QUINTA PALESTRA
EXISTÊNCIA DO DEMÔNIO
I. O Demônio foi criado por Deus?
Quando Deus criou os anjos, dotou cada um de
uma vontade que o faz supremamente livre. Sabemos que o preço
do céu é amar a Deus. Por um ato de amor a Deus, um espírito,
seja anjo ou alma humana, fica habilitado a ir para o céu. E
este amor tem que ser provado pelo único modo com que o amor
pode ser provado: pela livre e voluntária submissão da vontade
criada a Deus, por aquilo a que chamamos comumente um
“ato de obediência” ou um “ato de lealdade”.
Deus fez os anjos com livre arbítrio para que
fossem capazes de fazer o seu ato de amor a Deus, de escolher
Deus. Só depois é que o veriam face a face; só então poderiam
entrar nessa união eterna com Deus a que chamamos “céu”.
Deus não nos deu a conhecer a espécie de prova
a que submeteu os anjos. Muitos teólogos pensam que Ele deu
aos anjos uma visão prévia de Jesus Cristo, o Redentor da raça
humana, e lhes mandou que o adorassem: Jesus Cristo em todas
as suas humilhações, uma criança no estábulo, um criminoso na
cruz. Segundo esta teoria, alguns anjos se teriam rebelado
ante a perspectiva de terem que adorar Deus encarnado.
Conscientes da sua própria magnificência espiritual, da sua
beleza e dignidade, não quiseram fazer o ato de submissão que
a adoração a Jesus Cristo lhes pedia. Sob a chefia de um dos
anjos mais dotados, Lúcifer, “Portador da luz”,
o pecado de orgulho afastou de Deus muitos anjos, e o terrível
grito “não servirei”, percorreu os céus.
Os anjos maus ou demônios são essas criaturas
que, submetidas a uma prova sobre cuja natureza os teólogos
especulam, por livre vontade fizeram uma opção fatal, um ato
de revolta contra o Criador.
São Pio X escreve:
“Nem todos os Anjos foram fiéis a Deus, mas muitos por soberba
pretenderam ser iguais a Ele, e independentes do seu poder e
por este pecado foram excluídos para sempre do Paraíso, e
condenados ao Inferno. Os Anjos excluídos para sempre do
Paraíso e condenados ao Inferno chamam-se demônios, e o seu
chefe chama-se Lúcifer ou Satanás”.
O Concílio de Latrão IV ensina:
“... porque o diabo e os outros
demônios foram criados por Deus naturalmente bons; mas eles,
por si mesmos, se tornaram maus”.
II. De onde origina a palavra “demônio”?
A palavra “demônio” origina-se do
grego “daimon”, que tem vários significados,
entre os quais o de “espírito maligno”. Ocorre
que, num ser pessoal, puramente espiritual e consciente,
a vontade livre, uma vez decidida, não pode mais retratar-se.
Assim, certo número de anjos, liberados por aquele que a
Sagrada Escritura designa por Lúcifer, após haverem de um
determinado modo ofendido a Deus, foram condenados ao inferno,
lugar de castigo criado então por Deus.
Em consequência do pecado que cometeram, os
demônios são criaturas que ficaram incapacitadas de
continuarem a receber a Graça divina, depois de haverem-na
perdido. A sentença que os condenou é definitiva e
irrecorrível. Sem a Graça, isto é, sem a participação do amor
de Deus, vivem no estado oposto ao do amor, isto é, no estado
definitivo de pecado, e, portanto, são espíritos impregnados
de ódio a Deus e de tudo e todos que contribuem para a glória
e o amor de Deus.
III. O Demônio existe?
A Sagrada Escritura fala dele desde o primeiro
até o último dos livros revelados: do Gênesis ao
Apocalipse.
Algumas passagens:
1. Gn 3, 4-5:
“A serpente disse então
à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em
que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como
deuses, versados no bem e no mal”.
2. Jó 1, 6:
“No dia em
que os Filhos de Deus vieram se apresentar a Ele, entre eles
veio também Satanás”.
3. Mt 4, 1:
“Então Jesus
foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo
diabo”.
4. 1 Pd 5, 8:
“Sede
sóbrios e vigilantes! Eis que o vosso adversário, o diabo, vos
rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar”.
5. Ap 20, 2:
“Ele agarrou
o Dragão, a antiga Serpente – que é o Diabo, Satanás –
acorrentou-o por mil anos”.
IV. Quem é o Demônio?
O Demônio é um ser pessoal, real e
concreto, de natureza espiritual e invisível, que,
pelo seu pecado, se afastou de Deus para sempre.
Ele é o pai da mentira:
“Vós sois do diabo, vosso pai...
porque é mentiroso e pai da mentira”
(Jo 8, 44),
pai do pecado, da discórdia, da desgraça, do ódio, do absurdo
e do mal que há em toda a terra:
“Uma vez que os filhos têm em comum carne e sangue, por isso
também ele participou da mesma condição, a fim de destruir
pela morte o dominador da morte, isto é, o diabo”
(Hb 2, 14).
É a serpente astuta e invejosa que traz a morte ao mundo:
“Foi por inveja do diabo que a morte
entrou no mundo”
(Sb 2, 24)* 1,
que semeia o mal no coração do homem:
“Um inimigo é que fez isso”
(Mt 13, 28)
* 2.
* 1
A morte que o
diabo faz entrar no mundo é a morte espiritual, com sua
conseqüência, a morte física (Sb 1, 13; Rm 5, 12 ss).
* 2
Parábola do joio (Mt 13, 24-30).
V. O Demônio nos tenta?
São João Crisóstomo escreve:
“O infame não cessará
com seus ataques até o último suspiro da alma que não soube
defender-se já contra os primeiros golpes... Na luta com
aquele maligno, porém, nunca haverá pausa; nunca poderás
despojar-te das armas, nunca poderás entregar-te ao descanso,
caso queiras ficar ileso... Aquele adversário infame mantém
sempre sua linha de combate perto de nós, pronta para nos
perder tão logo note algum relaxamento em nossa vigilância.
Podes estar certo: mais zelo emprega ele para a nossa perdição
do que nós para a nossa salvação!”
V. O Demônio nos odeia?
Os anjos caídos são espíritos puros sem corpo.
São absolutamente imateriais. Quando fixaram a sua vontade
contra Deus em seu ato de rebelião, abraçaram o mal (que é
a rejeição de Deus) com toda a sua natureza. Um demônio é
cem por cento mau; cem por cento ódio, sem que se possa achar
um mínimo resto de bem em parte alguma de seu ser:
“Também não há ninguém
que seja capaz de manter um ódio tão implacável como aquele
malicioso contra todo o gênero humano. Em seguida,
considerando ainda o zelo e o afinco com que ele luta,
qualquer comparação com os homens e suas atitudes tornar-se-ia
ridícula. Até os animais mais ferozes e mais sanguinolentos,
comparados com ele, tornar-se-ia mansos e dóceis. Com tanta
raiva ele esbraveja contra as nossas almas”
(São João Crisóstomo).
O Monsenhor Cauly
escreve:
“Sabemos que, depois da sua queda, foram os
demônios ou maus anjos expulsos do céu e sentenciados aos
suplícios eternos do inferno. Entretanto, com o beneplácito
de Deus, avultado número de demônios andam pelo mundo, onde
trazem o seu inferno consigo. Movidos pelo ódio que têm a Deus
e pela raiva contra os homens, usam, para nos perder e
arrastar também no inferno, de dois meios que Deus lhes
consente: 1.º As tentações, isto é, más inspirações e
ciladas armadas contra a nossa alma, devido à nossa natureza
perversa da qual eles se aproveitam. 2.º As obsessões
ou possessões; entende-se por estas palavras os
tormentos sensíveis que exercem por vezes nos corpos”.
VI. O Demônio pode influir diretamente na nossa
inteligência e vontade?
Não! Deus reservou
para si este santuário: só Deus pode penetrar no centro da
nossa alma e mover as energias de nossa vontade, sem nos fazer
violência:
“Os espíritos imundos não podem conhecer a
natureza dos nossos pensamentos. Só lhes é dado pressenti-los
por indícios sensíveis, ou então examinando as nossas
disposições, as nossas palavras ou as coisas para as quais
percebem que nos inclinamos. É-lhes totalmente inacessível o
que não exteriorizamos e permanece oculto nas nossas almas.
Mesmo os pensamentos que eles próprios nos sugerem, a acolhida
que lhes damos, a reação que provocam em nós, nada disso o
conhecem pela própria essência da alma... mas, quando muito,
pelos movimentos e manifestações externas”
(Cassiano).
O Demônio não pode
violentar a nossa liberdade a fim de incliná-la para o mal:
“É um
fato certo que o demônio não pode seduzir ninguém, a não ser
os que lhe prestam o consentimento da sua vontade”
(Idem.), e:
“... o demônio é um
grande cão acorrentado que ataca e que faz muito barulho; mas
que só morde os que se aproximam dele em demasia”
(São João Maria Vianney).
Pode, porém, o Demônio influir diretamente
sobre o corpo, sobre os sentidos exteriores
(visão, olfato, tato, paladar e audição) e
interiores, em particular sobre a imaginação e
a memória, bem como sobre as paixões que residem no
apetite sensitivo, e por essa via influi indiretamente sobre a
vontade que, pelos diversos movimentos da sensibilidade, é
solicitada a dar o seu consentimento. Contudo, como nota Santo
Tomás de Aquino, “fica sempre livre
para consentir ou resistir a esses movimentos passionais”.
VII. O Demônio “gosta” que nos
esqueçamos dele?
O
Pe. Leo J. Trese escreve: “Nada
convém mais ao diabo do que esquecermo-nos dele, ou não lhe
prestarmos atenção e, principalmente, não acreditarmos nele.
Um inimigo de cuja presença não suspeitamos, que pode atacar
emboscado, é duplamente perigoso. As possibilidades de vitória
de um inimigo aumentam em proporção à cegueira ou
inadvertência da vítima”.
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