(Copacabana - Bolívia)
(1583)
(Festa em 2 de fevereiro)
Em 1530, desembarcaram no Peru os primeiros
missionários católicos, acompanhando as tropas espanholas que, sob
as ordens de Francisco Pizarro, exploraram e conquistaram aquele
vasto império.
Tradições muito antigas afirmam que Copacabana (copacabana,
na língua aimará significa “pedra preciosa que dá vida”) foi um
dos primeiros povoados que receberam o benefício da pregação
evangélica. Diz a tradição também que entre os convertidos de
Copacabana havia alguns tão zelosos que tudo faziam para que seus
compatriotas abraçassem a religião de Jesus Cristo, deixando para
sempre o paganismo.
Um deles foi o nobre dom Francisco Tito Yupanqui,
descendente da família imperial, o qual fez o voto de conseguir uma
imagem da celestial Senhora, a fim de obter dela a conversão de seus
irmãos, sobretudo daqueles que moravam em Copacabana, seu querido
povoado, e os feitos por ele realizados dão motivo para crer que tal
voto foi inspirado pelo céu.
Naquela época era moralmente impossível realizar tal
projeto. Os peruanos sabiam lavrar os metais, especialmente o ouro,
mas não havia artista cristão a quem confiar tão delicado trabalho.
Yupanqui não era escultor nem pintor, e aos pagãos faltava
inspiração e graça para transferir para o pano ou para a madeira a
imagem da Mãe de Deus.
Compreendendo o devoto peruano as dificuldades de seu
projeto, não cessava de pedir à Virgem Maria que lhe inspirasse o
modo de levá-lo a efeito.
Um dia, pareceu-lhe ver seu quarto iluminado por uma
luz vivíssima e no meio dessa luz uma senhora de doce e grave
aspecto, coberta com um largo manto que caía em numerosas pregas até
cobrir a orla do vestido. No braço esquerdo sustinha um Menino, cuja
cabecinha se reclinava no seio da senhora, e na mão direita tinha
uma vela.
Yupanqui não duvidou que a Senhora fosse a Virgem
Imaculada e que lhe apareceu para lhe indicar a maneira como queria
ser representada. Portanto, assim que se desvaneceu a visão e que
voltou a si do assombro, resolveu esculpir ele próprio uma imagem à
imitação da que tinha visto, confiando na Virgem Maria, que havia de
guiar seu inexperiente braço.
Para experimentar, fez uma de barro, mas saiu tão
tosca e imperfeita que, embora a tenham recebido e colocado no altar
por algum tempo, pouco depois a rejeitaram com desprezo.
Isto o fez decidir mudar para a vizinha cidade de
Potosí, a fim de engajar-se como aprendiz na oficina de algum
escultor e assim poder realizar seu mais ardente desejo.
Em 4 de julho de 1582 começou sua imagem, e, para
conseguir esculpi-la como desejava, com jejuns e orações fervorosas,
pedia a Virgem Santíssima que o ajudasse.
Porém, apesar de aplicar todos os recursos de sua
inteligência para que saísse com as formosas feições da visão que
tinha tido, o resultado foi uma imagem
imperfeitíssima, que nem de longe se assemelhava ao original. Mesmo
assim, não tardou a divulgar-se em Potosí e seus arredores que o
nobre Francisco Yupanqui tinha esculpido uma imagem da Virgem.
Nesse mesmo ano, o frio intenso, impróprio do clima
benigno de Copacabana, ameaçava arruinar as colheitas, vindo assim a
faltar os gêneros de primeira necessidade. Por isso, os cristãos
mais fervorosos propuseram que se fizessem preces públicas para
conjurar a desgraça, e no meio da geral consternação concebeu-se a
idéia de fundar, na igreja paroquial, uma confraria em honra da
Virgem da Candelária, cuja festa se aproximava.
A proposta foi aceita com entusiasmo por uns, mas
combatida por outros que opinavam já haver uma confraria em honra do
mártir São Sebastião.
Um cristão muito devoto de Nossa Senhora, Alfonso
Viracocha, morador de Copacabana, o qual tinha apoiado com todo o
seu prestígio a fundação da confraria de Nossa Senhora, tendo sabido
que Yupanqui esculpira uma imagem de Nossa Senhora da Candelária,
foi a Potosí para falar com ele da projetada confraria, pedindo-lhe
que cedesse a essa confraria a imagem. Tito Yupanqui cedeu-a de boa
vontade, apesar de conhecer seus defeitos, esperando que a Mãe de
Deus os corrigisse. Muito satisfeito por ter encontrado em Yupanqui
um zeloso cooperador de sua obra (a confraria), Alfonso resolveu
solicitar a licença do senhor bispo para erigir canonicamente a
confraria.
Tendo falado antes, porém, com um dos familiares do
bispo, ele o desanimou, pelo que Alfonso foi, muito triste, visitar
um sábio e prudente sacerdote. Este lhe infundiu a esperança,
redigindo-lhe um memorial em regra que Alfonso apresentou
humildemente ao prelado, junto com a cópia da imagem de Yupanqui.
Olhando para a estampa, o bispo rejeitou-a, dizendo
que, em vez de excitar a devoção dos fiéis, se tornaria objeto de
zombaria e crítica, não dando, portanto, permissão para fundarem a
confraria.
O piedoso Yupanqui ficou consternado ao certificar-se
de que a Virgem Maria não podia ser honrada por causa de sua pouca
habilidade. Mas não desanimou e, confiante, resolveu fazer doce
violência ao Coração de Maria com novos jejuns e orações, a fim de
que aceitasse corrigir seu trabalho, e, não satisfeito com isso,
regressou a Potosí, com a idéia de ir a La Paz para experimentar lá
a reforma da imagem. Procurou compatriotas seus que se encontravam
em Potosí, e eles o ajudaram a levar aos ombros, bem acondicionada,
sua imagem. Porém, ao desembrulhá-la para tê-la pronta quando
chegasse o dourador com que ele tinha falado, pedindo-lhe que lhe
fornecesse o ouro necessário para dourá-la e deixá-la perfeita, teve
a grande tristeza de encontrá-la bastante estragada, sem que pudesse
averiguar a causa.
Veio-lhe à mente, então, a tentação de abandonar uma
empresa que tantos dissabores lhe ocasionava. No entanto, confiante
em Deus e alentado pelo dourador, dedicou-se durante três meses a
consertá-la e aperfeiçoá-la.
Essa ocupação era sua delícia, seus agradáveis
recreios, parecendo que o Senhor lhe comunicava idéias celestiais,
que sua rudeza lhe negava.
Esta suposição não é infundada, pois, sem a
assistência do alto, era impossível que de mãos tão inábeis que
haviam sofrido tantos desenganos saísse uma imagem que reunia à mais
peregrina beleza a majestade mais atraente, cujos olhos e feições,
ao mesmo tempo que infundem respeito, comovem a alma, fazem palpitar
o coração de quantos a contemplam, arrancam doces lágrimas dos fiéis
e abrandam os endurecidos corações dos incrédulos e pecadores.
Não se deve estranhar, pois, que, ao ver sua
Candelária tão formosa, Yupanqui ficasse extasiado a contemplá-la,
beijando-a respeitosamente, cheio de gratidão e amor.
Para dar expressão à sua felicidade, Yupanqui quis
mostrá-la a um religioso franciscano, o qual, encantado com a
imagem, pediu-lhe que a levasse para sua cela para que a concluísse
lá, dourando-a com todo o esmero. Mas seu intento principal era
consolar sua alma com a imagem de Maria, da qual não apartava os
olhos, parecendo-lhe dia a dia mais formosa.
Assegura-se que várias vezes a viu rodeada de
esplendor.
Afinal a imagem ficou pronta, afirmando a tradição ou
piedosa lenda que dois anjos a retocaram, dando singular beleza
sobretudo aos rostos da Virgem e do Menino.
O certo é que os peritos informaram que não só estava
concluída e perfeita, mas também que era mais digna de veneração do
que outras imagens da Santíssima Virgem.
Com tal declaração, Yupanqui ficou mais contente do
que se lhe houvessem devolvido o trono de seus avós, e não se
cansava de dar graças a Deus, que recompensava com generosidade as
afrontas e os desprezos que tanto o tinham magoado.
Em 2 de fevereiro de 1583, a Virgem da Candelária (de
Yupanqui) fez sua entrada solene, no meio do regozijo público, no
povoado de Copacabana. Foi colocada em modesta capela, que, com o
correr dos anos, devia transformar-se em um dos santuários mais
célebres da cristandade, à margem do lago Titicaca, onde é venerada
ainda hoje sob o título de Nossa Senhora de Copacabana.
Copacabana é atualmente uma cidade da Bolívia,
célebre na época da idolatria por ter o demônio estabelecido nela o
centro de suas abominações.
Celebrizou-se novamente depois da conquista pelos
espanhóis, porque foi purificada pela Virgem Imaculada, que aí
estabeleceu seu trono de misericórdias.
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