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                  Meios de preparar-se para a morte 
                    
                  
                  “Todos cremos que 
                  temos de morrer, que só uma vez havemos de morrer e que não há 
                  coisa mais importante que esta, porque do instante da morte 
                  depende a eterna bem-aventurança ou a eterna desgraça. Todos 
                  sabemos também que da boa ou má vida depende o ter boa ou má 
                  sorte. Como se explica, pois, que a maior parte dos cristãos 
                  vivem como se nunca devessem morrer, ou como se importasse 
                  pouco morrer bem ou mal? Vive-se mal porque não se pensa na 
                  morte: “Lembra-te de teus novíssimos, e não pecarás jamais.” É 
                  preciso persuadirmo-nos de que a hora da morte não é o momento 
                  próprio para regular contas e assegurar com elas o grande 
                  negócio da salvação. As pessoas prudentes deste mundo tomam, 
                  nos negócios temporais, todas as precauções necessárias para 
                  obter tal benefício, tal cargo, tal casamento conveniente, e, 
                  com o fim de conservar ou restabelecer a saúde do corpo, não 
                  deixam de empregar os remédios adequados. Que se diria de um 
                  homem que, tendo de apresentar-se ao concurso de uma cadeira, 
                  esperasse, para adquirir a indispensável habilitação, até ao 
                  momento de acudir aos exercícios? Não seria um louco o 
                  comandante de uma praça que esperasse vê-la sitiada para fazer 
                  provisões de víveres e armamentos? Não seria insensato o 
                  navegante que aguardasse a tempestade para munir-se de âncoras 
                  e cabos?… Tal é, todavia, o procedimento do cristão que difere 
                  até à hora da morte o regular o estado de sua consciência. 
                  “Quando cair sobre eles a destruição como uma tempestade… 
                  então invocar-me-ão e não os escutarei… Comerão os frutos do 
                  seu mau proceder” (Pr 1,27.28.31). 
                  
                  A hora da morte é 
                  tempo de confusão é de tormenta. Então os pecadores implorarão 
                  o socorro do Senhor, mas sem conversão verdadeira, unicamente 
                  com o receio do inferno, em que se vêem próximos a cair. É por 
                  este motivo justamente que não poderão provar outros frutos 
                  que os de sua má vida. “Aquilo que o homem semeou, isto também 
                  colherá” (Gl 6,8). Não bastará receber os Sacramentos, mas 
                  será preciso morrer detestando o pecado e amando a Deus sobre 
                  todas as coisas. Como, porém, poderá aborrecer os prazeres 
                  ilícitos aquele que até então os amou?… Como amará a Deus 
                  sobre todas as coisas aquele que até esse instante tiver amado 
                  mais as criaturas do que a Deus? 
                  
                  O Senhor chamou 
                  loucas — e na verdade o eram — as virgens que queriam preparar 
                  as lâmpadas quando já chegava o esposo. Todos temem a morte 
                  repentina, que impede regular as contas da alma. Todos 
                  confessam que os Santos foram verdadeiros sábios, porque 
                  souberam preparar-se para a morte antes que essa chegasse… E 
                  nós, que fazemos nós? Queremos correr o perigo de nos 
                  prepararmos para bem morrer, quando a morte nos estiver já 
                  próxima? Façamos agora o que nesse transe quiséramos ter 
                  feito… Oh! quanto é terrível então recordar o tempo perdido, e 
                  sobretudo o tempo mal empregado!… O tempo que Deus nos 
                  concedeu para merecer, mas que passou para nunca voltar. 
                  
                  Que angústia nos 
                  dará o pensamento de que já não é possível fazer penitência, 
                  freqüentar os sacramentos, ouvir a palavra de Deus, visitar 
                  Jesus Sacramentado, fazer oração! O que está feito, está 
                  feito. Seria necessário ter então mais presença de espírito, 
                  mais tranqüilidade e serenidade para confessar-se bem, para 
                  dissipar graves escrúpulos e tranqüilizar a consciência… mas 
                  já não é tempo! (Ap 10,6). 
                  
                  Já que é certo, 
                  meu irmão, que tens de morrer, prostra-te aos pés do 
                  Crucifixo; agradece-lhe o tempo que sua misericórdia te 
                  concede para regular tua consciência, e passa em revista a 
                  seguir todas as desordens de tua vida passada, especialmente 
                  as de tua mocidade. Considera os mandamentos divinos: recorda 
                  os cargos e ocupações que tiveste, as amizades que 
                  cultivastes; anota tuas faltas e faze — se ainda a não fizeste 
                  — uma confissão geral de toda a tua vida… Oh! quanto contribui 
                  a confissão geral para pôr em boa ordem a vida de um cristão. 
                  Cuida que essa conta sirva para a eternidade, e trata de 
                  resolvê-la como se a apresentasses no tribunal de Jesus 
                  Cristo. Afasta de teu coração todo afeto mau e todo rancor ou 
                  ódio. Satisfaze qualquer motivo de escrúpulo acerca dos bens 
                  alheios, da reputação lesada, de escândalos dados, e propõe 
                  firmemente fugir de todas as ocasiões em que possas perder a 
                  Deus. Pensa que aquilo que agora parece difícil, impossível te 
                  parecerá no momento da morte. 
                  
                  O que 
                  mais importa é que resolvas pôr em execução os meios de 
                  conservar a graça de Deus. Esses meios são: ouvir Missa 
                  diariamente; meditar nas verdades eternas; fazer, ao menos uma 
                  vez por semana, a confissão e receber a comunhão; visitar 
                  todos os dias o Santíssimo Sacramento e a Virgem Maria; 
                  assistir aos exercícios das congregações ou irmandades a que 
                  pertenças; praticar a leitura espiritual; fazer todas as 
                  noites exame de consciência; escolher alguma devoção especial 
                  à Virgem, como jejuar todos os sábados, e, por fim, propor 
                  recomendar- se a Deus e à sua Mãe Santíssima, invocando a 
                  miúdo, sobretudo no tempo da tentação, os santíssimos nomes de 
                  Jesus e Maria. 
                  
                  Tais são 
                  os meios com que podemos alcançar uma boa morte e a salvação 
                  eterna. 
                  
                  Exercer 
                  essas práticas será sinal evidente de nossa predestinação. 
                  
                  Pelo que diz 
                  respeito ao passado, confiai no sangue de Nosso Senhor Jesus 
                  Cristo, que vos dá estas luzes porque quer salvar-vos, e 
                  esperai na intercessão de Maria, que vos obterá as graças 
                  necessárias. Com a vida assim regulada, e a esperança posta em 
                  Jesus e Maria, quanto nos ajuda Deus, e que força não adquire 
                  a alma! 
                  
                  Coragem, 
                  pois, meu leitor, entrega-te todo a Deus, que te chama, e 
                  começa a gozar dessa paz que até agora, por culpa tua, não 
                  experimentaste. Pode, porventura, uma alma desfrutar paz maior 
                  que a de poder dizer todas as noites, ao descansar: se viesse 
                  esta noite a morte, morreria, segundo espero, na graça de 
                  Deus? Que consolação se, ao ouvir o fragor do trovão, ao 
                  sentir a terra tremer, pudermos esperar resignadamente a 
                  morte, se Deus assim o tiver determinado! 
                  
                  É necessário o 
                  cuidado de nos acharmos em qualquer tempo, como quiséramos 
                  estar na hora da morte. “Bem-aventurados os mortos que morrem 
                  no Senhor” (Ap 14,13). Diz Santo Ambrósio que morrem 
                  felizmente aqueles que ao morrer já estão mortos para o mundo, 
                  ou seja desprendidos dos bens que por força então hão de 
                  deixar. Por isso, é necessário que desde já aceitemos o 
                  abandono de nossa fazenda, a separação de nossos parentes e de 
                  todos os bens terrenos. Se não o fizermos voluntariamente 
                  durante a vida, forçosa e necessariamente o teremos de fazer 
                  na morte, com a diferença de que então não será sem grande dor 
                  e grave perigo de nossa salvação eterna. Adverte-nos, neste 
                  propósito, Santo Agostinho, que constitui grande alívio, para 
                  morrer tranqüilo, regular em vida os interesses temporais, 
                  fazendo previamente as disposições relativas aos bens que 
                  temos de deixar, a fim de que na hora derradeira somente 
                  pensemos em nossa união com Deus. Convirá então só ocupar-se 
                  das coisas de Deus e da glória, pois são demasiadamente 
                  preciosos os últimos momentos da vida para dissipá-los em 
                  assuntos terrenos. No transe da morte se completa e se 
                  aperfeiçoa a coroa dos justos, porque é então que se recolhe a 
                  melhor soma de méritos, abraçando as dores e a própria morte 
                  com resignação ou amor. 
                  
                  Mas não poderá ter 
                  na morte estes bons sentimentos quem neles não se exercitou 
                  durante a vida. Para este fim alguns fiéis praticam, com 
                  grande aproveitamento, a devoção de renovar em cada mês o 
                  protesto da morte, com todos os atos em tal transe próprios de 
                  um cristão, e isto depois de receber os sacramentos da 
                  confissão e comunhão, imaginando que se acham moribundos e a 
                  ponto de sair desta vida. 
                  
                  O que se não faz 
                  na vida, difícil é fazê-lo na morte. A grande serva de Deus, 
                  irmã Catarina de Santo Alberto, filha de Santa Teresa, 
                  suspirava na hora da morte, exclamando: “Não suspiro, minhas 
                  irmãs, por temor à morte, pois há vinte e cinco anos que a 
                  espero; suspiro porque vejo tantos pecadores iludidos que 
                  esperam para reconciliar-se com Deus até à hora da morte, 
                  quando apenas poderão pronunciar o nome de Jesus”. 
                  
                  Examina, pois, meu 
                  irmão, se teu coração tem apego a qualquer coisa da terra, a 
                  determinadas pessoas, honras, riquezas, casa, sociedade ou 
                  diversões, e considera que não hás de viver aqui eternamente. 
                  Virá o dia, talvez próximo, em que deverás deixar tudo. Por 
                  que, neste caso, manter o afeto nessas coisas, correndo risco 
                  de ter morte inquieta?…Oferece-te, desde já, por completo a 
                  Deus, que pode, quando lhe aprouver, privar-te desses bens. 
                  Quem quiser morrer resignado, há de ter resignação desde agora 
                  em todos os acidentes contrários que lhe possam suceder; e há 
                  de afastar de si os afetos às coisas da terra. — Afigura-te 
                  que vais morrer — diz São Jerônimo — e facilmente conseguirás 
                  desprezar tudo. 
                  
                  Se 
                  ainda não escolheste estado de vida, toma aquele que na hora 
                  da morte quererias ter escolhido e que possa proporcionar-te 
                  um trânsito mais consolador à eternidade. Se já tens um 
                  estado, faze tudo que ao morrer quiseras ter feito nesse 
                  estado. Procede como se cada dia fosse o último da vida, cada 
                  ação a derradeira que praticas; a última oração, a última 
                  confissão, a última comunhão. Imagina que estás moribundo, 
                  estendido sobre o leito, e que ouves aquelas palavras 
                  imperiosas: Sai deste mundo. Quanto estes pensamentos nos 
                  podem ajudar a caminhar bem e a menosprezar as coisas 
                  mundanas! “Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, 
                  quando vier, achar procedendo assim” (Mt 24,46). Aquele que 
                  espera a toda hora a morte, ainda que esta venha subitamente, 
                  não pode deixar de morrer bem” 
                  (Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte, 
                  Consideração X, Pontos I, II e III).  |