NÃO PROVARÁ O MEU JANTAR

(Lc 14, 15-24)

 

 

"15 Ouvindo isso, um dos comensais lhe disse: 'Feliz aquele que tomar refeição no Reino de Deus!' 16 Mas ele respondeu: 'Um homem estava dando um grande jantar e convidou a muitos. 17 À hora do jantar, enviou seu servo para dizer aos convidados: 'Vinde, já está tudo pronto'. 18 Mas todos, unânimes, começaram a se desculpar. O primeiro disse-lhe: 'Comprei um terreno e preciso vê-lo; peço-te que me dês por escusado'. 19 Outro disse: 'Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me dês por escusado'. 20 E outro disse: 'Casei-me, e por essa razão não posso ir'. 21 Voltando, o servo relatou ao seu senhor. Indignado, o dono da casa disse ao seu servo: 'Vai depressa pelas praças e ruas da cidade, e introduz aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos'. 22 Disse-lhes o servo: 'Senhor, o que mandaste já foi feito, e ainda há lugar'. 23 O senhor disse então ao servo: 'Vai pelos caminhos e trilhas e obriga as pessoas a entrarem, para que a minha casa fique repleta. 24 Pois eu vos digo que nenhum daqueles que haviam sido convidados provará o meu jantar".

 

Em Lc 14, 15 diz: "Ouvindo isso, um dos comensais lhe disse: 'Feliz aquele que tomar refeição no Reino de Deus!"

 

Edições Theologica comenta: "A expressão 'tomar alimento no Reino de Deus' significa na linguagem da Bíblia, participar da bem-aventurança eterna, simbolizada num grande banquete (cfr Is 25, 6; Mt 22, 1-14)", e: "Imagem do banquete eucarístico, a que somos todos convidados" (Dom Duarte Leopoldo).

São Cirilo escreve: "Este homem era todo carnal, não compreendendo o que Jesus havia dito e acreditava que os prêmios dos santos eram materiais" (Ubi sup).

 

Em Lc 14, 16-24 diz: "Mas ele respondeu: 'Um homem estava dando um grande jantar e convidou a muitos. À hora do jantar, enviou seu servo para dizer aos convidados: 'Vinde, já está tudo pronto'. Mas todos, unânimes, começaram a se desculpar. O primeiro disse-lhe: 'Comprei um terreno e preciso vê-lo; peço-te que me dês por escusado'. Outro disse: 'Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me dês por escusado'. E outro disse: 'Casei-me, e por essa razão não posso ir. Voltando, o servo relatou ao seu senhor. Indignado, o dono da casa disse ao seu servo: 'Vai depressa pelas praças e ruas da cidade, e introduz aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos'. Disse-lhes o servo: 'Senhor, o que mandaste já foi feito, e ainda há lugar'. O senhor disse então ao servo: 'Vai pelos caminhos e trilhas e obriga as pessoas a entrarem, para que a minha casa fique repleta. Pois eu vos digo que nenhum daqueles que haviam sido convidados provará o meu jantar".

 

A CEIA EUCARÍSTICA

 

Um homem fez uma grande ceia e para ela convidou a muitos. À hora da ceia enviou um de seus servos para dizer aos convidados: "Vinde, pois está pronta a ceia".

Mas todos começaram a escusar-se. O primeiro disse: "Comprei uma vila, e preciso ir vê-la: rogo-te me escusares". Outro disse: "Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los: rogo-te me escusares". Outro, ainda, grosseiramente respondeu: "Tomei mulher, e não posso ir".

Quando, de volta, o servo referiu estas recusas, seu senhor exclamou: "Vai pelos caminhos e ao longo das sebes, e quem quer que encontres força-o a vir cá, para que se encha a minha casa; porque te asseguro que nenhum dos que antes foram convidados provará a minha ceia".

Diante do convite de Deus à fé e à correspondência pessoal, há de sacrificar qualquer interesse humano, por mais lícito e nobre que se nos apresente, se impede a resposta cabal ao chamamento divino. Essas aparentes razões ou deveres são, de fato, meras desculpas. Por isso aparece clara a culpabilidade dos convidados mal-agradecidos.

Sob o véu desta parábola, Jesus Cristo ocultou todo o seu amor e toda a nossa ingratidão.

O homem que fez uma grande ceia é Ele, que instituiu a Sagrada Comunhão, em que não se come um pão qualquer, porém o Pão da Vida que desceu do céu, o pão que tira a fome para sempre: "Este homem é Deus... conforme a verdade figurada nestas imagens" (São Cirilo, Ubi sup), e: "Sempre que o Senhor quer dar a conhecer seu poder de castigar, se compara ao urso, ao leopardo, ao leão e a outros animais semelhantes, e quando quer expressar a sua misericórdia, se compara ao homem" (São João Crisóstomo).

Os convidados que procuraram pretextos para não vir somos nós, que preferimos viver entre os nossos afazeres e entre os pecados, a acorrer ao sagrado banquete da Eucaristia, onde a Carne de um Deus é feita comida e o Sangue de um Deus é feito bebida.

Neste momento, enquanto Jesus Cristo nos olha do altar, meditemos a grandeza da sua Ceia Eucarística e a ingratidão das nossas recusas.

 

1. A grande Ceia

 

Uma noite, no convento de Chivia, ressoou um grito de horror: "Os tártaros! Os tártaros!" Este povo feroz, inimigo dos homens e de Deus, com carros, com armas e com fachos estava às portas da cidade, pronto para pô-la a ferro e a fogo.

Nas ruas ouvia-se o tumulto dos homens, o pranto das mulheres e das crianças, que fugiam levando consigo as coisas mais caras. Também os monges já haviam fugido do convento; e também São Jacinto, que lhes era o prior, estava para fugir, quando ouviu ou lhe pareceu ouvir, uma voz clara chamá-lo pelo nome: "Jacinto!"

Ele percebeu que aquele chamado vinha da igreja, que saía do santo Tabernáculo: "Jacinto, tu foges e me deixas aqui só? Que comerás amanhã e depois de amanhã, se esqueceres o Alimento da tua vida? Como poderás resistir às hordas dos bárbaros e aos perigos da fuga, se não tiveres o que comer?" Então Jacinto entrou na igreja, tomou o Santíssimo Sacramento e fugiu.

Também a nossa vida é agitada e cheia de lidas como uma fuga. Não fugimos nós, através de penas e de fadigas, ante a morte que nos persegue inexoravelmente? E, à volta toda, assediam-nos nossos inimigos, o mundo, a carne e os demônios. Quem poderá sustentar as nossas fracas forças nestas lutas contínuas? Que alimento poderá nutrir a nossa alma fraca e medrosa? A Sagrada Eucaristia: eis a grande Ceia que Jesus apregoa todos os dias para nós.

a) Profundamente comovido diante do sacramento da Eucaristia, Santo Agostinho dizia: "Deus é sapientíssimo: contudo, nos imensos abismos da sua sabedoria, Ele não podia inventar um dom mais grandioso do que este. Deus é onipotente; todavia, na sua onipotência, não podia fazer prodígio mais maravilhoso do que este".

Que há de maior, de mais maravilhoso, de mais precioso do que Deus? Certamente nada. Pois bem: na Santa Comunhão nós recebemos Deus.

Quantas vezes nós temos invejado a fortuna daqueles pastores que, na noite de Natal, puderam ver e abraçar o celeste Menino! Quantas vezes temos pensado com inveja nos Reis Magos, que depositaram os seus dons na Gruta de Belém! Quantas vezes temos cobiçado a bela sorte do velho Simeão, que no templo de Jerusalém estreitou sobre o seu coração o Filho de Deus e o cobriu de beijos e de piedosas lágrimas! Pois bem: na Sagrada Comunhão nós não somente podemos ver, adorar, abraçar Jesus, mas podemos recebê-lo no mais íntimo da nossa alma, podemos unir-nos a Ele e incorporar-nos a Ele de uma maneira inefavelmente divina.

Ó sagrado banquete em que nos alimentamos de Cristo!

b) E quais serão os poucos afortunados a serem admitidos a esta Ceia? Acaso somente as almas que nem sequer uma vez caíram no pecado, ou que fugiram do mundo e vivem nos claustros com penitência e oração? Não! Aí não há privilégios. Todos os católicos são convidados: pobres e ricos, fracos e fortes, ignorantes e doutos, desde que não estejam em pecado mortal.

E cada um tanto mais recebe e tanto mais saboreia quanto mais fé, mais humildade, mais pureza, mais dor dos seus pecados, leva ali.

Ó sagrado banquete em que nos nutrimos de Cristo!

c) Mas, e quando é que se poderá ir a esse banquete? Acaso uma vez só na vida, ou porventura só em circunstâncias especialíssimas? Acaso será mister fazer uma longa e fatigante viagem, ou ao menos peregrinar descalço até Roma ou até Jerusalém? Não. Para ir a ele não há tempo, não há circunstância especial, não se fazem mister penosas viagens, mas Jesus Cristo nos convida sempre, espera-nos sempre, nas suas igrejas, para este banquete divino.

 

2.  A ingrata recusa

 

Santa Maria Madalena de Pazzi passeava sob os pórticos e por entre as celas silenciosas do seu convento, pasmada, exclamando: "O Amor não é amado, o Amor não é amado!"

E tinha razão. Quem não pasma de que, após tantas invenções prodigiosas para se fazer amar, um Deus seja deixado sozinho nos Tabernáculos; e a custo, os homens achem tempo e vontade para recebê-lo uma vez por ano? Por que é que não vemos as almas todo dia apinhar-se em torno à Mesa do Senhor como raminhos de oliveira?

a) "Comprei uma vila e preciso ir vê-la; rogo-te me escusares". Este homem que recusa o convite porque agora também já se tornou um dono de terras, e não precisa ir à ceia de ninguém, figura bem esses que recusam aproximar-se frequentemente da Comunhão por soberba.

"Deixamos que façam amiúde a Comunhão as beatas, os carolas, os ignorantes; gente como nós basta fazê-la pela Páscoa". Pobres infelizes que se julgam ricos e abastados, que se gabam de não precisar de coisa nenhuma e de ninguém, e, ao contrário, não sabem que são mesquinhos,  miseráveis, pobres, cegos e nus (Ap 3, 17).

b) "Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-los: rogo-te me escusares". Este homem que recusa o convite para se pôr de corpo e alma a trabalhar com as suas cinco juntas de bois, figura aqueles que estão afastados dos Santos Sacramentos por estarem afogados com todos os seus cinco sentidos na forragem dos interesses materiais.

"Não tenho tempo para me aproximar da Sagrada Mesa, - dizem esses - não tenho tempo: tenho a loja, tenho um armazém, devo ir ao mercado, à feira e devo atender à família".

- Tendes a família, tendes a loja, o mercado, os negócios... mas não tendes também a alma? E por que então dais tudo ao corpo e nada à alma? Possível que não acheis uma hora de tempo na semana, uma hora no mês, para a vossa alma, quando perdeis noites e dias nos teatros, no jogo e nas amizades?

Depois, o pior é que alguns não só não frequentam a Sagrada Comunhão, mas também dissuadem os outros de casa de frequentá-la. Pelo que, se a mulher, se a mãe, se a irmã, para comungarem, demoram um pouco mais do que de costume na igreja, eis que se transtorna tudo, e uma tempestade de vilanias as envolve no seu regresso.

c) "Tomei mulher, por isso não posso ir". Notastes como é vil a resposta deste convidado? Ele não pede desculpa, mas diz somente: Não posso ir. Não pode porque não quer. Este figura os que têm repugnância da Sagrada Comunhão, porque vivem na desonestidade. O seu coração está cheio de maus desejos, eles afogaram a sua alma nos prazeres mais imundos: são cônjuges que por meses e anos desobedecem às leis santas do matrimônio.

Estes vão à mesa dos demônios, e por isso não podem vir à mesa do Senhor (1 Cor  10, 21).

Estes não podem vir aos castos amplexos de Jesus, porque se mantêm estreitamente abraçados à lama.

 

O BANQUETE DOS POBRES E DOS DOENTES

 

Um deles devia contratar uma casa, outro queria experimentar no jugo alguns bois de recente aquisição, um terceiro se casava; todos faltaram ao convite.

Entrementes, na grande sala do banquete já as iguarias fumegavam, e o bom suco de uva espalhava inutilmente o seu excitante aroma. Os ricos tinham preferido ficar longe dele, fazendo grossos ganhos sobre as coisas e sobre os campos. Os sãos e os jovens tinham preferido passar aquelas horas nos prazeres e na alegria da vida. Então o magnífico senhor desperdiçara a sua grande ceia? Devia então ficar só e triste no seu palácio como um recluso numa bela e arejada prisão? Aflito e irado, ele chamou o servo e ordenou-lhe: "Corre! Corre por todas as praças, por todos os bairros da cidade; e todos os pobres que encontrares, e todos os estropiados e cegos e coxos e doentes de qualquer mal que achares, introduze-os todos aqui".

O servo obedece, e depois volta, dizendo: "Senhor, como mandaste, assim foi feito; mas ainda há lugar'. 'Pois bem, corre! Corre aos campos, ao longo das sebes: todo o homem que vires, força-o a vir, até que se encha a minha casa".

Depois, tirando do coração um longo suspiro, exclamou com voz terrível: "Asseguro-vos que nenhum daqueles que recusaram o convite provará a minha ceia, e para sempre".

São Gregório escreve: "Todos os que são obrigados pelas adversidades do mundo a voltar ao amor de Deus, são obrigados a entrar. Porém, é muito terrível a sentença que segue: 'Digo que nenhum daqueles homens que foram convidados comerá minha ceia" (Ut sup), e: "Terrível sentença: Nenhum daqueles que foram convidados provará da minha ceia! Obedeçamos, pois, à graça divina que nos convida ao banquete místico da penitência e da Sagrada Comunhão. Não nos aconteça, por nossa infelicidade e ingratidão, que Deus nos abandone aos nossos pecados, e que outros ainda se venham acrescentar aos primeiros, porque, dizem os Santos Padres, o pecado não é somente pecado, mas é ainda pena de outro pecado" (Dom Duarte Leopoldo).

A parábola que Jesus contou num sábado, sentado à mesa de um importante fariseu, é proposta à meditação pela Santa Igreja nestes dias consagrados ao culto da Eucaristia.

É a Eucaristia a grande Ceia que o Filho de Deus preparou para os homens neste mundo. Não é o pão da terra que Ele nos dá a comer, não é o vinho dos nossos vinhedos que Ele nos dá a beber: é o seu Corpo divino, é o seu Sangue derramado por nós e por todos na remissão dos pecados. Todavia, quantos, ainda hoje, renovam a ingratidão daqueles convidados que aduziram vãs desculpas para não comerem a Ceia! Se perguntásseis a muitos católicos por que é que eles comungam raramente, por que é que relaxam até a Páscoa, ouviríeis renovar-se aqueles antigos pretextos: "Não tenho tempo, sou forçado a trabalhar até mesmo no domingo; comprei uma casa, tenho os bois para experimentar e tenho as paixões para satisfazer".

Jesus no seu Tabernáculo, como o senhor da parábola, é ofendido pelo abandono em que o deixam os homens, e repete aos sacerdotes, seus humildes servos, a ordem: "Correi! Correi pelas praças e pelas ruas da cidade, pelas estradas e ao longo das sebes do campo, e persuadi todos os pobres e todos os doentes a virem a mim".

Não é da miséria material, não é das doenças do corpo que Jesus entende falar diretamente, mas sim da miséria da alma e das doenças espirituais. Neste sentido, quem de nós pode dizer que é rico, que é são?

Então venhamos restaurar-nos mais frequentemente ao banquete Eucarístico, que foi apregoado justamente para nós que somos pobres de virtude, para nós que somos doentes na alma.

 

1.  O banquete dos pobres

 

Quando Jacó entrou na casa de Labão, todas as coisas começaram a prosperar: aumentou a extensão das herdades, aumentou o número dos servos e do gado, aumentaram os utensílios e as riquezas. Um dia Jacó disse a Labão: "Olha, bem pouco possuías antes de eu chegar, e agora és muito rico" (Gn 30, 30).

Estas palavras, com mais verdade, repete-as a nós Jesus quando o recebemos na Sagrada Comunhão: "Olha como eras pobre antes de eu entrar na tua alma; agora, por todos os dons que eu te trouxe, tornaste-te riquíssimo". E, em verdade, que é que nós temos sem Jesus? Iludimo-nos de ser ricos e de não precisarmos de nada, e, ao contrário, privados d'Ele somos miseráveis, pobres, cegos e nus. Ora, quem se aproxima do banquete Eucarístico terá tudo aquilo de que precisa, e mais ainda.

Antes de tudo terá Jesus no seu coração. Sim, o Filho de Deus, o Verbo Encarnado, aquele para quem são pequenos demais os céus, desce para habitar na alma do católico que comunga. "Que é que ainda nos pode negar o Eterno Pai - exclamava São Paulo - depois de nos ter dado até o seu Unigênito?" Nada.

Com Jesus terá a vida verdadeira. "Eu sou o pão de vida - dizia o Senhor em Cafarnaum. - Quem vem a mim não mais terá fome, quem crê em mim não mais terá sede, quem me comer viverá eternamente". E isto é verdade não só para a nossa alma, mas também para o nosso corpo: a Comunhão deposita na nossa carne um germe de imortalidade. "Como morrerá aquele que se alimenta da Vida?" (Santo Ambrósio); depois que os nossos corpos forem purificados pela provação do sepulcro, o levedo de vida que a Eucaristia depositou em nós despertará, e, gloriosos, nós ressurgiremos no último dia.

Com Jesus terá a força. Bandos de sarracenos, ébrios de sangue e de carnificina, assaltaram, uma noite, o convento das clarissas em Assis. No meio do pranto e das preces das santas virgens, Irmã Clara corre à capela, toma o cibório, e, por divina inspiração, a estende do alto para os bárbaros que faziam a escalada do mosteiro. Logo os primeiros são cegados por uma luz súbita, e por uma força prodigiosa são derrubados uns sobre os outros: e todos, impelidos por um misterioso temor, fogem.

O demônio, o mundo, as paixões e as tentações são como bandos de ferozes sarracenos que, de vez em quando, tentam a escalada da nossa alma. Nós somos fracos e medrosos como tímidas freiras, inermes contra um exército de bárbaros armados; mas, se, como Santa Clara, corrermos a Jesus, se trouxermos a Eucaristia no coração, tornar-nos-emos terríveis e invencíveis. Onde foi que os Apóstolos acharam coragem para levar o nome de Jesus até às últimas terras? Onde foi que os Mártires acharam força para se deixarem estraçalhar pedaço a pedaço? Onde é que, ainda hoje, as almas virgens acham a constância de se não deixarem contaminar pelo mal? Na Comunhão.

Com Jesus terá a riqueza e a beleza da alma. Santa Rosa de Lima, ao receber o Sacramento do amor, sentia a sua alma refulgir como se estivesse toda revestida de pedras preciosas, e o sol lhe irradiasse do coração. Isto, que nós pobres pecadores não sentimos, deve, contudo, suceder, em certa medida, também no nosso coração quando recebemos Jesus. As imperfeições são queimadas pelo fogo do amor, e a nossa alma, revestida de uma esplêndida veste, faz inveja até aos anjos.

Hoje, estas coisas, nós não sabemos compreendê-las, mas um dia conhecê-las-emos claramente: quem sabe que pesar não sentiremos então de não havermos comungado mais frequentemente!

 

2.  O banquete dos doentes

 

Conta uma antiga tradição que a Sagrada Família, fugindo para o Egito, foi surpreendida pela noite próxima a uma espelunca. Era a espelunca dos ladrões do deserto.

Todavia, foi ela acolhida com hospitalidade rude, mas benévola, pela mulher do chefe do bando; talvez fosse a aflição que tornasse humana aquela mulher. Ela tinha um filho, a única alegria inocente que possuía em meio à culpa e à selvageria que a circundava, mas aquele menino tinha horrivelmente manchadas de branco a cabeça, as sobrancelhas, a pele; era a brancura da lepra.

No covil dos crimes entrou, pois, a inocência: Maria, Jesus, a mulher do ladrão e o menino leproso passaram a noite juntos. Mas, apenas a aurora surgiu no céu do oriente, a Sagrada Família preparou-se para retomar a fuga; nesse ínterim, Maria pediu água para lavar o rosto do Menino do pó do deserto e das sombras do sono. Depois partiram: mas a mulher do ladrão sentiu que um halo misterioso circundava aqueles fugitivos, e ficou à porta da espelunca com seu pequeno leproso estreitado ao coração, para os ver afastar-se rumo ao Egito. E, quando eles desapareceram por trás das dunas, ela, impelida por um presságio divino, tomou a água que servira para lavar Jesus, e com ela lavou também o seu Dimas leproso.

E eis que aquelas carnes, já consumidas pelo mal implacável tornam-se subitamente róseas e perfumadas o quanto os olhos de uma mãe podiam desejá-las.

Passaram-se muitos anos. Dimas cresceu e tornou-se chefe dos ladrões, e nas areias do deserto fez delitos de sangue e de furto, tanto que a gente se arrepiava em lhe ouvindo o nome. Mas, afinal a justiça pegou-o, e com outros ele foi posto na cruz, numa colina próxima de Jerusalém.

Preso ao lenho da infâmia, trabalhado pela agonia atroz, de espaço a espaço ele ouvia as palavras dolorosas e misteriosas pronunciadas pelo Crucificado que lhe estava perto. Olhou para Ele; Ele estava coroado de espinhos, e o letreiro da sua condenação dizia-o rei dos judeus. Naquele momento a sua alma viu e com fé ele exclamou: "Senhor, lembra-te de mim ao entrares no teu reino". "Hoje mesmo - respondeu-lhe o Nazareno - estarás comigo no Céu".

Quantos cristãos são atormentados na alma por uma lepra implacável! Talvez seja a lepra da impureza: há anos esta paixão os domina, há anos que em vão têm eles procurado libertar-se dela, há anos que fatalmente eles se abandonam ao declive dos pecados e da perdição última e eterna.

Talvez seja a lepra da avareza; uma sede febril de fazer dinheiro e de acumular bens impele-os a ser cruéis para com os pobres, injustos para com o próximo, tiranos para com a família, fraudulentos na sociedade.

Talvez seja a lepra da incredulidade: descurou-se a oração, esqueceram-se os Sacramentos, abandonou-se à instrução religiosa, e a alma é presa de mil dúvidas sobre a existência de Deus, sobre a vida futura, sobre o inferno... quisera-se não crer em mais nada, para viver à mercê das paixões.

Talvez seja a lepra da soberba: não se aceitam observações, quer-se mandar sempre sem nunca obedecer, nutrem-se os rancores e as invejas, não se quer saber de se humilhar para pedir perdão.

Pois bem: para estas doenças Jesus nos deixou não uma água que tocou o seu rosto, como a que Ele deixou a Dimas, porém um banquete em que nos alimentamos da sua Carne divina e do seu Sangue preciosíssimo: a Sagrada Comunhão.

Só a Sagrada Comunhão é que pode curar-nos de todos os males da vida espiritual, e do último e mais terrível, que é a morte eterna. Quando, no nosso leito da agonia, virmos entrar o Viático, também nós, com a fé do bom ladrão, diremos a Jesus: "Senhor, lembrai-vos de mim agora que estais no vosso reino". E, se na vida o houvermos recebido amiúde e bem, Ele nos repetirá na oração a palavra consoladora: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso".

 

A CEIA ETERNA

 

Nos Anais do Cardeal Barônio (An., 137) é referida uma estranha lei promulgada pelo imperador Adriano contra os Judeus. Este, depois de haver, com todo furor, devastado a Palestina, para tirar aos judeus qualquer esperança de ressurgimento, vedara a cada um deles ir a Jerusalém. Mas, como os infelizes filhos de Abraão em turbas se apresentavam sobre as colinas circundantes, e, contemplando a ruína da sua cidade, estendiam as mãos para ela chorando e orando, o imperador proibiu a quem quer que fosse voltar-se para olhar e suspirar para Jerusalém.

Este relato histórico serve-me bem, ó católicos, para vos fazer compreender a astúcia e a crueldade do imperador ou príncipe das trevas. Depois de, por meio do pecado, arrebatar-nos a pátria dileta, o paraíso, o demônio não somente quereria impedir-nos de andar para ela mediante as boas obras, mas, cercando de paixões e de ilusões o nosso coração, quereria vedar-nos também o olhá-la de longe por um bom pensamento, por uma aspiração, por uma oração. E, em muitos casos, a sua astúcia surte efeito: Quantos católicos passam anos sem levantar um só olhar ao céu, para o qual foram criados!

De vez em quando o nosso Salvador convida-nos a considerar o paraíso, e a trabalhar para reconquistá-lo. Do paraíso Ele fala também sob o véu dessa parábola.

"Um homem fez uma grande ceia, e muitos eram os convidados. Mas, à boa hora, quando as trevas da noite já vagavam pelos caminhos, quando já tudo estava pronto, os convidados não chegaram. Um por causa de um campo recém-comprado, outro por causa de dez bois a experimentar, outro por causa de uma mulher, todos faltaram. Mas o dono da casa não era homem para suspender a festa. Ordenou que a sua sala fosse enchida com gente da cidade e do campo, mesmo pobres, cegos e coxos. E assim foi feito. E, antes de começar a festa, ouviu-se a voz do dono passar como um trovão: - Juro-vos que nenhum dos que recusaram provará jamais a minha ceia".

A ceia, a última refeição tomada no término do trabalho cotidiano, é figura da alegria infinita que aguarda os bem-aventurados no término do trabalho da vida.

Ceia grande, está escrito no Evangelho. Grande pela duração, visto que não durará só algumas horas, mas sempre. Grande, pela comida e pela bebida: pois que, nela não se degustará uma comida ou um licor qualquer, mas se degustará a comida e o licor de Deus: a sua própria vida, a sua própria alegria. Grande pela companhia 'dos convidados: achar-nos-emos no meio dos patriarcas, dos profetas, dos mártires, dos santos; no meio dos nossos caros parentes e amigos que nos precederam com o sinal da fé, e adormeceram em paz e em graça no ósculo do Senhor.

Aliás, é inútil querermo-nos esforçar por compreender o que há no Paraíso: tudo quanto imaginarmos, por mais belo e maior que seja, será sempre uma mísera coisa em confronto com a realidade que ali acharemos. Contentemo-nos com a palavra de Jesus que lhe chama "ceia grande", e creiamos n'Ele que a provara. "Em verdade, em verdade! - dizia Ele a um doutor da lei no segredo da noite - quando eu falo do céu, sei o que digo, pois atesto o que vi" (Jo 3, 11).

A nós, de preferência, interessa agora considerar a conduta dos convidados, porque também nós somos do número deles.

 

1. Os convidados que recusam

 

Imaginai - diz São Francisco de Sales - uma noite serena e tranquila, e pensai em como é doce olhar para as estrelas tremeluzentes no longínquo do céu. Imaginai a lua que desponta tacitamente como uma vela branca... Tudo isto, posto junto, não é nada em comparação com a beleza do Paraíso.

A crer numa tradição, José, do Egito, para convidar todo o povo a se prover, naquela famosa penúria, do grão por ele recolhido, teria deixado correr ao longo do rio Nilo uma grande quantidade de palha batida, a qual fosse anunciadora e testemunha da grande abundância recolhida nos seus celeiros. Também Deus, ao criar este mundo, assim fez: espalhou cá na terra muitos sinais da riqueza e da beleza que Ele tem preparada para os eleitos nos dias eternos. Toda alegria, toda coisa bela, toda coisa grande desta terra não passa de uma palha se a confrontarmos com a Ceia eterna.

Considerai, pois, que as estrelas são meras candeias naquele banquete. Considerai, pois, continua São Francisco de Sales, os milhões de anjos, de querubins, de serafins que ali vos adejarão em torno: o menor deles vale mais do que o mundo inteiro. Meu Deus! Como são felizes os teus anjos e os teus santos! Eles cantam o doce cântico do amor eterno; eles gozam a alegria perpétua; eles vivem entre si em suavíssima companhia.

Considerai, enfim, que naquela ceia veremos a Deus tal como é. Olhar a Deus em face, ser por Ele olhado! Eis a vida eterna. Assim como a ave em vôo é circundada e penetrada pelo ar, cada um dos eleitos será circundado e penetrado pela Divindade; cada um, com desejo insaciável e com gozo insuperável, adorará, louvará, amará sempre a Deus. "Sede eternamente bendito, - exclamarão os bem-aventurados, - ó nosso soberano Criador, que vos glorificais em nós comunicando-nos a vossa glória!" "Sede eternamente benditos, - responderá Deus, - ó meus filhos, que me servistes na terra com fidelidade, e que no céu me louvais com amor!"

Tudo isto, ó católicos, por muitos foi recusado por causa de um campo de poucas braças, por dez animais, por uma mulher.

Ó loucura! Ó loucura!

Mas talvez que, até agora, também nós tenhamos sido loucos dessa loucura!

 

2. Os convidados que aceitam

 

Bernardin de Saint-Pierre, afamado escritor francês, descreveu-nos a sua chegada à pátria.

"Lembro-me de que, quando cheguei à França numa embarcação que voltava da índia, mal os marinheiros puderam distinguir perfeitamente a sua pátria, tornaram-se incapazes de fazer qualquer trabalho. Uns fitavam aquela terra predileta sem poderem desprender dela os olhos, enquanto outros se vestiam com as roupas mais belas; havia até alguns que falavam sozinhos e muitos choravam. Quando, depois, a embarcação entrou no porto e eles puderam ver distintamente no cais os filhos, as mães, os parentes, os amigos que lhes estendiam os braços gritando e chamando-os, nem um só deles pôde mais aguentar-se a bordo, e fez-se mister prover a embarcação com outra equipagem".

Que sucederá, ó católicos, quando chegarmos ao cais da pátria celeste, onde acharemos aquilo que mais do que tudo havemos amado? Onde acharemos os nossos entes queridos, talvez nossa mãe, talvez nosso pai, talvez nossos irmãos, talvez nossa meiga irmã; onde acharemos a felicidade sem fim; onde acharemos a Deus.

Mas quem serão os afortunados que saberão guiar a sua nau em seguimento ao convite do Senhor, sem naufragar no oceano tempestuoso deste mundo? Serão os pobres, os aleijados, os cegos, os coxos da parábola.

1) Os pobres são aqueles que têm o coração desprendido dos bens deste mundo. Quanto é difícil aos ricos livrar-se da avareza e do cuidado exagerado dos bens mundanos! Todavia, não é impossível: tem havido e ainda há pessoas dotadas de abundantíssimas fortunas, e que, no entanto, não descuram a sua alma nem a de seus filhos; e ficam bastante satisfeitas quando podem ajudar quem sofre de doença ou de miséria. Estes, mesmo sendo ricos, são pobres em espírito.

E infelizmente não é raro encontrar gente pobre, mas avarenta. Gente que, nada possuindo, esquece a própria alma e a dos filhos pelo ganho material, esquece o preceito festivo, esquece-se de dar a cada um o que é seu. Estes, embora sendo pobres, são avarentos de coração, e não entrarão na eterna ceia.

2) Os aleijados e os coxos são aqueles que não caminharam pelas trilhas da iniquidade, pelas sendas floridas do mundo; são aqueles que, se às vezes também caíram ou tropeçaram, contudo logo se levantaram com sincera dor e com verdadeiro propósito.

3) Os cegos são aqueles que não abriram seus olhos às seduções das modas, das más leituras, dos teatros imorais, dos cinemas despudorados. Cegos são aqueles que têm os olhos velados de lágrimas: pobre gente que há anos sofre perseguições pela justiça e suporta; pobre gente desprezada e abandonada, e que, no entanto, perdoa; pobre gente oprimida por cruzes e tribulações, e que, entretanto, se resigna.

Ó pobres, ó aleijados, ó coxos, ó cegos do Evangelho, alegrai-vos, porque vossa é a ceia eterna. Quando ouvirdes a morte bater à porta da vossa casa, quando o mundo todo se esboroar aos vossos olhos agonizantes como um cenário que se desmantela, não temais, fazeis como São João Crisóstomo, que se fez vestir festivamente de branco para se achar pronto para entrar no banquete nupcial.

 

O BANQUETE DOMINICAL

 

Daquela vez, Jesus fora comer em casa do fariseu. Ao terminar o jantar, calando-se todos, Ele começou a contar uma bela parábola.

Havia um homem que oferecera uma ceia suntuosa: muitíssimos eram os convidados. Porém, quando foi a hora de vir, nenhum se apresentou, e, ao servo que os solicitava, eles aduziram pretextos.

"Comprei uma vila", disse um.

"Devo pôr no jugo cinco juntas de bois", disse outro.

"Tomei mulher", disse um terceiro.

E todos findavam com o mesmo estribilho: "Por isto não posso ir".

Indignado com aquela ingrata mofa, o generoso senhor ordenou ao servo: "Irás pelas ruas e pelas praças da cidade, irás pelas sebes e pelas veredas do campo, e todo aquele que encontrares - mesmo aleijado, mesmo cego, mesmo pobre - conduze-o aqui". Depois, tirando do fundo do coração um longo gemido, gritou: "Daqueles que recusaram, nenhum provará a minha ceia; nunca mais!"

No seu significado mais verdadeiro, a parábola é contra os judeus, é contra os ricos fariseus que, orgulhosos porque Jesus comera em casa de um deles, se iludiam de que só eles poderiam entrar um dia no Paraíso. O Paraíso é justamente a ceia suntuosa a que muitos foram convidados, e, entre os primeiros, os judeus. Porém estes recusaram o convite, matando o Messias e desprezando o seu Evangelho: eis, portanto, que ficarão excluídos do céu, e em vez deles, entrarão todos aqueles que responderem ao chamado divino.

Mas eu quero explicar a parábola do Senhor sob outro significado, bastante útil para nós, e digo que a ceia grande a que o bom Deus nos convida é a santificação do domingo. E o domingo não é uma imagem da ceia eterna do Paraíso? E o domingo cristão não é um nutritivo e suave banquete das nossas almas?

 

1. O domingo é a ceia das almas

 

Observai como o Senhor é bom. Ele é o dono de todas as coisas, e teria pleno direito de reservar tudo para si: todas as plantas, todos os animais, todos os lugares, todos os tempos. Ao invés, porém, assim como no Paraíso terreal, deixando ao homem todas as árvores, reservou para si uma planta só, para experimento de obediência; assim como no tempo dos patriarcas, deixando a estes todos os frutos e todos os animais, só reteve para si uma pouca primícia do rebanho e do campo; assim como de toda a terra Ele reserva para si apenas algum espaço onde edificar as suas igrejas; assim também, de sete dias, só um Ele quis para si: o domingo.

Podia Ele ser mais generoso conosco do que foi? E, de menos, que é que poderia ter-nos pedido? "Filhos! - diz-nos Ele por boca de Moisés, - seis dias trabalhei para vos dar o sol e as estrelas, a terra e os mares, as plantas e os animais, e para plasmar os vossos corpos e animá-los com uma alma imortal: no sétimo, porém, cessei. Pois bem, assim como eu fiz, fazei também vós. Trabalhai seis dias, e o sétimo da-lo-eis a mim".

Podia ser-nos mais pai? "Da-lo-eis a mim!" Mas acaso para nos fazer trabalhar o dobro, o triplo... para Ele? Acaso para nos onerar - como senhor que Ele é - de penitências e de asperezas? Não. "Da-lo-eis a mim, porque quero fazer-vos repousar, quero que venhais à minha casa para uma ceia alegre". Dizei: haverá na terra outro senhor bom como este?

Por seis dias os homens estão nos campos, nas fábricas, nos escritórios; as mulheres também são forçadas ao trabalho de um laboratório ou de uma casa, enquanto os filhos estão na escola ou esquecidos pelas ruas. É todo um ranger de máquinas, um confuso vozerio de operários azafamados, um sibilar de sirenas: mal há tempo de engolir um pouco de comida sem saboreá-la, e à noitinha volta-se pálido e cansado para a casa pobre de luz, pobre de palavras. Poucas horas de sono, e depois eis iniciar nova fadiga e retomar aqueles trajes descurados e sujos do duro labor. Seja bem-vindo o domingo, alegre ceia das almas!

Um alegre repique de sinos ouve-se na primeira aurora, o qual chega a todos como uma voz de irmãos e de amigos: "À igreja! - diz-nos ele - tudo está pronto". E dos portões dos ricos, e das portas dos pobres, os pais saem com os filhos e as mães vêm com as filhas: todos estão limpos e bem vestidos, todos sorriem e estão alegres, todos diante do altar de Deus sentam-se perto: o rico e o pobre, o servo e o amo, todos iguais.

Por seis dias labutamos, hoje repousamos em alegria. Por seis dias vestimos mal, hoje nos adornamos com religiosa modéstia. Por seis dias estivemos nas casas das criaturas, fomos servos das criaturas; hoje vamos à casa do Criador, servimos a Ele, falamos com Ele, comemos com Ele o pão da Palavra de Deus.

Por seis dias vivemos para as coisas terrenas, hoje vivemos para as celestes.

Como é belo o domingo cristão, dia de Deus... mística ceia das almas!

 

2. Descortesia de convidados

 

Infelizmente este dia santo, benéfico para a alma e para o corpo, para a família e para a sociedade, quanto é profanado! Se, em qualquer dia de festa, Jesus tornasse a passar através dos nossos campos e das nossas cidades, talvez ainda tomasse o látego para flagelar os profanadores do seu dia! E talvez que da sua boca divina brotasse a queixa que Ele confiou a uma alma privilegiada: "Os hebreus me crucificaram na Sexta-Feira, mas os católicos me crucificam no Domingo".

a) Comprei uma vila, e por isto não posso ir. Esta é ainda uma das desculpas que muitos católicos usam para recusar o banquete festivo. Ir à Missa, ir à aula de catecismo ou instrução religiosa... eu que sou rico, que tenho um palácio, que estou revestido de autoridade, que tenho muitas e difíceis incumbências? À Missa são obrigados os pobres, os ignorantes; mas que há de dizer as pessoas que perceberem que também eu sinto necessidade de santificar o dia de festa?

Há ainda alguns que, sem chegarem a este excesso, pensam que, para santificar as festas, basta assistir à Santa Missa; e, ouvida de qualquer modo a Missa, eles pensam em qualquer outra coisa que não em obras de piedade. Estes tratam a Deus como um tirano odioso a quem se deve conceder menos do que se pode, e consideram a piedade como um remédio venenoso que se deve tomar com extrema parcimônia. E entre estes se acham os que procuram a Missa mais rápida, os que a ela chegam sempre atrasados, ou que a ela assistem sem vontade e desatentos, talvez conversando, com perturbação e escândalo dos outros; e, não raro ainda, com tal modo de vestir e postura, que oferecem pasto à leviandade, à ambição e à luxúria.

b) Comprei dez bois e devo experimentá-los no arado, por isto não posso ir. Esta é outra das desculpas com que os católicos violam o banquete festivo: "Tenho um negócio a fechar, tenho uma colheita madura a fazer, tenho um trabalho urgente a acabar..." A avareza e a ânsia do ganho maldito impele-os a tornar-se como máquinas e como animais, e a negarem a si o santo repouso.

Como mete dó, no domingo, ver as chaminés fumegarem, ouvir o rumor dos martelos e dos motores, observar os homens no meio dos campos! Os direitos de Deus não valem então mais nada? Que adianta ao homem ganhar o mundo todo, se perder a alma?

Recordai ainda a receita segura que São João Maria Vianney passava para os que queriam ir à miséria: "Roubar ou trabalhar no domingo". Sim, porque o Senhor não corre, mas chega sempre. E quantas vezes, observando os campos queimados pela seca sob um sol de bronze e devastados pelo granizo, a gente pensa no trabalho em dia de festa! E quantas vezes, encontrando operários desocupados ou diretores de empresas falidas, a gente pensa nos Domingos profanados!

c) Tomei mulher, e por isto não quero ir. Esta é a desculpa mais terrível para profanar o banquete festivo: "Tenho vontade de buscar o prazer, e não de santificar o dia de festa". O dia da oração tornou-se o dia do prazer; o dia da pureza tornou-se o dia da carne triunfante; o dia da alegria tornou-se o dia da orgia.

Olhai os cafés, sim, mas não a Missa; o passeio, sim, mas não o catecismo; o ócio, sim, mas não a oração; a desonestidade, sim, mas não os sacramentos; o demônio, sim, mas não o Senhor.

Nas tardes dos dias de festa, as nossas igrejas e capelas vão ficando desertas: onde está a juventude? As ruas estão cheias, as salas de baile são um vórtice infernal, os espetáculos mundanos e obscenos são as falsas sereias.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 22 de maio de 2008

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Catena Aurea

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos santos

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Não provará o meu jantar"

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