ANTIGO TESTAMENTO. O termo hebraico ahab e seus
cognatos são usados numa variedade de contextos que são quase
os mesmos em que se emprega o termo “amor” nas outras línguas,
principalmente as anglo-germânicas e as neo-latinas.
Basicamente ele significa uma afeição voluntária, um apego
voluntário. Ele é usado um tanto impropriamente, como aliás
acontece no português e em outras línguas, para exprimir apego
a objetos ou a abstrações, podendo estes ser um bem ou um mal.
Com o sentido de apego entre pessoas, o termo é empregado com
maior freqüência para designar o amor entre os sexos. Pode
significar, outrossim, simplesmente a concupiscência sexual (Gn
34,3; Jz 16,4.15; 2 Sm 13,4.15; Is 57,8; Jr 2,25.33; Ez
16,33-37; 23,5.9.22; Os 2,7-15); este é provavelmente o
sentido atribuído ao amor de Salomão às suas numerosas
mulheres (I Rs 11,1). O termo, porém, novamente como acontece
no português e em outras línguas, também indica o apego do
homem à mulher num sentido mais nobre do que o sentido de mera
concupiscência (Gn 24,67; 29,20; 1 Sm 1,5; Ecl 9,9).
Salienta-se o aspecto emocional do amor sexual em Ct 1,7;
2,4s; 3,1; 4,10; 5,8; 7,7; 8,6s. A paixão ardente implícita no
termo evidencia-se em trechos tais como Gn 29,20; Ct 8,6s, e a
profundidade da afeição serena aparece em Ez 24,16. A antítese
da mulher amada e odiada (Dt 21,15s) seria melhor traduzida
por “mais amada” e “menos amada”. O termo é usado com menor
freqüência para referir-se a outros tipos de afeição familiar,
como a do pai para o filho (Gn 22,2; 25,28; 37,3s; 44,20) e a
da mãe para o filho (Gn 25,28). Tais passagens, entretanto,
representam um ponto de referência importante para se chegar
ao verdadeiro sentido do termo, porque, em cada um dos
contextos em que ele é empregado, significa um amor de
preferência. Esta tonalidade latente nem sempre se encontra
explícita; o amor de Rute a Noemi, sua sogra, manifesta-se
através de sua dedicação e fidelidade ao último sobrevivente
da família de seu marido (Rt 4,15). Também se diz das pessoas
que estas são amadas quando, na realidade, se deveria dizer
que elas gozam de popularidade; Davi é amado por Saul (l Sm
16,21), mas também pelos oficiais de Saul (1 Sm 18,22) e por
todo Israel (1 Sm 18,16). O amor também é demonstrado por um
escravo para com seu bondoso senhor (Ex 21,5; Dt 15,16), e ao
israelita se ordena que ame o estrangeiro (cf. Lv 19,34; Dt
10,19); por conseguinte, pode haver um sentimento recíproco
entre um superior e um subalterno. O amor assume igualmente a
forma de amizade, e os amigos de uma pessoa em hebraico são
chamados de amantes de tal pessoa (1 Sm 18,1; 20,17; 1 Rs
5,15; Sl 38,12; Jó 19,19; Jr 20,4.6). A intensidade de
sentimento que poderia existir entre amigos acha-se refletida
em 2 Sm 1,26; o amor de um amigo supera o amor das mulheres.
Esta expressão não é atraente para os gostos modernos, mas ela
não possui no hebraico a conotação desagradável que apresenta
em outras línguas. O amor de amizade, como outras emoções, foi
expresso no Antigo Testamento sem as restrições que estamos
acostumados a impor-lhes. Ordena-se ao israelita que ame seu
próximo (Lv 19,18); a identificação deste próximo encontra-se
muito mais explicita e esclarecida no evangelho do que em
qualquer texto do Antigo Testamento. O termo “próximo”, no uso
comum, não significa outro israelita, mas antes os israelitas
de quem a pessoa está “perto”, aqueles com quem se vive e lida
habitualmente. Somente uma vez surge a palavra amor empregada
com relação ao “eu” da pessoa (Pr 19,8); ai, poderíamos tentar
uma paráfrase, dizendo que quem conquista a sabedoria aprende
a cuidar bem de si mesmo.
Como conceito teológico, o amor se apresenta
qual sentimento recíproco entre Iahweh e Israel. O conceito
não pode ser chamado de antigo; ele não é encontrado antes de
Oséias, que com toda a probabilidade deve ser considerado o
primeiro a expressá-lo. Oséias dá-lhe forma na analogia do
matrimônio de Iahweh com Israel. Um traço significativo nesta
analogia é o de que a iniciativa no amor conjugal parte do
homem e não da mulher; Iahweh é o primeiro a amar Israel, e o
amor de Israel é uma resposta. O amor de Iahweh é o laço por
meio do qual Iahweh atrai para si (Os 11,4). Oséias também
fala do amor paterno de Iahweh por Israel (Os 11,1), e aí
igualmente coloca a iniciativa em Iahweh. Oséias é o primeiro
a falar do fim do amor de Iahweh por Israel (Os 9,15); o
caráter violentamente apaixonado da concepção de Oséias a
respeito do amor dá lugar à possibilidade de que este amor
possa esfriar-se através de uma infidelidade flagrante e
contínua. Trata-se de um apego voluntário e não natural, e a
direção da vontade pode ser alterada.
Deuteronômio é o primeiro livro do Antigo
Testamento a incorporar a idéia de amor de forma sistemática
em seu pensamento, e continua sendo o livro do Antigo
Testamento em que a concepção possui o lugar mais amplo.
Contrastando com Oséias e com outros profetas que abordam a
idéia, o conceito de amor no Deuteronômio apresenta-se frio e
sem paixão. O amor de Iahweh por Israel é uma continuação do
seu amor aos patriarcas (Dt 4,37; 7,8; 10,15). Geralmente a
palavra amor no Deuteronômio vem combinada com a palavra
escolha (ELEIÇÃO); o amor de Iahweh é um amor que prefere, e
que representa a raiz de uma eleição. A idéia de amor e de
eleição aparece também em Is 43,4; Ml l,2s; Sl 47,5; e em Sl
78,68; 87,2 ela é transferida como um todo de Israel para Judá
e Jerusalém, a sede da dinastia de Davi. O amor de Iahweh por
Israel ressurge em Deuteronômio (7,13; 23,6 +) e nos livros
influenciados pela redação deuteronômica (1 Rs 10,9), e os
termos de Deuteronômio são usados em 2 Cr 2,10; 9,8; Ne 13,26.
Em Dt 7,13, o amor associa-se à bênção, que é um
transbordamento do amor. Jr 31,3 segue mais a tradição de
Oséias do que a do Deuteronômio; o amor de Iahweh é perene,
eterno, podendo olhar tanto para o passado quanto para o
futuro, e é um amor que atrai Israel. O amor de Iahweh
raramente recai sobre indivíduos, e, neste caso, é quase
sinônimo de eleição, como ocorre com Salomão considerado
herdeiro (2 Sm 12,24) e com Ciro, que é chamado a conquistar
nações e a libertar Israel (Is 48,14). Em alguns Salmos mais
recentes o amor de Iahweh volta-se para virtudes como a
retidão e a justiça (Sl 11,7; 33,5; 37,28; cf. Is 61,8) e para
os retos (Sl 146,8).
Com exceção de Jz 5,31, que é possivelmente uma
doxologia posterior acrescentada a um cântico primitivo, o
amor de Israel por Iahweh é certamente criação do
Deuteronômio. A palavra ocorre no decálogo (Ex 20,6; Dt 5,10),
mas a fórmula do Êxodo pode ser devida à influência do
Deuteronômio. O mandamento de amar Iahweh aparece
freqüentemente no Deuteronômio (6,5; 10,12; 11,1.13.22; 13,4;
19,9; 30,6.16.20) e em Js 22,5; 23,11 por influência da
redação deuteronômica. A linguagem do Deuteronômio pretende
representar o amor dado a Iahweh como um autêntico sentimento
e não como simples convicção; Israel deve amar Iahweh com todo
o seu coração, com todo o seu ser, e com toda a sua força. A
principal obra de amor a Iahweh consiste na observância de
seus mandamentos; na verdade, a súmula da mensagem do
Deuteronômio reside no fato de que Israel deve retribuir o
amor de eleição de Iahweh observando as leis que o livro
transmite (Dt 5,10; 7,9). A combinação do amor com a
observância aparece também em livros posteriores (Dn 9,4; Ne
1,5), bem como a idéia de amor pura e simplesmente (Sl
145,20). Jr 2,2 encontra-se novamente na tradição de Oséias; o
amor jovem de Israel a Iahweh fez parte de sua história no
deserto, como o amor de uma esposa a seu esposo. Não se diz
que uma pessoa individualmente ama Iahweh, exceto Salomão (1
Rs 3,3). Na literatura posterior, a reverência para com a
realidade divina leva ao uso do nome de Iahweh (Sl 5,12;
69,37; Is 56,6) ou da salvação de Iahweh (Sl 40,17; 70,5) para
substituir o próprio Iahweh, como objeto de amor. Em tal
contexto de excessiva reverência, dificilmente poder-se-ia
esperar que a idéia do amor de Iahweh pudesse crescer.
NOVO TESTAMENTO. O grego usa o termo eros,
philia e ágape e seus cognatos para designar o amor. Eros
significa a paixão de desejo sexual e não aparece no Novo
Testamento. Philein e philia designam primordialmente o amor
de amizade. Ágape e agapan, menos freqüentes no grego profano,
possivelmente por esta razão foram escolhidas para designar a
idéia cristã única e original do amor no Novo Testamento.
Também em vernáculo, a palavra “caridade” é usada para mostrar
o caráter único deste amor, e é empregada na maioria das
versões da Bíblia para traduzir ágape e agapan.
I. Evangelhos sinóticos. O amor a Deus e ao
próximo é chamado o maior mandamento da lei por Jesus, que
cita Dt 6,5 e Lv 19,18 (Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc
10,25-28). Os dois mandamentos são colocados em plano igual; e
é justamente nisto que consiste a revolução cristã da
caridade. Somente Lucas, porém, relata a pergunta final: “Quem
é o próximo?”; Jesus respondeu com a parábola do bom
samaritano (Lc 10,29-37). A hostilidade entre judeus e
samaritanos era profunda, e com esta parábola Jesus
identificou o próximo com o grupo de quem os judeus se achavam
mais afastados. A parábola é uma explicação profundamente
pitoresca do amor dedicado aos inimigos (Mt 5,43-48; Lc
6,27s.32-36). Aí Jesus apresenta a atitude de Deus em relação
aos homens como o modelo da atitude do cristão em face dos que
o odeiam. O amor ao próximo é uma atitude geral e regular que
o cristão deve assumir, e não depende do comportamento do
próximo, como deste não depende igualmente o curso da
natureza, que Deus mantém tanto para pecadores quanto para
justos. Nisso o amor cristão deve mostrar-se diferente da
moralidade pagã; ninguém questiona o dever de amar os próprios
amigos, mas Jesus pede mais do que isso.
Em Lc 7,36-50, Jesus apresenta o crescimento no
amor de Deus como o resultado da gratidão pelo perdão dos
pecados, o que implica no fato de que o autêntico amor a Deus
só pode surgir do reconhecimento do próprio pecado, e de que a
auto justiça, semelhante à dos fariseus, é incompatível com o
amor. Lc 7,47 constitui uma oração condensada no grego, cuja
tradução em diversas línguas foge à verdadeira exatidão do
texto. A expressão significa, de acordo com o contexto
anterior e seguinte: “Seus numerosos pecados lhe são
perdoados, porque ela demonstrou muito amor”, isto é, seu
extraordinário grau de amor evidencia o quanto está ela
consciente do grande perdão que recebeu. Quem não tem esta
consciência bem viva não pode demonstrar amor.
O amor a Deus é possessivo, e não se pode ter
dois senhores (Mt 6,24; Lc 16,13). Neste trecho, o sentido de
“preferência” em agapan surge nitidamente. A antítese
amor-ódio em hebraico e aramaico não possui absolutamente a
mesma força que tem no vernáculo e em outras línguas modernas.
O amor de Jesus e do Pai aparece nos evangelhos
sinóticos apenas na designação de Jesus como o Filho muito
amado (Mt 3,17; 12,18; 17,5; Mc 1,11; 9,7; 12,6; Lc 3.22;
9,35; 20,13). O original semita desta frase significa “filho
único”, mas a paráfrase grega é exata; o filho único era,
logicamente, o filho amado. Este relacionamento é desenvolvido
de modo mais amplo e pleno em João e Paulo.
Jesus usa os termos phileln para a atitude de
seus discípulos para com ele, pedindo-lhes mais amor do que o
amor que se dedica aos pais e aos filhos (Mt 10,37). A palavra
agapan descreve o sentimento de Jesus diante do jovem que lhe
perguntou o que devia fazer para tornar-se perfeito (Mc 10,21)
e o amor do centurião de Cafarnaum pelo povo judeu (Lc 7,5).
II. Os escritos paulinos. Ágape e agapan nos
escritos paulinos referem-se ao amor de Deus e de Cristo ao
homem, ao amor do homem a Deus e a Cristo, e ao amor recíproco
dos homens entre si. O amor de Deus é “derramado” no coração
dos homens pelo Espírito Santo, que é um sinal e um efeito do
amor de Deus (Rm 5,5). Pelo amor, o Pai predestina o cristão (Ef
1,4) e é levado a dar a vida ao cristão (Ef 2,4). A prova do
amor de Deus ao homem é a morte de Cristo para livrar o homem
do pecado (Rm 5,8). Não há força que possa separar o cristão
deste amor eterno, que lhe garante a vitória (Rm 8,35-39);
Deus que ama o cristão e dá-lhe estimulo e esperança (2Ts
2,16). O amor de Cristo aos homens fica demonstrado pela sua
entrega em favor e em resgate do homem pecador (Gl 2,20; Ef
5,2.25). O amor que Cristo mostra à sua Igreja constitui o
modelo do amor que o esposo deve dedicar à sua esposa (Ef
5,25); aí aparece o tema do amor do Antigo Testamento tal como
Oséias e Jeremias o concebiam.
Quando Paulo fala do amor do homem a Deus é
geralmente para anunciar as bênçãos que o homem recebe como
fruto deste amor. O amor a Deus é algo para que o próprio Deus
dirige o coração do cristão (2 Ts 3,5). Tudo contribui para o
bem dos que amam a Deus (Rm 8,28), e o cristão deveria
regozijar-se e estimular-se com o pensamento do que Deus
prepara para aqueles que o amam (1 Cor 2,9). Os que amam a
Deus recebem dele aprovação (1 Cor 8,3). O amor de Paulo a
Cristo impele-o às tarefas apostólicas (2 Cor 5,14).
As exortações à caridade recíproca são
numerosas e constituem uma parte modelar das exortações de
Paulo em favor de uma vida autenticamente cristã e da prática
da virtude. Paulo reafirma com suas próprias palavras o
ensinamento dos evangelhos sinóticos: quem ama o próximo
cumpre toda a lei, porque este mandamento resume os outros
mandamentos (Rm 13,8-10; Gl 5,13s). O amor deve surgir de
maneira excelente entre marido e mulher, que devem amar um ao
outro como Cristo e a Igreja se amam (Ef 5,25-33). O amor
procede de modo conveniente e adequado a fim de não ferir o
irmão com o escândalo (Rm 14,15), e dando esmola aos que
necessitam (2 Cor 8,7ss). O amor também recebe o pecador
arrependido (2 Cor 2,8). A concepção paulina do ágape
fraterno, na verdade, parece não deixar lugar para os que não
são cristãos, e, em certo sentido, ele não existe na
realidade; a união dos corações e a troca de deveres de amor
que uma comunidade possibilita não pode ser comunicada aos que
não são membros da comunidade. Paulo não exclui, porém, os que
não são cristãos do raio de ação da bondade dos cristãos;
ágape, entretanto, se torna em Paulo quase um sinônimo da
Igreja, da qual é preciso ser membro para participar da
plenitude do ágape. Paulo freqüentemente se dirige aos membros
da Igreja chamando-os de “amados”, termo que designa
predominantemente a afeição que Paulo lhes dedica e que eles
têm uns pêlos outros. Ágape como relacionamento mútuo só pode
existir entre cristãos.
O uso mais importante e freqüente do termo
ágape nos escritos paulinos emprega o termo sozinho, sem
nenhum complemento explicitamente mencionado, de modo tal que
às vezes se torna impossível afirmar que o termo se refere
formalmente ao amor de Deus ou ao amor mútuo dos cristãos.
Este emprego é particularmente freqüente nas epístolas
pastorais e em outras epistolas que são paulinas mais por
influência e espírito do que por suas origens literárias.
Ágape, assim, transforma-se numa espécie de atmosfera em que
Deus e os cristãos vivem juntos; comunicado por Deus, é o
ágape que permite a formação da comunidade cristã e a
existência do cristão individual. O amor constrói o cristão (1
Cor 8,1). O cristão está enraizado e fundamentado no amor (Ef
3,17), e o amor é o guia de sua conduta (Ef 5,2). Ele é o
vínculo que une todas as virtudes (Cl 3,14), e é a atividade
da fé (Gl 5,6). Ele inspira o cristão para o trabalho (1 Ts
1,3), e o cristão cresce no amor pela fidelidade à verdade (Ef
4,15s). Ágape, neste sentido absoluto, é elogiado no hino de l
Cor 13,1-13. É o carisma mais excelente, superior ao dom das
línguas, ao conhecimento, à taumaturgia, e ao martírio (1-4),
que não têm valor algum sem ele. Ele manifesta todas as
virtudes (4-7). Diversamente de outros carismata e virtudes,
ele permanece; mesmo a fé e a esperança cederão lugar à
realidade final, mas o cristão permanecerá eternamente em
ágape (8-13).
III. Os escritos joaninos. Em João, ágape é
apresentado como três termos de uma relação mútua: o Pai, o
Filho e os discípulos. O amor do Pai aos discípulos leva-o a
adotar estes discípulos como seus filhos (1 Jo 3,1). Jesus ama
seus discípulos até o fim (Jo 13,1) e dá por eles a vida (1 Jo
3,16); é esta a maior prova de amor (Jo 15,13). Deus é ágape
(l Jo 4,8-16); sem ágape não se pode conhecer a Deus.
O amor de Deus e de Cristo pelo homem requer
uma resposta. Os judeus são censurados porque não amam a Deus
(Jo 5,42). Este amor não consiste em mera profissão de amor,
mas deve ser demonstrado através de fatos ou obras autênticos
(1 Jo 3,18). A principal obra de amor consiste em guardar a
palavra de Deus e os mandamentos de Jesus (Jo 14,15.21.23;
15,10; 1 Jo 2,5; 5,3). Quem ama o mundo não ama a Deus (1 Jo
2,15s). Não ama a Deus quem priva dos bens que possui o irmão
que vê em necessidade (1 Jo 3,17). Quem ama a Jesus
regozija-se com a sua volta ao Pai, porque esta significa o
cumprimento pleno de sua missão e a sua glorificação (Jo
14,28).
O primeiro mandamento, o mandamento de Jesus,
consiste no seguinte: os discípulos devem amar-se uns aos
outros (Jo 13,24s; 15,17). Devem amar-se uns aos outros com o
mesmo amor total e desinteressado com que Jesus os amou (Jo
15,12s). A força peculiar da concepção de João a respeito do
amor mútuo repousa em sua apresentação do amor como uma
realidade comunicada pelo Pai, mediante o Filho, a todos os
discípulos, que compartilham tal amor entre si, amando-se
mutuamente. Jesus ama os discípulos com o amor que o Pai tem
por ele (Jo 15,9). O Pai ama o Filho e põe todas as coisas à
disposição dele (Jo 3,35); o Pai ama o Filho porque o Filho dá
a sua vida (Jo 10,17). Quem ama Jesus é amado pelo Pai, e a
ele Jesus, o Filho, se revelará, e o Pai e o Filho
estabelecerão sua morada em quem ama Jesus e guarda sua
palavra (Jo 14,21.23). O Filho mostra seu amor ao Pai pela sua
obediência (Jo 14,31). A unidade dos discípulos é selada pelo
amor que o Pai lhes dedica, o mesmo amor com que ele ama o
Filho; através deste amor o Pai e o Filho permanecem e habitam
nos discípulos (Jo 17,23.26). O princípio unificante do amor
que tem origem em Deus e que é difundido através da Igreja
constitui o tema do grande discurso de 1 Jo 4,7-21. Deus é
amor e por causa do amor envia seu Filho para comunicar a
vida. O amor de Deus não consiste em amar o Filho, mas em ser
amado por este; Deus tem a iniciativa, o homem responde e
corresponde. Deus permanece presente no seio da comunidade
mediante o amor mútuo que existe entre seus membros. Da mesma
forma, ele permanece no cristão individualmente mediante o
ágape deste cristão. Quando o amor é perfeito, não há mais
lugar para o medo; a hostilidade potencial que o medo implica
é aniquilada pelo perfeito amor, que une totalmente. A
perfeição do amor do cristão a Deus comprova-se pelo amor que
ele dedica ao irmão.
Diversamente do que ocorre nos outros escritos
do Novo Testamento, João nem sempre estabelece distinção entre
agapan e philein. Philein é usado quando se trata do amor de
amizade: é o seu uso normal; Jesus amava Lázaro, Marta e Maria
(Jo 11,3.36). Mas o amor de Jesus ao “discípulo amado” é
expresso por agapan (Jo 13,23; 19,26; 21,7.20). Philein é
usado para designar o amor recíproco entre o Pai e o Filho (Jo
5,20), que em outros passos é expresso por ágape e agapan, e o
amor do Pai aos discípulos e dos discípulos a Jesus (Jo
16,27). Tais trechos sugerem ser improvável que se deva
encontrar alguma importância especial no emprego variável dos
dois termos na tríplice pergunta de Jesus e na tríplice
resposta de Pedro em Jo 21,15-17. Nas duas primeiras perguntas
usa-se agapan, na terceira philein; philein é empregado em
cada uma das três respostas de Pedro.
IV. Os outros escritos do Novo Testamento. Os
outros escritos do Novo Testamento não mostram nenhum traço
diferente em sua concepção de ágape. A maioria dos exemplos
apresenta a concepção paulina de ágape como algo de absoluto e
exclusivo, e a concepção joanina do amor expressa em ágape
como uma força mútua, unificante e totalmente abrangente. Jd
12 constitui o único exemplo encontrado no Novo Testamento do
uso de ágape para designar o rito eucarístico, uso que se
tornou mais comum na literatura cristã do período
pós-apostólico. |