VEDE MINHAS MÃOS... SOU EU!

(Lc 24, 35-43)

 

36 Falavam ainda, quando ele próprio se apresentou no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco!’ 37 Tomados de espanto e temor, imaginavam ver um espírito. 38 Mas ele disse: ‘Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações? 39 Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho’. 40 Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41 E como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos, disse-lhes: ‘Tendes o que comer?’ 42 Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. 43 Tomou-o, então, e comeu-o diante deles”.

 

 

Em Lc 24, 36-40 diz: “Falavam ainda, quando ele próprio se apresentou no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco!’ Tomados de espanto e temor, imaginavam ver um espírito. Mas ele disse: ‘Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho’.    Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés”.

 

São Cirilo escreve: “Como a notícia de que Jesus Cristo havia ressuscitado já se estendia por todas as partes, e como o afeto de seus discípulos se havia inflamado no desejo de ver-Lhe, veio o desejado e se deu a conhecer aos que o desejavam e o buscavam. E se apresenta a eles, não de uma maneira duvidosa, mas com toda evidência. Por isso disse: ‘E estando falando destas coisas, se apresentou Jesus no meio deles” , e: “São João também faz menção desta aparição do Salvador depois de sua ressurreição gloriosa; porém acrescenta que São Tomé não estava com eles, porque, segundo São Lucas, era um dos que voltaram a Jerusalém, encontrando reunidos aos onze. Isto dá a entender que São Tomé havia saído antes que o Salvador aparecesse” (Santo Agostinho, De Conc. Evang. Lib. 3, cap. 25) , e também: “Creio que foi muito conveniente que Jesus anunciasse aos seus discípulos que O veriam na Galiléia, porém, se apresentou antes, quando estavam reunidos, porque tinham medo” (Santo Ambrósio), e ainda:  “E isso não representa a transgressão de uma promessa, mas o cumprimento adiantado e a manifestação de sua bondade, já que queria animar a fraqueza de seus discípulos” (Griego), e: “Depois que fortaleceu seus corações, aqueles onze caminharam para a Galiléia” (Santo Ambrósio), e também: “Dois Evangelistas, isto é, São Lucas e São João, dizem que Ele apareceu só aos onze em Jerusalém, e os outros dois relatam que o anjo e o Salvador ordenaram não só aos onze, mas a todos os discípulos e irmãos... dos quais faz menção São Paulo quando disse: ‘Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos’ (1 Cor 15, 6)” (Santo Eusébio), e ainda:  “Quando o Salvador se encontrava entre seus discípulos, dissipava o temor deles com as palavras de sua saudação: ‘A paz esteja convosco’, dando a entender que Ele era igualmente seu mestre, os saudava com essas palavras que os fortalecia para que fossem a pregar. Por isso segue: ‘E lhes disse: Paz a vocês; sou eu, não temais” (Teofilacto), e: “Os discípulos sabiam que o Salvador era verdadeiro homem,  porque haviam tratado com Ele por muito tempo. Porém, depois que foi morto, não creram que poderia ressuscitar do sepulcro em verdadeira carne. Portanto, creem que veem o espírito que saiu d’Ele no momento de expirar. Por isso segue: ‘Mas eles, conturbados e espantados, pensavam que viam um espírito’. Aquele medo dos discípulos deu lugar à seita dos Maniqueus” (São Beda), e também: “Porque, como por meio da palavra não se tranquilizou a agitação nos corações dos discípulos, por outra parte lhes indica que Ele era o Filho de Deus que conhecia os mistérios do coração; pelo que disse: ‘E lhes disse: Por que estais agitados e surgem dúvidas em vossos corações?” (Teofilacto), e ainda: “Quais pensamentos, senão os falsos e duvidosos? Jesus Cristo perderia todo o fruto de sua paixão se não houvesse ressuscitado verdadeiramente. Como se o bom lavrador dissesse: O que ali foi plantado será encontrado, isto é, a fé que desce sobre o coração porque vem do alto. Porém, esses pensamentos dos discípulos não desciam do alto, mas sim, subiam do abismo a seus corações, como brota a má erva da terra” (São Beda), e: “Este foi um sinal evidente de que quem agora via não era outro que Aquele que viram morto na cruz e colocado no sepulcro, o que não se ocultava como homem a nenhum dos que estavam” (São Cirilo vel anonymus in Cat. Graec.), e também: “O Senhor querendo provar que a morte foi vencida e que sua natureza humana já havia deixado a corrupção, lhes mostra em primeiro lugar as mãos e os pés e os furos dos cravos. Prossegue: ‘Veja minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo” (São Cirilo), e ainda: “Disse, além disso, que lhe tocassem as mãos e os pés quando acrescenta: ‘Tocai e vede; o espírito não tem carne nem ossos como eu tenho” (Teofilacto).

 

Edições Theologica comenta esse trecho do Evangelho de São Lucas.

Esta aparição de Jesus ressuscitado é referida por São Lucas e São João (cfr Jo 20, 19-23). São João recolhe a instituição do sacramento da Penitência, ao mesmo tempo que São Lucas sublinha a dificuldade dos discípulos para aceitar o milagre da Ressurreição, apesar do testemunho dos anjos à mulheres (cfr Mt 28, 5-7; Mc 16, 5-7; Lc 24, 4-11) e daqueles que já tinham visto o Senhor ressuscitado (cfr Mt 28, 9-10; Mc 16, 9-13; Lc 24, 13 ss; Jo 20, 11-18).

Jesus apareceu-lhes de improviso, estando as portas fechadas (cfr Jo 20, 19), o que explica a sua surpresa e a sua reação.

Santo Ambrósio comenta que “penetrou no recinto fechado não porque a sua natureza fosse incorpórea, mas porque tinha a qualidade de um corpo ressuscitado” (Expositio Evangelii séc. Lucam, ad loc.). Entre essa qualidade do corpo glorioso, a subtileza faz que “o corpo esteja totalmente submetido ao império da alma” (Catecismo Romano, I, 12, 13), de modo que pode atravessar os obstáculos materiais sem nenhuma resistência.

A cena reveste-se de um encanto especial, quando o Evangelista descreve os pormenores de condescendência divina para confirmá-los na verdade da Sua Ressurreição.

 

Nosso Senhor se apresentou no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”

O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena comenta essa saudação.

Com as palavras: “A paz esteja convosco”, saúda Jesus os Apóstolos na tarde da ressurreição. Dá a paz aos onze amedrontados e assustados pela sua aparição, mas certamente não menos confusos e arrependidos por terem-no abandonado na Paixão. Morto para destruir o pecado e reconciliar os homens com Deus, oferece-lhes a paz para certificá-los de seu perdão e de seu amor que não mudou.

 

São Bernardo de Claraval escreve sobre a paz.

Senhor, que nos dais? “Dou-vos a paz, deixo-vos minha paz”. Basta-me isto, aceito com gratidão o que me deixais... estou contente assim, e certo de que aí está todo o meu bem... Paz quero, paz desejo e nada mais. A quem a paz não basta, nem Vós bastais. Sois, de fato, a nossa paz, Vós que, de dois povos, fizestes um só. Reconciliar-me Convosco, reconciliar-me comigo, eis o que me basta, meu único necessário. De fato, quando estou contra Vós, sou pesado a mim mesmo. Devo estar atento para não ser ingrato ao benefício da paz que me dais. A Vós, ó Senhor, a glória... para mim, está bem a paz...

Livrai-me, Senhor, do olhar soberbo e do coração insaciável que anseia inquieto pela glória só a Vós devida! Do contrário, nem terei paz, nem alcançarei a glória eterna.

 

O Pe. Juan de Maldonado comenta.                                             

V. 36. A paz esteja convosco.  Se vê por estas palavras que, ao se apresentar Cristo de repente no meio dos discípulos, temeram, como se estivessem diante de algum espírito, pois havia entrado sem abrir as portas nem causar o menor ruído. Este temor quer dissipar Cristo, tanto com a fórmula costumada de saudação como declarando abertamente que era Ele.

A saudação ordinária dos judeus era: “A paz esteja convosco”, para mostrar que não havia motivo de temor, mas de alegria. Assim saudaram os anjos às mulheres no sepulcro, para afastar seu temor ao vê-los (Mt 28, 5).

V. 37. Espantados e cheios de temor, imaginavam estar vendo um espírito. Se nos fixamos na ordem das palavras, indica o evangelista haver estimulado o temor nos discípulos para não conhecer a Cristo, mas crer que viam algum espírito.

Contudo, se prestarmos mais atenção nestas palavras, parece mais provável que temeram precisamente por crer que estavam vendo um espírito. O qual se confirma vendo que Cristo trata de provar-lhes que não é um espírito, mostrando suas mãos e pés para que os apalpem, para tirar assim a raiz de seu temor.

A razão dos discípulos suspeitarem que fosse algum espírito, é seguramente por tê-lo visto entrar (como disse São João) com as portas fechadas, pois acreditavam que só um espírito podia fazê-lo.

V. 38. Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações?  Mostra com isso ser Cristo, pois vê os pensamentos do coração, os quais não podem ver sequer um espírito.

Ao dizer dos pensamentos que estão no coração, descreve ao homem que duvida e está surpreso com pensamentos encontrados em seu espírito.        

O que disse Santo Agostinho é alegórico: “Estes pensamentos são terrenos, porque, se fossem celestiais, desceriam ao coração e não subiriam a ele”.

Por uma parte imaginavam ser um espírito, pois havia aparecido de repente, com as portas fechadas, e por outra duvidavam se seria Cristo, como afirmava ele mesmo.

Acrescentou Cristo estas palavras ao ver que não bastava para tirar-lhes o temor havê-los saudado afavelmente e dizer que era ele, como repreendendo seu medo excessivo e sua incredulidade.

V. 39. Olhe minhas mãos e meus pés. Consta por essas palavras o fundamento de que Cristo conservou em seu corpo depois de ressuscitado as chagas que recebeu na sua paixão. Porque não pode ser outra a causa de mostrar-lhes palpáveis as mãos e os pés, ao invés de outros membros de seu corpo, mas por estar cravado essas partes de seu corpo na cruz, como fazem notar Eutímio e São Beda em seus comentários, assim como São Cirilo, São Leão, Maxêncio e Santo Agostinho. Assim deduz também claramente de São João 20, 27, ao dizer que mandou Cristo a São Tomé que colocasse o dedo nas chagas de sua mão e de seu lado.

 

O Senhor disse: “Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”.

Dom Duarte Leopoldo comenta esse trecho.

Vencedor da morte e dos seus inimigos, Jesus ressuscitado conserva ainda as cicatrizes das suas feridas. Como um soldado de volta ao lar paterno, após uma guerra prolongada, mostra orgulhoso as suas cicatrizes, apresenta Jesus aos seus discípulos os sinais do seu triunfo.

 

O Pe. Manuel de Tuya comenta.

Marcos, mais resumido, e Lucas dão o mesmo enfoque a este relato. Cristo censura aos onze (Mc) porque não creram.

Lucas destaca o aspecto apologético do relato. Eles creem ver um espírito; porém, Ele lhes demonstra que não o é, mostrando-lhes e fazendo-lhes apalpar as mãos e seus pés; os espíritos “não têm carne e ossos, como eu tenho”. Diante da dúvida deles, por “força do gozo e da admiração”, lhes dá outra prova. Pediu algo de comer, e diante deles comeu “peixe assado”. Lucas, possivelmente destaca este aspecto histórico-apologético, em parte, por seus leitores que negavam a ressurreição dos corpos ( 1 Cor 15, 12 ss).

 

O Pe. Juan Leal comenta Lc 24, 36-40.

V. 36. Se Marcos fala dos “onze”, Lucas se refere aos onze, a seus companheiros e aos dois de Emaús. João fala de seus discípulos. Marcos omite a saudação, que conservam Lucas e João: “A paz esteja convosco”.

V. 37. A impressão dos discípulos se explica pela súbita aparição do Senhor, que não corresponde a de um homem em estado de carne e ossos. Um espírito: designa aqui o que em linguagem popular se chama “a alma de um morto”, um ser de outro mundo. Esta foi a primeira impressão. Nos discípulos, “um espírito” tem sentido pejorativo e vulgar. Em São Paulo, “espírito”, aplicado à condição gloriosa de Cristo, tem um sentido teológico muito profundo, que expressa toda a realidade atual de Jesus, “à direita do Pai”; tudo o que há na palavra Kyrios. São João não menciona expressamente este temor dos discípulos, porém, os supõem, quando disse que lhes mostrou as mãos e o lado.

VV. 38-40. Estes versículos respondem à situação de temor e desconfiança dos discípulos, e em Lucas se explica melhor que em Jo 20, 20, mais abreviado. No texto ocidental falta o v. 40. Alguns o atribuem a alteração de Jo 20, 20; porém, é muito mais provável sua autenticidade “lucana”, já que está na maioria e nos melhores manuscritos. De fato o admitem as edições críticas.

 

Em Lc 24, 41-43 diz: “E como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos, disse-lhes: ‘Tendes o que comer?’ Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. Tomou-o, então, e comeu-o diante deles”.

 

São Cirilo escreve: “O Salvador havia mostrado a seus discípulos suas mãos e seus pés, para demonstrar-lhes que aquele corpo que havia sido crucificado era o mesmo que havia ressuscitado. E para dar-lhes uma melhor prova, lhes pede algo para comer” (Vel anonymus in Cat. Graec.), e: “Em virtude da ordem dada pela Lei, a Páscoa se celebrava com ervas amargas porque continuava ainda a amargura; porém, depois da ressurreição, esta ficava doce comendo favo de mel. Por isso segue: ‘Mas eles lhe apresentaram...” (São Gregório Niceno, Orat. 1 De resurrect. Prope finem), e também:  “Para demonstrar-lhes a veracidade de sua ressurreição, não só quis que seus discípulos lhe tocassem, mas que se dignou comer com eles para que vissem que havia aparecido de uma maneira real e não como um fantasma... Comeu para manifestar que podia, e não por necessidade” (São Beda), e ainda:  “Porém, alguém poderá dizer: Se admitimos que o Senhor comeu verdadeiramente, podemos esperar que comeremos também nós depois da ressurreição. Porém, o que faz o Senhor em virtude de um poder especial, não constitui uma regra ou norma da natureza” (Griego), e: “Não comeu depois da ressurreição porque necessitava, nem para dizer-nos que necessitaremos comer depois da ressurreição que esperamos, mas para nos ensinar a forma em que ressuscitará nossa natureza corporal. Em sentido místico, o peixe assado que o Salvador comeu, representa a Jesus Cristo que padeceu, porque Ele se dignou estar oculto nas águas da humanidade; quis ser colhido no laço de nossa morte, e ser assado no fogo da tribulação durante o tempo de sua paixão, porém, nos ofereceu o favo de mel em sua ressurreição. Demonstrou a dupla natureza de sua única pessoa no favo de mel: o favo consta de cera misturada com mel, e mel misturado com cera, como a divindade está na humanidade” (São Beda).

 

Edições Theologica comenta Lc 24, 41-43.     

Ainda que o corpo ressuscitado seja impassível e, por conseguinte, não necessite já de alimentos para se nutrir, o Senhor confirma os discípulos na verdade da Sua Ressurreição com estas duas provas: convidando-os a que o toquem e comendo na sua presença.

Santo Inácio de Antioquia escreve: “Eu, por minha parte, sei muito bem e nisto ponho a minha fé que, depois da Sua Ressurreição, o Senhor permaneceu na Sua carne. E assim, quando Se apresentou a Pedro e aos seus companheiros, disse-lhes: Tocai-Me, palpai-Me e compreendei que não sou um espírito incorpóreo. E prontamente tocaram-No e acreditaram, ficando persuadidos da Sua carne e do Seu espírito (...). Mais ainda, depois da Sua Ressurreição comeu e bebeu com eles, como homem de carne que era, embora espiritualmente estivesse feito uma coisa com Seu Pai” (Carta aos de Esmirna, III, 1-3).

 

O Pe. Juan Leal comenta Lc 24, 41-43.

Lucas quis dar-nos a realidade humana do Ressuscitado, sem dúvida em ordem a seus leitores gregos, que tanta dificuldade tinham na ressurreição dos corpos (1 Cor 15; At 17, 32 ss). Lucas nisto se mostra discípulo de Paulo. João insiste menos nisto e nos conserva o valor eclesiológico-sacramental desta aparição (Jo 20, 22-23).

 

O Pe. Juan de Maldonado comenta esse trecho de São Lucas.

V. 41.  E como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos.  Escreve isso o evangelista, como atenuando a falta dos discípulos em não crer, insinuando que, se não creram, foi mais pelo desejo mesmo da verdade que por obstinação contra a mesma verdade.

Tendes o que comer? Não ignorava Cristo que tinham, porém fala à maneira dos demais homens.

Algo que se coma. Disse alguma coisa para comer, para servir-lhes de prova.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 22 de abril de 2009

 

 

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