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            Milagres e milhões 
              
            
            25/03/2010 - 15:48 - ATUALIZADO EM 
            26/03/2010 - 21:29 
            Com promessas de cura e até de ressurreição, o apóstolo Valdemiro 
            Santiago transformou sua Igreja Mundial num novo império evangélico 
            
            MARIANA SANCHES E RICARDO MENDONÇA. 
            COM JULIANA ARINI, DE CUIABÁ (MT) 
  
            
              
             
             
            
            CARISMA  
            De chapéu, uma de suas marcas, o apóstolo Valdemiro 
            Santiago comanda um culto para 50 mil pessoas em  
            São Bernardo do Campo, São Paulo, em janeiro 
             
             
             
             
            
            – Uma das histórias que mais me impressionou (sic) 
            foi de um homem que morreu. Como se diz no Nordeste, ele estava na 
            pedra. A família já tinha recebido atestado de óbito. A filha dele 
            chegou em mim na igreja, me abraçou e disse: “Se o senhor disser que 
            ele está vivo, ele viverá”. O que houve ali foi pela fé dela. 
            Comovido, respondi: “Então, está vivo”. Quando ela voltou para casa, 
            estavam se preparando para velar o corpo e receberam a notícia de 
            que o homem havia voltado à vida. Os médicos tentaram justificar, 
            mas não conseguiram entender como o coração dele voltou a bater. Foi 
            uma ressurreição. 
             
             
            
            O relato acima foi feito em 2009 pelo líder 
            evangélico Valdemiro Santiago de Oliveira numa de suas raras 
            entrevistas, concedida a uma publicação evangélica chamada Eclésia. 
             
             
            
            Alto, negro, extrovertido, de fala rouca cheia de 
            erros de português e forte sotaque mineiro, Valdemiro, de 46 anos, é 
            o criador, líder absoluto e autoproclamado “apóstolo” da Igreja 
            Mundial do Poder de Deus. Caçula entre as neopentecostais, a igreja 
            foi fundada em 1998, em Sorocaba, interior de São Paulo. Mineiro de 
            Palma, região de Juiz de Fora, Valdemiro gosta de se definir como 
            “homem do mato” ou “um simples comedor de angu”. Na pregação diária 
            de bispos e pastores e no boca a boca de milhares de fiéis, é 
            reverenciado como milagreiro. Além de afirmar ressuscitar os mortos, 
            cultiva a fama de curar de aids, câncer, cegueira, surdez, 
            tuberculose, hanseníase, paralisia, alergias, coceiras e dores em 
            qualquer parte do corpo e da alma. Num domingo com três cultos, 
            Valdemiro chega a apresentar mais de 30 testemunhos de cura. ÉPOCA 
            tentou falar com Valdemiro durante dois meses. As solicitações foram 
            feitas por meio de assessores e bispos e diretamente a ele, na saída 
            de cultos. Em duas ocasiões, ele prometeu dar entrevista, mas nunca 
            agendou. 
             
             
            
            Dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, a 
            Mundial é a menos organizada das evangélicas. Seus templos têm 
            instalações precárias. A pregação é classificada por alguns como 
            “primitiva”. Há gritos, choros e performances espalhafatosas. Até 
            suas publicações são visivelmente mais pobres que as das 
            concorrentes. Apesar de fazer quase tudo no improviso, a Mundial já 
            é considerada o maior fenômeno religioso do Brasil desde a criação 
            da Igreja Universal, em 1977, sob a liderança do bispo Edir Macedo. 
            Mais que isso, a Mundial começa a se firmar como ameaça ao império 
            que a Universal ergueu no campo das neopentecostais. 
             
             
            
            Carismático, intuitivo, meio desafiador, meio 
            fanfarrão, Valdemiro comanda uma estrutura que, de acordo com 
            números da igreja, reúne 2.350 templos, cerca de 4.500 pastores e 
            tem sedes em mais 12 países. Só em aluguéis de imóveis para cultos a 
            Mundial gasta R$ 12 milhões por mês, segundo estima o diretor de 
            compras da igreja, Mateus Oliveira, sobrinho de Valdemiro. Em número 
            de templos, a Mundial superou duas de suas três concorrentes 
            neopentecostais: a Internacional da Graça, do missionário R.R. 
            Soares, e a Renascer, do casal Estevam e Sônia Hernandes. Nos 
            últimos dois anos, a Mundial praticamente multiplicou por dez seu 
            tamanho (em 2008, eram 250 templos). Mantido o atual ritmo de 
            crescimento, ela ultrapassaria a Universal até 2012. A igreja de 
            Edir Macedo afirma ter 5.200 templos e 10 mil pastores. 
             
             
            
            Uma característica nova na expansão da Mundial está 
            naquilo que o sociólogo Ricardo Mariano, estudioso de religião na 
            Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, chama de 
            “pescar no próprio aquário evangélico”. Estudos sugerem que a maior 
            parte dos seguidores da Mundial veio de outras neopentecostais, 
            principalmente da Universal. Poucos eram do meio católico, 
            tradicional fornecedor de fiéis para denominações evangélicas. 
            “Calculo que mais de 50% dos membros da Mundial saíram da Universal, 
            uns 30% da Internacional da Graça e o resto das demais evangélicas 
            ou outras religiões”, diz Paulo Romeiro, professor de teologia da 
            Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de um livro sobre a 
            igreja. 
             
             
            
            Na cúpula da Mundial, a presença de ex-membros da 
            Universal é expressiva. Estima-se que 90% dos bispos e até 80% dos 
            pastores tenham sido formados por Edir Macedo. O próprio Valdemiro 
            tem origem na Universal, onde atuou por 18 anos. O apetite com que a 
            Mundial avança sobre a Universal aparece até na distribuição 
            geográfica dos templos. Valdemiro tem predileção por instalar 
            igrejas em imóveis que já foram ocupados pela Universal. 
             
             
            
            Parte do encanto de Valdemiro está na imagem 
            messiânica que ele construiu em torno de si, contando histórias 
            mirabolantes. A mais espetacular está no livro O grande livramento: 
            ele descreve um naufrágio que sofreu em Moçambique em 1996, quando 
            ainda era da Universal. Valdemiro diz que ele e três conhecidos 
            foram vítimas de uma sabotagem, que fez a embarcação afundar a 20 
            quilômetros da costa. A partir daí, a história ganha ares 
            cinematográficos. 
             
             
            
            Valdemiro na época pesava 153 quilos (anos depois, 
            ele faria uma cirurgia de redução de estômago). Ele diz que deu os 
            únicos três coletes aos colegas e começou a nadar a esmo. Diz ter 
            nadado oito horas “contra forte correnteza”, “ondas gigantes” e 
            cercado por “tubarões-brancos assassinos” e “barracudas agressivas”. 
            Na travessia, prossegue sua narrativa, um pedaço de sua perna foi 
            arrancado e seus olhos foram queimados por “águas-vivas gigantes”. 
            Quando finalmente chegou à praia, diz ele, dormiu na areia e acordou 
            nos braços de dois estranhos, “africanos seminus”. “Tive a clareza 
            de que os anjos do Senhor haviam me visitado e me dado o 
            livramento”, diz. Dos três companheiros, dois morreram e um foi 
            resgatado. Na época, jornais noticiaram o naufrágio, mas muita gente 
            na igreja duvidou do relato. Um bispo foi à África fazer uma 
            sindicância, mas isso não sanou as dúvidas. 
             
             
            
            Valdemiro também conta outros três causos de 
            “livramento”. Diz que, numa ocasião, caiu do 8º andar de uma obra, 
            mas nada sofreu. Afirma também que, passeando de carro “na África”, 
            uma bomba de um campo minado explodiu “arremessando nosso carro uns 
            3 metros para o alto”. Diz ainda que sofreu uma tentativa de 
            assassinato, mas os “matadores profissionais” erraram os cinco 
            tiros. “Assustados, jogaram o rifle para dentro do carro e fugiram”, 
            afirma. 
             
             
            
            Além dos “livramentos”, a Mundial ostenta ainda 
            outras três distinções em relação às concorrentes. A principal é a 
            ênfase na cura. Diferentemente da Universal, que cresceu 
            preconizando o exorcismo, ou da Renascer, que concentra o foco na 
            prosperidade, a Mundial promete soluções divinas para doenças 
            terrenas. O discurso não é novo. Nos anos 50, milagres de cura eram 
            o mote da Igreja do Evangelho Quadrangular e da igreja O Brasil para 
            Cristo, de Manoel de Mello. Valdemiro remasterizou o tema. Para dar 
            credibilidade ao discurso, às vezes recorre ao médico Wandemberg 
            Barbosa, que sobe ao altar para dizer que a medicina não explica 
            certos fenômenos. “Há casos que só podem ser milagres”, diz Barbosa. 
            “Tomo cuidado com o que falo porque existe a fiscalização do CRM 
            (Conselho Regional de Medicina), mas Valdemiro não provoca a 
            descrença na medicina. Ele nunca manda ninguém interromper o 
            tratamento.” 
              
            
            Outra característica que distingue a Mundial é a 
            sacralização do suor. A cada culto, Valdemiro passa quase três horas 
            no altar. Ali, ele grita, canta, ri, chora, pula, se ajoelha e sua. 
            Sobretudo sua. Quando a reunião termina, seu suor é disputado pelos 
            fiéis. Mais de 200 chegam a cercá-lo. Tremendo, chorando, eles usam 
            toalhinhas fornecidas pela igreja para coletar alguma umidade. 
            Depois, esfregam o pano no próprio corpo, em fotos ou documentos. “A 
            valorização do suor, que ocorre com vários líderes da Mundial, é uma 
            novidade completa entre os protestantes”, diz o sociólogo e teólogo 
            Ricardo Bitun, da Universidade Mackenzie. “Valdemiro é corajoso ao 
            permitir que o público toque em seu corpo. Nenhum outro líder 
            evangélico faz isso”, afirma o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, da 
            Universidade de São Paulo (USP). 
              
            
            O terceiro elemento distintivo da Mundial é a 
            composição de uma cúpula majoritariamente negra. Os bispos Josivaldo 
            Batista, o segundo na hierarquia, e Roberto Damásio, o terceiro, 
            também são negros. Valdemiro fala com orgulho sobre a presença de 
            negros na direção da igreja. E afirma já ter sido discriminado por 
            sua cor. Eis o que diz o jornalista Ronaldo Didini, ex-homem de 
            confiança de Edir Macedo que hoje trabalha como consultor de mídia 
            para Valdemiro: “Uma vez, numa reunião de lideranças da Universal, 
            Valdemiro foi indicado para liderar a igreja no Paraná. Macedo foi 
            contra, dizendo que a sociedade paranaense era elitizada e que não 
            mandaria um negro para lá. Quem defendeu o Valdemiro foi o 
            Honorilton (Gonçalves), hoje presidente da Record. Mas não 
            adiantou”. Por meio de sua assessoria, a Universal afirmou que tem 
            vários pastores e bispos negros e que a acusação de discriminação 
            contra Valdemiro é improcedente. 
              
            
            A Mundial não vive só de inovação. Noutros aspectos, 
            aproveita o know-how dos concorrentes, como a prática de distribuir 
            bens em nome de terceiros para esconder o enriquecimento das 
            lideranças. “A Mundial cresceu muito. Então há coisas que o apóstolo 
            coloca no nome de outros. Eu já tive veículos da igreja em meu 
            nome”, diz Jorge Lisboa, obreiro e assessor da Mundial, presença 
            frequente no altar ao lado de Valdemiro. “O primeiro carro que o 
            apóstolo comprou pela igreja colocou no meu nome. Muita coisa é 
            assim. Sabe por que o R.R. Soares está estacionado? Porque dedicou 
            tudo à família. O dirigente tem de confiar nos outros. Se comprar 
            dez emissoras de rádio, tem de colocar em nome de pessoas 
            diferentes.” O missionário R.R. Soares não respondeu aos pedidos de 
            entrevista de ÉPOCA. 
              
            
            A prática descrita por Lisboa é confirmada pelo 
            advogado Fausto Bossolo, membro da Mundial e assessor do vereador 
            José Olímpio (PP), representante da igreja na Câmara Municipal de 
            São Paulo. “Como é que você vai declarar isso no Imposto de Renda? A 
            Igreja Evangélica tem um crescimento absurdo e a demanda é muito 
            grande”, diz ele. “Então é complicado colocar (tudo) no nome de uma 
            pessoa só. Você tem uma casa e daqui a um ano tem 20. E aí? Como 
            fica?” 
              
            
            Como outras igrejas neopentecostais, a Mundial também 
            não se acanha em pedir ofertas. Apesar do perfil pobre do público, 
            os pregadores não hesitam em estabelecer valores altos para as 
            contribuições. Valdemiro já pediu até 30% da renda do fiel, o que 
            foi batizado de “trízimo” : “Você vai dizer para Deus o seguinte: 
            ‘Senhor, 70% de tudo o que o Senhor me der neste mês é meu. E 30% 
            são da sua obra’”, disse. Depois, associou o “30” à “Santíssima 
            Trindade”. Apesar de dizer que não faz distinção entre doadores, a 
            Mundial qualifica as ofertas em categorias: ouro (R$ 300), prata (R$ 
            100) e bronze (R$ 50). “Quando Jesus nasceu, recebeu três presentes: 
            ouro, incenso e mirra. Qual foi o mais importante?”, disse Valdemiro 
            num culto. E respondeu: “O ouro!”. 
              
            
            O ex-pastor Rafael Ferreira, um dos raros dissidentes 
            da Mundial, dá detalhes das táticas de arrecadação: “Em Mato Grosso 
            havia uma meta de R$ 1 milhão por mês, além dos R$ 500 mil para 
            pagar a TV. Eu era responsável pelos depósitos. Todo dia ia ao 
            Bradesco do centro de Cuiabá e depositava de R$ 80 mil a R$ 100 mil 
            na conta da igreja”. Ferreira atuou por três anos na Mundial. Ele 
            conta como eram os “cursos de pregação”: “O bispo Sidney Furlan 
            mandava a gente subir no altar e orientava sobre o que falar para 
            comover o povo. Dizia que era preciso fazer um teatrinho, um 
            sensacionalismo para o povo acreditar que a igreja era responsável 
            pelas curas e milagres”. Ferreira, que se diz ex-homossexual, foi 
            expulso da Mundial em dezembro. Ele pede R$ 1 milhão na Justiça por 
            discriminação e calúnia. Os representantes da igreja em Cuiabá não 
            quiseram comentar suas afirmações. 
              
            
            Problemas com a Justiça não são uma novidade para a 
            Mundial. No começo do mês, três pastores da igreja foram presos pela 
            Polícia Rodoviária em Mato Grosso do Sul. Com eles foram apreendidos 
            sete fuzis, que, segundo a polícia, saíram da Bolívia e seriam 
            entregues para traficantes no Rio de Janeiro. O próprio Valdemiro já 
            foi apanhado em situação parecida. Em abril de 2003, o Ford Mondeo 
            que dirigia foi parado numa blitz em Sorocaba. No carro, havia 26 
            cartuchos de munição e três armas: uma carabina calibre 22 e 
            espingardas calibres 12 e 15. “Ele disse que era caçador. Falou que 
            tinha morado na África, onde caçava elefantes”, diz o policial 
            Danilo Ramos, que atuou no flagrante. Na casa do apóstolo, “um lugar 
            sujo, nos fundos de um quintal”, segundo Ramos, os policiais acharam 
            mais duas espingardas ilegais. Na delegacia, Valdemiro afirmou que 
            ganhava “aproximadamente R$ 500 por mês” e não tinha imóvel nem 
            dinheiro no banco. Passou a madrugada preso. Em 2005, foi condenado 
            a dar três cestas básicas a uma instituição de caridade. 
              
            
            Ainda em 2003, Valdemiro voltou a esbarrar na 
            ilegalidade. Ao renovar a carteira de motorista, usou o RG 
            16.717.037, que pertence a uma mulher nascida em Paraibuna, no 
            interior de São Paulo. A habilitação, com o número de RG errado, 
            venceu em 2008. Não consta que ele tenha tido problema por ter 
            circulado com um documento com informação falsa. 
              
            
            Valdemiro já pediu até 30% da renda do fiel – o que 
            foi batizado de “trízimo” 
              
            
            Com o crescimento da Mundial, o padrão de vida de 
            Valdemiro mudou radicalmente, embora ele continue cultivando a 
            imagem de interiorano simplório diante dos fiéis. Valdemiro mora num 
            condomínio de luxo em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo. 
            Quando precisa se deslocar, usa dois helicópteros e um jato Citation 
            Excel, de R$ 18,5 milhões, alugado há cinco meses. O helicóptero 
            menor é um Bell Jet Ranger 206B3, avaliado em R$ 1,3 milhão. De 
            acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), ele já 
            pertenceu à apresentadora Xuxa. Hoje, está em nome de uma factoring 
            chamada Athenabanco, que diz ter vendido o aparelho à Mundial no fim 
            de 2008, em 12 parcelas. “O pedido de transferência para a igreja 
            está na Anac há dois meses, mas o processo é lento”, diz Robinson 
            Leite, diretor da Athenabanco. 
              
            
            O helicóptero grande é um Agusta A109-C, comprado 
            pela Mundial em setembro de 2009, por R$ 5,1 milhões. Potente, 
            luxuoso e seguro, o Agusta é um dos aparelhos mais cobiçados do 
            mercado. Para embarques e desembarques perto de casa, Valdemiro usa 
            o heliponto de Amilcare Dallevo, dono da Rede TV!. É uma situação 
            provisória (que Dallevo prefere não comentar). Em pouco tempo, 
            Valdemiro deverá construir seus próprios helipontos. A amigos, disse 
            que vai construir um perto de sua casa e outro perto do enorme 
            templo que está erguendo na Zona Sul de São Paulo. 
              
            
            A frota de aeronaves já parece insuficiente para o 
            apóstolo. Há algumas semanas, corretores foram acionados para tentar 
            vender o Agusta por US$ 2,5 milhões. “O plano de Valdemiro é comprar 
            um Agusta Grand, o mais sofisticado da marca, que custa uns US$ 7 
            milhões”, diz um profissional do mercado. O avião também pode estar 
            com os dias contados. “Eu já disse para o Valdemiro que ele precisa 
            comprar um jato intercontinental. A igreja está em expansão na 
            África”, afirma Ronaldo Didini. 
              
            
            Em seu próprio nome, o patrimônio de Valdemiro é bem 
            menor. Com a mulher, a bispa Franciléia, ele é sócio de uma empresa 
            de comunicação e de uma gravadora de CDs, que trabalham para a 
            igreja. Franciléia é uma loira de 44 anos. Com joias e roupas 
            chamativas, ela acompanha Valdemiro nos cultos e ora chorando. Ainda 
            é sócia da editora que publica livros da Mundial. Oficialmente, a 
            renda do casal sai apenas da venda dos livros e CDs. Os outros bens 
            de Valdemiro são um Fusca 1969, uma moto 125 cilindradas e uma 
            picape Dodge RAM 2.500 avaliada em R$ 100 mil. 
              
            
            O motor do crescimento acelerado da Mundial é sua 
            estratégia de mídia, considerada a mais agressiva entre os 
            evangélicos. Até dois anos atrás, a Mundial disputava fiéis pela TV 
            em pé de igualdade com os concorrentes, alugando pequenas faixas da 
            programação. Em agosto de 2008, deu um salto. Valdemiro fechou um 
            acordo com a família Saad, do Grupo Bandeirantes de Comunicação, e 
            passou a ocupar 22 horas diárias da grade da Rede 21, canal UHF com 
            alcance nacional. O negócio, que garantiu presença avassaladora da 
            Mundial na TV, foi articulado por Didini, que ficou com o cargo de 
            gestor de conteúdo da emissora. 
              
            
            A Mundial tem também acordos com a Rede TV! – em que 
            ocupa três horas e meia da programação diária – e com a CNT – oito 
            horas por dia. Transmite por satélite para cinco países da África. 
            No rádio, mantém operações em vários Estados. As mais relevantes no 
            Rio e em São Paulo, onde a Mundial arrendou uma emissora FM para 
            transmitir 24 horas por dia. 
              
            
            Ainda que a cúpula da Mundial mantenha segredo sobre 
            a movimentação financeira da igreja, todos concordam que o gasto 
            mais relevante é com mídia. Um membro da cúpula afirmou que o 
            desembolso total nessa rubrica está em torno de R$ 13 milhões por 
            mês. “No Canal 21, o apóstolo deve estar pagando uns R$ 7 milhões, 
            daí para mais. Na Rede TV! foi renovado por R$ 1,9 milhão. E na CNT 
            uns R$ 800 mil”, diz o assessor Jorge Lisboa sobre os três 
            principais contratos. Para filmar eventos externos, a Mundial 
            contratou a produtora de TV Casablanca, a maior do setor no Brasil. 
              
            
            A nova ambição de Valdemiro é política. Seguindo a 
            tendência de outras igrejas, ele quer criar sua própria bancada em 
            Brasília e eleger um representante seu em cada Assembleia 
            Legislativa do país. “A estratégia do apóstolo é lançar só um 
            federal e um estadual por Estado. É para não ter competição 
            interna”, diz Irio Rosa, escalado para ser candidato a deputado 
            estadual no Paraná pelo nanico PSC (Partido Social Cristão). A 
            legenda, cujos maiores expoentes são o senador Mão Santa (PI) e o 
            ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, deverá lançar a 
            maioria dos candidatos da Mundial. Rosa, exibido constantemente na 
            TV da Mundial, admite que mal conhece o Paraná.“Eu queria sair 
            candidato por Brasília, mas o apóstolo não deixou. Então, faz um ano 
            que estou morando em Curitiba”, diz. 
              
            
            Um dos colaboradores mais importantes de Valdemiro 
            fará dobradinha com Rosa no Paraná. É o executivo Ricardo Arruda 
            Nunes, ex-presidente do desativado Banco de Crédito Metropolitano, 
            conhecido como o banco da Igreja Universal. Nunes diz ser hoje 
            responsável pela “estratégia financeira” da Mundial. Ele já foi 
            investigado pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República 
            por suas supostas relações com empresas-fantasmas que teriam sido 
            criadas pela Universal para lavar dinheiro. Agora, prestador de 
            serviços para a Mundial, frequenta os cultos de Valdemiro todo 
            domingo. 
              
            
            Em janeiro, Valdemiro Santiago quase recebeu o 
            presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu altar. A ocasião era um 
            culto no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, com público 
            estimado em 50 mil pessoas. Lula chegou a confirmar presença, mas 
            não apareceu, porque teve uma crise de hipertensão. Para 
            representá-lo, compareceram dois petistas: o prefeito Luiz Marinho e 
            o senador Aloizio Mercadante. “Eu não conhecia Valdemiro”, disse 
            Mercadante. “É mesmo impressionante. Ele prega de forma muito 
            direta, autêntica e popular. Lembra as manifestações que a gente 
            fazia aqui neste mesmo lugar com os trabalhadores, um movimento 
            forte, espontâneo e que incomoda as elites.” Mercadante prometeu 
            articular um encontro de Valdemiro com Lula. Até a semana passada, 
            nenhuma reunião tinha sido agendada. 
              
            
            Valdemiro procura cultivar contatos com políticos de 
            diversas tendências. Mantém boas relações com o tucano Marconi 
            Perillo, senador por Goiás, e com Ivo Cassol (PP), governador de 
            Rondônia. “Imagine uma pessoa íntegra, boa, verdadeira. É ele, 
            Valdemiro. Ele faz coisas que só Deus pode fazer”, diz Cassol. Ele 
            costuma recebê-lo em sua fazenda, em Rondônia, para pescar. Entre os 
            políticos de destaque, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), 
            é o único com quem Valdemiro tem relacionamento dúbio. Em 2008, 
            Valdemiro pediu votos para Kassab. No ano passado, quando a sede da 
            Mundial no Brás, centro de São Paulo, foi lacrada por falta de 
            segurança e excesso de barulho, Kassab passou a ser tratado como 
            inimigo. 
              
            
            A sede do Brás é um galpão enorme e antigo, que 
            funcionava como fábrica da família Matarazzo. Ocupa uma área de 
            43.000 metros quadrados e foi comprado pela igreja por R$ 60 milhões 
            em 60 parcelas. O embargo ocorreu porque o imóvel tinha fiação 
            exposta, piso e teto comprometidos e não contava com saídas de 
            emergência, além de produzir muito barulho. Enquanto providenciava 
            reformas, Valdemiro dizia que o fechamento era uma “perseguição dos 
            poderosos à obra de Deus”. Várias vezes ameaçou retaliar Kassab nas 
            urnas. A sede, que ficou 53 dias lacrada, é a principal fonte de 
            renda da Mundial. “O fechamento da nossa igreja provocou um prejuízo 
            de milhões e milhões de reais”, disse Valdemiro num culto em 
            fevereiro, enquanto pedia mais ofertas aos seguidores. 
              
            
            De todos os assuntos relacionados à vida de Valdemiro, 
            um dos mais polêmicos e misteriosos é sua saída da Universal. 
            Valdemiro é o único dissidente de Edir Macedo que prosperou criando 
            sua própria igreja. Depois de ocupar posições de destaque em São 
            Paulo, Paraíba, Pernambuco e em Moçambique, Valdemiro rompeu com a 
            Universal em 1997. Sua importância pode ser medida pelas 
            participações societárias que acumulou. No último ano de Universal, 
            tinha em seu nome duas TVs e três rádios FM da igreja. Há várias 
            versões para a ruptura. Alguns dizem que Valdemiro foi expulso por 
            desviar dinheiro da Universal. Outros dizem que ele discordou de 
            Edir Macedo na nomeação de um bispo. Há quem diga que ele caiu em 
            desgraça porque brigou com autoridades de Moçambique e atrapalhou a 
            expansão da igreja por lá. Sua saída não foi amigável. “Sabe o que o 
            Macedo fez com ele? Deu R$ 50 mil e um Gol velho. Jogou na mesa. Foi 
            assim que o Macedo fez, ó: ‘Se você ficar, vou te dar uma liderança 
            forte, um Audi, tudo. Se sair, leva R$ 50 mil e um Gol velho’”, 
            afirma Didini, que deixou a Universal na mesma época. “Ganhei R$ 100 
            mil quando saí. O cara (Valdemiro) foi um líder, trabalhou 18 anos 
            lá, deu a vida pela igreja e só levou R$ 50 mil.” 
              
            
            Parte importante do sucesso da Mundial é resultado da 
            crise da Igreja Universal. Lideranças evangélicas dizem que a 
            Universal começou a enfrentar problemas quando Edir Macedo passou a 
            dedicar a maior parte de sua atenção à TV Record. “Ele deixou de ser 
            igrejeiro, virou empresário e foi morar nos Estados Unidos, longe 
            dos fiéis”, afirma o ex-bispo Marcelo Pires, que atuou na Universal 
            e hoje move processos judiciais contra a igreja. “O seguidor da 
            Universal nem vê mais o Edir pregando. Como não sente o carinho de 
            seu líder, procura outras igrejas.” Há também o desgaste provocado 
            pelas denúncias recentes de lavagem de dinheiro e enriquecimento 
            ilícito contra líderes da Universal. 
              
            
            Desde a criação da Mundial, Edir Macedo nunca 
            manifestou nenhum tipo de temor sobre a concorrente. Dias atrás, ele 
            publicou um post em seu blog em que cita pela primeira vez a 
            Mundial. Edir Macedo reproduziu a carta de uma fiel que teria 
            passado pela igreja de Valdemiro. Ela diz que na Mundial viu sua 
            vida espiritual “caindo a cada dia”. Os parceiros de Valdemiro 
            comemoraram. Para eles, Edir Macedo passou um atestado de 
            preocupação. 
             
             
             
             
            
              
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                Milagres e milhões 
                http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-1,00-MILAGRES+E+MILHOES.html 
                http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-2,00-MILAGRES+E+MILHOES.html 
                http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-3,00-MILAGRES+E+MILHOES.html 
                http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-4,00-MILAGRES+E+MILHOES.html  | 
               
             
              
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