RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
 (Jo 5, 28-29)

 

“Não vos admireis com isto: vem a hora em que todos os que repousam    nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão; os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento”.

 

Quando São Gregório Magno ainda era secretário pontifício em Constantinopla, surgira uma discussão entre aqueles cristãos sobre a ressurreição dos corpos. Entrementes, adoecera gravemente Eutíquio, o patriarca. São Gregório, e muitos com ele, foram ter com Eutíquio para ouvirem também o seu último parecer na questão que se agitara. Eutíquio, no leito, tocando as mãos e mostrando-as a eles, disse: “Coragem! Todos nós ressuscitaremos nesta carne”. Depois, alegre com esta esperança, morreu.

Católico, os animais todos vivem e morrem. Morrem os animais que vivem na terra, as avezinhas dos céus e os peixes do mar e dos rios. O homem também morre: “O homem, nascido de mulher, tem a vida curta e cheia de tormentos. É como a flor que se abre e logo murcha, foge como sombra sem parar” (Jó 14, 1-2), e: “E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez” (Hb 9, 27), e também: “A sentença de morte foi escrita para todo o gênero humano. O homem deve morrer” (Santo Afonso Maria de Ligório), e ainda: “Ao nascer, é como se o homem principiasse uma viagem cujo tempo ignora. Sabe que subirá e descerá, que andará aos raios do sol e no meio de tempestades, até chegar, um dia, ao fim da viagem. Mas ninguém sabe quando chegará esse fim” (Mons. Tihamer Tóth), e: “Todos havemos de morrer. É esta a sentença a que todos vivemos condenados neste mundo” (Pe. Alexandrino Monteiro).

Morrem os animais e os seus corpos desaparecem na terra para nunca mais viver. Não é isso que acontece propriamente com os homens.

Quando se leva um cadáver para o cemitério, para ser enterrado, esse corpo vai também se tornar pó da terra, mas um dia ele ressuscitará, isto é, voltará a viver juntamente com sua alma: “Ao clamor pavoroso dessa voz descerão do céu as almas gloriosas dos bem-aventurados para se unirem a seus corpos, com que serviram a Deus neste mundo. As almas infelizes dos condenados sairão do inferno e se unirão a seus corpos malditos, que foram instrumentos para ofender a Deus” (Santo Afonso Maria de Ligório), e: “A Igreja ensina que cada alma espiritual é diretamente criada por Deus – não é ‘produzida’ pelos pais – e é imortal: ela não perece quando da separação do corpo na morte e se unirá novamente ao corpo na ressurreição final” (Catecismo da Igreja Católica, 366).

A Igreja nos ensina que no fim do mundo os corpos dos homens voltarão a viver.

É por isso que a Igreja presta reverência ao cadáver, benzendo o corpo e “condena” (deixou de condenar a partir de 1963, pelo Papa João XXIII) a prática de queimar os cadáveres; pois isso seria faltar com o respeito para com o corpo humano e agir contra a natureza que, de si mesma, se incumbe de dissolver o cadáver, tornando-o pó: “A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na ressurreição dos corpos” (Catecismo da Igreja Católica, 2301).

Alguém poderia perguntar: Mas se o nosso corpo se dissolve, se transforma em pó, como será possível, no fim do mundo, reunir novamente todas as parcelas que constituíram o meu corpo? Newton, o grande cientista, respondeu, certa ocasião, a esta mesma pergunta da seguinte forma. Tomou um punhado de limalha de ferro e misturou-a com areia. Perguntou, depois, à pessoa que lhe fizera a dificuldade: Você pode, agora, separar o ferro desta massa?” O outro lhe respondeu que não seria possível conseguir essa separação. Então Newton tomou um ímã e o aproximou da massa e todas as partículas de ferro se prenderam a ele. E Newton disse calmamente: “Quem deu tal força ao ímã, um pedaço de ferro sem vida, não poderá dar novamente seu corpo à nossa alma imortal?”

E o ímpio Voltaire, interrogado por uma mulher a respeito da ressurreição, respondeu: “Minha senhora, a ressurreição é a coisa mais simples deste mundo: não poderá Aquele que criou o homem uma vez, criá-lo também uma segunda  vez?”

Ninguém se admire, portanto, que a Igreja ensine a ressurreição dos corpos no juízo final. Naquele dia tremendo todos os que morreram hão de ressuscitar, voltarão a viver com a sua alma. É isto que Nosso Senhor ensinou.

Ele não ensinou aquilo que os espíritas dizem, isto é, que quando morre uma pessoa o seu espírito pode vagar pelos espaços ou então ir encarnar-se novamente em outra pessoa. Imaginem então o que aconteceria com o espírito ou a alma que se encarnou várias vezes digamos em João, Antônio e Pedro. Qual desses três corpos ressuscitaria para se unir àquela alma?

Não foi isto que Nosso Senhor ensinou.

Ele ensinou que o homem, João, por exemplo, tem corpo e alma. Quando João morre, a alma se separa do corpo e este torna-se um cadáver. A alma se apresenta a Deus para ser julgada, e o corpo que foi o companheiro da alma durante a vida neste mundo é sepultado. Depois de alguns anos, abrindo aquela sepultura, encontramos pó. O corpo se decompôs, somente os ossos maiores é que resistem mais algum tempo.

Quando, porém, chegar o fim do mundo, ao som das trombetas dos anjos, que obedecem às ordens de Deus, todos os corpos ressuscitarão. Nós também vamos ressuscitar. Haverá, entretanto, uma diferença. Os que morreram na graça de Deus terão o seu corpo belo, luminoso, perfeito, mesmo que nesta vida tenham sido deformados, como um aleijado, um leproso. Mas os que morreram no pecado, longe da amizade de Deus, mesmo que tenham sido corpos belíssimos neste mundo, ressuscitarão horrendos, feios e repugnantes.

É porque o fim do mundo vai ser o fim da mentira, da injustiça, do engano e da falsidade.

Então nós vamos ver os nossos conhecidos, os nossos amigos e os nossos inimigos: “Haverá filhos separados de seus pais; esposos, de suas esposas; patrões, de seus servos” (Santo Afonso Maria de Ligório).

Muita gente que zomba daqueles que praticam sua religião, que confessam e comungam, que assistem a Santa Missa no domingo, muita gente que só cuida do dinheiro, dos seus prazeres ou apenas da beleza do corpo, irá ressuscitar com um corpo horrível, medonho de feio e há de ficar assim por toda a eternidade.

Ao passo que aquele que cuidar mais de sua alma, que sempre se manteve fiel aos ensinamentos de nossa santa religião, esse ressuscitará com um corpo maravilhoso não só pela sua beleza, como pelas suas qualidades, iguais à do corpo glorificado de Jesus.

Por essas qualidades o corpo glorioso não pode sofrer mais nenhuma dor; ao contrário, recebe uma grande felicidade que lhe é comunicada pela sua alma bem-aventurada, move-se com facilidade de um lugar para outro e fica sempre sujeito à alma.

Embora Deus pudesse recompensar um seu servo fiel, dando-lhe apenas a felicidade da alma, na sua infinita vontade, quer o Senhor também que o corpo se associe à felicidade eterna da alma. E isto é muito conveniente, pelas seguintes razões:

1.º  O homem faz o bem e o mal com o corpo e com a alma. Por isso convém que o corpo e a alma tenham o seu prêmio ou castigo. É verdade, é a alma que vai dar conta a Deus pelo que o homem faz: só ela pensa e quer. Contudo, o corpo é companheiro e instrumento da alma tanto no bem como no  mal. É, pois, conveniente tenha ele também, na outra vida, o seu prêmio ou castigo que não encontra neste mundo.

2.º Além disso, o nosso corpo foi tantas vezes santificado pelos sacramentos, feito templo do Espírito Santo pelo batismo e alimentado com o próprio Corpo e Sangue de Deus. A conveniência pede que não tenha a mesma sorte que os cadáveres dos animais, mas que ressuscite imortal e com grande esplendor: “O que come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 5, 56).

3.º  Se Cristo,  se o seu corpo ressuscitou, diz São Paulo, nós que formamos o seu corpo místico, que somos os membros do se corpo místico, também ressuscitaremos gloriosos com Ele.

4.º Jesus veio reparar o mal que Adão nos legou, e nos restituir, ou nesta ou na outra vida, os dons que Ele nos transmitiu em herança: Escreve São Paulo: “Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem, porque assim como a morte veio realmente por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos, e assim como em adão morrem todos, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Cor 15, 20-22).

Estas razões mostram a conveniência da ressurreição dos mortos.

Nosso Senhor, depois de descrever a destruição de Jerusalém, acrescenta: “E logo depois da aflição daqueles dias, escurecer-se-á o sol, e a lua não dará a sua claridade, e as estrelas cairão do céu, e as virtudes do céu serão abaladas. E então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu. E todos os povos da terra chorarão, e verão o Filho do homem chegar sobre as nuvens do céu, com grande poder e majestade. E enviará os seus anjos com trombetas e grande voz para juntar os seus eleitos dos quatro ventos, dos mais altos dos céus, até os confins” (Mt 24, 29-31). E São Paulo acrescenta: “Eis que vos revelo um mistério: todos certamente ressuscitamos... Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última tuba – porque uma trombeta soará – e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e seremos mudados. Pois é preciso que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade e que este corpo mortal se revista da imortalidade” (1 Cor 15, 51-53).

Todos ressuscitarão, bons e maus; uns para a vida eterna, outros para o opróbrio, para o inferno: “Não vos admireis disto, porque vem a hora em que todos os que jazem nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus. E os que tiverem feito o bem sairão para a ressurreição da vida; mas os que tiverem feito o mal, sairão ressuscitados para a condenação” (Jo 5, 28-29), e: “A vontade daquele que me enviou é que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas que os ressuscite no último dia” (Jo 6, 39).

Os apóstolos também anunciam com insistência a ressurreição dos mortos: “Depois a confiança em Deus, como eles mesmos também o fazem, que há de haver a ressurreição dos justos e dos pecadores” (At 24,15).

É São Paulo especialmente quem com mais frequência fala da ressurreição dos mortos. Na sua primeira carta aos Coríntios escreve: “E se se pode dizer algum dentre vós que não há ressurreição dos mortos? Pois se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação e também vã a nossa fé” (1 Cor 15, 12-15). A ressurreição dos mortos é uma consequência da ressurreição de Cristo.

Toda a Igreja, desde o começo, admitiu firmemente esta verdade revelada e a defendeu contra os ataques dos pagãos e hereges e a definiu como dogma de fé.

As pinturas e as inscrições nos antigos sepulcros e monumentos são também  uma prova da fé da Igreja nesta verdade.

O cuidado e o respeito que os católicos mostram aos corpos dos defuntos se apoiam na fé de que um dia esses corpos hão de ressuscitarem gloriosos: “Como o corpo da pessoa em que morou a graça foi certamente templo de Deus, a Igreja sempre mostrou uma grande reverência pelos corpos dos fiéis defuntos: sepulta-os com orações cheias de afeto e reverência, em túmulos bentos especialmente para este fim” (Pe. Leo J. Trese), e: “Ó Deus de misericórdia, que concedeis o repouso aos vossos fiéis, abençoai este túmulo e mandai um anjo para guardá-lo” (Sacramentário – Exéquias).

Tratemos, pois, este corpo conforme o seu destino glorioso e eterno. Usemo-lo para o bem, e ele ressuscitará glorioso para a vida eterna, participando da felicidade imensa da alma. Usando-o para o mal, estamos-lhe preparando um tormento eterno no fogo que não se apaga: “Se tua mão te escandalizar, te levar  ao pecado, corta-a, porque é melhor entrar no céu com uma só mão do que no inferno com duas. Se teu olho te levar ao pecado, arranca-o porque é melhor ir ao céu com um só olho do que ao inferno com dois” (Mt 18, 8-9), e: “Feliz aquele que nesta vida soube mortificar sua carne, recusando-lhe os prazeres proibidos, ou que, para melhor refreá-la, como fizeram os Santos, a macerou e lhe negou também os gozos permitidos dos sentidos” (Santo Afonso Maria de Ligório). Esta é uma expressão que significa: é melhor sofrer alguma privação aqui na terra do que ficar privado do céu.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 07 de dezembro de 2009

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Leituras de Doutrina Cristã

Catecismo da Igreja Católica

Sacramentário

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as Festas do Senhor e dos Santos

Pe. Leo J. Trese, A fé explicada

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Mons. Tihamer Tóth, A Vida Eterna

Pe. Alexandrino Monteiro, Raio de Luz

 

 

 
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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Ressureição dos mortos”
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