Meninos são alvos de abuso sexual em dança tradicional afegã
09 de setembro de 2010 •
05h37 •
atualizado às 07h31
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Garotos são obrigados a dançar vestidos de
mulher no Afeganistão
Foto: BBC Brasil |
Reportagem: Rustam Qobil
Da BBC
no
Afeganistão
As
mulheres no Afeganistão são proibidas de dançar em público,
mas garotos são obrigados a dançar vestidos de
mulher, e
muitas vezes sofrem abuso sexual.
Em uma
festa de casamento em um vilarejo remoto no norte do país, após a
meia-noite, não há sinais dos noivos, nem de mulheres, apenas homens.
Alguns deles estão armados, alguns tomam drogas.
A atenção de quase todos está sobre um garoto de 15
anos, que dança para o grupo em
um vestido longo e brilhante,
com sua face coberta por um véu vermelho.
Ele usa seios postiços e sinos presos aos
calcanhares. Um dos homens oferece a ele algumas notas de dólar americano,
que ele pega com os dentes.
Esta é
uma tradição antiga,
chamada
bachabaze, que significa literalmente
“brincando com garotos”.
O mais
perturbador
é o que
acontece após
as festas.
Com frequência, os meninos são levados a hotéis e
sofrem abusos sexuais.
Os homens
responsáveis pela prática são comumente
ricos e poderosos. Alguns deles mantêm
vários bachas
(meninos)
e os usam como um símbolo de status, como uma demonstração de sua
riqueza.
Os
meninos, alguns deles ainda pré-adolescentes, são normalmente órfãos de
famílias muito pobres.
Fome
A
reportagem da BBC passou vários meses tentando encontrar um
garoto que se dispusesse a falar sobre sua experiência. Omid (nome
fictício) tem 15 anos. Seu pai morreu trabalhando no campo, ao pisar
sobre uma mina.
Como
filho mais velho, ele é responsável por cuidar de sua mãe, que mendiga
pelas ruas, e de dois irmãos mais jovens.
“Comecei a dançar em festas de casamento quando eu tinha 10
anos, quando meu pai morreu”, ele conta.
“Estávamos passando fome, então não tive escolha.
Às vezes temos que dormir de estômago vazio. Quando eu danço em festas,
ganho uns US$ 2 ou um pouco de arroz”, diz.
Questionado sobre o que acontece quando as pessoas o levam aos hotéis,
ele baixa a cabeça e faz uma longa pausa antes de responder.
Omid diz que recebe cerca de US$ 2 pela noite, e que às vezes
sofre abusos sexuais de vários homens.
Ele diz
que não pode recorrer à polícia por ajuda.
“Eles são homens poderosos e ricos. A polícia não pode fazer
nada contra eles”, diz. A mãe de Omir tem pouco mais de 30 anos, mas seu cabelo é
branco e seu rosto enrugado. Ela parece ter pelo menos 50.
Ela conta
que tem apenas um quilo de arroz e algumas cebolas para o jantar, e que
não tem mais óleo para cozinhar.
Ela sabe
que seu filho dança em festas, mas ela está mais preocupada sobre o que
eles vão comer no dia seguinte.
O fato de que
seu filho está vulnerável aos abusos está longe de sua mente.
Governo
ausente
Poucas
foram as tentativas das autoridades locais de combater a tradição do
bachabaze. Muhammad Ibrahim, chefe-adjunto da polícia na província de
Jowzjan, nega que a prática continue.
“Não tivemos nenhum caso de bachabaze nos últimos
quatro ou cinco anos. Isso não existe mais aqui”,
garante.
“Se
encontrarmos algum homem fazendo isso aqui, vamos puni-lo”, afirma.
Mas de
acordo com Abdulkhabir Uchqun, um deputado do norte do Afeganistão,
a tradição não apenas se mantém, como também está em crescimento.
“Infelizmente isso está aumentando em quase todas
as regiões do Afeganistão. Eu pedi as autoridades locais que atuassem
para interromper essa prática, mas eles não fazem nada”,
diz.
“Nossas autoridades estão muito envergonhadas para
admitir até mesmo que isso exista”, afirma. O Islã também não tolera a prática,
segundo o Grande Mulá do santuário de Ali em Mazar-e Sharif, o lugar
mais sagrado do Afeganistão.
“O bachabaze não é aceitável no Islã. Realmente, é
abuso infantil. Isso está acontecendo porque nosso sistema de Justiça
não funciona”, afirma.
“O país tem estado sem lei por muitos anos, e os
órgãos responsáveis e as pessoas não conseguem proteger as crianças”,
diz.
Os
garotos dançarinos são recrutados ainda bem jovens por homens que
passeiam pelas ruas procurando garotos afeminados entre grupos pobres e
vulneráveis. Eles normalmente oferecem dinheiro e comida a eles.
Direitos
humanos
A
Comissão Independente de Direitos Humanos, em Cabul, é uma das poucas
organizações que tentou combater a prática do bachabaze.
O diretor
da organização, Musa Mahmudi, diz que ela é comum em várias partes do
Afeganistão, mas diz que nunca houve estudos para determinar quantas
crianças sofrem abusos em todo o país.
Ele
aponta para a rua em frente ao seu escritório para mostrar como é
difícil proteger as crianças no país.
As ruas
do Afeganistão estão cheias de crianças que trabalham. Elas engraxam
sapatos, mendigam, juntam garrafas plásticas para vender. Elas se
dispõem a fazer qualquer trabalho para ganhar algum dinheiro, diz
Mahmudi.
Todos os
afegãos com os quais a reportagem da BBC falou sabiam sobre o
bachabaze.
Muitos
afirmavam que ele só existe em áreas remotas.
Mas a
reportagem acompanhou uma festa noturna em uma área antiga de Cabul,
a menos de 500 metros do palácio de governo.
Lá, Zabi
(nome fictício), um homem de 40 anos, se disse orgulhoso de ter três
garotos dançarinos.
“Meu bacha
mais novo tem 15 anos, e o mais velho tem 18. Não foi fácil
encontrá-los. Mas se você fizer um esforço, pode encontrá-los”,
ele diz.
Zabi diz
que tem um bom emprego e que dá dinheiro a eles.
“Nós temos um círculo de amigos próximos que também
têm bachas. Às vezes nos encontramos e colocamos roupas de mulher e
sinos para dança nos nossos bachas e eles dançam para nós por duas ou
três horas. Isso é tudo”, afirma.
Ele diz que nunca dormiu com um dos garotos, mas
admite que os abracem e beija-os. Mesmo ao ser questionado se isso também não é
errado, ele diz:
“Algumas pessoas gostam de briga de cachorros, outros de briga
de galos. Todos têm seu hobby. O meu é bachabaze”.
Quando a
festa termina, às 2h da manhã,
um adolescente ainda está dançando e oferecendo drogas aos
homens à sua volta. Zabi não é especialmente rico ou poderoso, mas ainda
assim tem três bachas. Há muitas pessoas que apoiam essa tradição em
todo o Afeganistão, e muitas delas são influentes.
O
governo afegão não é capaz - e muitos dizem que também não tem interesse
- de combater o problema. O governo está enfrentando um movimento de
insurgentes, com a permanência de tropas estrangeiras no país. O sistema
judicial é fraco e a pobreza é generalizada. Milhares de crianças estão
nas ruas tentando ganhar dinheiro. O bachabaze não é prioridade.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/09/100908_afeganistao_danca_abuso_dg.shtml
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/09/09/meninos-sao-alvo-de-abuso-sexual-em-danca-tradicional-afega-917587931.asp
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