SENHOR, E ESTE?
(Jo 21, 20-21)
“Pedro,
voltando-se, viu que o seguia o discípulo que Jesus amava,
aquele que, na ceia, se reclinara sobre seu peito e
perguntara: ‘Senhor, quem é que te vai entregar?’ Pedro,
vendo-o, disse a Jesus: ‘Senhor, e este?’”.
É possível que
todo o grupo seguisse a Jesus Cristo e
São Pedro. São João, tudo indica,
destacou-se do grupo. São Pedro olhou para
trás (Jo 20, 14.16) e, ao ver São João,
como Jesus Cristo ia falando do seu martírio,
São Pedro perguntou para Cristo
sobre a sorte do seu amigo. Foi uma curiosidade,
e Jesus Cristo não lhe deu nenhuma resposta
concreta.
São Pedro
e São João Evangelista, o virgem,
eram bons amigos (At 3, 1.3-11; 4, 13;
8,14). São Pedro entendeu que Jesus
Cristo falava sobre sua morte, então se interessou
sobre a sorte de São João.
Se a amizade levou
São Pedro a querer saber isto, eram
planos de Deus, onde ele não devia
intrometer.
Segundo Santo
Irineu, São João viveu mais tempo que os
outros apóstolos, chegando aos tempos do Imperador
Trajano (anos 98-117). Talvez o Evangelista
tenha escrito estes versículos para desfazer aquela opinião
de que ele não morreria. Segundo o texto, Jesus
não responde a pergunta de São Pedro. O
importante não é satisfazer a curiosidade acerca do futuro,
mas servir com fidelidade o Senhor seguindo o caminho
marcado para cada um.
Dom Isidro Gomá
y Tomás escreve:
“Pedro quer
retribuir aqui a João o favor que esse lhe prestou na Ceia,
por indicação de Pedro, perguntando a Jesus quem seria o
traidor. Agora é Pedro que quer saber do futuro de João... e
levado de amor e de curiosidade faz a pergunta a Jesus. A
resposta vem com uma declaração e uma lição: declara o
Senhor que João não morrerá mártir, ainda que sofra o
martírio; e dá a Pedro a lição de que a ele não interessa o
futuro de João”.
“Pedro,
voltando-se, viu que o seguia o discípulo que Jesus amava”.
Por estas palavras se vê, segundo anota Ruperto, que
São Pedro já havia começado a seguir a
Jesus Cristo, quando, voltando-se, viu que São
João também O seguia. Então perguntou a Jesus sobre
a sorte do discípulo que Ele amava:
“Senhor, e este?”
São João Crisóstomo, Teodoro de Heraclea,
Leôncio, Teofilacto e Eutímio
comentam: São Pedro amava especialmente a
São João e, portanto, não queria separar-se dele.
Porém, desejava que São João também seguisse a
Jesus Cristo, isto é, morresse
por Ele.
DEVEMOS AFASTAR A
CURIOSIDADE DO NOSSO CORAÇÃO E FAZER A VONTADE DE DEUS.
Todo fundamento da salvação e da perfeição
das nossas almas consiste no amor de Deus. Mas a perfeição
do amor é a união da nossa própria vontade com a vontade
divina.
Como disse o Areopagita, o principal efeito
do amor está em unir de tal modo a vontade dos amantes, que
não tenham mais que um só coração e um só querer. Portanto,
as nossas obras, penitências, esmolas, comunhões, só agradam
ao Senhor enquanto se conformam com sua divina vontade; de
outra maneira não seriam virtuosas, mas viciosas e dignas de
castigo.
Isto, particularmente, manifestou-nos com seu
exemplo o nosso Salvador, quando do céu desceu à terra.
Isto, como ensina o Apóstolo, disse o Senhor ao entrar neste
mundo: “Vós, meu Pai, recusastes
as vítimas oferecidas pelo homem e quereis que vos
sacrifique a vida deste corpo que me destes. Cumpra-se vossa
divina vontade” (Hb 10,5).
Isto também declarou muitas vezes, dizendo que tinha vindo à
terra só para fazer a vontade de seu Pai (Jo 6,38).
Quis assim patentear-nos o infinito amor que
tem ao Pai, a ponto de entregar-se à morte para obedecer à
sua divina ordem (Jo 14,31).
Declarou, além disso, que reconheceria por
seus unicamente aqueles que fazem a vontade de seu Pai (Mt
12,50) e, por esta razão, o único fim e desejo dos
Santos em todas as suas obras tem sido o cumprimento da sua
vontade.
Santa Teresa disse que aquele que se exercita
na oração terá de procurar conformar sua vontade com a
divina e que nisto consiste a mais elevada perfeição; o que
mais sobressair nesta prática receberá de Deus maiores dons
e se adiantará mais na vida interior.
Os bem-aventurados na glória amam a Deus
perfeitamente porque sua vontade está unida e conforme
inteiramente com a vontade divina. Por isso, Jesus Cristo
nos ensinou a pedir a graça de fazer na terra a vontade de
Deus assim como os Santos a fazem no céu.
Que merecimento tem um só ato de perfeita
resignação à vontade de Deus! Bastaria para
santificar-nos... Quando Paulo persegue a Igreja, Cristo lhe
aparece, ilumina-o e o converte com sua graça. O Santo,
então, se oferece a cumprir o que Deus lhe mandar...
“Senhor, que queres que eu faça?”
(At 9,6). E Jesus Cristo o proclama
“vaso de eleição e apóstolo das
gentes” (At 9,15).
Aquele que jejua, dá esmola e se mortifica
por amor de Deus, dá uma parte de si mesmo; aquele, porém,
que submete a Deus a sua vontade dá-lhe tudo quanto tem.
É isto o que Deus nos pede, quer dizer, o
coração, a vontade (Pr 23,26). Este fito hão de ter,
em suma, todos os nossos desejos, devoções, comunhões e
demais obras de piedade: o cumprimento da vontade divina.
Este é o norte e a mira de nossa oração: impetrar a graça de
fazer o que Deus exige de nós. Para a execução destas
resoluções, incumbe pedir a intercessão de nossos santos
protetores, especialmente a de Maria Santíssima, a fim de
que nos alcancem luzes e forças para conformidade da nossa
vontade com a de Deus em todas as coisas e, sobretudo,
naquelas que repugnam ao nosso amor próprio... Dizia o beato
M. P. Ávila: “Mais vale um
bendito seja Deus dito na adversidade, que mil ações de
graças nas ocasiões prósperas”.
Quando e onde aceitar a vontade de Deus
Devemos conformar-nos com a vontade divina,
não apenas nas coisas que recebemos diretamente de Deus,
como enfermidades, desolações espirituais, reveses de
fortunas, morte de parentes, mas também nas que só
indiretamente vêm de Deus e que Ele nos envia por intermédio
dos homens, como, por exemplo, a desonra, desprezos,
injustiças e toda sorte de perseguições.
E note-se que quando alguém nos ofende
em nossa honra ou nos causa dano em nossos bens, não é Deus
que quer o pecado de quem nos ofende ou causa dano, mas sim
a humilhação ou a pobreza que d’Ele resulta.
É certo, portanto, que tudo quanto sucede acontece por
vontade divina: “Eu sou o Senhor
que formo a luz e as trevas; faço a paz e crio a desdita”
(Is 45,7). E no Eclesiástico lemos:
“Os bens e os males, a vida e a
morte vêm de Deus”. Tudo, em suma, de Deus
procede, tanto os bens como os males.
Chamam-se males certos acidentes porque nós
assim os denominamos e em males os transformamos;
entretanto, se os aceitássemos como era devido,
resignando-nos à mão de Deus, seriam para nós bens em vez de
males. As jóias que mais resplandecem e mais valorizam
a coroa dos Santos são as tribulações que aceitaram das mãos
de Deus.
Quando o santo homem Jó soube que os
Sabeus lhe haviam roubado os bens, não disse:
“O Senhor nos deu e os sabeus nos tiraram”, mas:
“O Senhor nos deu e o Senhor nos
tirou”. E, dizendo-o, bendizia a Deus porque
sabia que tudo sucede por vontade divina (Jó 1,13-21).
O mesmo devemos fazer quando nos sucedam
contrariedades: recebamo-las todas da mão de Deus, não só
com paciência, mas até com alegria, imitando o exemplo dos
apóstolos, que se regozijavam de ser maltratados por amor de
Cristo: “Saíram alegres do
sinédrio, porque foram achados dignos de sofrer afrontas
pelo nome de Jesus” (At 5,41).
Se quisermos viver em paz contínua, procuremos unir-nos à
vontade divina e dizer sempre, aconteça o que acontecer:
“Senhor, se assim for do vosso
agrado, faça-se assim” (Mt 11,26).
Para este caminho devemos dirigir todas as nossas
meditações, comunhões, orações e visitas a Jesus
Sacramentado, rogando continuamente a Deus que nos conceda
essa preciosa conformidade com sua vontade divina. Santa
Teresa de Jesus se oferecia ao Senhor mais de cinquenta
vezes por dia, a fim de que dispusesse dela à sua vontade.
Aquele que se conserva unido à vontade de
Deus, goza, mesmo neste mundo, de paz admirável e constante.
“Não se
contrista o justo por coisa que lhe aconteça”
(Pr 12,21), porque uma alma se alegra e
se satisfaz ao ver todos os seus desejos cumpridos; ora,
quem só quer o que Deus quer, tem tudo o que deseja, pois
que tudo o que acontece é por efeito da vontade de Deus.
Aquele que deste modo descansa na vontade de
Deus e se compraz naquilo que a Providência dispuser, é como
se estivesse sobranceiro às nuvens do céu e visse a seus pés
furiosa tempestade, sem recear perturbação ou dano. Esta é
aquela paz que — como disse o Apóstolo — supera todas
as delícias do mundo.
É verdade que as faculdades de nossa parte
inferior não deixarão de fazer-nos sentir alguma dor na
ocorrência de coisas adversas; mas em nossa vontade
superior, se estiver unida a Deus, reinará sempre paz
profunda e inefável: “A vossa
alegria, ninguém vo-la tirará” (Jo 16,22).
Indizível loucura é a daqueles que se opõem à
vontade de Deus. O que Deus quer não pode deixar de
acontecer:
“Quem é que resiste à sua vontade?” (Rm
9,19).
E, afinal, que quer Deus senão o nosso bem?
Quer que sejamos santos para fazer-nos felizes nesta vida e
bem-aventurados na outra. Persuadamo-nos de que as cruzes
que Deus nos envia concorrem para o nosso bem e de que os
próprios castigos temporais não são enviados para a nossa
ruína, mas para nos corrigir e alcançar a eterna felicidade
(Jt 8,27).
Entreguemo-nos, portanto, sem reserva às mãos
de Deus, que jamais deixa de atender ao nosso bem (1 Pd
5,7). “Pensa tu em mim, —
dizia o Senhor a Santa Catarina de Sena
— que eu pensarei em ti”.
Quem proceder assim passará uma vida feliz e
terá morte santa. Aquele que morre inteiramente resignado
com a vontade divina deixa-nos a certeza moral de sua
salvação. Mas aquele que não vive unido à vontade de Deus,
também não estará resignado na hora da morte e não se
salvará.
Procuremos, pois, familiarizar-nos com certas
passagens da Sagrada Escritura que nos podem ajudar a
conservar essa união incomparável:
“Dizei-me, Senhor, o que quereis que
eu faça, pois desejo fazê-lo” (At 22,10).
“Eis aqui a vossa
serva: mandai e sereis obedecido”
(Lc 1,38).
“Salvai-me,
Senhor, e fazei de mim o que quiserdes. Sou vosso e não meu”
(Sl 118,94).
“Seja assim, meu
Deus, porque assim o quereis”
(Mt 11,26).
Não nos esqueçamos especialmente do terceiro
pedido da oração dominical: “Seja
feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”.
ORAÇÃO
Ó Jesus, meu Redentor, à força de
dores, consumistes na cruz a vossa vida, a fim de salvar-me
e remir-me... E como tenho eu correspondido ao vosso amor?
Graças vos dou pela paciência com que me tendes aturado e
pelo tempo que me concedeis para reparar a minha ingratidão.
Sim, meu Deus, quero amar-vos, quero fazer tudo quanto
quiserdes; dou-vos toda a minha vontade, minha liberdade e
tudo o que me pertence. Consagro-vos, desde já, a minha vida
e aceito a morte que me destinardes. Fazei, Senhor, que
abrace e aceite com inteira conformidade a vossa vontade
santíssima! Quero morrer, ó Jesus, dizendo:
“Faça-se a vossa vontade!”
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 24 de
maio de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya,
Bíblia comentada
Pe. Juan de
Maldonado, Comentário do Evangelho de São João
Edições Theologica
Santo Afonso Maria
de Ligório, Tempo e eternidade
Santo Irineu,
Adversus haereses, II, 22, 5; III, 3, 4
Dom Isidro Gomá y
Tomás, O Evangelho explicado
Eutímio, Escritos
São João
Crisóstomo, Escritos
Ruperto, Escritos
Teofilacto,
Escritos
Leôncio, Escritos
Teodoro de
Heraclea, Escritos
Pe. Juan Leal, A
Sagrada Escritura (texto e
comentário)
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