“Disse São Jerônimo
que muitos começam bem, mas poucos são os que perseveram. Um
Saul, um Judas, um Tertuliano, começaram bem, mas acabaram
mal, porque não perseveraram como deviam. ‘Nos cristãos não se
procura o princípio, mas o fim’. O Senhor — prossegue o mesmo
Santo — não exige somente o começo da boa vida, quer também
seu bom termo; o fim é que alcançará a recompensa. É por isso
que São Lourenço Justiniano chama a perseverança de porta do
céu. Quem não der com essa porta, não poderá entrar na glória.
Tu, meu irmão, que abandonaste o pecado e esperas, com razão,
que tenham sido perdoadas as tuas culpas, gozas da amizade de
Deus; todavia ainda não estás salvo, nem o estarás enquanto
não tiveres perseverado até ao fim (Mt 10,22). Começaste bem e
santamente a vida. Agradece mil vezes a Deus; mas adverte que,
segundo disse São Bernardo, não é ao que começa que se oferece
o prêmio, mas sim, unicamente, ao que persevera. Não basta
correr no estádio; mas impende prosseguir até alcançar a
coroa, conforme a expressão do apóstolo (1Cor 9,24). Lançaste
mão do arado: principiaste a viver bem; portanto, agora mais
do que nunca, deves recear e tremer… (Fl 2,12) Por quê?…
Porque, se retrocederes (o que Deus não permita) e tornares a
trilhar o mau caminho, Deus te excluirá do prêmio da glória (Lc
9,62). Por conseguinte, evita, fortalecido pela graça de Deus,
as ocasiões más e perigosas, freqüenta os sacramentos, faze
cada dia meditação. Serás feliz se assim continuares até que
Nosso Senhor Jesus Cristo venha julgar-te (Mt 24,46). Não
esperes, no entanto, que, por teres resolvido servir a Deus,
cessem as tentações e não voltem a combater-te. Considera o
que diz o Espírito Santo: ‘Filho, quando chegas ao serviço de
Deus, prepara a tua alma para a tentação’ (Ecl 2,1). Atende
que, então, mais que nunca, deves estar prevenido para o
combate, porque nossos inimigos, o mundo, o demônio e a carne,
agora mais que nunca, se armarão para te atacar e fazer-te
perder tudo o que tiveres conquistado. São Dionísio Cartusiano
afirma que, quanto mais uma alma se entrega a Deus, com tanto
maior empenho e inferno procura arrebatá-la. Esta verdade se
exprime claramente no evangelho de São Lucas, onde diz:
‘Quando o espírito imundo foi expulso duma alma, anda por
lugares áridos procurando repouso e, não o encontrando, diz:
‘Tornarei à minha casa donde saí… Então vai e leva consigo
outros sete espíritos piores do que ele, entram na alma e
moram ali. E as últimas coisas deste homem serão piores que as
primeiras’ (Lc 11,24-26); ou seja: quando o demônio se vê
expulso de uma alma, não encontra descanso e emprega todas as
suas forças para dominá-la novamente. Pede auxílio a outros
espíritos maus, e, se consegue reentrar naquela alma,
provocará uma segunda ruína, mais grave que a primeira.
Considera, pois, quais as armas que vais empregar para
defender-te desses inimigos e conservar a graça de Deus. Para
não seres vencido pelo demônio, não há arma mais eficiente do
que a oração. Disse São Paulo que não temos que combater
contra os homens de carne e osso como nós, mas contra
príncipes e potestades do inferno (Ef 6,12), querendo assim
advertir-nos que carecemos de forças especiais para resistir a
tamanho poder, e que, por conseguinte, necessitamos do socorro
de Deus. Com a assistência divina, podemos tudo (Fl 4,13),
dizia o Apóstolo, e todos devemos repetir o mesmo. Esse
auxílio, porém, só se alcança pedindo-o por meio da oração.
Pedi e recebereis. Não nos fiemos em nossos propósitos, que
estaremos perdidos. Toda a nossa confiança, quando o demônio
nos tentar, temos que depositar no auxílio divino,
recomendando-nos a Jesus e a Maria Santíssima. Mui
especialmente, devemos fazer isto nas tentações contra a
castidade, porque são as mais temíveis e as que oferecem ao
demônio mais freqüentes vitórias. Por nós mesmos, não dispomos
de forças para conservar a castidade. É preciso que Deus
no-las dê. ‘Cheguei à conclusão — exclama Salomão — que doutra
maneira não podia guardar continência, se Deus não me desse…
recorri ao Senhor e lhe roguei’ (Sb 8,21). Impende, pois, em
tais tentações, recorrer logo a Jesus Cristo e à sua santa
Mãe, invocando freqüentemente os santíssimos nomes de Jesus e
Maria. Quem assim fizer, vencerá; o que fizer o contrário,
será vencido” (Santo Afonso
Maria de Ligório, Preparação para a Morte, Consideração XXXI,
Ponto I). |