A EUCARISTIA
(Pe. Leo J. Trese, A fé explicada)
O MAIOR DOS SACRAMENTOS
Quando dizemos que a Sagrada Eucaristia é o maior dos
sacramentos, afirmamos algo evidente. O Batismo é, sem dúvida, o
sacramento mais necessário; sem ele, não podemos ir para o céu. No
entanto, apesar das maravilhas que o Batismo e os outros cinco
sacramentos produzem na alma, não são senão instrumentos de que Deus
se serve para nos dar a sua graça; mas na Sagrada Eucaristia não
temos apenas um instrumento que nos comunica as graças divinas;
é-nos dado o próprio Doador da graça, Jesus Cristo Nosso Senhor,
real e verdadeiramente presente.
O sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo tem tido
muitos nomes ao longo da história cristã: Pão dos Anjos, Ceia
do Senhor, Sacramento do altar e outros que nos são bem conhecidos.
Mas o nome que permaneceu desde o princípio, o nome que a Igreja dá
oficialmente a este sacramento é Sagrada Eucaristia.
Provém do Novo Testamento. Os quatro escritores sagrados – Mateus,
Marcos, Lucas e Paulo – que nos narram a Última Ceia, dizem-nos que
Jesus tomou o pão e o vinho em suas mãos e “deu graças”.
E assim, da palavra grega “eucharistia”, que significa
“ação de graças”, resultou o nome do nosso sacramento:
a Sagrada Eucaristia.
O catecismo ensina-nos que a Eucaristia é ao mesmo
tempo sacrifício e sacramento. Como sacrifício, a Eucaristia é a
Missa, a ação divina em que Jesus, por meio de um sacerdote humano,
transforma o pão e o vinho no seu próprio corpo e sangue e continua
no tempo o oferecimento que fez a Deus no Calvário, o oferecimento
de Si próprio em favor dos homens. O sacramento da Sagrada
Eucaristia adquire o ser (ou é “confeccionado”, como dizem os
teólogos) na Consagração da Missa; nesse momento, Jesus se torna
presente sob as aparências do pão e do vinho. E enquanto essas
aparências permanecem, Jesus continua a estar presente e o
sacramento da Sagrada Eucaristia chama-se Sagrada Comunhão. Podemos
dizer que a Missa é a “confecção” da Sagrada Eucaristia e que a
comunhão é a sua recepção. Entre uma ou outra, o sacramento continua
a existir (como no sacrário), quer o recebamos, quer não.
Ao tratarmos de aprofundar no conhecimento deste
sacramento, não temos melhor maneira de fazê-lo do que começando por
onde Jesus começou: por aquele dia na cidade de Cafarnaum em que fez
o mais incrível das promessas: a de dar a sua carne e o seu
sangue como alimento da nossa alma.
Na véspera, Jesus tinha lançado os alicerces da sua
promessa. Sabendo que ia fazer uma tremenda exigência à fé de seus
ouvintes, preparou-os para ela. Sentado numa ladeira, do outro lado
do mar de Tiberíades, tinha pregado a uma grande multidão que o
havia seguido até ali, e agora, já ao cair da tarde, prepara-se para
despedi-los. Mas, movido de compaixão e como preparação para a sua
promessa do dia seguinte, faz o milagre dos pães e dos peixes.
Alimenta a multidão – só os homens eram cinco mil – com cinco pães e
dois peixes; e depois de todos se terem saciado, seus discípulos
recolhem doze cestos de sobras. Esse milagre haveria de estar
presente (ou deveria estar) na mente dos que o escutaram no dia
seguinte.
Tendo despedido a multidão, subiu monte acima, a fim
de rezar em solidão, como era seu costume. Mas não era muito fácil
separar-se daquela multidão que queria ver mais milagres e ouvir
mais palavras de sabedoria de Jesus de Nazaré: acamparam por ali
para passar a noite e viram os discípulos embarcar (sem Jesus) rumo
a Cafarnaum na única barca que havia. Nessa noite, depois de
terminar a oração, Jesus atravessou andando sobre as águas
tormentosas do lago e juntou-se aos seus discípulos na barca, e
assim chegou com eles a Cafarnaum.
Na manhã seguinte, a turba não conseguia encontrar
Jesus. Quando chegaram outras barcas de Tiberíades, desistiram de
procurá-lo e embarcaram para Cafarnaum. Qual não foi o seu assombro
ao encontrarem de novo Jesus que havia chegado antes deles, sem ter
subido à barca que partira na noite anterior! Foi outro portento,
outro milagre que Jesus fez para fortalecer a fé daquela gente (e de
seus discípulos), pois ia pô-la à prova pouco depois.
Os discípulos e os que conseguiram entrar
aglomeraram-se em seu redor na sinagoga de Cafarnaum. Foi ali e
então que Jesus fez a promessa que hoje nos enche de fortaleza e
vida: prometeu a sua carne e o seu sangue como alimento;
prometeu a Sagrada Eucaristia.
Se tinha poder para multiplicar cinco pães e
com eles alimentar cinco mil homens, como não havia de tê-lo para
alimentar toda a humanidade com um pão celestial feito por Ele!
Se tinha poder para andar sobre as águas como se fosse terra
firme, como não havia de tê-lo para ordenar aos elementos do pão e
do vindo que lhe emprestassem a sua aparência e para utilizá-la como
capa para a sua Pessoa! Jesus tinha preparado bem os seus
ouvintes e, como veremos, eles tinham necessidade disso.
Se você tem um exemplar do Novo Testamento à mão,
será muito bom que leia inteiro o capítulo sexto do Evangelho
de São João. Só assim poderá captar todo o ambiente, as
circunstâncias e o desenrolar dos acontecimentos na sinagoga de
Cafarnaum. Vou citar somente as linhas mais pertinentes, que
começam no versículo 51 e acabam no 67.
“Eu sou o pão vivo que desci do céu”,
disse Jesus. “Quem comer deste pão viverá para sempre, e o pão
que eu lhe darei é a minha carne para salvação do mundo. discutiam
entre si os judeus, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua
carne? E Jesus disse-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Se não
comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não
tereis a vida em vós. Aquele que come a minha carne e bebe o meu
sangue tem a vida eterna; e eu ressuscitarei no último dia. Porque a
minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida…
Este é o pão que desceu do céu; não como o pão que vossos pais
comeram e, não obstante, morreram. Quem come deste pão viverá para
sempre… Muitos dos seus discípulos disseram: São duras estas
palavras! Quem as pode ouvir? Conhecendo Jesus que os seus
discípulos murmuravam por isso, disse-lhes… As palavras que eu vos
disse são espírito e são vida; mas há alguns de vós que não crêem…
Desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não o
seguiam”.
Este breve extrato de capítulo sexto de São João
contém os dois pontos que mais nos interessam agora: os dois pontos
que nos dizem, meses antes da Última Ceia, que na Sagrada Eucaristia
estarão presentes o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Jesus.
Lutero rejeitou a doutrina da presença verdadeira e substancial de
Jesus na Eucaristia, doutrina que havia sido seguida firmemente por
todos os cristãos durante mil e quinhentos anos. Lutero aceitava
certa espécie de presença de Cristo, ao menos no momento de se
receber a comunhão. Mas no terreno adubado por Lutero brotaram
outras confissões protestantes que foram recusando mais e mais a
crença na presença real. Na maioria das confissões protestantes de
hoje, o “serviço da comunhão” não passa de um simples rito
comemorativo da morte do Senhor; o pão continua a ser pão e o vinho
continua a ser vinho.
Em seus esforços por iludir a doutrina da presença
real, teólogos protestantes procuraram mitigar as palavras de Jesus,
afirmando que Ele não pretendia que as tomassem no seu sentido
literal, mas apenas espiritual ou simbolicamente. Mas é evidente que
não se podem diluir as palavras de Cristo sem violentar o seu
sentido claro e rotundo. Jesus não poderia ter sido mais enfático:
“A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira
bebida”. Não há forma de dizê-lo com mais clareza. No
original grego, que é a língua em que São João escreveu o seu
Evangelho, a palavra do versículo 55 que traduzimos por “comer”
estaria mais próxima do seu sentido original se a traduzíssemos por
“mastigar” ou “comer mastigando”.
Tentar explicar as palavras de Jesus como simples
modo de expressar-se levar-nos-ia a outro beco sem saída. Entre os
judeus, que eram aqueles a quem Jesus se dirigia, a única ocasião em
que a frase “comer a carne de alguém” se utilizava figurativamente
era para significar ódio a determinada pessoa ou perseguir alguém
com furor. De modo parecido, “beber o sangue de alguém” queria
indicar que esse alguém seria castigado com penas severas. Nenhum
desses significados – os únicos que os judeus conheciam – se revela
coerente se os aplicarmos às palavras de Jesus.
Outra prova de peso que confirma que Jesus quis
verdadeiramente dizer o que disse – que o seu corpo e o seu sangue
estariam realmente presentes na Eucaristia – está no fato de que
alguns dos seus discípulos o abandonaram por terem achado a ideia de
comê-lo demasiado repulsiva. Não tiveram fé suficiente para
compreender que, se Jesus lhes ia dar a sua carne e o seu sangue em
alimento, o faria de forma a não causar repugnância à natureza
humana. Por isso o abandonaram, “e já não o seguiam”.
Jesus nunca os teria deixado ir-se embora se a sua
deserção fosse simples resultado de um mal-entendido. Muitas vezes
antes tinha-se dado o trabalho de esclarecer as suas palavras quando
eram mal compreendidas. Por exemplo, quando disse a Nicodemos que
era preciso nascer de novo, e este lhe perguntou como é que um
adulto podia entrar de novo no ventre de sua mãe (Jo 3,3).
Pacientemente, Jesus esclareceu-lhe as suas palavras sobre o
Batismo. Mas agora, em Cafarnaum, Jesus não esboça o menor gesto
para impedir que os seus discípulos o abandonem nem para lhes dizer
que o haviam entendido mal. Não pode fazê-lo pela simples razão de
que o tinham entendido perfeitamente e por isso o deixavam. O que
lhes faltou foi fé, e Jesus, tristemente, tem que resignar-se a
vê-los partir.
Tudo isto faz com que a afirmação da doutrina da
presença real esteja iniludivelmente contida na promessa de Cristo,
porque, se não fosse assim, as suas palavras não teriam sentido, e
Jesus não falava por enigmas indecifráveis.
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