“Consideremos o
comparecimento do réu, a acusação, o exame e a sentença deste
juízo. Primeiramente, quanto ao comparecimento da alma perante
o juiz, dizem comumente os teólogos que o juízo particular se
efetua no mesmo instante em que o homem expira, que no próprio
lugar onde a alma se separa do corpo é julgada por Nosso
Senhor Jesus Cristo, o qual não delega seu poder, mas vem ele
mesmo julgar esta causa. ‘Na hora que não cuidais, virá o
Filho do homem’ (Lc 12, 40).
‘Virá com amor para os fiéis — disse Santo
Agostinho — e com terror para os ímpios’. Qual não será o
espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor,
vir também a indignação divina! ‘Quem poderá subsistir ante a
face de sua indignação?’ (Na 1,6) Meditando nisto, o Padre
Luís de la Puente estremecia de tal modo, que a cela em que se
achava tremia com ele. O venerável Padre Juvenal Ancina se
converteu ao ouvir cantar o Dies irae, porque, considerando o
terror que se apodera da alma quando se apresentar em juízo,
resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. A indignação
do juiz será prenúncio de eterna condenação (Pr 16,14); e fará
sofrer mais as almas que as próprias penas do inferno, segundo
afirma São Bernardo.
Têm-se visto criminosos banhados em copioso
suor frio na presença dos juízes terrestres. Pison, em traje
de réu, comparecendo no senado, sentiu tamanha confusão e
vergonha, que ali mesmo se deu a morte. Que aflição profunda
sente um filho ou um bom vassalo quando vê seu pai ou seu amo
gravemente indignado!... Mágoa muito maior sentirá a alma
quando vir indignado a Jesus Cristo, a quem desprezou! (Jo
19,37). Irritado e implacável, então, se lhe apresentará esse
Cordeiro divino, que foi no mundo tão paciente e amoroso, e a
alma, sem esperança, clamará aos montes que caiam sobre ela e
a ocultem à indignação de Deus (Ap 6,16). Falando do juízo,
disse São Lucas: ‘Então verão o Filho do homem’ (Lc 21,27).
Ver o seu juiz em forma humana aumentará a dor dos pecadores;
porque a presença daquele Homem, que morreu para salvá-los,
lhes recordará vivamente a ingratidão com que o ofenderam.
Depois da gloriosa Ascensão do Senhor, os
anjos disseram aos discípulos: ‘Este Jesus que, separando-se
de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que o vistes
ir para o céu’ (At 1,11). Virá, pois, o Salvador a julgar-nos,
ostentando aquelas mesmas chagas sagradas que tinha quando
deixou a terra. ‘Grande alegria para os que contemplam, grande
temor para os que esperam’ — Exclama Ruperto.
Essas benditas chagas consolarão os justos e
infundirão terror aos pecadores.
Quando José disse a seus irmãos: “Eu sou
José, a quem vendestes”, ficaram eles — diz a Escritura — sem
fala e imóveis de terror (Gn 45,3). Que responderá o pecador a
Jesus Cristo? Acaso, terá coragem de lhe pedir misericórdia,
quando antes dera prova do muito que desprezou essa mesma
clemência? Que fará, pois — interroga Santo Agostinho — para
onde fugirá quando vir o juiz indignado, por baixo o inferno
aberto, a um lado os pecadores que o acusam, ao outro o
demônio, disposto a executar a sentença, e dentro de si mesmo
a consciência que remorde e castiga?”
(Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para
a Morte, Consideração 24, Ponto 1). |