O JOVEM RICO

(Mt 19, 16- 22)

 

"16 Aí alguém se aproximou dele e disse: 'Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?' 17 Respondeu: 'Por que me perguntas sobre o que é bom? O Bom é um só. Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos'. 18 Ele perguntou-lhe: 'Quais?' Jesus respondeu: 'Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; 19 honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo'. 20 Disse-lhe então o moço. 'Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?' 21 Jesus lhe respondeu: 'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me'. 22 O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens".

 

 

Em Mt 19, 16 diz: "Aí alguém se aproximou dele e disse: 'Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?"

São Mateus especifica que era um jovem, e os três sinóticos afirmam que era rico.

Ele aproximou-se de Nosso Senhor e se ajoelhou: "... alguém correu e ajoelhou-se diante dele" (Mc 10, 17).

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal comenta: "Pelo modo de comportar-se parece uma pessoa sincera e espontânea e, ao mesmo tempo, um tanto inexperiente. Parece um homem com grandes inquietações espirituais e, também, pouco iniciado no conhecimento do mistério de Jesus.

Este jovem dá a Jesus o título singular de Bom Mestre. A sua estima é comovedora, o seu modo de falar denota uma boa educação, e não teme reconhecer, diante de toda a gente, uma pessoa mais importante que ele: 'Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?' É um judeu piedoso que sentiu a fascinação da pessoa de Jesus, em que vê a resposta às inquietações do seu coração".

Por mais rica, famosa e formosa que seja uma pessoa, a mesma precisa reconhecer a sua pequenez diante de Cristo Jesus, Deus Onipotente.

Não nos esqueçamos de que a verdadeira riqueza consiste em possuir a Nosso Senhor: "Quem só quer Deus, é rico de todos os bens" (Santo Afonso Maria de Ligório).

Como seria bom se os jovens de hoje se aproximassem de Jesus Sacramentado, e Lhe perguntassem com frequência e sinceridade: "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?"

Melhor ainda, se os mesmos passassem logo à prática, isto é, se esforçassem para salvar as suas almas imortais, principal dever de cada católico: "A obra de minha salvação é, por conseguinte, o meu primeiro dever, enquanto tudo o mais não passa de bagatela e loucura" (São Pedro Julião Eymard, A Divina Eucaristia, Vol. 3), e: "O negócio da eterna salvação é, sem dúvida, o mais importante, e, contudo, é aquele de que os cristãos mais se esquecem" (Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte, Consideração XII, Ponto I).

Em Mt 19, 17 diz: "Respondeu: 'Por que me perguntas "sobre o que é bom? O Bom é um só. Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos".

 "Por que me perguntas sobre o que é bom?"

Responde-lhe Jesus, que trata de levá-lo pela mão, passo a passo, à verdade plena. Ninguém é bom senão um, Deus: "O Senhor explica a causa profunda das suas palavras e não rejeita o louvor. Ele é bom, não como o é um homem virtuoso, mas por ser Deus, que é a própria bondade" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e:  "Jesus diz: 'Por que me interrogas sobre o que é bom? Um só é bom. Mas se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos' (Mt 19, 17). Na versão dos evangelistas Marcos e Lucas, a pergunta aparece assim formulada: 'Por que Me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus' (Mc 10, 18; cf. Lc 18, 19). A afirmação de que 'um só é bom' reconduz-nos assim à 'primeira tábua' dos mandamentos, que convida a reconhecer Deus como Senhor único e absoluto e só a Ele prestar culto, por causa da Sua santidade infinita (cf. Ex 20, 2-11). O bem consiste em pertencer a Deus, obedecer-Lhe, caminhar humildemente com Ele, praticando a justiça e amando a piedade (cf. Mq 6, 8). Reconhecer o Senhor como Deus é o núcleo fundamental, o coração da Lei, do qual derivam e para o qual se ordenam os preceitos particulares. É através da moral dos mandamentos que se manifesta a pertença do povo de Israel ao Senhor, porque só Deus é Aquele que é bom. Este é o testemunho da Sagrada Escritura, permeada, em cada uma das suas páginas, pela viva percepção da absoluta santidade de Deus: 'Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos' (Is 6, 3). Mas, se só Deus é o Bem, nenhum esforço humano, nem sequer a observância mais rigorosa dos mandamentos, consegue 'cumprir' a Lei, isto é, reconhecer o Senhor como Deus e prestar-Lhe a adoração que só a Ele é devida (cf. Mt 4, 10). O 'cumprimento' pode vir apenas de um dom de Deus: é a oferta de uma participação na Bondade divina que se revela e comunica em Jesus, Aquele a quem o jovem rico designa com os termos 'bom Mestre' (Mc 10, 17; Lc 18, 18). Aquilo que por agora o jovem talvez consegue somente intuir, ser-lhe-á no fim plenamente revelado pelo próprio Jesus no convite: 'Vem e segue-Me' (Mt 19, 21)" (João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 9 e 11), e: "Por que me chamas bom?' O que explica melhor o sentido das palavras de Jesus. - Se reconheces em mim uma qualidade que só pertence a Deus, por essência e natureza, confessa claramente a minha divindade. Só Deus é verdadeiramente bom; só ele pode comunicar aos homens esta qualidade" (Dom Duarte Leopoldo).

"Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos".

Dom Duarte Leopoldo comenta: "A fé, sem as obras é inútil para a salvação. Para entrar na vida, disse Jesus, é preciso observar os Mandamentos, isto é, evitar o mal e praticar as boas obras que eles nos prescrevem", e: "Por isso, depois do importante esclarecimento 'Um só é bom', Jesus responde ao jovem: 'Se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos" (Mt 19, 17). Deste modo, enuncia-se uma estreita relação entre a vida eterna e a obediência aos mandamentos de Deus: são estes que indicam ao homem o caminho da vida e a ela conduzem. Pela boca de Jesus, novo Moisés, são entregues novamente aos homens os mandamentos do Decálogo; Ele mesmo os confirma definitivamente e no-los propõe como caminho e condição de salvação. O mandamento está unido a uma promessa: o objeto da promessa, na Antiga Aliança, era a posse de uma terra onde o povo pudesse viver uma existência em liberdade e conforme à justiça (cf. Dt 6, 20-25); na Nova Aliança, o objeto da promessa é o 'reino dos céus', como Jesus afirma ao início do 'Discurso da Montanha' - discurso que contém a formulação mais ampla e completa da Nova Lei (cf. Mt 5-7) -, em conexão evidente com o Decálogo confiado por Deus a Moisés no monte Sinai. À realidade mesma do Reino se refere a expressão 'vida eterna', que é participação na própria vida de Deus: só depois da morte se realizará em toda a sua perfeição, mas, pela fé, ela já é agora luz de verdade, fonte de sentido para a vida, participação inicial da sua plenitude no seguimento de Cristo. De fato, Jesus diz aos discípulos, depois do encontro com o jovem rico: 'Todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos ou terras por causa do Meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna' (Mt 19, 29)" (João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 12).

Em Mt 19, 18-19 diz: Ele perguntou-lhe: 'Quais?' Jesus respondeu: 'Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo".

Jesus dirige agora a atenção do jovem para a Lei, mostrando a sua validade como norma de conduta que leva a Deus: "Antes de pregar-lhe a perfeição, Jesus ensina a este moço os elementos da virtude, enumerando os Mandamentos" (Dom Duarte Leopoldo), e: "A resposta de Jesus não basta ao jovem, que insiste interrogando o Mestre sobre os mandamentos a observar: 'Quais? - perguntou ele' (Mt 19, 18). Pede o que deve fazer na vida para pôr em evidência o reconhecimento da santidade de Deus. Depois de ter orientado o olhar do jovem para Deus, Jesus lembra-lhe os mandamentos do Decálogo que se referem ao próximo: 'Replicou Jesus: 'Não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe; e ainda, amarás o teu próximo como a ti mesmo' (Mt 19, 18-19). Pelo contexto do diálogo e especialmente pela comparação do texto de Mateus com as passagens paralelas de Marcos e de Lucas, vê-se que Jesus não pretende enumerar todos e cada um dos mandamentos necessários para 'entrar na vida', mas sobretudo, remeter o jovem para a 'centralidade' do Decálogo relativamente a qualquer outro preceito, como interpretação daquilo que significa para o homem 'Eu sou o Senhor, teu Deus'. De qualquer modo, não podem escapar à nossa atenção os mandamentos da Lei que o Senhor Jesus lembra ao jovem: são alguns que pertencem à designada 'segunda Tábua' do Decálogo, cujo resumo (cf. Rm 13, 8-10) e fundamento é o mandamento do amor ao próximo: 'Ama o teu próximo como a ti mesmo' (Mt 19, 19; cf. Mc 12, 31). Neste mandamento, exprime-se precisamente a singular dignidade da pessoa humana, que é 'a única criatura na terra a ser querida por Deus por si mesma'. De fato, os diversos mandamentos do Decálogo não são mais do que a refração do único mandamento referente ao bem da pessoa, ao nível dos múltiplos bens que revelam a sua identidade de ser espiritual e corpóreo, em relação com Deus, com o próximo e com o mundo das coisas. Como lemos no Catecismo da Igreja Católica, 'os Dez Mandamentos fazem parte da revelação de Deus. Mas, ao mesmo tempo, ensinam-nos a verdadeira humanidade do homem. Põem em relevo os deveres essenciais e, por conseguinte, indiretamente, os direitos fundamentais inerentes à natureza da pessoa humana'. Os mandamentos, lembrados por Jesus ao jovem interlocutor, destinam-se a tutelar o bem da pessoa, imagem de Deus, mediante a proteção dos seus bens. 'Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho' são normas morais formuladas em termos de proibição. Os preceitos negativos exprimem, com uma força particular, a exigência irreprimível de proteger a vida humana, a comunhão das pessoas no matrimônio, a propriedade privada, a veracidade e a boa fama. Os mandamentos representam, portanto, a condição básica para o amor ao próximo; e são, ao mesmo tempo, a sua confirmação. Constitui a primeira etapa necessária no caminho para a liberdade, o seu início: 'A primeira liberdade - escreve S. Agostinho - consiste em estar isento de crimes (...) como são o homicídio, o adultério, a fornicação, o furto, a fraude, o sacrilégio e assim por diante. Quando alguém principia a não ter estes crimes (e nenhum cristão os deve ter), começa a levantar a cabeça para a liberdade, mas isto é apenas o início da liberdade, não a liberdade perfeita..." (João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 13).

Em Mt 19, 20 diz: "Disse-lhe então o moço. 'Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?"

O jovem não está satisfeito nem contente com o que tem nem com o bem que já pratica. Diante da pessoa de Jesus dá-se conta de que ainda lhe falta muito.

Como seria bom se cada católico não contentasse com o bem praticado, mas se esforçasse para praticá-lo sempre mais: "... que o santo continue a santificar-se" (Ap 22, 11).

Nunca devemos dizer basta, mas precisamos progredir continuamente no caminho da perfeição, isto é, precisamos estar sempre com o coração aberto para Deus.

Em Mt 19, 21 diz: "Jesus lhe respondeu: 'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me".

Deus quer que sejamos perfeitos. Os que insistem na mediocridade, covardia e preguiça, não servem para seguir a Cristo Jesus: "É Deus que te fala. É por este caminho que Ele tenciona levar-te ao céu. É a este estado de vida que Ele tem vinculado as muitas graças, com que te quer auxiliar e facilitar a tua salvação. Não fujas ao teu chamamento, dizendo que também no mundo te podes salvar" (Pe. Alexandrino Monteiro), e: "A resposta sobre os mandamentos não satisfaz o jovem, que pergunta a Jesus: 'Tenho cumprido tudo isto; que me falta ainda?' (Mt 19, 20). Não é fácil dizer em sã consciência: 'tenho cumprido tudo isto', quando se começa a compreender o alcance efetivo das exigências contidas na Lei de Deus. E, contudo, mesmo sendo-lhe possível dar semelhante resposta, mesmo tendo seguido o ideal moral com seriedade e generosidade desde a sua infância, o jovem rico sabe que está ainda longe da meta: diante da pessoa de Jesus, percebe que ainda lhe falta alguma coisa. É à consciência desta insuficiência que se dirige Jesus, na Sua última resposta: aproveitando a nostalgia de uma plenitude que supere a interpretação legalista dos mandamentos, o bom Mestre convida o jovem a tomar a estrada da perfeição: 'Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-Me' (Mt 19, 21). Tal como já sucedeu na passagem precedente da resposta de Jesus, também esta deve ser lida e interpretada no contexto de toda a mensagem moral do Evangelho e, especialmente, no contexto do Discurso da Montanha, das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12), a primeira das quais é precisamente a bem-aventurança dos pobres, dos 'pobres em espírito', como esclarece São Mateus (Mt 5, 3), ou seja, dos humildes. Neste sentido, pode-se dizer que também as bem-aventuranças entram no espaço aberto pela resposta de Jesus à pergunta do jovem: 'Que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?'. De fato, cada bem-aventurança promete, desde uma particular perspectiva, precisamente aquele 'bem' que abre o homem à vida eterna, mais, que é a própria vida eterna. As bem-aventuranças não têm propriamente por objeto normas particulares de comportamento, mas falam de atitudes e disposições de fundo da existência e, portanto, não coincidem exatamente com os mandamentos. Por outro lado, não há separação ou oposição entre as bem-aventuranças e os mandamentos: ambos se referem ao bem, à vida eterna. O Discurso da Montanha começa pelo anúncio das bem-aventuranças, mas contém também a referência aos mandamentos (cf. Mt 5, 20-48). Ao mesmo tempo, esse Discurso mostra a abertura e a orientação dos mandamentos para a perspectiva da perfeição, própria das bem-aventuranças. Estas são, antes de tudo, promessas, das quais de modo indireto derivam também indicações normativas para a vida moral. Na sua profundidade original, são uma espécie de auto-retrato de Cristo e, precisamente por isso, constituem convites ao Seu seguimento e à comunhão de vida com Ele. Não sabemos até que ponto o jovem do Evangelho tenha compreendido o conteúdo profundo e exigente da primeira resposta dada por Jesus: 'Se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos'; certo é, porém, que o compromisso professado pelo jovem a respeito de todas as exigências morais dos mandamentos, constitui o terreno indispensável onde poderá germinar e amadurecer o desejo da perfeição, ou seja, da realização do seu sentido mais amplo no seguimento de Cristo. O diálogo de Jesus com o jovem ajuda-nos a identificar as condições necessárias para o crescimento moral do homem chamado à perfeição: o jovem, que observou todos os mandamentos, mostra-se incapaz de, unicamente com as suas forças, dar o passo seguinte. Para o conseguir, são precisos uma liberdade humana amadurecida: 'Se queres', e o dom divino da graça: 'Vem, e segue-Me'. A perfeição exige aquela maturidade no dom de si, a que é chamada a liberdade do homem. Jesus indica ao jovem os mandamentos como a primeira condição imprescindível para obter a vida eterna; o abandono de tudo quanto o jovem possui e o seguimento do Senhor assume, pelo contrário, o caráter de uma proposta: 'Se queres...'. A palavra de Jesus revela a dinâmica particular do crescimento da liberdade em direção à sua maturidade e, ao mesmo tempo, comprova a relação fundamental da liberdade com a lei divina. A liberdade do homem e a lei de Deus não se opõem, pelo contrário, reclamam-se mutuamente. O discípulo de Cristo sabe que a sua é uma vocação para a liberdade. 'Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade' (Gl 5, 13), proclama com alegria e orgulho o apóstolo Paulo. Mas logo precisa: 'Não tomeis, porém, a liberdade como pretexto para servir a carne. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade' (idem.). A firmeza com que o Apóstolo se opõe a quem confia a própria justificação à Lei, nada tem a ver com a 'libertação' do homem dos preceitos, os quais, pelo contrário, estão ao serviço da prática do amor: 'Pois quem ama o próximo cumpre a Lei. Com efeito, o preceito: Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e qualquer um dos outros mandamentos resumem-se nestas palavras: Amarás o próximo como a ti mesmo' (Rm 13, 8-9). O mesmo Santo Agostinho, depois de ter falado da observância dos mandamentos como sendo a primeira e imperfeita liberdade, assim continua: 'Não é ainda perfeita, por quê? - perguntará alguém. Porque 'sinto nos meus membros uma outra lei em conflito com a lei da minha razão' (...) Liberdade parcial, parcial escravidão: a liberdade ainda não é completa, não é ainda pura, não é ainda plena, porque ainda não estamos na eternidade. Conservamos, em parte, a fraqueza, e, em parte, alcançamos já a liberdade. Todos os nossos pecados foram destruídos no batismo, mas porventura desapareceu a fraqueza, depois de ter sido destruída a iniquidade? Se aquela tivesse desaparecido, viver-se-ia na terra sem pecado. Quem ousará afirmar isto a não ser o soberbo ou quem é indigno da misericórdia do libertador? (...) Ora, uma vez que ficou em nós alguma fraqueza, ouso dizer que, na medida em que servimos a Deus somos livres, mas somos escravos na medida em que seguimos a lei do pecado'.  Quem vive 'segundo a carne' sente a lei de Deus como um peso, mais, como uma negação ou, pelo menos, uma restrição da própria liberdade. Ao contrário, quem é animado pelo amor e 'caminha segundo o Espírito' (Gl 5, 16) e deseja servir os outros, encontra na lei de Deus o caminho fundamental e necessário para praticar o amor, livremente escolhido e vivido. Mais ainda, ele percebe a urgência interior - uma verdadeira e própria 'necessidade', e não já uma imposição - de não se deter nas exigências mínimas da lei, mas de vivê-las em toda a sua 'plenitude'. É um caminho ainda incerto e frágil, enquanto estivermos na terra, mas tornado possível pela graça que nos outorga a posse da plena liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 21) e, portanto, de responder na vida moral à sublime vocação de ser 'filhos no Filho'. Esta vocação ao amor perfeito não está reservada só para um círculo de pessoas. O convite 'vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres' com a promessa 'terás um tesouro no céu', dirige-se a todos, porque é uma radicalização do mandamento do amor ao próximo, assim como o convite posterior 'vem e segue-Me' é a nova forma concreta do mandamento do amor de Deus. Os mandamentos e o convite de Jesus ao jovem rico estão ao serviço de uma única e indivisível caridade, que espontaneamente tende à perfeição, cuja medida é só Deus: 'Sede, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste' (Mt 5, 48). No Evangelho de São Lucas, Jesus precisa ainda mais o sentido desta perfeição: 'Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso' (Lc 6, 36)" (João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 16 a 18).

 "Depois, vem e segue-me".

O Papa João Paulo II comenta: "O caminho e, simultaneamente, o conteúdo desta perfeição consiste na sequela Christi, no seguir Jesus, depois de ter renunciado aos próprios bens e a si mesmo. Esta é precisamente a conclusão do diálogo de Jesus com o jovem: 'Depois, vem e segue-Me' (Mt 19, 21). É um convite, cuja maravilhosa profundidade será plenamente compreendida pelos discípulos só depois da ressurreição de Cristo, quando o Espírito Santo os guiar para a verdade total (cf. Jo 16, 13).

É o próprio Jesus que toma a iniciativa, chamando para O seguir. O apelo é feito, antes de mais, àqueles a quem Ele confia uma missão particular, a começar pelos Doze; mas vê-se claramente também que ser discípulo de Cristo é a condição de todo o crente (cf. At 6, 1). Por isso, seguir Cristo é o fundamento essencial e original da moral cristã: como o povo de Israel seguia Deus que o conduzia no deserto rumo à Terra Prometida (cf. Ex 13, 21), assim o discípulo deve seguir Jesus, para o Qual é atraído pelo próprio Pai (cf. Jo 6, 44).

Aqui não se trata apenas de dispor-se a ouvir um ensinamento e de acolher na obediência um mandamento. Trata-se, mais radicalmente, de aderir à própria pessoa de Cristo, de compartilhar a sua vida e o seu destino, de participar da sua obediência livre e amorosa à vontade do Pai. Seguindo, mediante a resposta da fé, Aquele que é a Sabedoria encarnada, o discípulo de Jesus torna-se verdadeiramente discípulo de Deus (cf. Jo 6, 45). De fato, Jesus é a luz do mundo, a luz da vida (cf. Jo 8, 12); é o pastor que guia e alimenta as ovelhas (cf. Jo 10, 11-16), é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6), é Aquele que conduz ao Pai, ao ponto que vê-Lo a Ele, o Filho, é ver o Pai (cf. Jo 14, 6-10). Portanto, imitar o Filho, 'a imagem do Deus invisível' (Cl 1, 15), significa imitar o Pai. Jesus pede para O seguir e imitar pelo caminho do amor, de um amor que se dá totalmente aos irmãos por amor de Deus: 'O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei' (Jo 15, 12). Este 'como' exige a imitação de Jesus, do seu amor, de que o lava-pés é sinal: 'Se eu vos lavei os pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também' (Jo 13, 14-15). O comportamento de Jesus e a Sua palavra, as Suas ações e os Seus preceitos constituem a regra moral da vida cristã. De fato, estas suas ações e, particularmente, a sua paixão e morte na cruz são a revelação viva do Seu amor pelo Pai e pelos homens. É precisamente este amor que Jesus pede seja imitado por quantos O seguem. Este é o mandamento 'novo': 'Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros. É por isto que todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros' (Jo 13, 34-35). Este 'como' indica também a medida com que Jesus amou, e com a qual os seus discípulos se devem amar entre si. Depois de ter dito: 'O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei' (Jo 15, 12), Jesus prossegue com as palavras que indicam o dom sacrifical da sua vida na cruz, como testemunho de um amor 'até ao fim' (Jo 13, 1): 'Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos' (Jo 15, 13). Ao chamar o jovem para O seguir pelo caminho da perfeição, Jesus pede-lhe para ser perfeito no mandamento do amor, no 'Seu' mandamento: para inserir-se no movimento da Sua doação total, para imitar e reviver o próprio amor do Mestre 'bom', d'Aquele que amou 'até ao fim'. É o que Jesus pede a cada homem que quer segui-lO: 'Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me' (Mt 16, 24). Seguir Cristo não é uma imitação exterior, já que atinge o homem na sua profunda interioridade. Ser discípulo de Jesus significa tornar-se conforme a Ele, que Se fez servo até ao dom de Si sobre a cruz (cf. Fl 2, 5-8). Pela fé, Cristo habita no coração do crente (cf. Ef 3, 17), e assim o discípulo é assimilado ao seu Senhor e configurado com Ele. Isto é fruto da graça, da presença operante do Espírito Santo em nós. Inserido em Cristo, o cristão torna-se membro do Seu Corpo, que é a Igreja (cf. 1 Cor 12, 13.27). Sob o influxo do Espírito, o Batismo configura radicalmente o fiel a Cristo no mistério pascal da morte e ressurreição, 'reveste-o' de Cristo (cf. Gl 3, 27): 'Alegremo-nos e agradeçamos - exclama Santo Agostinho dirigindo-se aos batizados - tornamo-nos não apenas cristãos, mas Cristo (...). Maravilhai-vos e regozijai: tornamo-nos Cristo!'. Morto para o pecado, o batizado recebe a vida nova (cf. Rm 6, 3-11): vivendo para Deus em Jesus Cristo, é chamado a caminhar segundo o Espírito e a manifestar na vida os seus frutos (cf. Gl 5, 16-25). Depois a participação na Eucaristia, sacramento da Nova Aliança (cf. 1 Cor 11, 23-29), é o ápice da assimilação a Cristo, fonte de 'vida eterna' (cf. Jo 6, 51-58), princípio e força do dom total de si mesmo, que Jesus - segundo o testemunho transmitido por São Paulo - manda rememorar na celebração e na vida: 'Sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha' (1 Cor 11, 26)" (Encíclica "Veritatis splendor", 19 a 21).

Em Mt 19, 22 diz: "O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens".

O moço foi obediente à sua vocação? Não: "Antes se retirou triste e pesaroso, porque tinha apego à sua grande fortuna. Pensam muitos intérpretes que, não obstante as suas boas disposições, este moço não pôde salvar-se, por não ter obedecido à voz do Divino Mestre. Se é um perigo, e dos mais funestos, ordenar-se alguém sem vocação ou por motivos inteiramente humanos, é também comprometer a vida eterna não seguir a vocação que recebemos de Deus. Todos podemos salvar-nos, é certo; mas cada um no estado a que fomos chamados - o padre como padre e só sendo padre, o soldado sendo soldado, cada um, enfim, obedecendo à sua vocação" (Dom Duarte Leopoldo).

Infeliz daquele que tapa os ouvidos à voz de Nosso Senhor; esse, com o coração cheio de tristeza perambula de um lado a outro: "Foi-se cheio de tristeza, porque a alegria só é possível quando há generosidade e desprendimento, quando há essa disponibilidade absoluta diante do querer de Deus que se manifesta em momentos bem precisos da nossa vida e, depois, na fidelidade ao longo dos dias e dos anos. Digamos hoje ao senhor que nos ajude com a sua graça para que, a cada momento, possa contar efetivamente conosco para o que queira: livres de objeções e de laços que nos prendam: 'Senhor, não tenho outro fim na vida a não ser buscar-vos, amar-vos e servir-vos... Todos os outros objetivos da minha vida se orientam para isso. Não quero nada que me separe de Vós" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e: "A tristeza deste jovem leva-nos a refletir. Podemos ser tentados a pensar que possuir muitas coisas, muitos bens deste mundo, pode fazer-nos felizes. Vemos, no entanto, no caso do jovem do Evangelho, que as riquezas se tornaram um obstáculo para aceitar a chamada de Jesus que o convidava a segui-lo. Não estava disposto a dizer 'sim' a Jesus e 'não' a si mesmo, a dizer 'sim' ao amor e 'não' à fuga! O amor verdadeiro é exigente (...). Porque foi Jesus - o próprio Jesus - quem disse: Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando (Jo 15, 14). O amor exige esforço e compromisso pessoal para cumprir a vontade de Deus. Significa sacrifício e disciplina, mas significa também alegria e realização humana (...). Com a ajuda de Cristo e através da oração, podereis corresponder à sua chamada (...). Abri os vossos corações a este Cristo do Evangelho, ao seu amor, à sua verdade, à sua alegria. Não vos vades embora tristes!" (João Paulo II, Homilia no Boston Common, 1-10-1979).

O Jovem do Evangelho se afastou tristemente de Cristo Jesus, Fonte da verdadeira Alegria, para buscar a felicidade nos bens passageiros desta vida. Quanta ilusão!

Infeliz daquele que diz não ao Senhor do universo, que tapa os ouvidos ao seu convite, que franze a testa perante a Sua lei e que olha com indiferença para Aquele único Senhor que lhes pode dar a verdadeira alegria; esses viverão em contínua frustração: "Seguir Cristo de perto é o nosso ideal supremo; não queremos retirar-nos da sua presença como aquele jovem, com a alma impregnada de profunda tristeza por não termos sabido desprender-nos de uns bens de pouco valor, em comparação com a imensa riqueza de Jesus" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal).

Em Cristo Jesus encontramos a verdadeira alegria; então, com o coração cheio de generosidade sigamos os Seus passos sem olharmos para trás e para os lados.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 20 de julho de 2007

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "O jovem rico"

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