A partida das Missionárias Salesianas para as
bandas do Neuquén - Argentina, aumentou em Mercedes Pino, mãe de
Laura o desejo de imitar-lhes o exemplo. Já de algum tempo andava
ela acariciando o sonho de tentar a sorte em outras paragens.
Decidiu então emigrar para além da Cordilheira; em linha reta,
seriam aí umas centenas de quilômetros: "Mercedes Pino
transferiu-se do Chile para a Argentina, para fugir à baixa
condição a que se vira reduzida; mas piorou a sua sorte" (Josefina Ferré).
A
etapa inicial de Mercedes Pino na Argentina, foi Ñorquín, na
extrema ponta setentrional do Neuquén, foi brevíssima a sua
permanência nesse povoado, depois desceu pelo vale do rio Agrio
até Las Lajas, vilinha de umas poucas centenas de habitantes. O
Pe. Augusto
Crestanello, diretor espiritual e confessor de Laura escreve: "Seja em Ñorquín, seja em Las Lajas, onde passou
algum tempo, deixou
Laura ótimas impressões nos que dela se acercaram. Ela própria
lembrava-se muitas vezes, com afeto, das amizades contraídas
naqueles lugarejos; e gostava de recordar as companheiras mais
virtuosas com que tratara".
Sob chuvas torrenciais do
inverno de 1899, um dos mais terríveis para os Territórios da
Patagônia setentrional e do Neuquén, Mercedes Pino chega a Junin
de Los Andes e recebe apoio do senhor Mariano Fosbery em sua
Estância.
Essa ajuda, não era a solução nem o sonho de
Mercedes Pino, porque a mesma não tinha nenhuma experiência em
cuidar do campo.
Não podendo mais ficar na Estância Fosbery,
Mercedes Pino se
viu como uma palhinha joguete da corrente; e no desesperado
esforço de não se deixar afogar pela sorte adversa, dobrando-se ao
costume do lugar, amadureceu no seu ânimo a decisão de viver com
Manuel Mora, na fazenda
Quilquihué,
a quem se agarrou como a uma tábua de salvação, e que, ao invés,
se transformou no seu feroz tirano: "Manuel Mora, voltando da
cadeia de Chos-Malal, onde estivera preso, e passando por Las
Lajas, conheceu Mercedes Pino"
(Urrutia López, octogenário).
Tem Manuel Mora na vida de Laura, embora de maneira
indireta, importância decisiva. É preciso, pois, conhecê-lo.
Pertencia a uma família abastada da Província de
Buenos Aires, cidade de Azul, depois de ter estado no Forte
General Roca, no Alto Rio Negro, foi para uma região sobre o rio
Quilquihué, a uns vinte quilômetros de Junin de Los Andes;
organizou ali duas estâncias: uma chamada Quilquihué, a outra
Mercedes, para criação de gado: "Manuel Mora era muito rico e
tinha estâncias... além do Caleufú"
(Sabino Cárdenas, processos de Laura), e: "Seu
domicílio era uma casa de campanha com alguns cômodos, numa
localidade chamada Quilquihué, do rio que corre nas proximidades"
(Pe. Genghini), e
também: "Sei que a Serva de Deus viveu num lugar chamada
Chapelco, onde o senhor Mora tinha sua fazenda; e que dali passou
para Junin de Los Andes" (Depoimento de
Júlia Amanda, irmã de Laura Vicuña, nos processos).
Já pelos 40, de belo aspecto, e de movimentos
galhardos, sobretudo quando empunhava as rédeas, montava e saia a
galope, veloz como o vento, era Manuel Mora o tipo do gaúcho
argentino: estouvado, gabola, rixento, um romântico e sonhador.
Embora rude e inculto, vestia-se com afetação, à
moda dos ricos proprietários rurais. Da cinta lhe pendia o
inseparável terçado, de bainha de couro com o cabo embutido em
prata. Também nos arreios dos animais de raça, fazia alarde de
guarnições e enfeites preciosos; e gostava de gestos aparatosos e
desabusados que lhe davam ares de superioridade.
Passava das maneiras gentis e cavalheirescas a
modos brutais, e até mesmo a crueldades que fazem estarrecer. O
mesmo marcou Tomásia Catalá, com a qual conviveu, com ferro quente
que usava para os animais.
Algumas testemunhas limitam-se a chamar-lhe: "Um
sujeito mau", "um homem que por um nada puxava o facão e a
pistola", "indivíduo perverso, prepotente e grosseiro",
etc.
As irmãs salesianas de Junin, tinham-no como: "Rico
proprietário de gado, pouco instruído e sem religião".
Foi
justamente nas mãos desse indivíduo, como entre as garras de um
condor, que caíram tristemente Mercedes Pino e suas filhas.
Mercedes Pino matriculou as filhas no
Colégio de Maria Auxiliadora em Junin de Los Andes no início
de 1900, sendo diretora,
Irmã Ângela
Piai.
A 01 de abril, segunda-feira santa, abriu-se o ano
escolar de 1900. A crônica, reduzida como a do ano anterior,
assinala a presença de 14
alunas internas
e 19 externas: 33 ao todo: "Meninas da roça, pobrezinhas,
humildes, de casca dura e deselegantes... que mais facilmente
empunham as rédeas do cavalo que a pena ou a agulha... selvagens
caipirinhas que é preciso domesticar"
(Crônicas).
Em
1900, no
Colégio,
Laura foi
classificada entre as alunas de segunda ou terceira elementar;
Júlia, entre as pequeninas da primeira. Concluiu também com
sucesso,
os anos de
1901 e
1902, sendo que neste mesmo ano, ela recebeu o sacramento da
Crisma, conferido por
Dom Juan Cagliero,
filho predileto de São João Bosco. Dom Cagliero morreu em Roma em
1926, seu corpo descansa na catedral de Viedma - Argentina.
Já então conhecia a
Irmã Azócar as
duas irmãs, e mostrava apreciar Laura pela boa vontade que a
animava e a tornava apontada entre as mais solícitas e caprichosas
no cumprimento dos múltiplos deveres da vida colegial, e também da vida
espiritual.
Laura Vicuña amava ardorosamente a Jesus
Sacramentado e Maria Santíssima, rezava com fervor e se
sacrificava pela conversão do próximo; era dócil e obediente às
Irmãs do Colégio, ao ponto de, por obediência, plantar um galho
seco de roseira, e a mesma brotou e permanece até hoje. Laura
amava todas as religiosas, mas tinha por modelo a
Irmã Ana Maria
a quem imitava nas virtudes.
Com o passar do tempo, Laura descobriu que a sua
mãe vivia em pecado, morando com o fazendeiro Manuel Mora: "A
primeira vez que expliquei o sacramento do matrimônio, Laura
desmaiou, certamente porque pelas minhas palavras percebeu que a
mãe vivia em estado de culpa..." (Irmã
Azócar).
Laura sentia pavor em passar as férias na Estância Quilquihué (lugar dos falcões), justamente porque devia enfrentar
o monstro Manuel Mora que não a deixava em paz, o mesmo
tentou violentá-la por várias vezes.
A Estância Quilquihué não era para ela um lugar
desejado. Amava a sua mãe com terníssimo afeto; desejava revê-la e
estar perto dela. Ansiava pelo ar puro do campo; e bem que gostava
de se entreter mais tempo com Júlia e com qualquer outra menina,
para lhes ensinar o que sabia. Mas o pensamento e a só figura de
Manuel Mora enchiam-na de horror e de pavor: "...as
preferências de Manuel Mora eram para a própria Laura, que a fazia
educar para depois casar-se com ela"
(Júlia Cifuentes, companheira de Laura, declarou verbalmente em
1956).
O único recurso e inabalável sustentáculo de Laura
era a oração, que tanto lhe tinham inculcado em Junín e que a
fazia reviver no isolamento espiritual das férias, as doces e
inesquecíveis horas do colégio.
Laura fez a Primeira Comunhão no dia 02 de junho de
1901, na capela do colégio salesiano ou na igrejinha paroquial de
Junín. Vestida de branco, coroada de flores, com a alegria a
irradiar-lhe do rosto, Laura foi ao encontro do Amigo da alma. Seus
propósitos:
"Primeiro. Ó meu Deus, quero amar-vos e
servir-vos por toda a vida; por isso eu vos dou a minha alma, o
meu coração, todo o meu ser".
"Segundo. Antes morrer que ofender-Vos com o
pecado; por isso tenciono mortificar-me em tudo o que me afasta de
vós".
"Terceiro. Proponho fazer tudo quanto puder para
que vós sejais conhecido e amado e para reparar as ofensas que
recebeis todos os dias dos homens, especialmente das pessoas de
minha família".
"Meu Deus, dai-me uma vida de amor, de
mortificação, de sacrifício".
Vendo a mãe na companhia de Manuel Mora, Laura
resolve dar tudo: oferecer a vida pela conversão da mãe.
A partir desse momento, a saúde de Laura Vicuña
começa a debilitar-se. O
Retiro Espiritual de 1903 foi o último acontecimento na vida
colegial de Laura.
As meditações sobre o fim do homem, a salvação da
alma, a morte, a misericórdia, o paraíso, rasgaram uma fresta para
a eternidade e a prepararam para o grande passo.
A mãe, Mercedes Pino, vindo visitar a filha no
Colégio, achou-a muito fraca e decidiu levá-la a Quilquihué para
uma tentativa de repouso absoluto. Para Laura foi um duplo
sacrifício: deixar o suave "paraíso" onde esperava fechar os
olhos; e voltar para a estância que lhe suscitava tristes
memórias.
Laura Vicuña partiu para Quilquihué a 15 de
setembro de 1903: "Como sempre, trazia um traje simples, mas
elegante para nosso pequeno mundo" (Irmã
Ângela Piai), e: "Laura, naquele dia,
usava um vestido roxo, modesto, mas bonito"
(Irmã Rosa Azócar).
A chegada à fazenda não podia ser alegre. Dois anos
atrás tinha a menina partido de Quilquihué com ótima saúde;
voltava desfeita, como arbusto que a tormenta vergou. Manuel Mora
a recebeu com desprezo, não era homem para se comover com o
sofrimento alheio: muito menos com o de Laura que o enfrentara,
humilhando-o repetidamente nos seus insensatos intentos.
A estada em Quilquihué em vez de lhe infundir
energias, lhe renovava e aumentava as amarguras do coração. Sentia
falta da Santa Missa, das amiguinhas, dos conselhos do confessor,
etc.
Na estância, Mercedes Pino não passava de um
miserável joguete nas mãos de Manuel Mora, que ora a acariciava,
como se acariciasse a crina de seus cavalos, ora a cortava de
chicote, como fazia com os novilhos e potros rebeldes.
A pobre mulher assistia com melancólica tristeza ao
lento declínio da filha, sem compreender os secretos ardores que a
consumiam. Nem o ar puro nem o sol que investia contra os Andes
devolvia a saúde à angélica menina.
Mercedes Pino, vendo a saúde de Laura piorar, aluga
um ranchinho, de palha e barro, próximo ao Colégio: "A mãe
levou de novo Laura para Junin a fim de poder ser mais atendida"
(Irmã Marieta Rodrigues, enfermeira).
No
alvorecer de 1904, as forças de Laura pareciam ter chegado ao fim,
a moléstia fatal que a corroía tinha terminado o seu trabalho: não
restavam senão as últimas e débeis esperanças para derrocar: "Devorada
por uma febre que não a deixava, Laura saía ainda, vez por outra,
amparada pela mãe, mas somente nas horas frescas do dia, para
respirar um pouco de ar. Caminhando devagar, rosto
magro
e afilado, a enferma causava dó a quem parasse para vê-la"
(Pe. Augusto Crestanello).
Na tentativa de diminuir a febre que a queimava, a mãe e algumas
mulheres a levavam nos braços até o rio Chimehuín para banhá-la em
suas águas geladas.
Mesmo consumida pela doença, Laura teve de suportar
um terrível ataque de Manuel Mora. Uma tarde, pela metade de
janeiro, ele apareceu na vila e pretendeu passar a noite naquela
casinhola, onde Laura consumava a sua oblação. Mercedes Pino ficou
aflita e tentou opor-se, mas Manuel Mora insistiu, prorrompendo em
palavrões, xingamentos e impropérios; o mesmo cobriu Laura de
insultos. Laura disse à sua mãe: "Se ele ficar, eu vou para o
Colégio, com as irmãs!" Manuel ficou furioso, atirou-se sobre
a menina, agarrou-lhe o braço e começou a bater-lhe; depois,
derrotado pela indômita Filha de Maria, voltou para a Estância
Quilquihué.
Laura piorava a cada dia, recebeu uma procissão
contínua de companheiras, conhecidas e amigas, que chegavam com
admiração para visitá-la.
No dia 22 de janeiro de 1904, que devia ser o
último dia da sua vida terrena, a "...pobrezinha, reduzida a
pele e osso, pôde receber a Santíssima Eucaristia como Viático"
(Francisca Mendoza).
À tarde do mesmo dia, Laura Vicuña
chama a mãe
e lhe diz: "Mãe, há dois anos ofereci minha vida a Deus em
sacrifício para obter que não vivas mais em união livre. Você deve
separar-se deste homem e viver santamente. Antes de morrer terei a
alegria de seu arrependimento e seu pedido de perdão a Deus e que
comeces a viver santamente?", a mãe, entre lágrimas, lhe diz:
"Sim, minha filha, amanhã cedo vou à igreja com
Amandina e me confesso".
A exausta menina beijou repetidas vezes o crucifixo
que tinha nas mãos. Olhou para a fita azul que entretecia a
inicial do nome de Maria e disse baixinho: "Obrigada, Jesus!
Obrigada, Maria! Agora morro contente", serenamente expirou: "Laura
morreu falando" (Júlia Cifuentes).
Foi às 16
horas, sexta-feira, 22 de janeiro de 1904. O Pe. Crestanello
escreve que Laura morreu às 18:00 horas: "Eram seis da tarde, e
Laura não existia mais"(Vida, p. 88-90). Faltavam 2 meses e
poucos dias para Laura completar 13 anos.
Manuel Mora
morreu esfaqueado em uma corrida de cavalos em Paso Montenegro
(alguns dizem, Paso Flores), quatro anos após o falecimento de
Laura Vicuña. Muitos viram nesse acontecimento a mão pesada de
Deus.
|