ELE TEM FEITO TUDO BEM (Mc 7, 37)
“Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: ‘Ele tem feito tudo bem”.
I. Motivos para fazermos bem as ações ordinárias
Como é repugnante ver alguém realizar as ações somente por realizá-las, sem nenhum desejo de perfeição. É preciso aprender de Nosso Senhor: ‘Ele tem feito tudo bem” (Mc 7, 37). Com estas palavras, as multidões teceram o mais belo elogio sobre Jesus Cristo: disseram que Ele fazia com perfeição, não só as coisas extraordinárias, mas também as ordinárias. “Ele fez todas as coisas com perfeição!” Esta frase deveria ser escrita em todas as paredes e seria estupendo se, ao morrermos, pudessem gravá-la no nosso túmulo! Que não se escreva: “Fez milagres!”, mas antes e simplesmente: “Fez todas as coisas com perfeição!” Nosso Senhor sempre fez bem todas as coisas, tudo com perfeição infinita, as importantes como as pequenas. O Pai celeste quis que Ele assumisse um corpo mortal e vivesse à nossa semelhança, percorrendo as diferentes etapas da vida humana, da infância à maturidade viril. Assim fez, de fato: praticou as ações próprias da sua idade, manifestou-se gradualmente com o passar dos anos, realizou tudo com perfeição, inclusive as ações insignificantes e comuns, tudo de maneira perfeita, isto é, em conformidade ao beneplácito do Pai, e também com o mais puro e elevado fim, de sorte que, em tudo e sempre, agradou ao Pai celestial: “Este é o meu filho amado no qual ponho a minha complacência” (Mt 3,17). E nós? Até agora executamos todos os nossos deveres com perfeição? Jamais uma ação pecaminosa? Nenhuma que contrariasse a vontade de Deus? Nenhuma com fins menos retos? Visto que estamos no mundo unicamente para amar e servir a Deus, tudo quanto não combina com a Sua vontade e não é feito para Lhe agradar, não é bem feito. Deploremos, pois, o passado e proponhamos para que no futuro todas as nossas ações sejam boas em si mesmas, realizadas com reta intenção e com perfeição. Não basta que o servo cumpra materialmente o seu dever, com certa perfeição, mas deve cumpri-lo de tal maneira que agrade a seu patrão: com presteza, exatidão e boa vontade. Não basta fazer o bem: “O bem deve ser feito com perfeição” (São José Cafasso). Não basta rezar o terço, é preciso rezá-lo bem; se estudamos, devemos estudar bem; se trabalhamos, trabalhemos bem; assim com todas as atividades do dia. Há santos que não operaram nenhum milagre durante sua vida, por exemplo, São Vicente de Paulo. Entretanto, todos procuraram agir com perfeição. Numerosas almas piedosas entregam-se a diversos exercícios de piedade, aliás louváveis, em certos dias, por exemplo, nas novenas. A melhor de todas as devoções, entretanto, seria então fazer as ações ordinárias com mais atenção e fervor. Nos trabalhos de cada dia encontram-se, com efeito, os nossos deveres mais essenciais — os que se repetem mais vezes, e de que se compõe a nossa vida. Realizando-os com cuidado, a alma tem certeza de uma vantagem infinitamente preciosa, isto é, de estar conforme o beneplácito divino. De outro lado, os trabalhos difíceis e extraordinários não estão ao alcance de todos e não se praticam em todos os tempos. As ações comuns, porém, como a oração, a comunhão, a leitura, o exame... são de todos os dias e estão ao alcance de todos; o mesmo se diga dos deveres e de tudo o que nos é imposto. Muito erra, pois, a alma que as faz com negligência e sem cuidado. O Salvador afirma que a infidelidade nas coisas pequenas acarreta a infidelidade nas grandes. Ao contrário, quando alguém é fiel nas ocorrências cotidianas, sê-lo-á também nos casos raros e extraordinários (Lc 16, 10). E que tesouro de méritos não adquire quem é cuidadoso em suas ações! São Bernardo de Claraval, assistindo uma vez à oração da manhã, viu diversos anjos que tomavam nota do que os monges faziam no coro: escreviam com ouro quanto a uns, com prata quanto a outros ou então com tinta; serviam-se até de água a respeito de alguns; queriam com isso indicar a perfeição ou imperfeição das orações de cada um e o maior ou menor mérito que delas conseguiria. De que vos servirão as obras santas se as realizais com negligência? Tantas leituras, missas, comunhões... se por vossa culpa se tornarem objeto de condenação? “Meu Deus, fazei-me conhecer se é a Vós ou a mim que procuro nas minhas ações. Dai-me a graça: 1.° De, a exemplo dos santos, desejar unicamente a Vossa glória e contentamento em meus trabalhos; 2.° De unir-me em tudo às disposições infinitamente perfeitas de Jesus, durante a Sua vida mortal e agora ainda em sua vida eucarística” (Pe. Luís Bronchain).
II. Meios de fazer bem todas as ações
Tudo depende da intenção: podemos santificar as menores coisas, transformar as ações mais comuns da vida em ações divinas! Há almas que desanimam quando pensam numa vida sempre cheia de fervor e exatidão; figuram-se um porvir, prolongado de esforços, constrangimentos, renúncias; e essa terrível perspectiva tira-lhes a força de aspirar à perfeição. Qual o remédio para esse mal, senão circunscrever nossas reflexões para o dia presente, sem nos inquietarmos do dia de amanhã? Se temos hoje a força de cumprir nossas obrigações, por que não a teríamos também amanhã? Ainda mais, a nossa fidelidade aumentará em nós as graças de cada dia. Para isso, deveríamos até concentrar a nossa atenção só sobre a ação do momento, para melhor a realizarmos, porque os pensamentos estranhos à ocupação atual só servem muitas vezes para nos causar perturbação, inquietação e atropelo; ao menos impedem-nos de cumprirmos com perfeição o dever que Deus nos impõe. Entreguemo-nos, pois, inteiramente, de espírito e de coração à meditação, ao exame e ao trabalho, sem nos distrairmos inutilmente com a lembrança do passado ou com as previsões do futuro. Digamos com São Francisco de Sales: “Enquanto faço uma ação, não estou obrigado a fazer outra”. Vamos até mais longe a conselho de São Bernardo de Claraval: “Em tudo o que fizerdes, perguntai-vos: Se tivesse de morrer agora, faria isso ou o faria dessa maneira?” Dizei-vos muitas vezes: Se esta missa fosse a última a oferecer a Deus, ou esta comunhão o viático da minha última viagem, que devoção não empregaria eu? Se esta oração, este rosário, este trabalho, este repouso, esta palestra fossem as últimas ações da minha vida, que cuidado não teria eu em santificá-las? Agi, então de acordo; empregai no cumprimento de cada um dos vossos deveres o fervor que animaria um moribundo cheio de fé, prestes a comparecer diante de Deus. “Jesus, quantos espectros e imaginações me distraem nos meus exercícios de piedade! Que agitação em minhas ações! Meu espírito não sabe recolher-se, porque ao meu coração faltam a calma e a união Convosco” (Pe. Luís Bronchain). São José Cafasso sugere algumas considerações que nos ajudam a cumprir fervorosamente os deveres do dia-a-dia. Primeira: fazer cada coisa como a faria Nosso Senhor. São Basílio afirma que “toda ação do Salvador é uma regra”. Devemos conformar-nos a Ele; é mister que façamos tudo como o faria Ele, de tal sorte que seja Jesus a viver e a operar em nós. Para que, de fato, seja assim, urge executar todas as coisas com perfeição, do contrário obriga-lo-íamos ao fiasco, e então Ele nos poderia dizer: “Não és a minha imagem, não sou eu que vivo em ti, porque eu não faria as coisas desta forma!” Perguntemo-nos, portanto, antes de qualquer ação: “Se Jesus estivesse no meu lugar, como se comportaria? Pensaria assim? Falaria deste jeito? Agiria deste modo?” Se pensássemos sempre desta maneira, com que fervor não cumpriríamos todos os nossos deveres! Os santos, sem exceção, sempre procuraram adaptar-se a Nosso Senhor. “Os que ele conheceu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho...” (Rm 8, 29). Segunda consideração: fazer todas as coisas como gostaríamos de tê-las feito na hora da prestação de contas, ante o tribunal de Deus. Diz a Imitação de Cristo: “Os que em vida se conformaram a Jesus Crucificado, apresentar-se-ão ao seu tribunal com grande confiança”. Portanto, julguemo-nos agora, com franqueza corajosa, para depois comparecermos tranquilos perante o tribunal divino. Quando ides à igreja, especialmente durante a visita a Jesus Sacramentado, dizei-lhe que vos julgue agora — tempo de misericórdia — para não serdes julgados quando ele vier como justo Juiz. “Juiz do justo castigo, dai-me a graça do perdão, antes que raie o dia do juízo”. Depois examinai-vos: hoje fui fervoroso, obediente, caridoso? E ouvi a sentença. Nosso Senhor tudo sabe, tudo vê. Terceira consideração: cumprir cada dever, cada ação, como se fosse a última da nossa vida. Esta não se diferencia muito da precedente, mas um pouco sim; aqui se trata do ato particular que estou realizando. São Bernardo de Claraval perguntava-se a cada ação: “Se devesses morrer neste instante, farias isto? Ou então, fa-lo-ias deste modo?” Perguntaram a São Luís Gonzaga durante o recreio: “Que farias se soubesses que daqui a pouco a morte viesse te buscar?” Respondeu simplesmente: “Continuaria a brincar!” Ele cumpria um dever e o cumpria por amor de Deus, por isso estava preparado. Assim vós: qualquer coisa que façais, fazei-a com perfeição, para ficardes tranquilos, ainda que a morte vos colha de repente. Quarta consideração: cumprir cada ação como se não houvesse mais nada a fazer. Amiúde acontece que, enquanto fazemos uma coisa, pensamos em outra. Não deve ser assim. “Faze o que deves fazer!” Põe todo o empenho no dever atual, sem pensar no que fizeste antes ou no que farás depois. Especialmente na igreja: afastemos os pensamentos estranhos, ainda que sejam bons, como as preocupações de estudo, etc. Não interrompamos a oração para fazer apontamentos ou para seguir um pouco a oração e ao mesmo tempo agarrar uma ideia que passa pela cabeça... São Boaventura afirma: “A ciência que alguém despreza por amor à virtude, encontra-la-á depois por meio da virtude”. O conhecimento que deixamos de lado para rezar com mais fervor, não será esquecido; pelo contrário, vê-lo-emos melhor depois, com maior clareza ainda, porque Nosso Senhor recompensa o sacrifício que fizemos para rezar bem. Assim durante o tempo de estudo: não pensar em outras coisas, mas colocar todo o empenho na ação que se está fazendo: estudar com diligência. Às vezes sonhamos de olhos abertos: ao invés de concentrarmos toda nossa atenção no dever atual, retornamos com o pensamento aos fatos do passado, que não se podem mais remediar, ou preocupamo-nos de coisas futuras que talvez nunca se realizarão. Não desejemos coisas impossíveis, que nunca faremos, mas executemos a risca o dever do momento.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 12 de fevereiro de 2009
Bibliografia
Bíblia Sagrada Pe. Luís Bronchain, Meditações para todos os dias do ano Bem-aventurada Elisabete da Trindade, Obras Completas Colombero, Vita del Beato G. Cafasso Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual
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