HERODES FICOU CONTENTE

(Lc 23, 8-12)

 

“Vendo a Jesus, Herodes ficou muito contente; havia muito tempo que queria vê-lo, pelo que ouvia dizer dele; e esperava ver algum milagre feito por ele. Interrogou-o com muitas perguntas; ele, porém, nada lhe respondeu. Entretanto, os chefes dos sacerdotes e os escribas lá se achavam, e acusavam-no com veemência. Herodes, juntamente com a sua escolta, tratou-o com desprezo e escárnio; e, vestindo-o com uma veste brilhante, remeteu-o a Pilatos. E nesse mesmo dia Herodes e Pilatos ficaram amigos entre si, pois antes eram inimigos”.

 

Perseverando os sacerdotes em acusar a Jesus Cristo, disseram a Pilatos que amotinava o povo, ensinando sua doutrina por toda a Judéia, começando desde a Galiléia até Jerusalém; do qual fez Pilatos dizer que Jesus era da jurisdição de Herodes... então Jesus foi enviado para Herodes. Considera aqui como Cristo Nosso Senhor, de quem disse São Pedro que passou desde a Galiléia e por toda a Judéia fazendo o bem a todos e curando os doentes e possessos; e agora caluniado de que amotinava o povo ensinando uma doutrina errada desde a Galiléia e por toda a Judéia... para ver que o Senhor quis ser humilhado por aquelas pessoas a quem fez tanto bem... dizendo que todo o seu trabalho era para destruí-las. Quanta calúnia! Quanta ingratidão! Quem temerá, pois, os juízos dos homens? É preciso meditar a ignomínia (vergonha pública) que Cristo padeceu desde a casa de Pilatos até o palácio do rei Herodes, passando pelo meio das ruas e praças de Jerusalém, com grande estrondo do povo, porque o dia já tinha amanhecido. Admiremos a humildade e a caridade do Filho de Deus que quis ser arrastado em tantos tribunais, um pior que o outro, e comparecer ao tribunal de um rei cruel e injusto, que tomou para si a mulher de seu próprio irmão e degolou ao grande São João Batista, porque lhe repreendeu. Diante desse sofrimento do Senhor, aprendamos a trabalhar com fervor e dedicação para sua glória e suportar com paciência as dificuldades e sofrimentos que surgem pelo caminho.

Considera como Herodes ficou contente quando viu Nosso Senhor, porque havia muito tempo que queria vê-lO, e esperava que Ele fizesse algum milagre na sua presença. Herodes fez muitas perguntas para o Senhor, mas Ele não lhe deu resposta. Porém, os sacerdotes estavam ali, acusando-Lhe terrivelmente. Sobre isso é preciso considerar em Herodes a alegria que teve ao ver a Cristo Jesus, não por CARIDADE, mas por CURIOSIDADE de ver um homem com tanta fama, e esperar ver alguma novidade; porém, tudo resultou depois em maior afronta para o Senhor, o qual, entretanto, desta acolhida, não quis falar nem responder as perguntas nem fazer milagres algum na presença de Herodes. Herodes, por causa de suas maldades, tido como excomungado, não foi digno de ver os milagres feitos por Nosso Senhor; e, por isso, por outra vez merecia ser chamado de raposa, declarando a malícia astuta com que perseguia os principais sarmentos (broto de videira) da vinha do Senhor. Herodes não mereceu ver os milagres por causa da sua vã curiosidade, porque não fala Deus suas divinas palavras nem faz suas obras maravilhosas para satisfazer os curiosos; e quem se aproxima de Deus na oração com essa atitude curiosa, O encontrará mudo e surdo, nem sentirá suas inspirações e palavras interiores, nem sua inspiração para realizar progresso na vida espiritual (coitados dos protestantes e dos carismáticos, discípulos de Herodes curioso e desejoso de show), Jesus não é palhaço nem exibicionista... mas sim, Deus Bendito. Essa atitude de Jesus mostrou o quanto Ele tinha vontade de sofrer e morrer; porque quem fez milagres para poder dar a vida aos homens, não havia de fazer milagres para escapar do sofrimento e da morte? Com essa atitude Ele reprova a nossa tibieza que pede a Deus milagre para nos livrar dos trabalhos e do sofrimento que eles nos causam.

Vendo Herodes que Jesus Cristo não lhe dizia uma palavra, O desprezou com a sua escolta; e zombando d’Ele, vestiu-O uma túnica branca e devolveu-O a Pilatos. Pondera aqui primeiramente a iníqua sentença deste infame rei, que tendo a Jesus Cristo por um homem sem juízo, muito rústico e malcriado, e julgando que de simplicidade ao bobo calado, queria ser rei... não O quis condenar à morte, mas sim, desprezá-lO, vestindo a Cristo com uma roupa branca como era costume entre os Césares, ainda que essa túnica fosse rasgada e velha para maior zombaria e humilhação. E assim, mandou que O entregasse a Pilatos, como se dissesse: devolvo-te esse louco, que por simplicidade e loucura quer ser rei. E toda a escolta querendo vingar a injúria de seu senhor (Herodes) e agradar-lhe, zombou de Jesus Cristo com muitas injúrias, chamando-O de rude, louco, estúpido e tonto, rei fingido e outros nomes infames. Jesus Cristo sofreu tudo com admirável paciência, ensinando-nos a desprezar as honras vazias do mundo, e a não fazer caso dos falsos juízos dos homens, que assim trataram ao próprio Deus. É preciso contemplar a Jesus andando pelas ruas de Jerusalém com aquela túnica, e como a população O injuriava juntamente com os soldados de Herodes, chamando-O em alta voz de louco e rei fingido.

Dom Duarte Leopoldo comenta: Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, filho de Herodes o grande, o assassino de São João Batista. Uma das humilhações de Jesus Cristo foi o ter de apresentar-se diante deste incestuoso (morava com a mulher do seu irmão). Jesus se cala para não satisfazer a vã curiosidade de um perverso e dar-nos, ao mesmo tempo, grande exemplo de paciência. O seu silêncio era um milagre de virtude, mas como podia compreendê-lO um devasso daquela laia? Despedindo a Jesus Cristo vestido de branco, Herodes queria significar que aquele homem era apenas um louco, um maníaco pretendente da realeza, que só merecia desprezo.

O Pe. Manuel de Tuya escreve: A chegada de Jesus a Herodes Antipas agradou muito a este. A razão era que havia ouvido falar muito d’Ele, e esperava ver algum sinal e prodígio. Ele considerou Jesus como bobo da corte ou como pessoa entregue a artes ocultas que divertiam as cortes. E Herodes fez-lhe muitas perguntas. Porém, Jesus Cristo nada lhe respondeu. Jesus não veio para divertir o povo com seus milagres, mas para salvá-lo. Herodes, que no início não havia dado importância às acusações contra Jesus Cristo, agora, para sair daquela situação com segurança, permite que O acusem. Porém, Jesus permaneceu firme e tranquilo. Tentou humilhar Jesus de outra maneira, vestindo-O com uma veste branca, depois que ele e sua corte O desprezaram. A veste branca é símbolo de inocência, mas aqui é usada para zombaria e loucura; para outros era uma gozação da veste real dos judeus, que era branca.

E, desde aquele dia, Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois antes eram inimigos. Ignora-se o motivo desta inimizade. Dizem que por ter Pilatos mandado colocar uns escudos de ouro com inscrições romanas ofensivas no antigo palácio de Herodes, ou pela matança de galileus no templo enquanto oferecia sacrifícios (Lc 13, 1). O que se sabe é que Herodes era pessoa grata a Tibério e que lhe servia de espião de seus representantes. A Pilatos lhe convinha estar bem com Herodes. E utilizou, habilmente, o caso de Jesus Cristo para conseguir também um golpe político com o tetrarca (Herodes).

O Pe. Juan Leal explica: Herodes havia simpatizado com João Batista, a quem consultava em muitas coisas. Logo, ouviu com interesse falar de Jesus Cristo (Lc 9, 9; 13, 31). Explica-se que agora está contente em vê-lO. Seu caráter frívolo lhe faz pensar em algum milagre realizado em sua presença. O contraste entre as muitas perguntas de Herodes e o silêncio absoluto de Jesus está muito acentuado. Herodes optou por desprezar a Nosso Senhor, vestindo-O com uma veste branca... como um rei de zombaria.

Santo Afonso Maria de Ligório comenta: Chegada a manhã, conduzem Jesus a Pilatos, para que o condene à morte. Pilatos, porém, descobre que Jesus é inocente e por isso diz aos judeus que não encontrava motivo para condená-lo. Como, porém, os vê obstinados em querer a sua morte, o remete ao tribunal de Herodes. Este, tendo diante de si Jesus, desejava vê-lo operar um dos muitos milagres de que tanto falavam. O Senhor nem sequer, porém, respondeu às interrogações daquele temerário e malicioso. Pobre da alma à qual Deus nada mais diz! Vendo Herodes que Jesus não lhe dava resposta, despeitado o expulsou de sua casa, zombando dele com todo o pessoal de sua corte, e para maior desprezo o revestiu com uma veste branca, querendo assim designá-lo como louco, remetendo-o em seguida a Pilatos. E assim é Jesus levado pelas ruas de Jerusalém, revestido com aquela veste de escárnio. Ora, se a sabedoria Eterna é assim tratada pelo mundo, bem-aventurado é aquele que não se importa com os aplausos do mundo e não quer saber de outra coisa senão Jesus crucificado, amando as dores e desprezos, exclamando com o Apóstolo: Não julgueis saber coisa alguma no meio de vós, senão Jesus Cristo e este crucificado.

O Pe. Luis de La Palma escreve: Herodes, chamado Antipas, tetrarca da província da Galiléia, tinha como irmãos: Felipe, tetrarca da Ituréia e Arquelau, que fora tetrarca da Judéia. Há tempo a Judéia era governada por procuradores romanos; Pôncio Pilatos era o sexto. Os três irmãos eram filhos de Herodes, o Grande; o mesmo que querendo matar o menino Jesus, massacrou os Inocentes em Belém. Herodes Antipas era então tetrarca da Galiléia, quando Jesus foi preso e condenado. Era tão desonesto que tinha tomado Herodíades, mulher de seu irmão Felipe, e vivia publicamente em adultério com ela; por desejo de Herodíades, após Salomé dançar para ele, mandou matar João Batista, que o censurava pela sua vida escandalosa. Era tão ambicioso, que para conseguir o reino da Judéia, que havia tirado de seu irmão Arquelau, fazia de tudo para criar simpatia entre os judeus. Talvez por esta razão, veio celebrar a Páscoa em Jerusalém, e pela mesma razão mandou mais tarde matar Tiago e prender Pedro (cf. At 12, 2-3). Herodes era inimigo de Pilatos, porque este era governador de uma província que desejava para si e tinha mandado matar dentro do templo alguns judeus durante um sacrifício; e sendo amigo de um pagão, não alcançaria simpatia perante os judeus.

Estes eram os monstros que detinham o poder, e em suas mãos estava o destino do Senhor.

Perante a inocência de Jesus e a revolta dos sacerdotes, Pilatos decidiu ter uma consideração com Herodes, e enviou- lhe um preso tão extraordinário como se fosse um presente real. Por Herodes ser judeu, pensava que poderia entender melhor a causa e resolver o processo. Qualquer que fosse o motivo, Pilatos se via livre de toda a situação, mesmo comportando-se como um péssimo juiz, pois conhecia a verdade e não a defendeu. Preferiu confiar o problema a um homem ambicioso e desonesto.

Como não tinham conseguido seu intento, junto a Pilatos, ficaram felizes quando Jesus foi enviado a Herodes; pois este desejava agradar-lhes. Lembrariam que seu pai perseguiu Jesus, quando este era menino; e como estava em seu poder, incitariam o povo a pressioná-lo para que fizesse seu dever.

Com isso todos os tribunais e poderosos conheceram o processo contra Jesus de Nazaré e consequentemente sua inocência.

Correu a notícia vinda do pretório, de que levavam Jesus para o palácio de Herodes, vendo os sacerdotes saírem, voltou a aglomeração do povo pelas ruas para ver Jesus passar. Pilatos enviou um mensageiro na frente para avisar Herodes, os sacerdotes também se adiantaram, para poderem pressionar; depois chegou Jesus amarrado entre os guardas.

Herodes ao ver Jesus, encheu-se de alegria, pois queria há muito tempo conhecê-lo, tinha ouvido falar muito a seu respeito e esperava ver algum milagre.

Disse-lhe que estava contente que na sua província, Galiléia, surgisse um homem tão importante; que fazia tempo que queria conhecê-lo; que tinha ouvido falar de seus milagres e ensinamentos; prometia interceder em seu favor, em troca de um desejo. Depois, perguntou se realmente era ele que os magos do oriente tinham vindo adorar e que trouxe tanta preocupação a seu pai; se era João Batista que ressuscitou (Mt 14, 1-2); se os milagres eram verdadeiros, pois sendo assim seria mais que um homem. E então pediu que fizesse um milagre na sua presença, já que fazia muitos e gratuitamente, recordando que era seu rei, juiz e podia livrá-lo ou enviar-lhe a morte.

Jesus não fez nenhum milagre e nada respondeu. Perante Pilatos tentou explicar a verdade, pois este aparentava desejo de conhecê-la, embora depois se deixasse levar pela covardia. Mas Herodes não buscava a verdade, pelo contrário, ela o incomodava a ponto de mandar matar João Batista, que era a voz de Jesus. Como falar diante daquele que havia matado a verdade?

Além disso, era apenas por curiosidade e divertimento que Herodes desejava um milagre. Como se Jesus fosse um bobo da corte, um palhaço para alegrar e entreter seus cortesões. A Majestade do Senhor não se sujeitou a ser um bobo da corte nas mãos de Herodes. Não deu aos soberbos e arrogantes, o que distribuía com tanto gosto aos simples e humildes.

Ele se oferecia voluntariamente à morte, não se acomodaria para escapar, realizando desejos tolos.

Com seu silêncio ensinou a desprezar a honra e o favor mal intencionado; a não usar da graça de Deus em cobiças e ambições pessoais; a sermos cuidadosos e não falar de Deus ingenuamente perante pessoas que só têm curiosidade e querem fazer chacota.

Os sacerdotes e escribas presentes, temendo o fracasso pela segunda vez, com grande insistência continuavam com suas acusações. Quando Herodes pediu um milagre, ficaram com medo, pois caso acontecesse, podia convencê-lo. Assim, para que Herodes ficasse com ódio, aumentaram os ataques. Diziam que Jesus e João Batista eram parentes e juntos caluniavam sobre o adultério de Herodíades; que tinha louvado e defendido João em público, quando este estava preso; que o tinha insultado de raposa perante todos; que seu trono não estava seguro, como o seu próprio pai não estava, quando Jesus era um menino. Herodes depois do longo silêncio de Jesus começou a considerá-lo um louco; os sacerdotes e escribas temendo que fosse posto em liberdade por este motivo, insistiam com suas acusações; diziam que estava fingindo e fazia-se de mudo, mas quando estava diante do povo, sabia muito bem o que falar.

O silêncio do Senhor pareceu a Herodes uma ofensa à sua pessoa e como vingança, desprezou-o. Pilatos que examinava a situação como um juiz prudente ficou admirado perante o silêncio, ao contrário, Herodes que era um homem vazio e ambicioso, que só buscava poder e luxo, sentiu apenas desprezo. Como não conseguiu arrancar nenhuma palavra, muito menos um agradecimento por tentar salvá-lo em troca de um milagre; começou achar que era um louco. Esta é a esperteza do mundo que tem por loucura a sabedoria de Deus.

Os cortesões e soldados da guarda caçoavam de Jesus e começaram a dar-lhe empurrões como se fosse um bobo da corte. Herodes mandou vesti-lo com uma túnica branca, para zombar de sua realeza. Entediou-se, e o mandou de volta, para Pilatos fazer o que desejasse com ele.

Naquele dia Pilatos e Herodes fizeram as pazes. Os dois eximiram-se da causa, quando por motivo de seus cargos, tinham por obrigação, julgar e absolver Jesus.

 

ORAÇÃO: Ó Jesus Amigo, quão cara lhe custou a nossa redenção! Esta veste branca que por zombaria lhe vestiram, figurava a brancura e pureza de sua alma e a inocência de sua vida. É grande coisa ser puro e branco no interior, e negro e desprezado no exterior; e assim, é grande sabedoria pedir a veste branca da inocência para a nossa alma... e a veste do desprezo para o nosso corpo, para assemelharmos a Ti. Ó Cordeiro sem mancha! Pois o Vosso Sangue lava e branqueia todas as almas... concedei-nos uma gota dele para que nossa alma fique branca e limpa de todas as manchas. O Senhor está muito bem com essa veste branca; pois ainda que para o mundo seja sinal de ignomínia, para Deus e para nós é símbolo de inocência e glória. Amém!

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 8 de março de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Ramón Genover, Meditações Espirituais para todo o ano

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia Comentada

Kastner, Jesus von Pilatus (1912) p. 75

Josefo, BI II 1, 1; Antiq. VIII 7, 9

Filón, Legatio ad Caium 38, 299-305

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura

Santo Afonso Maria de Ligório, A Paixão do Senhor

Pe. Luis da La Palma, A Paixão do Senhor

 

 

 

 

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