Milagres e milhões
25/03/2010 - 15:48 - ATUALIZADO EM
26/03/2010 - 21:29
Com promessas de cura e até de ressurreição, o apóstolo Valdemiro
Santiago transformou sua Igreja Mundial num novo império evangélico
MARIANA SANCHES E RICARDO MENDONÇA.
COM JULIANA ARINI, DE CUIABÁ (MT)
CARISMA
De chapéu, uma de suas marcas, o apóstolo Valdemiro
Santiago comanda um culto para 50 mil pessoas em
São Bernardo do Campo, São Paulo, em janeiro
– Uma das histórias que mais me impressionou (sic)
foi de um homem que morreu. Como se diz no Nordeste, ele estava na
pedra. A família já tinha recebido atestado de óbito. A filha dele
chegou em mim na igreja, me abraçou e disse: “Se o senhor disser que
ele está vivo, ele viverá”. O que houve ali foi pela fé dela.
Comovido, respondi: “Então, está vivo”. Quando ela voltou para casa,
estavam se preparando para velar o corpo e receberam a notícia de
que o homem havia voltado à vida. Os médicos tentaram justificar,
mas não conseguiram entender como o coração dele voltou a bater. Foi
uma ressurreição.
O relato acima foi feito em 2009 pelo líder
evangélico Valdemiro Santiago de Oliveira numa de suas raras
entrevistas, concedida a uma publicação evangélica chamada Eclésia.
Alto, negro, extrovertido, de fala rouca cheia de
erros de português e forte sotaque mineiro, Valdemiro, de 46 anos, é
o criador, líder absoluto e autoproclamado “apóstolo” da Igreja
Mundial do Poder de Deus. Caçula entre as neopentecostais, a igreja
foi fundada em 1998, em Sorocaba, interior de São Paulo. Mineiro de
Palma, região de Juiz de Fora, Valdemiro gosta de se definir como
“homem do mato” ou “um simples comedor de angu”. Na pregação diária
de bispos e pastores e no boca a boca de milhares de fiéis, é
reverenciado como milagreiro. Além de afirmar ressuscitar os mortos,
cultiva a fama de curar de aids, câncer, cegueira, surdez,
tuberculose, hanseníase, paralisia, alergias, coceiras e dores em
qualquer parte do corpo e da alma. Num domingo com três cultos,
Valdemiro chega a apresentar mais de 30 testemunhos de cura. ÉPOCA
tentou falar com Valdemiro durante dois meses. As solicitações foram
feitas por meio de assessores e bispos e diretamente a ele, na saída
de cultos. Em duas ocasiões, ele prometeu dar entrevista, mas nunca
agendou.
Dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, a
Mundial é a menos organizada das evangélicas. Seus templos têm
instalações precárias. A pregação é classificada por alguns como
“primitiva”. Há gritos, choros e performances espalhafatosas. Até
suas publicações são visivelmente mais pobres que as das
concorrentes. Apesar de fazer quase tudo no improviso, a Mundial já
é considerada o maior fenômeno religioso do Brasil desde a criação
da Igreja Universal, em 1977, sob a liderança do bispo Edir Macedo.
Mais que isso, a Mundial começa a se firmar como ameaça ao império
que a Universal ergueu no campo das neopentecostais.
Carismático, intuitivo, meio desafiador, meio
fanfarrão, Valdemiro comanda uma estrutura que, de acordo com
números da igreja, reúne 2.350 templos, cerca de 4.500 pastores e
tem sedes em mais 12 países. Só em aluguéis de imóveis para cultos a
Mundial gasta R$ 12 milhões por mês, segundo estima o diretor de
compras da igreja, Mateus Oliveira, sobrinho de Valdemiro. Em número
de templos, a Mundial superou duas de suas três concorrentes
neopentecostais: a Internacional da Graça, do missionário R.R.
Soares, e a Renascer, do casal Estevam e Sônia Hernandes. Nos
últimos dois anos, a Mundial praticamente multiplicou por dez seu
tamanho (em 2008, eram 250 templos). Mantido o atual ritmo de
crescimento, ela ultrapassaria a Universal até 2012. A igreja de
Edir Macedo afirma ter 5.200 templos e 10 mil pastores.
Uma característica nova na expansão da Mundial está
naquilo que o sociólogo Ricardo Mariano, estudioso de religião na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, chama de
“pescar no próprio aquário evangélico”. Estudos sugerem que a maior
parte dos seguidores da Mundial veio de outras neopentecostais,
principalmente da Universal. Poucos eram do meio católico,
tradicional fornecedor de fiéis para denominações evangélicas.
“Calculo que mais de 50% dos membros da Mundial saíram da Universal,
uns 30% da Internacional da Graça e o resto das demais evangélicas
ou outras religiões”, diz Paulo Romeiro, professor de teologia da
Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de um livro sobre a
igreja.
Na cúpula da Mundial, a presença de ex-membros da
Universal é expressiva. Estima-se que 90% dos bispos e até 80% dos
pastores tenham sido formados por Edir Macedo. O próprio Valdemiro
tem origem na Universal, onde atuou por 18 anos. O apetite com que a
Mundial avança sobre a Universal aparece até na distribuição
geográfica dos templos. Valdemiro tem predileção por instalar
igrejas em imóveis que já foram ocupados pela Universal.
Parte do encanto de Valdemiro está na imagem
messiânica que ele construiu em torno de si, contando histórias
mirabolantes. A mais espetacular está no livro O grande livramento:
ele descreve um naufrágio que sofreu em Moçambique em 1996, quando
ainda era da Universal. Valdemiro diz que ele e três conhecidos
foram vítimas de uma sabotagem, que fez a embarcação afundar a 20
quilômetros da costa. A partir daí, a história ganha ares
cinematográficos.
Valdemiro na época pesava 153 quilos (anos depois,
ele faria uma cirurgia de redução de estômago). Ele diz que deu os
únicos três coletes aos colegas e começou a nadar a esmo. Diz ter
nadado oito horas “contra forte correnteza”, “ondas gigantes” e
cercado por “tubarões-brancos assassinos” e “barracudas agressivas”.
Na travessia, prossegue sua narrativa, um pedaço de sua perna foi
arrancado e seus olhos foram queimados por “águas-vivas gigantes”.
Quando finalmente chegou à praia, diz ele, dormiu na areia e acordou
nos braços de dois estranhos, “africanos seminus”. “Tive a clareza
de que os anjos do Senhor haviam me visitado e me dado o
livramento”, diz. Dos três companheiros, dois morreram e um foi
resgatado. Na época, jornais noticiaram o naufrágio, mas muita gente
na igreja duvidou do relato. Um bispo foi à África fazer uma
sindicância, mas isso não sanou as dúvidas.
Valdemiro também conta outros três causos de
“livramento”. Diz que, numa ocasião, caiu do 8º andar de uma obra,
mas nada sofreu. Afirma também que, passeando de carro “na África”,
uma bomba de um campo minado explodiu “arremessando nosso carro uns
3 metros para o alto”. Diz ainda que sofreu uma tentativa de
assassinato, mas os “matadores profissionais” erraram os cinco
tiros. “Assustados, jogaram o rifle para dentro do carro e fugiram”,
afirma.
Além dos “livramentos”, a Mundial ostenta ainda
outras três distinções em relação às concorrentes. A principal é a
ênfase na cura. Diferentemente da Universal, que cresceu
preconizando o exorcismo, ou da Renascer, que concentra o foco na
prosperidade, a Mundial promete soluções divinas para doenças
terrenas. O discurso não é novo. Nos anos 50, milagres de cura eram
o mote da Igreja do Evangelho Quadrangular e da igreja O Brasil para
Cristo, de Manoel de Mello. Valdemiro remasterizou o tema. Para dar
credibilidade ao discurso, às vezes recorre ao médico Wandemberg
Barbosa, que sobe ao altar para dizer que a medicina não explica
certos fenômenos. “Há casos que só podem ser milagres”, diz Barbosa.
“Tomo cuidado com o que falo porque existe a fiscalização do CRM
(Conselho Regional de Medicina), mas Valdemiro não provoca a
descrença na medicina. Ele nunca manda ninguém interromper o
tratamento.”
Outra característica que distingue a Mundial é a
sacralização do suor. A cada culto, Valdemiro passa quase três horas
no altar. Ali, ele grita, canta, ri, chora, pula, se ajoelha e sua.
Sobretudo sua. Quando a reunião termina, seu suor é disputado pelos
fiéis. Mais de 200 chegam a cercá-lo. Tremendo, chorando, eles usam
toalhinhas fornecidas pela igreja para coletar alguma umidade.
Depois, esfregam o pano no próprio corpo, em fotos ou documentos. “A
valorização do suor, que ocorre com vários líderes da Mundial, é uma
novidade completa entre os protestantes”, diz o sociólogo e teólogo
Ricardo Bitun, da Universidade Mackenzie. “Valdemiro é corajoso ao
permitir que o público toque em seu corpo. Nenhum outro líder
evangélico faz isso”, afirma o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, da
Universidade de São Paulo (USP).
O terceiro elemento distintivo da Mundial é a
composição de uma cúpula majoritariamente negra. Os bispos Josivaldo
Batista, o segundo na hierarquia, e Roberto Damásio, o terceiro,
também são negros. Valdemiro fala com orgulho sobre a presença de
negros na direção da igreja. E afirma já ter sido discriminado por
sua cor. Eis o que diz o jornalista Ronaldo Didini, ex-homem de
confiança de Edir Macedo que hoje trabalha como consultor de mídia
para Valdemiro: “Uma vez, numa reunião de lideranças da Universal,
Valdemiro foi indicado para liderar a igreja no Paraná. Macedo foi
contra, dizendo que a sociedade paranaense era elitizada e que não
mandaria um negro para lá. Quem defendeu o Valdemiro foi o
Honorilton (Gonçalves), hoje presidente da Record. Mas não
adiantou”. Por meio de sua assessoria, a Universal afirmou que tem
vários pastores e bispos negros e que a acusação de discriminação
contra Valdemiro é improcedente.
A Mundial não vive só de inovação. Noutros aspectos,
aproveita o know-how dos concorrentes, como a prática de distribuir
bens em nome de terceiros para esconder o enriquecimento das
lideranças. “A Mundial cresceu muito. Então há coisas que o apóstolo
coloca no nome de outros. Eu já tive veículos da igreja em meu
nome”, diz Jorge Lisboa, obreiro e assessor da Mundial, presença
frequente no altar ao lado de Valdemiro. “O primeiro carro que o
apóstolo comprou pela igreja colocou no meu nome. Muita coisa é
assim. Sabe por que o R.R. Soares está estacionado? Porque dedicou
tudo à família. O dirigente tem de confiar nos outros. Se comprar
dez emissoras de rádio, tem de colocar em nome de pessoas
diferentes.” O missionário R.R. Soares não respondeu aos pedidos de
entrevista de ÉPOCA.
A prática descrita por Lisboa é confirmada pelo
advogado Fausto Bossolo, membro da Mundial e assessor do vereador
José Olímpio (PP), representante da igreja na Câmara Municipal de
São Paulo. “Como é que você vai declarar isso no Imposto de Renda? A
Igreja Evangélica tem um crescimento absurdo e a demanda é muito
grande”, diz ele. “Então é complicado colocar (tudo) no nome de uma
pessoa só. Você tem uma casa e daqui a um ano tem 20. E aí? Como
fica?”
Como outras igrejas neopentecostais, a Mundial também
não se acanha em pedir ofertas. Apesar do perfil pobre do público,
os pregadores não hesitam em estabelecer valores altos para as
contribuições. Valdemiro já pediu até 30% da renda do fiel, o que
foi batizado de “trízimo” : “Você vai dizer para Deus o seguinte:
‘Senhor, 70% de tudo o que o Senhor me der neste mês é meu. E 30%
são da sua obra’”, disse. Depois, associou o “30” à “Santíssima
Trindade”. Apesar de dizer que não faz distinção entre doadores, a
Mundial qualifica as ofertas em categorias: ouro (R$ 300), prata (R$
100) e bronze (R$ 50). “Quando Jesus nasceu, recebeu três presentes:
ouro, incenso e mirra. Qual foi o mais importante?”, disse Valdemiro
num culto. E respondeu: “O ouro!”.
O ex-pastor Rafael Ferreira, um dos raros dissidentes
da Mundial, dá detalhes das táticas de arrecadação: “Em Mato Grosso
havia uma meta de R$ 1 milhão por mês, além dos R$ 500 mil para
pagar a TV. Eu era responsável pelos depósitos. Todo dia ia ao
Bradesco do centro de Cuiabá e depositava de R$ 80 mil a R$ 100 mil
na conta da igreja”. Ferreira atuou por três anos na Mundial. Ele
conta como eram os “cursos de pregação”: “O bispo Sidney Furlan
mandava a gente subir no altar e orientava sobre o que falar para
comover o povo. Dizia que era preciso fazer um teatrinho, um
sensacionalismo para o povo acreditar que a igreja era responsável
pelas curas e milagres”. Ferreira, que se diz ex-homossexual, foi
expulso da Mundial em dezembro. Ele pede R$ 1 milhão na Justiça por
discriminação e calúnia. Os representantes da igreja em Cuiabá não
quiseram comentar suas afirmações.
Problemas com a Justiça não são uma novidade para a
Mundial. No começo do mês, três pastores da igreja foram presos pela
Polícia Rodoviária em Mato Grosso do Sul. Com eles foram apreendidos
sete fuzis, que, segundo a polícia, saíram da Bolívia e seriam
entregues para traficantes no Rio de Janeiro. O próprio Valdemiro já
foi apanhado em situação parecida. Em abril de 2003, o Ford Mondeo
que dirigia foi parado numa blitz em Sorocaba. No carro, havia 26
cartuchos de munição e três armas: uma carabina calibre 22 e
espingardas calibres 12 e 15. “Ele disse que era caçador. Falou que
tinha morado na África, onde caçava elefantes”, diz o policial
Danilo Ramos, que atuou no flagrante. Na casa do apóstolo, “um lugar
sujo, nos fundos de um quintal”, segundo Ramos, os policiais acharam
mais duas espingardas ilegais. Na delegacia, Valdemiro afirmou que
ganhava “aproximadamente R$ 500 por mês” e não tinha imóvel nem
dinheiro no banco. Passou a madrugada preso. Em 2005, foi condenado
a dar três cestas básicas a uma instituição de caridade.
Ainda em 2003, Valdemiro voltou a esbarrar na
ilegalidade. Ao renovar a carteira de motorista, usou o RG
16.717.037, que pertence a uma mulher nascida em Paraibuna, no
interior de São Paulo. A habilitação, com o número de RG errado,
venceu em 2008. Não consta que ele tenha tido problema por ter
circulado com um documento com informação falsa.
Valdemiro já pediu até 30% da renda do fiel – o que
foi batizado de “trízimo”
Com o crescimento da Mundial, o padrão de vida de
Valdemiro mudou radicalmente, embora ele continue cultivando a
imagem de interiorano simplório diante dos fiéis. Valdemiro mora num
condomínio de luxo em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo.
Quando precisa se deslocar, usa dois helicópteros e um jato Citation
Excel, de R$ 18,5 milhões, alugado há cinco meses. O helicóptero
menor é um Bell Jet Ranger 206B3, avaliado em R$ 1,3 milhão. De
acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), ele já
pertenceu à apresentadora Xuxa. Hoje, está em nome de uma factoring
chamada Athenabanco, que diz ter vendido o aparelho à Mundial no fim
de 2008, em 12 parcelas. “O pedido de transferência para a igreja
está na Anac há dois meses, mas o processo é lento”, diz Robinson
Leite, diretor da Athenabanco.
O helicóptero grande é um Agusta A109-C, comprado
pela Mundial em setembro de 2009, por R$ 5,1 milhões. Potente,
luxuoso e seguro, o Agusta é um dos aparelhos mais cobiçados do
mercado. Para embarques e desembarques perto de casa, Valdemiro usa
o heliponto de Amilcare Dallevo, dono da Rede TV!. É uma situação
provisória (que Dallevo prefere não comentar). Em pouco tempo,
Valdemiro deverá construir seus próprios helipontos. A amigos, disse
que vai construir um perto de sua casa e outro perto do enorme
templo que está erguendo na Zona Sul de São Paulo.
A frota de aeronaves já parece insuficiente para o
apóstolo. Há algumas semanas, corretores foram acionados para tentar
vender o Agusta por US$ 2,5 milhões. “O plano de Valdemiro é comprar
um Agusta Grand, o mais sofisticado da marca, que custa uns US$ 7
milhões”, diz um profissional do mercado. O avião também pode estar
com os dias contados. “Eu já disse para o Valdemiro que ele precisa
comprar um jato intercontinental. A igreja está em expansão na
África”, afirma Ronaldo Didini.
Em seu próprio nome, o patrimônio de Valdemiro é bem
menor. Com a mulher, a bispa Franciléia, ele é sócio de uma empresa
de comunicação e de uma gravadora de CDs, que trabalham para a
igreja. Franciléia é uma loira de 44 anos. Com joias e roupas
chamativas, ela acompanha Valdemiro nos cultos e ora chorando. Ainda
é sócia da editora que publica livros da Mundial. Oficialmente, a
renda do casal sai apenas da venda dos livros e CDs. Os outros bens
de Valdemiro são um Fusca 1969, uma moto 125 cilindradas e uma
picape Dodge RAM 2.500 avaliada em R$ 100 mil.
O motor do crescimento acelerado da Mundial é sua
estratégia de mídia, considerada a mais agressiva entre os
evangélicos. Até dois anos atrás, a Mundial disputava fiéis pela TV
em pé de igualdade com os concorrentes, alugando pequenas faixas da
programação. Em agosto de 2008, deu um salto. Valdemiro fechou um
acordo com a família Saad, do Grupo Bandeirantes de Comunicação, e
passou a ocupar 22 horas diárias da grade da Rede 21, canal UHF com
alcance nacional. O negócio, que garantiu presença avassaladora da
Mundial na TV, foi articulado por Didini, que ficou com o cargo de
gestor de conteúdo da emissora.
A Mundial tem também acordos com a Rede TV! – em que
ocupa três horas e meia da programação diária – e com a CNT – oito
horas por dia. Transmite por satélite para cinco países da África.
No rádio, mantém operações em vários Estados. As mais relevantes no
Rio e em São Paulo, onde a Mundial arrendou uma emissora FM para
transmitir 24 horas por dia.
Ainda que a cúpula da Mundial mantenha segredo sobre
a movimentação financeira da igreja, todos concordam que o gasto
mais relevante é com mídia. Um membro da cúpula afirmou que o
desembolso total nessa rubrica está em torno de R$ 13 milhões por
mês. “No Canal 21, o apóstolo deve estar pagando uns R$ 7 milhões,
daí para mais. Na Rede TV! foi renovado por R$ 1,9 milhão. E na CNT
uns R$ 800 mil”, diz o assessor Jorge Lisboa sobre os três
principais contratos. Para filmar eventos externos, a Mundial
contratou a produtora de TV Casablanca, a maior do setor no Brasil.
A nova ambição de Valdemiro é política. Seguindo a
tendência de outras igrejas, ele quer criar sua própria bancada em
Brasília e eleger um representante seu em cada Assembleia
Legislativa do país. “A estratégia do apóstolo é lançar só um
federal e um estadual por Estado. É para não ter competição
interna”, diz Irio Rosa, escalado para ser candidato a deputado
estadual no Paraná pelo nanico PSC (Partido Social Cristão). A
legenda, cujos maiores expoentes são o senador Mão Santa (PI) e o
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, deverá lançar a
maioria dos candidatos da Mundial. Rosa, exibido constantemente na
TV da Mundial, admite que mal conhece o Paraná.“Eu queria sair
candidato por Brasília, mas o apóstolo não deixou. Então, faz um ano
que estou morando em Curitiba”, diz.
Um dos colaboradores mais importantes de Valdemiro
fará dobradinha com Rosa no Paraná. É o executivo Ricardo Arruda
Nunes, ex-presidente do desativado Banco de Crédito Metropolitano,
conhecido como o banco da Igreja Universal. Nunes diz ser hoje
responsável pela “estratégia financeira” da Mundial. Ele já foi
investigado pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República
por suas supostas relações com empresas-fantasmas que teriam sido
criadas pela Universal para lavar dinheiro. Agora, prestador de
serviços para a Mundial, frequenta os cultos de Valdemiro todo
domingo.
Em janeiro, Valdemiro Santiago quase recebeu o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu altar. A ocasião era um
culto no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, com público
estimado em 50 mil pessoas. Lula chegou a confirmar presença, mas
não apareceu, porque teve uma crise de hipertensão. Para
representá-lo, compareceram dois petistas: o prefeito Luiz Marinho e
o senador Aloizio Mercadante. “Eu não conhecia Valdemiro”, disse
Mercadante. “É mesmo impressionante. Ele prega de forma muito
direta, autêntica e popular. Lembra as manifestações que a gente
fazia aqui neste mesmo lugar com os trabalhadores, um movimento
forte, espontâneo e que incomoda as elites.” Mercadante prometeu
articular um encontro de Valdemiro com Lula. Até a semana passada,
nenhuma reunião tinha sido agendada.
Valdemiro procura cultivar contatos com políticos de
diversas tendências. Mantém boas relações com o tucano Marconi
Perillo, senador por Goiás, e com Ivo Cassol (PP), governador de
Rondônia. “Imagine uma pessoa íntegra, boa, verdadeira. É ele,
Valdemiro. Ele faz coisas que só Deus pode fazer”, diz Cassol. Ele
costuma recebê-lo em sua fazenda, em Rondônia, para pescar. Entre os
políticos de destaque, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM),
é o único com quem Valdemiro tem relacionamento dúbio. Em 2008,
Valdemiro pediu votos para Kassab. No ano passado, quando a sede da
Mundial no Brás, centro de São Paulo, foi lacrada por falta de
segurança e excesso de barulho, Kassab passou a ser tratado como
inimigo.
A sede do Brás é um galpão enorme e antigo, que
funcionava como fábrica da família Matarazzo. Ocupa uma área de
43.000 metros quadrados e foi comprado pela igreja por R$ 60 milhões
em 60 parcelas. O embargo ocorreu porque o imóvel tinha fiação
exposta, piso e teto comprometidos e não contava com saídas de
emergência, além de produzir muito barulho. Enquanto providenciava
reformas, Valdemiro dizia que o fechamento era uma “perseguição dos
poderosos à obra de Deus”. Várias vezes ameaçou retaliar Kassab nas
urnas. A sede, que ficou 53 dias lacrada, é a principal fonte de
renda da Mundial. “O fechamento da nossa igreja provocou um prejuízo
de milhões e milhões de reais”, disse Valdemiro num culto em
fevereiro, enquanto pedia mais ofertas aos seguidores.
De todos os assuntos relacionados à vida de Valdemiro,
um dos mais polêmicos e misteriosos é sua saída da Universal.
Valdemiro é o único dissidente de Edir Macedo que prosperou criando
sua própria igreja. Depois de ocupar posições de destaque em São
Paulo, Paraíba, Pernambuco e em Moçambique, Valdemiro rompeu com a
Universal em 1997. Sua importância pode ser medida pelas
participações societárias que acumulou. No último ano de Universal,
tinha em seu nome duas TVs e três rádios FM da igreja. Há várias
versões para a ruptura. Alguns dizem que Valdemiro foi expulso por
desviar dinheiro da Universal. Outros dizem que ele discordou de
Edir Macedo na nomeação de um bispo. Há quem diga que ele caiu em
desgraça porque brigou com autoridades de Moçambique e atrapalhou a
expansão da igreja por lá. Sua saída não foi amigável. “Sabe o que o
Macedo fez com ele? Deu R$ 50 mil e um Gol velho. Jogou na mesa. Foi
assim que o Macedo fez, ó: ‘Se você ficar, vou te dar uma liderança
forte, um Audi, tudo. Se sair, leva R$ 50 mil e um Gol velho’”,
afirma Didini, que deixou a Universal na mesma época. “Ganhei R$ 100
mil quando saí. O cara (Valdemiro) foi um líder, trabalhou 18 anos
lá, deu a vida pela igreja e só levou R$ 50 mil.”
Parte importante do sucesso da Mundial é resultado da
crise da Igreja Universal. Lideranças evangélicas dizem que a
Universal começou a enfrentar problemas quando Edir Macedo passou a
dedicar a maior parte de sua atenção à TV Record. “Ele deixou de ser
igrejeiro, virou empresário e foi morar nos Estados Unidos, longe
dos fiéis”, afirma o ex-bispo Marcelo Pires, que atuou na Universal
e hoje move processos judiciais contra a igreja. “O seguidor da
Universal nem vê mais o Edir pregando. Como não sente o carinho de
seu líder, procura outras igrejas.” Há também o desgaste provocado
pelas denúncias recentes de lavagem de dinheiro e enriquecimento
ilícito contra líderes da Universal.
Desde a criação da Mundial, Edir Macedo nunca
manifestou nenhum tipo de temor sobre a concorrente. Dias atrás, ele
publicou um post em seu blog em que cita pela primeira vez a
Mundial. Edir Macedo reproduziu a carta de uma fiel que teria
passado pela igreja de Valdemiro. Ela diz que na Mundial viu sua
vida espiritual “caindo a cada dia”. Os parceiros de Valdemiro
comemoraram. Para eles, Edir Macedo passou um atestado de
preocupação.
Milagres e milhões
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-1,00-MILAGRES+E+MILHOES.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-2,00-MILAGRES+E+MILHOES.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-3,00-MILAGRES+E+MILHOES.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223-4,00-MILAGRES+E+MILHOES.html |
|