FELICIDADE NO SERVIÇO DE DEUS (Sl 100, 2)
“Servi a Deus com alegria...”
1° Não há felicidade nas concupiscências do século
Infeliz do católico que abandona o Deus Eterno para buscar paz e felicidade no mundo inimigo de Deus e das almas imortais. O próprio Cristo Jesus disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá” (Jo 14, 27). O mundo não pode dar aquilo que não possui, isto é, a felicidade. A felicidade, vendida nas esquinas ou oferecida como sedução de um prazer fugaz, deixa o gosto amargo e a ressaca de uma estúpida embriaguez. A felicidade é a flor que desabrocha no madeiro da cruz, é a consciência de quem pode gritar, de cabeça erguida, que nada tem feito em detrimento do seu semelhante. O homem, solitário, mas andarilho, não encontraria o caminho da felicidade que não possui ocaso. O estudo da filosofia ou das religiões mostra-nos como a busca da felicidade, sem um mergulho no eterno, é perturbada pela morte e pelo mistério do nada que agita o coração humano. Veio Alguém a ensinar ao homem o caminho de uma felicidade que não pode ser vencida pelo acaso, porque lança as suas raízes no eterno: Cristo Jesus. O mistério da Encarnação é a verdadeira escola da teologia. A adoração do Cristo Encarnado torna-nos capaz de contemplar o próprio Deus. Em Cristo, o mistério é-nos revelado. Jesus promete uma alegria completa, atual e perene. A felicidade não é utopia, é a realidade que só é possível ser acolhida por um coração aberto, capaz de acreditar no impossível humano que é possível para Deus. Os santos sempre foram os cantores da felicidade verdadeira. A alegria do Evangelho não é sorriso “comercializado e vulgarizado”, que somos acostumados a ver em todas as páginas das revistas. A felicidade sóbria e serena dos santos é fruto de uma ascese e de uma identificação na vivência com a Palavra do Senhor. Debalde pretende a alma encontrar o seu repouso na concupiscência da carne, isto é, envolvendo-se na matéria ou nos prazeres dos sentidos. Criada à imagem de Deus, cidadã do céu que deve reconquistar, são devidas à sua inteligência e à sua vontade, alegrias mais nobres e duradouras. O seu desejo de felicidade não se poderia limitar à terra e aos prazeres carnais, pois ela foi criada para uma beatitude celeste e espiritual que é a posse de Deus: “Sou cada dia mais feliz, pois sou de Nosso Senhor. Ele me dá a felicidade verdadeira... O amor a Jesus dá forças e alegria” (Santa Teresa dos Andes). Somente no Deus Infinito encontraremos a verdadeira felicidade; aquela que satisfaz a nossa alma imortal e que nos torna sedentos de nos consumir por Ele. Por mais que façamos, o nosso coração foi criado para Deus; eis um princípio basilar; tem uma capacidade de infinito, e nenhuma criatura o pode saciar perfeitamente. Fora de Deus só há alegria efêmera e paz ilusória; em vão se agita o coração correndo após a criatura. Escreve Santo Agostinho: “Por que teimais em percorrer sempre os caminhos penosos e fatigantes? O repouso não está onde o procurais; sem dúvida procurai-o, mas não onde se acha: buscais a felicidade na região da morte; ela está noutra parte. Como poderia a vida feliz encontrar-se onde nem mesmo se encontra a verdadeira vida? Aquele que é a vida, a nossa vida, desceu ao meio de nós. Só n’Ele, em Cristo Jesus, se encontra o princípio da vida, a fonte da paz”. Será a nossa alma mais feliz na posse das riquezas? De modo nenhum: imensamente superior a todos os tesouros que o mundo ambiciona, como poderia saciar-se com eles? São lhes necessários bens em relação com a excelência do seu ser, da sua razão e dos seus destinos. Ela sente o vácuo das riquezas que perecem, conhece-lhes a fragilidade. Também o luxo do mundo ser-lhe-á sempre uma suprema vaidade; ela suspira pelo único bem, no qual estão todos os outros bens: “Deus é o único Bem que nos pode satisfazer, o único ideal que nos pode apaixonar inteiramente. Encontro tudo n’Ele. Alegro-me até o íntimo por vê-lo tão lindo, por sentir-me sempre unida a Ele, já que Deus é imenso e está em toda parte. Ninguém pode separar-me d’Ele. Sua essência divina é minha vida. Deus me sustenta em cada momento, alimenta-me. Tudo quanto vejo fala-me de seu poder infinito e de seu amor. Unindo-me a seu Ser Divino: santifico-me, aperfeiçôo-me e divinizo-me” (Santa Teresa dos Andes). Parece, entretanto, que a ambição das honras ou o orgulho da vida, sendo mais proporcionada à espiritualidade da nossa alma, deveria satisfazê-la; mas não. As dignidades são sempre limitadas e nosso coração tem desejos sem limites. A fama é uma fumaça passageira e nós aspiramos instintivamente a uma glória imortal. Por que então, homem racional, imagem viva de Deus, por que procuras a felicidade na estima das criaturas? Por que nas riquezas e prazeres dos sentidos? “Não pode saciar-te com nenhum bem temporal, porque não és criada para gozar do que é caduco. Ainda que possuísses todos os bens criados, não poderias ser ditosa e bem-aventurada; só em Deus, que criou todas as coisas, consiste tua bem-aventurança e felicidade” (Tomás de Kempis). Meu Deus, tenho vergonha de mim mesmo ao considerar as minhas más inclinações, que me levam a afastar-me de vós, oceano de todos os bens, para me dessedentar em cisternas dessecadas, que não podem saciar minha sede de grandeza e felicidade. Dignai-vos atrair-me a Vós, e por isso: 1.° Mostrai-me o nada que passa com a vida presente e a realidade dos méritos que se levam para a eternidade; 2.° Inspirai-me o desejo de Vos amar sem partilha e de enriquecer-me com as virtudes antes do dia e da hora em que vos deverei prestar contas de todos os meus instantes.
2.° Onde se encontra a verdadeira felicidade
Acharemos o contentamento, quanto este é possível no mundo, guardando a paz com Deus, com o próximo e conosco mesmos. Nós a temos com Deus, vivendo em estado de graça ou evitando sempre o pecado mortal; fruímo-la melhor ainda quando fugimos das menores faltas, estando dispostos a antes morrer do que cometê-las de caso deliberado. Essas disposições encerram tudo o que pode tranquilizar uma alma, nutrir a sua confiança e enchê-la de alegria. Como é bom observar as leis do Senhor! “Uma paz abundante é a partilha dos que a amam e praticam fielmente” (Sl 118, 165). Quem encontra a Deus, possui a verdadeira felicidade, porque ela não pode existir longe do Senhor. Fomos feitos para a felicidade, para sermos felizes: o nosso coração tem uma capacidade de infinito, e só Deus o pode saciar perfeitamente. Santo Agostinho escreve: “Foi para Vós, Senhor, que nos criastes, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não encontrar repouso em Vós”, e: “Como é bonito unir, identificar a nossa vontade com a d’Ele! Agindo assim, sentimo-nos sempre felizes e sempre contentes” (Bem-aventurada Elisabete da Trindade). Aquele que busca algo fora de Deus ou da sua vontade não encontrará felicidade estável e perfeita. Também, para termos a paz com o próximo; suportemos com mansidão os seus defeitos, suas desatenções e sua indelicadeza. Desculpemo-los ordinariamente e não acusemos senão a nós mesmos nas contradições e nas contrariedades. Digamo-nos nessas ocasiões: “Como é que um santo ou Jesus, se estivesse em nosso lugar, suportaria esta pena, esta humilhação? Imitemo-lo e, a seu exemplo, sejamos atenciosos, afáveis e benévolos, a fim de termos paz com todos”. São Paulo escreve: “... procurando, se possível, viver em paz com todos, por quanto de vós depende” (Rm 12, 18). Mas a verdadeira felicidade exige ainda que tenhamos paz conosco mesmos, a qual se obtém pela vitória sobre os defeitos próprios, pelo império adquirido sobre as inclinações por meio da graça. Seria, pois, um erro basearmos a nossa tranquilidade sobre a virtude alheia, sobre a sua mansidão conosco. Não encontraremos o sossego da alma a não ser no triunfo sobre as nossas paixões, causa única das nossas perturbações. O Espírito Santo nos dará então o doce testemunho, de que fala o apóstolo, de que somos os filhos de Deus e os herdeiros do céu, testemunho que nos fará antegozar interiormente as delícias dum festim perpétuo. Ó Jesus! Donde me vêm os dissabores, as tristezas, os desânimos, senão da minha pouca fidelidade aos vossos preceitos e da grande sensibilidade do meu amor próprio? Pela intercessão da vossa divina Mãe, concedei-me: 1.° Integral pureza de coração, isenta de falta e apego terrestre; 2.° Harmonia perfeita com meus irmãos por espírito de condescendência e caridade; 3.° Abnegação completa da minha vontade, dos meus desejos, dos meus gostos naturais sempre e em todas as circunstâncias. A esse preço espero gozar, já nesta vida, uma paz profunda e durável, paz com Deus, com o próximo e comigo mesmo.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 24 de janeiro de 2009
Bibliografia
Bíblia Sagrada Santa Teresa dos Andes, Cartas Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano Santo Agostinho, Confissões e Regra Bem-aventurada Elisabete da Trindade, Obras Completas Bem-aventurado Columba Marmion, Jesus Cristo: Ideal do monge Frei Patrício Sciadini, Clássicos da Espiritualidade Tomás de Kempis, Imitação de Cristo
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