus (CIC 33), de modo que em toda parte, mesmo os que
nunca tiveram contato com as Sagradas Escrituras nem
ouviram falar de Jesus Cristo, podem conhecer a Deus
como princípio e fim último de todas as coisas à luz da
razão natural (Concílio Vaticano I: DS 3004; DV 6; CIC
36).
Além desta revelação natural, Deus, que 'habita uma
luz inacessível' (1 Tm 6,16), quer comunicar a sua
própria vida divina aos homens (CIC 52). Aprouve a Deus,
em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e
tornar conhecido o mistério de Sua vontade (cf. Ef
1,19), pelo qual os homens, por intermédio do Cristo,
Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao
Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef
2,18; 2 Pd 1,4)´ (DV 2; CIC 51). Para isso, Deus escolhe
Abraão, em quem serão abençoadas todas as nações da
terra (cf. Gn 12,3). Depois dos patriarcas, Deus formou
Israel como seu povo, salvando-o da escravidão do Egito.
Fez com ele a Aliança do Sinai e deu-lhe através de
Moisés, a sua Lei, para que o reconhecesse e o servisse
como o único Deus vivo e verdadeiro (CIC 62). A esse
povo, através dos patriarcas e profetas, Deus se revela
de maneira particular, para que fosse raiz sobre a qual
serão enxertados os pagãos tornados crentes (CIC 60; cf.
Rm 11,17´18.24). Esta autocomunicação de Deus na
história tem na Encarnação do Verbo a sua plenitude.
Cristo, o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única,
perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e
não haverá outra palavra senão esta (CIC 65). Por isso,
já não há que esperar nenhuma nova revelação pública
antes da gloriosa manifestação de Cristo no final dos
tempos (cf. DV 4). Esta revelação especial ou
sobrenatural está consignada nas Sagradas Escrituras,
sendo garantida em sua infalibilidade por uma
assistência especialíssima do Espírito Santo, que
conferiu aos Hagiógrafos ou Escritores Sagrados os
carismas extraordinários da revelação e da inspiração.
Desta maneira, podemos dizer que a Bíblia, embora
escrita pelos mais diversos homens é, de fato, Palavra
de Deus.
Por outro lado, embora a Revelação esteja
terminada, não está explicitada por completo; caberá à
fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao
longo dos séculos. É neste sentido que devemos entender
o desenvolvimento do dogma na Igreja: não se trata de
novas revelações, mas de um aprofundamento, um
desabrochar de verdades já contidas no depósito da fé.
2. REVELAÇÕES PARTICULARES
No decurso dos séculos houve revelações denominadas
'privadas' e algumas delas têm sido reconhecidas pela
autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao
depósito da fé. A função delas não é 'melhorar' ou
'completar' a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar
a viver dela com mais plenitude em uma determinada época
da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso
dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas
revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos
seus santos à Igreja (CIC 67). É o caso, por exemplo,
das aparições da Mãe de Deus em Fátima ou Lourdes.
Note-se que o nome ´revelação privada´ não quer
significar que tais ´revelações´ não sejam conhecidas
pelo grande público ou que digam respeito apenas aos
videntes ou a um círculo limitado de pessoas. Pode se
tratar de um fenômeno de repercussão nacional ou mesmo
mundial. No entanto, tais possíveis 'revelações´ são
ditas, ainda assim, ´privadas´ ou ´particulares´ porque
não fazem parte do depósito da fé católica. Em outras
palavras, nenhum católico está obrigado a aceita-las,
mesmo quando já consagradas pela devoção do grande
público, ao contrário do que acontece com a revelação
especial, tal como nos é apresentada nas Sagradas
Escrituras e transmitida pelo magistério da Igreja.
Neste caso, todo católico tem a obrigação de acatar tudo
o que a Igreja propõe como verdade de fé e de moral.
A fé cristã não pode aceitar 'revelações' que
pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual
Cristo é a perfeição. Este é o caso de certas religiões
não-cristãs e também de certas seitas recentes que se
fundamentam em tais 'revelações'´ (CIC 67), como é o
caso, por exemplo dos Mórmons ou do Espiritismo.
3. PRÁXIS OBSERVADA PELOS BISPOS E
PELA SÉ APOSTÓLICA NA AVALIAÇÃO DO FENÔMENO DAS
APARIÇÕES
Ultimamente, tem se multiplicado o fenômeno de
aparições atribuídas a Nossa Senhora, tanto no Brasil
como no estrangeiro. A respeito de tais fenômenos,
existem opiniões favoráveis e opiniões contrárias. O que
a Igreja tem a dizer?
A Igreja é cautelosa: antes de se pronunciar a
respeito de alguma aparição, manda examinar o caso
criteriosamente, pois sabe que muitas vezes os fiéis,
com toda boa fé, podem imaginar estar vendo e ouvindo o
que não passa de projeções de sua fantasia.
Não existe legislação canônica sobre a avaliação do
fenômeno das aparições e manifestações miraculosas. O
Direito Canônico cala sobre o assunto. O que existe é
uma práxis observada pelos bispos e pela Sé Apostólica.
Os critérios básicos são os seguintes:
1: a) Critérios a respeito dos videntes:
- Deve ser verificado o estado de saúde física e mental
dos videntes por parte de médicos competentes e
psicólogos ou psiquiatras a fim de que não se confunda
alucinação com visão.
- É importante verificar se há falta de sinceridade e de
humildade da parte dos videntes, se há interesse em
tirar proveito próprio ou em se colocar no centro das
atenções.
- Verificar os contra
-testemunhos que os videntes apresentam na vida
cotidiana, a falta de respeito e de obediência aos
pastores, a exploração das emoções com objetivos
comerciais, políticos ou outros interesses.
- O objetivo de qualquer revelação autêntica é a
edificação da Igreja. Por isso, tudo o que a divide,
tudo o que leva ao pecado, tudo o que não leva à
evangelização não pode vir de Deus.
- Os videntes deixam de ter credibilidade a partir do
momento em que procuram sustentar com apoio celestial,
portanto, com autoridade pretensamente superior à da
Igreja, uma certa orientação doutrinária, da qual se
estivesse convencido; ou então promover mais facilmente
certos aspectos da vida cristã, como os sacramentos,
valendo´se da tendência das massas para o maravilhoso´
2. b) Critérios a respeito da mensagem transmitida pela
aparição:
São basicamente três os critérios a serem indicados
aqui:
Ortodoxia: o conteúdo da mensagem das aparições não pode
estar em contradição com a revelação bíblica, nem com a
doutrina da Igreja.
Convergência: O conteúdo da mensagem deve estar em
sintonia com as linhas pastorais da Igreja e os pastores
podem encontrar nessa mensagem matéria para incentivar a
vida pastoral e a conversão e renovação da vida cristã.
Coerência: Deve haver uma coerência entre o que os
videntes vêem, ouvem e dizem. O conjunto deve formar uma
mensagem coerente.
Além disso, toda autêntica aparição há de ser
coerente com as linhas e o espírito do Evangelho. Assim,
as muitas minúcias (quanto a datas, local, duração e
tipo dos fenômenos preditos) merecem reservas, pois não
são habituais na linguagem da Sagrada Escritura. O
Senhor Jesus mesmo recusou-se, mais de uma vez, a
revelar a data de sua vinda e do fim dos tempos (cf. Mc
13,32; At 1,7).
c) Critérios a respeito das ressonâncias da aparição:
Sinais: O fenômeno pode estar acompanhado de milagres,
curas, conversões, fenômenos cósmicos extraordinários em
favor da veracidade da aparição, os quais, porém, devem
ser cuidadosamente examinados pela ciência e pela
teologia. E como dizia o Papa João XXIII, em sua
radiomensagem de 18/02/1959, comemorativa do centenário
de Lourdes, que os dons extraordinários são concedidos
aos fiéis 'não para propor doutrinas novas, mas para
guiar nossa conduta' (3).
Que Frutos espirituais estão surgindo em
decorrência da aparição? Trata-se de conversões,
renovação da vida cristã, devoção mais intensa e mais
qualificada a Nossa Senhora, amor à Igreja, vocações
missionárias, sacerdotais e consagradas?
Caso o resultado dos exames acima sejam positivos, a
Igreja não somente permite, mas favorece o culto ao
Senhor ou ao santo(a) que se julga ter aparecido. É o
caso do culto a N. S. de Fátima ou de Lourdes, havendo
inclusive a festa respectiva no calendário da Igreja.
Importante: embora a Igreja favoreça o culto a Nossa
Senhora em tal ou tal lugar, ela não obriga os fiéis a
acolher as respectivas revelações particulares, uma vez
que elas não fazem parte do depósito da fé. Fica a
critério de cada fiel julgar as razões pró e contra a
autenticidade de cada ´aparição´ não condenada pela
Igreja e daí assumir ou não sua mensagem para a própria
vida.
A respeito de tais fenômenos extraordinários, o
Papa Bento XIV (1740-1758) publicou o seguinte: ´A
aprovação (de aparições) não é mais do que a permissão
de as publicar, para instrução e utilidade dos fiéis,
depois de maduro exame. Pois estas revelações assim
aprovadas, ainda que não se lhes dê nem possa dar um
assentimento de fé católica, devem contudo ser recebidas
com fé humana segundo as normas da prudência, que fazem
de tais revelações objeto provável e piedosamente
aceitável´4. Esta posição tornou´se clássica na prática
da Igreja.
Pode acontecer ainda que a Igreja se abstenha de
qualquer pronunciamento a respeito dos fenômenos e do
culto prestado em decorrência dos mesmos. É o que
acontece na maioria dos casos: não há motivos para
condenar os fenômenos relatados; nem a saúde mental dos
(as) videntes dá lugar a suspeitas nem as mensagens
apresentadas por eles contêm alguma heresia ou erro na
fé. A Igreja considera os frutos pastorais que decorrem
de tais mensagens: muitos fiéis se beneficiam
peregrinando a tal ou tal lugar ou santuário; aí se
convertem, recuperam ou adquirem o hábito da prática
sacramental, da oração... Por tudo isso, a Igreja deixa
que a piedade se desenvolva até haver razões de ordem
doutrinária ou moral que exijam algum pronunciamento.
Diante dos fenômenos de aparições e revelações
particulares, a Igreja tem a obrigação de ser prudente.
Ela é responsável pela preservação da doutrina da fé.
Por um lado, ela sabe que o Espírito Santo pode falar
por vias extraordinárias, de tal modo que não lhe é
lícito extinguir o Espírito (cf. 1 Ts 5,19s); por outro
lado, o extraordinário não é a via normal pela qual Deus
guia seus filhos. A fé madura não diz Sim a qualquer
notícia sobre portentos, prodígios e milagres, mas
pergunta sempre: por que deveria eu crer? Qual a
autoridade de quem me transmite a notícia? Em que se
baseia? Como fala?
Do que foi dito, segue que:
Aparições e revelações particulares não devem ser
presumidas nem admitidas em primeira instância num juízo
precipitado. Os fenômenos alegados hão de ser
comprovados ou criteriosamente credenciados;
Diante de um fenômeno tido como extraordinário,
procurem-se, antes do mais, as explicações ordinárias ou
naturais (físicas, psicológicas, parapsicológicas);
É preciso levar em conta a fragilidade humana,
sujeita a engano, sugestões, alucinações coletivas, etc.
Facilmente quem conta um fato acrescenta´lhe ou
subtrai-lhe um traço que pode ter importância; em
conseqüência, um acontecimento explicável por vias
naturais pode tornar-se, na boca dos narradores, um
fenômeno altamente portentoso. Daí o senso crítico, que
deve começar por investigar de que realmente se trata,
para depois procurar a explicação adequada. Leve-se em
conta especialmente a tendência dos meios de comunicação
social a provocar artificiosamente as emoções e o
sensacionalismo, sem compromisso sério com a verdade.
3.
ORIENTAÇÕES PASTORAIS
Apresenta-se portanto as seguintes orientações para a
prática do povo de Deus:
Não se faça, em nome de Pastorais, Movimentos e
Espiritualidades, lotações para afluírem aos locais de
supostas aparições.
Não se divulgue nas Pastorais, Movimentos e
Espiritualidades, folhetos, apostilas, fitas cassete ou
vídeos com mensagens de cunho milenarista, apocalíptico
ou catastrófico. Seja mantida a devida prudência com
relação aos escritos de pessoas que teriam a faculdade
de locução interior. O devido cuidado deve ser tomado de
não coloca-los em forma de leitura espiritual como
substituto ou auxiliar da Palavra de Deus.
Cada coordenador tenha como referência, para
orientações com relação a esta temática, além das
presentes orientações, os Subsídios Doutrinais 1 da
CNBB, intitulado ´Aparições e revelações particulares´.
Em última instância, prevaleça sempre a palavra do Bispo
Diocesano.
CONCLUSÃO
Gostaria de terminar essas orientações pastorais,
recordando o que nos ensina o Vaticano II sobre o culto
da Bem-aventurada Virgem, o qual admoesta todos os
filhos e filhas da Igreja ´a que generosamente promovam
o culto, sobretudo o litúrgico, para com a
Bem´aventurada Virgem, dêem grande valor às práticas e
aos exercícios de piedade recomendados pelo Magistério
no curso dos séculos e observem religiosamente o que em
tempos passados foi decretado sobre o culto das imagens
de Cristo, da Bem-aventurada Virgem e dos Santos´ (LG
67).
Ademais, saibam os fiéis que a verdadeira devoção
não consiste num estéril e transitório afeto, nem numa
certa vã credulidade, mas procede da fé verdadeira pela
qual somos levados a reconhecer a excelência da Mãe de
Deus, excitados a um amor filial para com nossa Mãe e à
imitação das suas virtudes. (ib.,67);
Enquanto peregrinamos, Maria será a mãe educadora da
fé (cf. LG 63). Ela cuida que o Evangelho nos penetre
intimamente, plasme nossa vida de cada dia e produza em
nós frutos de santidade (cf. Puebla, 290).
Referências
Bibliográficas:
O documento de referência é uma nota confidencial da
Congregação para a Doutrina da Fé, de 25 de fevereiro de
1978. Veja-se também: R. PANNET, Les Apparitions Aujourd'hui.
1988, p.145´146.
Cf. C. I. GONZALEZ, Maria, Evangelizada, Evangelizadora.
CELAM, Ed. Loyola, 1990, p.401´402.
Cf. Pergunte e responderemos, setembro de 1995,
p.392´393.
De Servorum Beatificatione II, c.32,11. · Outras fontes
de consulta: na elaboração deste documento, foram
consultadas, entre outras, as seguintes fontes:
· Aparições e Revelações particulares (Subsídios
Doutrinais 1, CNBB), Ed. Paulinas.
Compêndio do Vaticano II (DV e LG).
· Catecismo da Igreja Católica (CIC).
· JOÃO PAULO II, Redemptoris Mater.
· CARLOS IGNÁCIO GONZALES, Maria, Evangelizada e
Evangelizadora, CELAM, Ed. Loyola., 1990.
· ESTÊVÃO BETTENCOURT, OSB , Pergunte e Responderemos,
setembro de 1995.
STEFANO DE FIORES, Dicionário de Mariologia. Ed. Paulus,
1995.
· DOCUMENTO DE PUEBLA.
(Fonte: Dom Nelson Westrupp, SCJ) |