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                  ANTIGO TESTAMENTO. O termo hebraico ahab e seus 
                  cognatos são usados numa variedade de contextos que são quase 
                  os mesmos em que se emprega o termo “amor” nas outras línguas, 
                  principalmente as anglo-germânicas e as neo-latinas. 
                  Basicamente ele significa uma afeição voluntária, um apego 
                  voluntário. Ele é usado um tanto impropriamente, como aliás 
                  acontece no português e em outras línguas, para exprimir apego 
                  a objetos ou a abstrações, podendo estes ser um bem ou um mal. 
                  Com o sentido de apego entre pessoas, o termo é empregado com 
                  maior freqüência para designar o amor entre os sexos. Pode 
                  significar, outrossim, simplesmente a concupiscência sexual (Gn 
                  34,3; Jz 16,4.15; 2 Sm 13,4.15; Is 57,8; Jr 2,25.33; Ez 
                  16,33-37; 23,5.9.22; Os 2,7-15); este é provavelmente o 
                  sentido atribuído ao amor de Salomão às suas numerosas 
                  mulheres (I Rs 11,1). O termo, porém, novamente como acontece 
                  no português e em outras línguas, também indica o apego do 
                  homem à mulher num sentido mais nobre do que o sentido de mera 
                  concupiscência (Gn 24,67; 29,20; 1 Sm 1,5; Ecl 9,9). 
                  Salienta-se o aspecto emocional do amor sexual em Ct 1,7; 
                  2,4s; 3,1; 4,10; 5,8; 7,7; 8,6s. A paixão ardente implícita no 
                  termo evidencia-se em trechos tais como Gn 29,20; Ct 8,6s, e a 
                  profundidade da afeição serena aparece em Ez 24,16. A antítese 
                  da mulher amada e odiada (Dt 21,15s) seria melhor traduzida 
                  por “mais amada” e “menos amada”. O termo é usado com menor 
                  freqüência para referir-se a outros tipos de afeição familiar, 
                  como a do pai para o filho (Gn 22,2; 25,28; 37,3s; 44,20) e a 
                  da mãe para o filho (Gn 25,28). Tais passagens, entretanto, 
                  representam um ponto de referência importante para se chegar 
                  ao verdadeiro sentido do termo, porque, em cada um dos 
                  contextos em que ele é empregado, significa um amor de 
                  preferência. Esta tonalidade latente nem sempre se encontra 
                  explícita; o amor de Rute a Noemi, sua sogra, manifesta-se 
                  através de sua dedicação e fidelidade ao último sobrevivente 
                  da família de seu marido (Rt 4,15). Também se diz das pessoas 
                  que estas são amadas quando, na realidade, se deveria dizer 
                  que elas gozam de popularidade; Davi é amado por Saul (l Sm 
                  16,21), mas também pelos oficiais de Saul (1 Sm 18,22) e por 
                  todo Israel (1 Sm 18,16). O amor também é demonstrado por um 
                  escravo para com seu bondoso senhor (Ex 21,5; Dt 15,16), e ao 
                  israelita se ordena que ame o estrangeiro (cf. Lv 19,34; Dt 
                  10,19); por conseguinte, pode haver um sentimento recíproco 
                  entre um superior e um subalterno. O amor assume igualmente a 
                  forma de amizade, e os amigos de uma pessoa em hebraico são 
                  chamados de amantes de tal pessoa (1 Sm 18,1; 20,17; 1 Rs 
                  5,15; Sl 38,12; Jó 19,19; Jr 20,4.6). A intensidade de 
                  sentimento que poderia existir entre amigos acha-se refletida 
                  em 2 Sm 1,26; o amor de um amigo supera o amor das mulheres. 
                  Esta expressão não é atraente para os gostos modernos, mas ela 
                  não possui no hebraico a conotação desagradável que apresenta 
                  em outras línguas. O amor de amizade, como outras emoções, foi 
                  expresso no Antigo Testamento sem as restrições que estamos 
                  acostumados a impor-lhes. Ordena-se ao israelita que ame seu 
                  próximo (Lv 19,18); a identificação deste próximo encontra-se 
                  muito mais explicita e esclarecida no evangelho do que em 
                  qualquer texto do Antigo Testamento. O termo “próximo”, no uso 
                  comum, não significa outro israelita, mas antes os israelitas 
                  de quem a pessoa está “perto”, aqueles com quem se vive e lida 
                  habitualmente. Somente uma vez surge a palavra amor empregada 
                  com relação ao “eu” da pessoa (Pr 19,8); ai, poderíamos tentar 
                  uma paráfrase, dizendo que quem conquista a sabedoria aprende 
                  a cuidar bem de si mesmo. 
                  
                  Como conceito teológico, o amor se apresenta 
                  qual sentimento recíproco entre Iahweh e Israel. O conceito 
                  não pode ser chamado de antigo; ele não é encontrado antes de 
                  Oséias, que com toda a probabilidade deve ser considerado o 
                  primeiro a expressá-lo. Oséias dá-lhe forma na analogia do 
                  matrimônio de Iahweh com Israel. Um traço significativo nesta 
                  analogia é o de que a iniciativa no amor conjugal parte do 
                  homem e não da mulher; Iahweh é o primeiro a amar Israel, e o 
                  amor de Israel é uma resposta. O amor de Iahweh é o laço por 
                  meio do qual Iahweh atrai para si (Os 11,4). Oséias também 
                  fala do amor paterno de Iahweh por Israel (Os 11,1), e aí 
                  igualmente coloca a iniciativa em Iahweh. Oséias é o primeiro 
                  a falar do fim do amor de Iahweh por Israel (Os 9,15); o 
                  caráter violentamente apaixonado da concepção de Oséias a 
                  respeito do amor dá lugar à possibilidade de que este amor 
                  possa esfriar-se através de uma infidelidade flagrante e 
                  contínua. Trata-se de um apego voluntário e não natural, e a 
                  direção da vontade pode ser alterada. 
                  
                  Deuteronômio é o primeiro livro do Antigo 
                  Testamento a incorporar a idéia de amor de forma sistemática 
                  em seu pensamento, e continua sendo o livro do Antigo 
                  Testamento em que a concepção possui o lugar mais amplo. 
                  Contrastando com Oséias e com outros profetas que abordam a 
                  idéia, o conceito de amor no Deuteronômio apresenta-se frio e 
                  sem paixão. O amor de Iahweh por Israel é uma continuação do 
                  seu amor aos patriarcas (Dt 4,37; 7,8; 10,15). Geralmente a 
                  palavra amor no Deuteronômio vem combinada com a palavra 
                  escolha (ELEIÇÃO); o amor de Iahweh é um amor que prefere, e 
                  que representa a raiz de uma eleição. A idéia de amor e de 
                  eleição aparece também em Is 43,4; Ml l,2s; Sl 47,5; e em Sl 
                  78,68; 87,2 ela é transferida como um todo de Israel para Judá 
                  e Jerusalém, a sede da dinastia de Davi. O amor de Iahweh por 
                  Israel ressurge em Deuteronômio (7,13; 23,6 +) e nos livros 
                  influenciados pela redação deuteronômica (1 Rs 10,9), e os 
                  termos de Deuteronômio são usados em 2 Cr 2,10; 9,8; Ne 13,26. 
                  Em Dt 7,13, o amor associa-se à bênção, que é um 
                  transbordamento do amor. Jr 31,3 segue mais a tradição de 
                  Oséias do que a do Deuteronômio; o amor de Iahweh é perene, 
                  eterno, podendo olhar tanto para o passado quanto para o 
                  futuro, e é um amor que atrai Israel. O amor de Iahweh 
                  raramente recai sobre indivíduos, e, neste caso, é quase 
                  sinônimo de eleição, como ocorre com Salomão considerado 
                  herdeiro (2 Sm 12,24) e com Ciro, que é chamado a conquistar 
                  nações e a libertar Israel (Is 48,14). Em alguns Salmos mais 
                  recentes o amor de Iahweh volta-se para virtudes como a 
                  retidão e a justiça (Sl 11,7; 33,5; 37,28; cf. Is 61,8) e para 
                  os retos (Sl 146,8). 
                  
                  Com exceção de Jz 5,31, que é possivelmente uma 
                  doxologia posterior acrescentada a um cântico primitivo, o 
                  amor de Israel por Iahweh é certamente criação do 
                  Deuteronômio. A palavra ocorre no decálogo (Ex 20,6; Dt 5,10), 
                  mas a fórmula do Êxodo pode ser devida à influência do 
                  Deuteronômio. O mandamento de amar Iahweh aparece 
                  freqüentemente no Deuteronômio (6,5; 10,12; 11,1.13.22; 13,4; 
                  19,9; 30,6.16.20) e em Js 22,5; 23,11 por influência da 
                  redação deuteronômica. A linguagem do Deuteronômio pretende 
                  representar o amor dado a Iahweh como um autêntico sentimento 
                  e não como simples convicção; Israel deve amar Iahweh com todo 
                  o seu coração, com todo o seu ser, e com toda a sua força. A 
                  principal obra de amor a Iahweh consiste na observância de 
                  seus mandamentos; na verdade, a súmula da mensagem do 
                  Deuteronômio reside no fato de que Israel deve retribuir o 
                  amor de eleição de Iahweh observando as leis que o livro 
                  transmite (Dt 5,10; 7,9). A combinação do amor com a 
                  observância aparece também em livros posteriores (Dn 9,4; Ne 
                  1,5), bem como a idéia de amor pura e simplesmente (Sl 
                  145,20). Jr 2,2 encontra-se novamente na tradição de Oséias; o 
                  amor jovem de Israel a Iahweh fez parte de sua história no 
                  deserto, como o amor de uma esposa a seu esposo. Não se diz 
                  que uma pessoa individualmente ama Iahweh, exceto Salomão (1 
                  Rs 3,3). Na literatura posterior, a reverência para com a 
                  realidade divina leva ao uso do nome de Iahweh (Sl 5,12; 
                  69,37; Is 56,6) ou da salvação de Iahweh (Sl 40,17; 70,5) para 
                  substituir o próprio Iahweh, como objeto de amor. Em tal 
                  contexto de excessiva reverência, dificilmente poder-se-ia 
                  esperar que a idéia do amor de Iahweh pudesse crescer. 
                  
                    
                  
                  NOVO TESTAMENTO. O grego usa o termo eros, 
                  philia e ágape e seus cognatos para designar o amor. Eros 
                  significa a paixão de desejo sexual e não aparece no Novo 
                  Testamento. Philein e philia designam primordialmente o amor 
                  de amizade. Ágape e agapan, menos freqüentes no grego profano, 
                  possivelmente por esta razão foram escolhidas para designar a 
                  idéia cristã única e original do amor no Novo Testamento. 
                  Também em vernáculo, a palavra “caridade” é usada para mostrar 
                  o caráter único deste amor, e é empregada na maioria das 
                  versões da Bíblia para traduzir ágape e agapan. 
                  
                    
                  
                  I. Evangelhos sinóticos. O amor a Deus e ao 
                  próximo é chamado o maior mandamento da lei por Jesus, que 
                  cita Dt 6,5 e Lv 19,18 (Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 
                  10,25-28). Os dois mandamentos são colocados em plano igual; e 
                  é justamente nisto que consiste a revolução cristã da 
                  caridade. Somente Lucas, porém, relata a pergunta final: “Quem 
                  é o próximo?”; Jesus respondeu com a parábola do bom 
                  samaritano (Lc 10,29-37). A hostilidade entre judeus e 
                  samaritanos era profunda, e com esta parábola Jesus 
                  identificou o próximo com o grupo de quem os judeus se achavam 
                  mais afastados. A parábola é uma explicação profundamente 
                  pitoresca do amor dedicado aos inimigos (Mt 5,43-48; Lc 
                  6,27s.32-36). Aí Jesus apresenta a atitude de Deus em relação 
                  aos homens como o modelo da atitude do cristão em face dos que 
                  o odeiam. O amor ao próximo é uma atitude geral e regular que 
                  o cristão deve assumir, e não depende do comportamento do 
                  próximo, como deste não depende igualmente o curso da 
                  natureza, que Deus mantém tanto para pecadores quanto para 
                  justos. Nisso o amor cristão deve mostrar-se diferente da 
                  moralidade pagã; ninguém questiona o dever de amar os próprios 
                  amigos, mas Jesus pede mais do que isso. 
                  
                  Em Lc 7,36-50, Jesus apresenta o crescimento no 
                  amor de Deus como o resultado da gratidão pelo perdão dos 
                  pecados, o que implica no fato de que o autêntico amor a Deus 
                  só pode surgir do reconhecimento do próprio pecado, e de que a 
                  auto justiça, semelhante à dos fariseus, é incompatível com o 
                  amor. Lc 7,47 constitui uma oração condensada no grego, cuja 
                  tradução em diversas línguas foge à verdadeira exatidão do 
                  texto. A expressão significa, de acordo com o contexto 
                  anterior e seguinte: “Seus numerosos pecados lhe são 
                  perdoados, porque ela demonstrou muito amor”, isto é, seu 
                  extraordinário grau de amor evidencia o quanto está ela 
                  consciente do grande perdão que recebeu. Quem não tem esta 
                  consciência bem viva não pode demonstrar amor. 
                  
                  O amor a Deus é possessivo, e não se pode ter 
                  dois senhores (Mt 6,24; Lc 16,13). Neste trecho, o sentido de 
                  “preferência” em agapan surge nitidamente. A antítese 
                  amor-ódio em hebraico e aramaico não possui absolutamente a 
                  mesma força que tem no vernáculo e em outras línguas modernas. 
                  
                  O amor de Jesus e do Pai aparece nos evangelhos 
                  sinóticos apenas na designação de Jesus como o Filho muito 
                  amado (Mt 3,17; 12,18; 17,5; Mc 1,11; 9,7; 12,6; Lc 3.22; 
                  9,35; 20,13). O original semita desta frase significa “filho 
                  único”, mas a paráfrase grega é exata; o filho único era, 
                  logicamente, o filho amado. Este relacionamento é desenvolvido 
                  de modo mais amplo e pleno em João e Paulo. 
                  
                  Jesus usa os termos phileln para a atitude de 
                  seus discípulos para com ele, pedindo-lhes mais amor do que o 
                  amor que se dedica aos pais e aos filhos (Mt 10,37). A palavra 
                  agapan descreve o sentimento de Jesus diante do jovem que lhe 
                  perguntou o que devia fazer para tornar-se perfeito (Mc 10,21) 
                  e o amor do centurião de Cafarnaum pelo povo judeu (Lc 7,5). 
                  
                    
                  
                  II. Os escritos paulinos. Ágape e agapan nos 
                  escritos paulinos referem-se ao amor de Deus e de Cristo ao 
                  homem, ao amor do homem a Deus e a Cristo, e ao amor recíproco 
                  dos homens entre si. O amor de Deus é “derramado” no coração 
                  dos homens pelo Espírito Santo, que é um sinal e um efeito do 
                  amor de Deus (Rm 5,5). Pelo amor, o Pai predestina o cristão (Ef 
                  1,4) e é levado a dar a vida ao cristão (Ef 2,4). A prova do 
                  amor de Deus ao homem é a morte de Cristo para livrar o homem 
                  do pecado (Rm 5,8). Não há força que possa separar o cristão 
                  deste amor eterno, que lhe garante a vitória (Rm 8,35-39); 
                  Deus que ama o cristão e dá-lhe estimulo e esperança (2Ts 
                  2,16). O amor de Cristo aos homens fica demonstrado pela sua 
                  entrega em favor e em resgate do homem pecador (Gl 2,20; Ef 
                  5,2.25). O amor que Cristo mostra à sua Igreja constitui o 
                  modelo do amor que o esposo deve dedicar à sua esposa (Ef 
                  5,25); aí aparece o tema do amor do Antigo Testamento tal como 
                  Oséias e Jeremias o concebiam. 
                  
                  Quando Paulo fala do amor do homem a Deus é 
                  geralmente para anunciar as bênçãos que o homem recebe como 
                  fruto deste amor. O amor a Deus é algo para que o próprio Deus 
                  dirige o coração do cristão (2 Ts 3,5). Tudo contribui para o 
                  bem dos que amam a Deus (Rm 8,28), e o cristão deveria 
                  regozijar-se e estimular-se com o pensamento do que Deus 
                  prepara para aqueles que o amam (1 Cor 2,9). Os que amam a 
                  Deus recebem dele aprovação (1 Cor 8,3). O amor de Paulo a 
                  Cristo impele-o às tarefas apostólicas (2 Cor 5,14). 
                  
                  As exortações à caridade recíproca são 
                  numerosas e constituem uma parte modelar das exortações de 
                  Paulo em favor de uma vida autenticamente cristã e da prática 
                  da virtude. Paulo reafirma com suas próprias palavras o 
                  ensinamento dos evangelhos sinóticos: quem ama o próximo 
                  cumpre toda a lei, porque este mandamento resume os outros 
                  mandamentos (Rm 13,8-10; Gl 5,13s). O amor deve surgir de 
                  maneira excelente entre marido e mulher, que devem amar um ao 
                  outro como Cristo e a Igreja se amam (Ef 5,25-33). O amor 
                  procede de modo conveniente e adequado a fim de não ferir o 
                  irmão com o escândalo (Rm 14,15), e dando esmola aos que 
                  necessitam (2 Cor 8,7ss). O amor também recebe o pecador 
                  arrependido (2 Cor 2,8). A concepção paulina do ágape 
                  fraterno, na verdade, parece não deixar lugar para os que não 
                  são cristãos, e, em certo sentido, ele não existe na 
                  realidade; a união dos corações e a troca de deveres de amor 
                  que uma comunidade possibilita não pode ser comunicada aos que 
                  não são membros da comunidade. Paulo não exclui, porém, os que 
                  não são cristãos do raio de ação da bondade dos cristãos; 
                  ágape, entretanto, se torna em Paulo quase um sinônimo da 
                  Igreja, da qual é preciso ser membro para participar da 
                  plenitude do ágape. Paulo freqüentemente se dirige aos membros 
                  da Igreja chamando-os de “amados”, termo que designa 
                  predominantemente a afeição que Paulo lhes dedica e que eles 
                  têm uns pêlos outros. Ágape como relacionamento mútuo só pode 
                  existir entre cristãos. 
                  
                  O uso mais importante e freqüente do termo 
                  ágape nos escritos paulinos emprega o termo sozinho, sem 
                  nenhum complemento explicitamente mencionado, de modo tal que 
                  às vezes se torna impossível afirmar que o termo se refere 
                  formalmente ao amor de Deus ou ao amor mútuo dos cristãos. 
                  Este emprego é particularmente freqüente nas epístolas 
                  pastorais e em outras epistolas que são paulinas mais por 
                  influência e espírito do que por suas origens literárias. 
                  Ágape, assim, transforma-se numa espécie de atmosfera em que 
                  Deus e os cristãos vivem juntos; comunicado por Deus, é o 
                  ágape que permite a formação da comunidade cristã e a 
                  existência do cristão individual. O amor constrói o cristão (1 
                  Cor 8,1). O cristão está enraizado e fundamentado no amor (Ef 
                  3,17), e o amor é o guia de sua conduta (Ef 5,2). Ele é o 
                  vínculo que une todas as virtudes (Cl 3,14), e é a atividade 
                  da fé (Gl 5,6). Ele inspira o cristão para o trabalho (1 Ts 
                  1,3), e o cristão cresce no amor pela fidelidade à verdade (Ef 
                  4,15s). Ágape, neste sentido absoluto, é elogiado no hino de l 
                  Cor 13,1-13. É o carisma mais excelente, superior ao dom das 
                  línguas, ao conhecimento, à taumaturgia, e ao martírio (1-4), 
                  que não têm valor algum sem ele. Ele manifesta todas as 
                  virtudes (4-7). Diversamente de outros carismata e virtudes, 
                  ele permanece; mesmo a fé e a esperança cederão lugar à 
                  realidade final, mas o cristão permanecerá eternamente em 
                  ágape (8-13). 
                  
                    
                  
                  III. Os escritos joaninos. Em João, ágape é 
                  apresentado como três termos de uma relação mútua: o Pai, o 
                  Filho e os discípulos. O amor do Pai aos discípulos leva-o a 
                  adotar estes discípulos como seus filhos (1 Jo 3,1). Jesus ama 
                  seus discípulos até o fim (Jo 13,1) e dá por eles a vida (1 Jo 
                  3,16); é esta a maior prova de amor (Jo 15,13). Deus é ágape 
                  (l Jo 4,8-16); sem ágape não se pode conhecer a Deus. 
                  
                  O amor de Deus e de Cristo pelo homem requer 
                  uma resposta. Os judeus são censurados porque não amam a Deus 
                  (Jo 5,42). Este amor não consiste em mera profissão de amor, 
                  mas deve ser demonstrado através de fatos ou obras autênticos 
                  (1 Jo 3,18). A principal obra de amor consiste em guardar a 
                  palavra de Deus e os mandamentos de Jesus (Jo 14,15.21.23; 
                  15,10; 1 Jo 2,5; 5,3). Quem ama o mundo não ama a Deus (1 Jo 
                  2,15s). Não ama a Deus quem priva dos bens que possui o irmão 
                  que vê em necessidade (1 Jo 3,17). Quem ama a Jesus 
                  regozija-se com a sua volta ao Pai, porque esta significa o 
                  cumprimento pleno de sua missão e a sua glorificação (Jo 
                  14,28). 
                  
                  O primeiro mandamento, o mandamento de Jesus, 
                  consiste no seguinte: os discípulos devem amar-se uns aos 
                  outros (Jo 13,24s; 15,17). Devem amar-se uns aos outros com o 
                  mesmo amor total e desinteressado com que Jesus os amou (Jo 
                  15,12s). A força peculiar da concepção de João a respeito do 
                  amor mútuo repousa em sua apresentação do amor como uma 
                  realidade comunicada pelo Pai, mediante o Filho, a todos os 
                  discípulos, que compartilham tal amor entre si, amando-se 
                  mutuamente. Jesus ama os discípulos com o amor que o Pai tem 
                  por ele (Jo 15,9). O Pai ama o Filho e põe todas as coisas à 
                  disposição dele (Jo 3,35); o Pai ama o Filho porque o Filho dá 
                  a sua vida (Jo 10,17). Quem ama Jesus é amado pelo Pai, e a 
                  ele Jesus, o Filho, se revelará, e o Pai e o Filho 
                  estabelecerão sua morada em quem ama Jesus e guarda sua 
                  palavra (Jo 14,21.23). O Filho mostra seu amor ao Pai pela sua 
                  obediência (Jo 14,31). A unidade dos discípulos é selada pelo 
                  amor que o Pai lhes dedica, o mesmo amor com que ele ama o 
                  Filho; através deste amor o Pai e o Filho permanecem e habitam 
                  nos discípulos (Jo 17,23.26). O princípio unificante do amor 
                  que tem origem em Deus e que é difundido através da Igreja 
                  constitui o tema do grande discurso de 1 Jo 4,7-21. Deus é 
                  amor e por causa do amor envia seu Filho para comunicar a 
                  vida. O amor de Deus não consiste em amar o Filho, mas em ser 
                  amado por este; Deus tem a iniciativa, o homem responde e 
                  corresponde. Deus permanece presente no seio da comunidade 
                  mediante o amor mútuo que existe entre seus membros. Da mesma 
                  forma, ele permanece no cristão individualmente mediante o 
                  ágape deste cristão. Quando o amor é perfeito, não há mais 
                  lugar para o medo; a hostilidade potencial que o medo implica 
                  é aniquilada pelo perfeito amor, que une totalmente. A 
                  perfeição do amor do cristão a Deus comprova-se pelo amor que 
                  ele dedica ao irmão. 
                  
                  Diversamente do que ocorre nos outros escritos 
                  do Novo Testamento, João nem sempre estabelece distinção entre 
                  agapan e philein. Philein é usado quando se trata do amor de 
                  amizade: é o seu uso normal; Jesus amava Lázaro, Marta e Maria 
                  (Jo 11,3.36). Mas o amor de Jesus ao “discípulo amado” é 
                  expresso por agapan (Jo 13,23; 19,26; 21,7.20). Philein é 
                  usado para designar o amor recíproco entre o Pai e o Filho (Jo 
                  5,20), que em outros passos é expresso por ágape e agapan, e o 
                  amor do Pai aos discípulos e dos discípulos a Jesus (Jo 
                  16,27). Tais trechos sugerem ser improvável que se deva 
                  encontrar alguma importância especial no emprego variável dos 
                  dois termos na tríplice pergunta de Jesus e na tríplice 
                  resposta de Pedro em Jo 21,15-17. Nas duas primeiras perguntas 
                  usa-se agapan, na terceira philein; philein é empregado em 
                  cada uma das três respostas de Pedro. 
                  
                    
                  
                  IV. Os outros escritos do Novo Testamento. Os 
                  outros escritos do Novo Testamento não mostram nenhum traço 
                  diferente em sua concepção de ágape. A maioria dos exemplos 
                  apresenta a concepção paulina de ágape como algo de absoluto e 
                  exclusivo, e a concepção joanina do amor expressa em ágape 
                  como uma força mútua, unificante e totalmente abrangente. Jd 
                  12 constitui o único exemplo encontrado no Novo Testamento do 
                  uso de ágape para designar o rito eucarístico, uso que se 
                  tornou mais comum na literatura cristã do período 
                  pós-apostólico.  |