O JOVEM RICO
(Mt 19,
16- 22)
"16
Aí alguém se aproximou dele e disse: 'Mestre, que farei de bom para
ter a vida eterna?'
17 Respondeu: 'Por que
me perguntas sobre o que é bom? O Bom é um só. Mas se queres entrar
para a Vida, guarda os mandamentos'.
18
Ele perguntou-lhe: 'Quais?' Jesus respondeu: 'Estes: Não matarás, não
adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho;
19
honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo'.
20
Disse-lhe então o moço. 'Tudo
isso tenho guardado. Que me falta ainda?'
21
Jesus lhe respondeu: 'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens
e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me'.
22 O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era
possuidor de muitos bens".
Em Mt
19, 16 diz: "Aí alguém
se aproximou dele e disse: 'Mestre, que farei de bom para ter a vida
eterna?"
São
Mateus especifica que era um jovem, e os três sinóticos afirmam que
era rico.
Ele
aproximou-se de Nosso Senhor e se ajoelhou:
"... alguém correu e ajoelhou-se diante dele"
(Mc 10, 17).
O Pe.
Francisco Fernández-Carvajal comenta:
"Pelo modo de comportar-se
parece uma pessoa sincera e espontânea e, ao mesmo tempo, um tanto
inexperiente. Parece um homem com grandes inquietações espirituais e,
também, pouco iniciado no conhecimento do mistério de Jesus.
Este jovem
dá a Jesus o título singular de Bom Mestre. A sua estima é comovedora,
o seu modo de falar denota uma boa educação, e não teme reconhecer,
diante de toda a gente, uma pessoa mais importante que ele: 'Mestre,
que farei de bom para ter a vida eterna?' É um judeu piedoso que
sentiu a fascinação da pessoa de Jesus, em que vê a resposta às
inquietações do seu coração".
Por
mais rica, famosa e formosa que seja uma pessoa, a mesma precisa
reconhecer a sua pequenez diante de Cristo Jesus, Deus Onipotente.
Não
nos esqueçamos de que a verdadeira riqueza consiste em possuir a Nosso
Senhor: "Quem só quer
Deus, é rico de todos os bens"
(Santo Afonso Maria de Ligório).
Como
seria bom se os jovens de hoje se aproximassem de Jesus Sacramentado,
e Lhe perguntassem com frequência e sinceridade:
"Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?"
Melhor ainda, se os mesmos passassem logo à prática, isto é, se
esforçassem para salvar as suas almas imortais, principal dever de
cada católico: "A obra
de minha salvação é, por conseguinte, o meu primeiro dever, enquanto
tudo o mais não passa de bagatela e loucura"
(São Pedro Julião Eymard, A
Divina Eucaristia, Vol. 3), e: "O negócio da
eterna salvação é, sem dúvida, o mais importante, e, contudo, é aquele
de que os cristãos mais se esquecem"
(Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte,
Consideração XII, Ponto I).
Em Mt
19, 17 diz:
"Respondeu: 'Por que me perguntas "sobre o que é bom? O Bom é um só.
Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos".
"Por
que me perguntas sobre o que é bom?"
Responde-lhe Jesus, que trata de levá-lo pela mão, passo a passo, à
verdade plena. Ninguém é bom senão um, Deus:
"O Senhor explica a causa
profunda das suas palavras e não rejeita o louvor. Ele é bom, não como
o é um homem virtuoso, mas por ser Deus, que é a própria bondade"
(Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e:
"Jesus diz: 'Por que me
interrogas sobre o que é bom? Um só é bom. Mas se queres entrar na
vida eterna, cumpre os mandamentos' (Mt 19, 17). Na versão dos
evangelistas Marcos e Lucas, a pergunta aparece assim formulada: 'Por
que Me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus' (Mc 10, 18; cf. Lc
18, 19). A afirmação de que 'um só é bom' reconduz-nos assim à
'primeira tábua' dos mandamentos, que convida a reconhecer Deus como
Senhor único e absoluto e só a Ele prestar culto, por causa da Sua
santidade infinita (cf. Ex 20, 2-11). O bem consiste em
pertencer a Deus, obedecer-Lhe, caminhar humildemente com Ele,
praticando a justiça e amando a piedade (cf. Mq 6, 8).
Reconhecer o Senhor como Deus é o núcleo fundamental, o coração da
Lei, do qual derivam e para o qual se ordenam os preceitos
particulares. É através da moral dos mandamentos que se manifesta a
pertença do povo de Israel ao Senhor, porque só Deus é Aquele que é
bom. Este é o testemunho da Sagrada Escritura, permeada, em cada uma
das suas páginas, pela viva percepção da absoluta santidade de Deus:
'Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos' (Is 6, 3). Mas,
se só Deus é o Bem, nenhum esforço humano, nem sequer a observância
mais rigorosa dos mandamentos, consegue 'cumprir' a Lei, isto é,
reconhecer o Senhor como Deus e prestar-Lhe a adoração que só a Ele é
devida (cf. Mt 4, 10). O 'cumprimento' pode vir apenas de um
dom de Deus: é a oferta de uma participação na Bondade divina que
se revela e comunica em Jesus, Aquele a quem o jovem rico designa com
os termos 'bom Mestre' (Mc 10, 17; Lc 18, 18). Aquilo que por
agora o jovem talvez consegue somente intuir, ser-lhe-á no fim
plenamente revelado pelo próprio Jesus no convite: 'Vem e segue-Me' (Mt
19, 21)"
(João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 9 e 11),
e:
"Por que me chamas bom?' O
que explica melhor o sentido das palavras de Jesus. - Se reconheces em
mim uma qualidade que só pertence a Deus, por essência e natureza,
confessa claramente a minha divindade. Só Deus é verdadeiramente bom;
só ele pode comunicar aos homens esta qualidade"
(Dom Duarte Leopoldo).
"Mas se
queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos".
Dom
Duarte Leopoldo comenta:
"A fé, sem as obras é inútil
para a salvação. Para entrar na vida, disse Jesus, é preciso observar
os Mandamentos, isto é, evitar o mal e praticar as boas obras que eles
nos prescrevem", e:
"Por isso, depois do
importante esclarecimento 'Um só é bom', Jesus responde ao jovem: 'Se
queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos" (Mt 19, 17).
Deste modo, enuncia-se uma estreita relação entre a vida eterna e a
obediência aos mandamentos de Deus: são estes que indicam ao homem
o caminho da vida e a ela conduzem. Pela boca de Jesus, novo Moisés,
são entregues novamente aos homens os mandamentos do Decálogo; Ele
mesmo os confirma definitivamente e no-los propõe como caminho e
condição de salvação. O mandamento está unido a uma promessa: o
objeto da promessa, na Antiga Aliança, era a posse de uma terra onde o
povo pudesse viver uma existência em liberdade e conforme à justiça
(cf. Dt 6, 20-25); na Nova Aliança, o objeto da promessa é o
'reino dos céus', como Jesus afirma ao início do 'Discurso da
Montanha' - discurso que contém a formulação mais ampla e completa da
Nova Lei (cf. Mt 5-7) -, em conexão evidente com o Decálogo confiado
por Deus a Moisés no monte Sinai. À realidade mesma do Reino se refere
a expressão 'vida eterna', que é participação na própria vida de Deus:
só depois da morte se realizará em toda a sua perfeição, mas, pela fé,
ela já é agora luz de verdade, fonte de sentido para a vida,
participação inicial da sua plenitude no seguimento de Cristo. De
fato, Jesus diz aos discípulos, depois do encontro com o jovem rico:
'Todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher,
filhos ou terras por causa do Meu nome, receberá cem vezes mais e terá
por herança a vida eterna' (Mt 19, 29)"
(João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 12).
Em Mt
19, 18-19 diz: Ele
perguntou-lhe: 'Quais?' Jesus respondeu: 'Estes: Não matarás, não
adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai
e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo".
Jesus
dirige agora a atenção do jovem para a Lei, mostrando a sua validade
como norma de conduta que leva a Deus:
"Antes de pregar-lhe a
perfeição, Jesus ensina a este moço os elementos da virtude,
enumerando os Mandamentos"
(Dom Duarte Leopoldo),
e: "A resposta de
Jesus não basta ao jovem, que insiste interrogando o Mestre sobre os
mandamentos a observar: 'Quais? - perguntou ele' (Mt 19, 18). Pede o
que deve fazer na vida para pôr em evidência o reconhecimento da
santidade de Deus. Depois de ter orientado o olhar do jovem para Deus,
Jesus lembra-lhe os mandamentos do Decálogo que se referem ao próximo:
'Replicou Jesus: 'Não matarás; não cometerás adultério; não roubarás;
não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe; e ainda,
amarás o teu próximo como a ti mesmo' (Mt 19, 18-19). Pelo contexto do
diálogo e especialmente pela comparação do texto de Mateus com as
passagens paralelas de Marcos e de Lucas, vê-se que Jesus não pretende
enumerar todos e cada um dos mandamentos necessários para 'entrar na
vida', mas sobretudo, remeter o jovem para a 'centralidade' do
Decálogo relativamente a qualquer outro preceito, como
interpretação daquilo que significa para o homem 'Eu sou o Senhor, teu
Deus'. De qualquer modo, não podem escapar à nossa atenção os
mandamentos da Lei que o Senhor Jesus lembra ao jovem: são alguns que
pertencem à designada 'segunda Tábua' do Decálogo, cujo resumo (cf. Rm
13, 8-10) e fundamento é o mandamento do amor ao próximo: 'Ama
o teu próximo como a ti mesmo' (Mt 19, 19; cf. Mc 12, 31). Neste
mandamento, exprime-se precisamente a singular dignidade da pessoa
humana, que é 'a única criatura na terra a ser querida por Deus
por si mesma'. De fato, os diversos mandamentos do Decálogo não são
mais do que a refração do único mandamento referente ao bem da pessoa,
ao nível dos múltiplos bens que revelam a sua identidade de ser
espiritual e corpóreo, em relação com Deus, com o próximo e com o
mundo das coisas. Como lemos no Catecismo da Igreja Católica,
'os Dez Mandamentos fazem parte da revelação de Deus. Mas, ao mesmo
tempo, ensinam-nos a verdadeira humanidade do homem. Põem em relevo os
deveres essenciais e, por conseguinte, indiretamente, os direitos
fundamentais inerentes à natureza da pessoa humana'. Os mandamentos,
lembrados por Jesus ao jovem interlocutor, destinam-se a tutelar o
bem da pessoa, imagem de Deus, mediante a proteção dos seus
bens. 'Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não
levantarás falso testemunho' são normas morais formuladas em termos de
proibição. Os preceitos negativos exprimem, com uma força particular,
a exigência irreprimível de proteger a vida humana, a comunhão das
pessoas no matrimônio, a propriedade privada, a veracidade e a boa
fama. Os mandamentos representam, portanto, a condição básica para o
amor ao próximo; e são, ao mesmo tempo, a sua confirmação. Constitui a
primeira etapa necessária no caminho para a liberdade, o seu
início: 'A primeira liberdade - escreve S. Agostinho - consiste em
estar isento de crimes (...) como são o homicídio, o adultério, a
fornicação, o furto, a fraude, o sacrilégio e assim por diante. Quando
alguém principia a não ter estes crimes (e nenhum cristão os deve
ter), começa a levantar a cabeça para a liberdade, mas isto é apenas o
início da liberdade, não a liberdade perfeita..."
(João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 13).
Em Mt
19, 20 diz: "Disse-lhe
então o moço. 'Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?"
O
jovem não está satisfeito nem contente com o que tem nem com o bem que
já pratica. Diante da pessoa de Jesus dá-se conta de que ainda lhe
falta muito.
Como
seria bom se cada católico não contentasse com o bem praticado, mas se
esforçasse para praticá-lo sempre mais:
"... que o santo continue a santificar-se"
(Ap 22, 11).
Nunca
devemos dizer basta, mas precisamos progredir continuamente no caminho
da perfeição, isto é, precisamos estar sempre com o coração aberto
para Deus.
Em Mt
19, 21 diz: "Jesus lhe
respondeu: 'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos
pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me".
Deus
quer que sejamos perfeitos. Os que insistem na mediocridade, covardia
e preguiça, não servem para seguir a Cristo Jesus:
"É Deus que te fala. É por
este caminho que Ele tenciona levar-te ao céu. É a este estado de vida
que Ele tem vinculado as muitas graças, com que te quer auxiliar e
facilitar a tua salvação. Não fujas ao teu chamamento, dizendo que
também no mundo te podes salvar"
(Pe. Alexandrino Monteiro),
e: "A resposta sobre
os mandamentos não satisfaz o jovem, que pergunta a Jesus: 'Tenho
cumprido tudo isto; que me falta ainda?' (Mt 19, 20). Não é
fácil dizer em sã consciência: 'tenho cumprido tudo isto', quando se
começa a compreender o alcance efetivo das exigências contidas na Lei
de Deus. E, contudo, mesmo sendo-lhe possível dar semelhante resposta,
mesmo tendo seguido o ideal moral com seriedade e generosidade desde a
sua infância, o jovem rico sabe que está ainda longe da meta: diante
da pessoa de Jesus, percebe que ainda lhe falta alguma coisa. É à
consciência desta insuficiência que se dirige Jesus, na Sua última
resposta: aproveitando a nostalgia de uma plenitude que supere a
interpretação legalista dos mandamentos, o bom Mestre convida o
jovem a tomar a estrada da perfeição: 'Se queres ser perfeito,
vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um
tesouro nos céus; depois, vem e segue-Me' (Mt 19, 21). Tal como já
sucedeu na passagem precedente da resposta de Jesus, também esta deve
ser lida e interpretada no contexto de toda a mensagem moral do
Evangelho e, especialmente, no contexto do Discurso da Montanha, das
bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12), a primeira das quais é precisamente
a bem-aventurança dos pobres, dos 'pobres em espírito', como esclarece
São Mateus (Mt 5, 3), ou seja, dos humildes. Neste sentido, pode-se
dizer que também as bem-aventuranças entram no espaço aberto pela
resposta de Jesus à pergunta do jovem: 'Que devo fazer de bom para
alcançar a vida eterna?'. De fato, cada bem-aventurança promete, desde
uma particular perspectiva, precisamente aquele 'bem' que abre o homem
à vida eterna, mais, que é a própria vida eterna. As
bem-aventuranças não têm propriamente por objeto normas
particulares de comportamento, mas falam de atitudes e disposições de
fundo da existência e, portanto, não coincidem exatamente com os
mandamentos. Por outro lado, não há separação ou oposição
entre as bem-aventuranças e os mandamentos: ambos se referem ao bem, à
vida eterna. O Discurso da Montanha começa pelo anúncio das
bem-aventuranças, mas contém também a referência aos mandamentos (cf.
Mt 5, 20-48). Ao mesmo tempo, esse Discurso mostra a abertura e a
orientação dos mandamentos para a perspectiva da perfeição, própria
das bem-aventuranças. Estas são, antes de tudo, promessas, das
quais de modo indireto derivam também indicações normativas
para a vida moral. Na sua profundidade original, são uma espécie de
auto-retrato de Cristo e, precisamente por isso, constituem
convites ao Seu seguimento e à comunhão de vida com Ele. Não
sabemos até que ponto o jovem do Evangelho tenha compreendido o
conteúdo profundo e exigente da primeira resposta dada por Jesus: 'Se
queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos'; certo é, porém,
que o compromisso professado pelo jovem a respeito de todas as
exigências morais dos mandamentos, constitui o terreno indispensável
onde poderá germinar e amadurecer o desejo da perfeição, ou seja, da
realização do seu sentido mais amplo no seguimento de Cristo. O
diálogo de Jesus com o jovem ajuda-nos a identificar as condições
necessárias para o crescimento moral do homem chamado à perfeição:
o jovem, que observou todos os mandamentos, mostra-se incapaz de,
unicamente com as suas forças, dar o passo seguinte. Para o conseguir,
são precisos uma liberdade humana amadurecida: 'Se queres', e o dom
divino da graça: 'Vem, e segue-Me'. A perfeição exige aquela
maturidade no dom de si, a que é chamada a liberdade do homem.
Jesus indica ao jovem os mandamentos como a primeira condição
imprescindível para obter a vida eterna; o abandono de tudo quanto o
jovem possui e o seguimento do Senhor assume, pelo contrário, o
caráter de uma proposta: 'Se queres...'. A palavra de Jesus
revela a dinâmica particular do crescimento da liberdade em direção à
sua maturidade e, ao mesmo tempo, comprova a relação fundamental da
liberdade com a lei divina. A liberdade do homem e a lei de Deus
não se opõem, pelo contrário, reclamam-se mutuamente. O discípulo de
Cristo sabe que a sua é uma vocação para a liberdade. 'Vós, irmãos,
fostes chamados à liberdade' (Gl 5, 13), proclama com alegria e
orgulho o apóstolo Paulo. Mas logo precisa: 'Não tomeis, porém, a
liberdade como pretexto para servir a carne. Pelo contrário, fazei-vos
servos uns dos outros pela caridade' (idem.). A firmeza com que
o Apóstolo se opõe a quem confia a própria justificação à Lei, nada
tem a ver com a 'libertação' do homem dos preceitos, os quais, pelo
contrário, estão ao serviço da prática do amor: 'Pois quem ama o
próximo cumpre a Lei. Com efeito, o preceito: Não cometerás
adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e qualquer um
dos outros mandamentos resumem-se nestas palavras: Amarás o próximo
como a ti mesmo' (Rm 13, 8-9). O mesmo Santo Agostinho, depois de
ter falado da observância dos mandamentos como sendo a primeira e
imperfeita liberdade, assim continua: 'Não é ainda perfeita, por quê?
- perguntará alguém. Porque 'sinto nos meus membros uma outra lei em
conflito com a lei da minha razão' (...) Liberdade parcial, parcial
escravidão: a liberdade ainda não é completa, não é ainda pura, não é
ainda plena, porque ainda não estamos na eternidade. Conservamos, em
parte, a fraqueza, e, em parte, alcançamos já a liberdade. Todos os
nossos pecados foram destruídos no batismo, mas porventura desapareceu
a fraqueza, depois de ter sido destruída a iniquidade? Se aquela
tivesse desaparecido, viver-se-ia na terra sem pecado. Quem ousará
afirmar isto a não ser o soberbo ou quem é indigno da misericórdia do
libertador? (...) Ora, uma vez que ficou em nós alguma fraqueza, ouso
dizer que, na medida em que servimos a Deus somos livres, mas somos
escravos na medida em que seguimos a lei do pecado'. Quem vive
'segundo a carne' sente a lei de Deus como um peso, mais, como uma
negação ou, pelo menos, uma restrição da própria liberdade. Ao
contrário, quem é animado pelo amor e 'caminha segundo o Espírito' (Gl
5, 16) e deseja servir os outros, encontra na lei de Deus o caminho
fundamental e necessário para praticar o amor, livremente escolhido e
vivido. Mais ainda, ele percebe a urgência interior - uma verdadeira e
própria 'necessidade', e não já uma imposição - de não se deter nas
exigências mínimas da lei, mas de vivê-las em toda a sua 'plenitude'.
É um caminho ainda incerto e frágil, enquanto estivermos na terra, mas
tornado possível pela graça que nos outorga a posse da plena liberdade
dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 21) e, portanto, de responder na vida
moral à sublime vocação de ser 'filhos no Filho'. Esta vocação ao amor
perfeito não está reservada só para um círculo de pessoas. O
convite 'vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos
pobres' com a promessa 'terás um tesouro no céu', dirige-se a
todos, porque é uma radicalização do mandamento do amor ao
próximo, assim como o convite posterior 'vem e segue-Me' é a nova
forma concreta do mandamento do amor de Deus. Os mandamentos e o
convite de Jesus ao jovem rico estão ao serviço de uma única e
indivisível caridade, que espontaneamente tende à perfeição, cuja
medida é só Deus: 'Sede, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai
celeste' (Mt 5, 48). No Evangelho de São Lucas, Jesus precisa ainda
mais o sentido desta perfeição: 'Sede misericordiosos, como também o
vosso Pai é misericordioso' (Lc 6, 36)"
(João Paulo II, Encíclica "Veritatis splendor", 16 a 18).
"Depois,
vem e segue-me".
O
Papa João Paulo II comenta:
"O caminho e, simultaneamente, o conteúdo desta perfeição consiste na
sequela Christi, no seguir Jesus, depois de ter renunciado aos
próprios bens e a si mesmo. Esta é precisamente a conclusão do diálogo
de Jesus com o jovem: 'Depois, vem e segue-Me' (Mt 19, 21). É um
convite, cuja maravilhosa profundidade será plenamente compreendida
pelos discípulos só depois da ressurreição de Cristo, quando o
Espírito Santo os guiar para a verdade total (cf. Jo 16, 13).
É o
próprio Jesus que toma a iniciativa, chamando para O seguir. O apelo é
feito, antes de mais, àqueles a quem Ele confia uma missão particular,
a começar pelos Doze; mas vê-se claramente também que ser discípulo de
Cristo é a condição de todo o crente (cf. At 6, 1). Por isso,
seguir Cristo é o fundamento essencial e original da moral cristã:
como o povo de Israel seguia Deus que o conduzia no deserto rumo à
Terra Prometida (cf. Ex 13, 21), assim o discípulo deve seguir Jesus,
para o Qual é atraído pelo próprio Pai (cf. Jo 6, 44).
Aqui não
se trata apenas de dispor-se a ouvir um ensinamento e de acolher na
obediência um mandamento. Trata-se, mais radicalmente, de aderir à
própria pessoa de Cristo, de compartilhar a sua vida e o seu
destino, de participar da sua obediência livre e amorosa à vontade do
Pai. Seguindo, mediante a resposta da fé, Aquele que é a Sabedoria
encarnada, o discípulo de Jesus torna-se verdadeiramente discípulo
de Deus (cf. Jo 6, 45). De fato, Jesus é a luz do mundo, a luz da
vida (cf. Jo 8, 12); é o pastor que guia e alimenta as ovelhas (cf. Jo
10, 11-16), é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6), é Aquele
que conduz ao Pai, ao ponto que vê-Lo a Ele, o Filho, é ver o Pai (cf.
Jo 14, 6-10). Portanto, imitar o Filho, 'a imagem do Deus invisível' (Cl
1, 15), significa imitar o Pai. Jesus pede para O seguir e imitar
pelo caminho do amor, de um amor que se dá totalmente aos irmãos por
amor de Deus: 'O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos
outros, como eu vos amei' (Jo 15, 12). Este 'como' exige a
imitação de Jesus, do seu amor, de que o lava-pés é sinal: 'Se eu
vos lavei os pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os
pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu vos
fiz, façais vós também' (Jo 13, 14-15). O comportamento de Jesus e a
Sua palavra, as Suas ações e os Seus preceitos constituem a regra
moral da vida cristã. De fato, estas suas ações e, particularmente, a
sua paixão e morte na cruz são a revelação viva do Seu amor pelo Pai e
pelos homens. É precisamente este amor que Jesus pede seja imitado por
quantos O seguem. Este é o mandamento 'novo': 'Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos
amei, vós também vos deveis amar uns aos outros. É por isto que todos
saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros' (Jo
13, 34-35). Este 'como' indica também a medida com que Jesus
amou, e com a qual os seus discípulos se devem amar entre si. Depois
de ter dito: 'O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros,
como eu vos amei' (Jo 15, 12), Jesus prossegue com as palavras
que indicam o dom sacrifical da sua vida na cruz, como testemunho de
um amor 'até ao fim' (Jo 13, 1): 'Ninguém tem maior amor do que aquele
que dá a vida pelos seus amigos' (Jo 15, 13). Ao chamar o jovem para O
seguir pelo caminho da perfeição, Jesus pede-lhe para ser perfeito no
mandamento do amor, no 'Seu' mandamento: para inserir-se no movimento
da Sua doação total, para imitar e reviver o próprio amor do Mestre
'bom', d'Aquele que amou 'até ao fim'. É o que Jesus pede a cada homem
que quer segui-lO: 'Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-Me' (Mt 16, 24). Seguir Cristo
não é uma imitação exterior, já que atinge o homem na sua profunda
interioridade. Ser discípulo de Jesus significa tornar-se conforme
a Ele, que Se fez servo até ao dom de Si sobre a cruz (cf. Fl 2,
5-8). Pela fé, Cristo habita no coração do crente (cf. Ef 3, 17), e
assim o discípulo é assimilado ao seu Senhor e configurado com Ele.
Isto é fruto da graça, da presença operante do Espírito Santo
em nós. Inserido em Cristo, o cristão torna-se membro do Seu Corpo,
que é a Igreja (cf. 1 Cor 12, 13.27). Sob o influxo do Espírito, o
Batismo configura radicalmente o fiel a Cristo no mistério
pascal da morte e ressurreição, 'reveste-o' de Cristo (cf. Gl 3, 27):
'Alegremo-nos e agradeçamos - exclama Santo Agostinho dirigindo-se aos
batizados - tornamo-nos não apenas cristãos, mas Cristo (...).
Maravilhai-vos e regozijai: tornamo-nos Cristo!'. Morto para o pecado,
o batizado recebe a vida nova (cf. Rm 6, 3-11): vivendo para Deus em
Jesus Cristo, é chamado a caminhar segundo o Espírito e a manifestar
na vida os seus frutos (cf. Gl 5, 16-25). Depois a participação na
Eucaristia, sacramento da Nova Aliança (cf. 1 Cor 11, 23-29), é o
ápice da assimilação a Cristo, fonte de 'vida eterna' (cf. Jo 6,
51-58), princípio e força do dom total de si mesmo, que Jesus -
segundo o testemunho transmitido por São Paulo - manda rememorar na
celebração e na vida: 'Sempre que comerdes este pão e beberdes este
cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha' (1 Cor 11, 26)"
(Encíclica
"Veritatis splendor", 19 a 21).
Em Mt
19, 22 diz: "O moço,
ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos
bens".
O
moço foi obediente à sua vocação? Não:
"Antes se retirou triste e
pesaroso, porque tinha apego à sua grande fortuna. Pensam muitos
intérpretes que, não obstante as suas boas disposições, este moço não
pôde salvar-se, por não ter obedecido à voz do Divino Mestre. Se é um
perigo, e dos mais funestos, ordenar-se alguém sem vocação ou por
motivos inteiramente humanos, é também comprometer a vida eterna não
seguir a vocação que recebemos de Deus. Todos podemos salvar-nos, é
certo; mas cada um no estado a que fomos chamados - o padre como padre
e só sendo padre, o soldado sendo soldado, cada um, enfim, obedecendo
à sua vocação" (Dom Duarte
Leopoldo).
Infeliz daquele que tapa os ouvidos à voz de Nosso Senhor; esse, com o
coração cheio de tristeza perambula de um lado a outro:
"Foi-se cheio de tristeza,
porque a alegria só é possível quando há generosidade e
desprendimento, quando há essa disponibilidade absoluta diante do
querer de Deus que se manifesta em momentos bem precisos da nossa vida
e, depois, na fidelidade ao longo dos dias e dos anos. Digamos hoje ao
senhor que nos ajude com a sua graça para que, a cada momento, possa
contar efetivamente conosco para o que queira: livres de objeções e de
laços que nos prendam: 'Senhor, não tenho outro fim na vida a não ser
buscar-vos, amar-vos e servir-vos... Todos os outros objetivos da
minha vida se orientam para isso. Não quero nada que me separe de Vós"
(Pe. Francisco
Fernández-Carvajal),
e: "A tristeza deste
jovem leva-nos a refletir. Podemos ser tentados a pensar que possuir
muitas coisas, muitos bens deste mundo, pode fazer-nos felizes. Vemos,
no entanto, no caso do jovem do Evangelho, que as riquezas se tornaram
um obstáculo para aceitar a chamada de Jesus que o convidava a
segui-lo. Não estava disposto a dizer 'sim' a Jesus e 'não' a si
mesmo, a dizer 'sim' ao amor e 'não' à fuga! O amor verdadeiro é
exigente (...). Porque foi Jesus - o próprio Jesus - quem disse: Vós
sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando (Jo 15, 14). O amor
exige esforço e compromisso pessoal para cumprir a vontade de Deus.
Significa sacrifício e disciplina, mas significa também alegria e
realização humana (...). Com a ajuda de Cristo e através da oração,
podereis corresponder à sua chamada (...). Abri os vossos corações a
este Cristo do Evangelho, ao seu amor, à sua verdade, à sua alegria.
Não vos vades embora tristes!" (João
Paulo II, Homilia no Boston Common, 1-10-1979).
O
Jovem do Evangelho se afastou tristemente de Cristo Jesus, Fonte da
verdadeira Alegria, para buscar a felicidade nos bens passageiros
desta vida. Quanta ilusão!
Infeliz daquele que diz não ao Senhor do universo, que tapa os ouvidos
ao seu convite, que franze a testa perante a Sua lei e que olha com
indiferença para Aquele único Senhor que lhes pode dar a verdadeira
alegria; esses viverão em contínua frustração:
"Seguir Cristo de perto é o
nosso ideal supremo; não queremos retirar-nos da sua presença como
aquele jovem, com a alma impregnada de profunda tristeza por não
termos sabido desprender-nos de uns bens de pouco valor, em comparação
com a imensa riqueza de Jesus"
(Pe. Francisco Fernández-Carvajal).
Em
Cristo Jesus encontramos a verdadeira alegria; então, com o coração
cheio de generosidade sigamos os Seus passos sem olharmos para trás e
para os lados.
Pe.
Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 20 de julho de 2007
|