SOPROU SOBRE ELES
(Jo 20, 22)
“Dizendo isso,
soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo’”.
Santo Agostinho
comenta:
“Insuflando, mostrou que o Espírito Santo não
é só Espírito do Pai, mas também o seu”,
e:
“Assim elevou o espírito de seus discípulos pelas ações e
pela dignidade de sua missão. E não pede, todavia, o poder
do Pai, mas lhe dá a sua própria autoridade. Por isso,
segue: ‘Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse:
‘Recebei o Espírito Santo’”
(São João Crisóstomo),
e também:
“O sopro corporal de sua boca não foi a
substância do Espírito Santo, mas uma conveniente
demonstração de que o Espírito Santo, não procede só do Pai,
mas também procede do Filho. Quem é tão louco para dizer que
o Espírito Santo, dado por insuflação (sopro), é
diferente do que depois de sua ressurreição enviou aos
Apóstolos?”
(Santo Agostinho), e ainda:
“Por que,
pois, dá primeiro o Espírito Santo aos seus discípulos sobre
a terra, para depois o enviar do céu? Porque são dois os
preceitos da caridade, a saber: o amor de Deus e o amor ao
próximo. Na terra se dá o Espírito do amor ao próximo; e do
Céu se dá o Espírito do amor de Deus. Pois assim como a
caridade é uma e os preceitos são dois; assim não é mais que
um o Espírito duas vezes dado: o primeiro dado pelo Senhor
sobre a terra; depois descendo do Céu. Porque no amor do
próximo se aprende como pode chegar-se ao amor de Deus”
(São Gregório
Magno).
“... soprou”.
Como no Gn 2, 7; Ez 37, 9ss; Sb 15, 11. Inicia a nova
criação sobrenatural: a vida eterna.
O SOPRO
é símbolo do Espírito: hálito e
espírito se designam em grego com a mesma
palavra “PNEUMA”. Ao SOPRO
acompanhou umas palavras expressivas:
“... lhes disse:
‘Recebei o Espírito Santo’”.
Já possuem os discípulos o Espírito Santo pela justificação,
porém, agora o recebem em ordem aos ofícios que deverão
exercer; não com toda sua plenitude e em forma solene e
visível, como no dia de Pentecostes, mas para determinados
fins e como preparação para a vinda solene. Por essa
insuflação expressa Cristo que o Espírito Santo procede do
Pai e d’Ele, e que como é do Pai, assim também é seu.
Sobre o
SOPRO pode-se fazer TRÊS PERGUNTAS:
1. Se verdadeiramente SOPROU Jesus Cristo.
2. Por que o fez? 3. Se SOPROU sobre
cada um dos apóstolos.
Ruperto
sustenta bem decidido que Jesus Cristo não SOPROU
de verdade, mas da maneira que se afirma de Deus que
SOPROU sobre o corpo recém feito de Adão e lhe deu
SOPRO de vida, não porque SOPRASSE
materialmente, mas porque lhe deu o espírito vital, nem mais
nem menos que se se o houvesse inspirado com a boca.
Não se pode confiar no que escreve Ruperto.
Se hoje alguém dissesse tal coisa, seria impossível de
tolerar, já que o evangelista distingue bem claramente entre
o Espírito Santo e o SOPRO:
“... soprou sobre ele e lhes disse: ‘Recebei o Espírito
Santo’”.
Assim entendem os demais autores.
Segunda
questão:
Por que o fez? Santo Agostinho, Victorino e
São Beda, com quase todos os latinos,
dizem que quis significar com o SOPRO que o
Espírito Santo procedia de sua própria substância,
visto que o SOPRO nasce nas entranhas do
homem. São Cirilo de Jerusalém e Leôncio
afirmam que foi para declarar que o Espírito Santo e Ele
eram da mesma substância. Estes mesmos autores
e Eutímio, Filastrio e Santo Ambrósio, dizem
que foi para ensinar-nos que foi Ele também, Cristo, o que
inspirou no primeiro homem o SOPRO de vida, e
assim como Ele mesmo então deu ao homem, ainda não
vivente, que vivesse; assim agora ao homem morto
pelo pecado o vivifica pelo Espírito Santo.
Outra razão
pela qual Jesus Cristo SOPRANDO deu aos
apóstolos o Espírito Santo: foi para manifestar ao
mesmo tempo a natureza do Espírito Santo. E qual é à maneira
do SOPRO do Pai e do Filho, e o mesmo nome, Espírito, o
declara.
Terceira
questão:
somente Ruperto levantou tal questão. Ele
disse que Cristo NÃO SOPROU sobre todos os
apóstolos, nem sobre cada um deles em particular. Que
NÃO SOPROU é contra as palavras do Evangelho.
Que não SOPROU sobre cada um dos apóstolos é o mais
provável. UM SÓ SOPRO era suficiente e
expressava melhor o que Jesus Cristo queria dizer. Da
maneira que UM SÓ SOPRO de Cristo chegava
igualmente a todos, assim também se daria o Espírito Santo,
UM e O MESMO, a todos quantos
haviam de enviar pelo mundo.
Outra
dificuldade é a seguinte:
O que dizer de São Tomé, pois quando foi dado o Espírito
Santo aos apóstolos, ele não estava presente. Ele
ficou sem o poder de perdoar os pecados? São
Cirilo de Jerusalém resolve essa dificuldade dizendo
que, AINDA AUSENTE, Tomé recebeu o Espírito
Santo, já que não lemos que depois o tivesse recebido
de Jesus Cristo; e não podemos pensar que São Tomé
ficou numa posição inferior, em relação aos demais
apóstolos, sem a faculdade de perdoar os pecados.
O exemplo de
Eldad e Medad confirma isso:
“Dois
homens haviam permanecido no acampamento: um deles se
chamava Eldad e o outro Medad. O Espírito repousou sobre
eles; ainda que não tivessem vindo à Tenda, estavam entre os
inscritos. Puseram-se a profetizar no acampamento. Um jovem
correu e foi anunciar a Moisés: ‘Eis que Eldad e Medad’,
disse ele, ‘estão profetizando no acampamento’”
(Nm 11, 26-27).
“Recebei o
Espírito Santo”.
Repetidas vezes prometido no discurso de despedida. Esta
frase é citada por várias vezes em At 8, 15.17.19; 10, 47.
Sempre se trata da PESSOA DIVINA; porém, sua
manifestação e força dependem do
contexto. Aqui se comunica para perdoar os pecados. O
Espírito na Bíblia aparece sempre como um princípio
dinâmico e ativo. Pelo influxo que
exerce na ressurreição de Jesus Cristo e na vida cristã,
podemos dizer que vivemos a era do Espírito, a de sua ação e
influxo para atualizar a obra de Jesus Cristo.
O Concílio
Constantinopolitano, de 552, definiu:
“Se alguém
defender o ímpio Teodoro de Mopsuestia, que disse... que,
depois da ressurreição, quando o Senhor insuflou os
discípulos e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo’ (Jo 20,
22), não lhes deu o Espírito Santo, senão que tão só o deu
figurativamente... seja anátema”.
O Concílio
de Trento também definiu:
“Se alguém dissesse
que aquelas palavras do Senhor Salvador:
Recebei o Espírito Santo.
Aqueles a quem
perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados,
aqueles aos quais retiverdes
ser-lhes-ão retidos (Jo 20, 22ss), não hão de entender-se do
poder de perdoar e reter os pecados no sacramento da
penitência, como a Igreja Católica, já desde o princípio,
sempre o entendeu assim, mas que o retorcesse, contra a
instituição deste sacramento, à autoridade de pregar o
Evangelho, seja anátema”.
Perguntam São
João Crisóstomo, São Cirilo de Jerusalém e Eutímio,
como pode ser que Jesus Cristo dê agora (aos apóstolos)
o Espírito Santo, quando em Jo 16, 7 disse:
pois, se eu não for, o Paráclito não virá a vós? A
mesma questão é colocada por São Jerônimo. A resposta
é muito fácil, ainda que muitos autores encontrem
dificuldade em responder. São João Crisóstomo escreve
que alguns, movidos pela dificuldade, disseram que não deu
Cristo nesta ocasião o Espírito Santo, mas somente o
prometeu. Teodoro de Mopsuestia entende o
RECEBEI por RECEBEREIS. O mesmo dizem
Teofilacto e Eutímio, que Jesus não deu o
Espírito Santo, mas a graça do Espírito Santo,
com a qual seriam capazes de recebê-lo mais para frente. O
erro de Teodoro de Mopsuestia foi condenado no
Concílio de Constantinopla e no edito do imperador
Justiniano. São Cirilo de Jerusalém explica com
muitas razões que se lhes deu o Espírito Santo, porém,
não mentiu, mas antecipou a promessa; para
demonstrar que não somente o Pai, mas também Ele (Jesus)
podia dar o Espírito Santo. Isto fez Cristo por
costume, dar antes alguma mostra do que prometeu fazer logo
que subisse ao céu. Havia dito que, chegando o fim do mundo:
os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a
ouvirem viverão (Jo 5, 25). E quis antes, por
exemplo, ressuscitar alguns mortos. Havia falado em outra
ocasião da sua glória futura: Verão o Filho do homem
vir nas nuvens do céu com grande poder e majestade.
E deu um exemplo d’Ele aos discípulos quando se transfigurou
diante dos mesmos. São Jerônimo, São João Crisóstomo,
Teodoro de Heraclea, Eusébio Cesariense e Leôncio
dizem que aqui chama Espírito Santo à graça do
Espírito Santo, e, como são vários seus dons, no dia
de Pentecostes derramou todos sobre os apóstolos, e agora
unicamente o PODER de PERDOAR os
PECADOS, que também é um dom do Espírito
Santo. Esta sentença é tida por boa pelos autores:
Teofilacto, Eutímio e Ruperto. Logo, não ia tão
fora do caminho Teodoro quando observou que Jesus
Cristo não disse no capítulo 16 de São João que NÃO
DARIA o Espírito Santo, senão que NÃO O
ENVIARIA ANTES de ir ao Pai. Aqui, portanto, o deu,
não o enviou. RECEBEI, disse, O ESPÍRITO
SANTO. Se quiséssemos distinguir facilmente,
diríamos que SER ENVIADO (Espírito Santo)
é mostrar-se sua PESSOA com aparência visível,
como no batismo de Cristo desceu em forma de pomba ou no dia
de Pentecostes em forma de línguas de fogo. E DAR-SE O
ESPÍRITO SANTO é quando confere alguns de seus
dons. Com uma só palavra se pode explicar esta dificuldade.
Havia dito Jesus Cristo que, se Ele não fosse não viria o
Espírito Santo VISIVELMENTE e com todos os
seus dons, como sucedeu de fato – pois antes do dia de
Pentecostes não veio desta maneira -, e agora deu aos
apóstolos antes de partir, INVISIVELMENTE,
ainda que com algum sinal visível. Pois tendo
que enviá-los pelo mundo inteiro, disse Teodoro de
Heraclea, tinha que indicar-lhes alguma direção.
Com isso se
resolve também outra dúvida que Santo Agostinho trata
extensamente. Como deu Jesus Cristo o Espírito Santo aos
apóstolos, se eles já o possuíam? Sendo que sem o Espírito
Santo não seriam capazes de amar a Jesus Cristo, porque
ninguém pode dizer SENHOR JESUS senão no
Espírito Santo (1 Cor 12, 3). Será explicado
brevemente o que Santo Agostinho expõe extensamente.
É claro que os apóstolos tinham o Espírito Santo; porém,
agora de outra maneira, isto é, com maior abundância,
acrescentando o poder de perdoar os pecados, que antes os
prometera (Mt 18, 19), e nunca lhes havia conferido
até este momento. Outra vez, todavia, foi lhes dado em
Pentecostes, ainda que de modo diferente. Agora
invisivelmente e mais copiosamente que antes, e logo
visivelmente e mais copiosamente que agora, porém sempre o
mesmo Espírito, como disse o mesmo Santo Agostinho.
Mas, eis que surge
nova objeção do grande bispo africano, Santo Agostinho.
Por que deu, agora, aos apóstolos, o poder de perdoar os
pecados, sendo um dom do Espírito Santo que poderia ser dado
com os demais no dia de Pentecostes? Sobretudo, não tendo
necessidade eles de usá-lo antes da dita festa, já que lhes
ordenou que não se afastassem de Jerusalém, mas que
esperassem ali a promessa do Pai (At 1, 4). Santo
Agostinho responde assim:
“Podia o Espírito
Santo dar-se duas vezes, porque são dois os preceitos da
caridade: um com Deus e o outro com o próximo. E a caridade
é um dom do Espírito Santo”.
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 28 de
abril de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya,
Bíblia comentada
Pe. Juan de
Maldonado, Comentário do Evangelho de São João
Dom Duarte
Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos
Dom Isidro Gomá y
Tomás, O Evangelho Explicado
Santo Agostinho,
Escritos
São João
Crisóstomo, Escritos
São Gregório
Magno, Escritos
J. Goitia,
Escritos
Denzinger, Ench.
Symbol. N. 224
São Cirilo de Jerusalém, Escritos
Leôncio, Escritos
Ruperto, Escritos
Bíblia Sagrada, Pontifício Instituto Bíblico
de Roma
Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura
(texto e comentário)
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