“Considera que
és pó e que em pó te hás de converter. Virá o dia em que será
preciso morrer e apodrecer num fosso, onde ficarás coberto de
vermes. A todos, nobres e plebeus, príncipes ou vassalos,
estará reservada a mesma sorte. Logo que a alma, com o último
suspiro, sair do corpo, passará à eternidade, e o corpo se
reduzirá a pó.
Imagina que
estás em presença de uma pessoa que acaba de expirar.
Contempla aquele cadáver, estendido ainda em seu leito
mortuário: a cabeça inclinada sobre o peito; o cabelo em
desalinho e banhado ainda em suores da morte, os olhos
encovados, as faces descarnadas, o rosto acinzentado, os
lábios e a língua cor de chumbo; hirto e pesado o corpo. Treme
e empalidece quem o vê... Quantas pessoas, à vista de um
parente ou amigo morto, mudaram de vida e abandonaram o mundo.
É ainda mais
horrível o aspecto do cadáver quando começa a corromper-se...
Nem um dia se passou após o falecimento daquele jovem e já se
percebe o mau cheiro. É preciso abrir as janelas e queimar
incenso; é mister que prontamente levem o defunto à igreja ou
ao cemitério, e o entreguem à terra para que não infeccione
toda a casa. Mesmo que aquele corpo tenha pertencido a um
nobre ou potentado, não servirá senão para que exale ainda
fetidez mais insuportável, — disse um autor.
Vês o estado a
que chegou aquele soberbo, aquele dissoluto!... Ainda há
pouco, via-se acolhido e cortejado pela sociedade; agora
tornou-se o horror e o espanto de quem o contempla. Os
parentes apressam-se a afastá-lo de casa e pagam aos coveiros
para que o enterrem em um esquife e lhe dêem sepultura... Há
bem poucos instantes ainda se apregoava a fama, o talento, a
finura, a polidez e a graça desse homem; mas apenas está
morto, nem sua lembrança se conserva.
Ao ouvir a
notícia de sua morte, limitam-se uns a dizer que era homem
honrado; outros, que deixou à sua família grande riqueza.
Contristam-se alguns, porque a vida do falecido lhes era
proveitosa; alegram-se outros, porque vão ficar de posse de
tudo quanto tinha. Por fim, dentro em breve, já ninguém falará
nele, e até seus parentes mais próximos não querem ouvir falar
dele para não se lhes agravar a dor que sentem. Nas visitas de
condolências, trata-se de outro assunto; e, quando alguém se
atreve a mencionar o falecido, não falta um parente que
advirta: Por caridade, não pronuncies mais o seu nome!
Considera que
assim como procedes por ocasião da morte de teus parentes e
amigos, assim os outros agirão na tua. Os vivos entram no
cenário do mundo para desempenhar seu papel e ocupar os
lugares dos mortos; mas do apreço e da memória destes pouco ou
nada cuidam. A princípio, os parentes se afligem por alguns
dias, mas se consolam depressa com a parte da herança que lhes
couber e, talvez, parece que até a tua morte os regozija.
Naquela mesma casa onde exalaste o último suspiro, e onde
Jesus Cristo te julgou, passarão a celebrar-se, como dantes,
banquetes e bailes, festas e jogos. E tua alma, onde estará
então?”
(Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte,
Consideração I, Ponto I). |