HAJA LUZ (Gn 1, 1-5)
“1 No princípio, Deus criou o céu e a terra. 2 Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas. 3 Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. 4 Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. 5 Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia”.
Em Gn 1, 1-5 diz: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia”.
Começa Moisés a descrição da criação do mundo com as palavras: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. “No princípio” quer dizer: quando ainda não existia nada do que passa a enumerar. Existia só Deus. Não sabemos ao certo há quantos séculos foi criado o mundo, mas sabemos com segurança que foi Deus quem o criou: “Assim diz Deus, que criou os céus e os estendeu, e fez a imensidão da terra e tudo o que dela brota, que deu o alento aos que a povoam e o sopro da vida aos que se movem sobre ela” (Is 42, 5), e: “O primeiro artigo do Credo ensina-nos que há um só Deus, o qual é todo-poderoso, e criou o céu e a terra e todas as coisas que no céu e na terra se contêm, isto é, todo o universo” (São Pio X, Catecismo Maior, n° 22), e também: “O Símbolo dos Apóstolos professa que Deus é o Criador do céu e da terra” (Catecismo da Igreja Católica, 325). Criar significa tirar do nada. Em outros termos: é tirar ou produzir alguma coisa onde antes não havia absolutamente nada: “Deus criou conjuntamente, do nada, desde o início do tempo, ambas as criaturas, a espiritual e a corporal, isto é, os Anjos e o mundo terrestre; em seguida, a criatura humana, que tem algo de ambas, por compor-se de espírito e de corpo” (IV Concílio de Latrão), e: “Pois Deus não formou o mundo de qualquer matéria, mas criou-o do nada, sem a tanto ser obrigado por violência estranha ou necessidade natural; mas por Sua livre e espontânea vontade” (Catecismo Romano, I, II, 15), e também: “Criar quer dizer fazer do nada; portanto, Deus diz-se Criador do céu e da terra porque fez do nada o céu e a terra, e todas as coisas que no céu e na terra se contêm, isto é, todo o universo” (São Pio X, Catecismo Maior, n° 28), Exemplo de criação: Miguel Ângelo fez de um bloco de mármore uma colossal estátua de Moisés, que foi o chefe do povo eleito, admirada ainda hoje por todos os que visitam a basílica que lembra a prisão de São Pedro, em Roma. Suponhamos que Miguel Ângelo tenha usado, para retalhar ou burilar a estátua, somente o mármore e o cinzel. Depois de concluída, poderia Miguel Ângelo dizer que tinha criado a estátua de Moisés? Não. Apenas imprimiu uma forma ou figura na matéria, isto é, no mármore que antes já existia. Para poder dizer que criara a estátua, fora necessário que o escultor com apenas um ato de sua inteligência e vontade tivesse feito surgir do nada não só a figura ou forma de Moisés, mas também o próprio mármore. “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Só Deus pode criar. Nenhum homem, nem mesmo um Anjo é capaz de criar a mínima coisa. Reuni num só homem todo o poder e toda a ciência de todos os homens juntos e dizei a este homem: “Faça o favor de nos criar uma florzinha”. Mas ele se verá obrigado a confessar: “Não sei, não posso!” O ato da criação exige um poder ilimitado, infinito. Ora, tal poder só Deus o possui, só Ele é todo-poderoso. Portanto, só Ele pode criar: “No princípio, Deus criou o céu e a terra’ (Gn 1, 1). Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: o Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo ‘criar’ – em hebraico, ‘bara’ – sempre tem como sujeito Deus. Tudo o que existe (expresso pela fórmula ‘o céu e a terra’) depende daquele que lhe dá o ser” (Catecismo da Igreja Católica, 290). O Pe. Alberto Colunga comenta: “Alguns Santos Padres viram na palavra céu uma alusão aos Anjos, enquanto que a terra designaria o mundo visível; porém, nada no contexto insinua que o hagiógrafo trate da criação dos espíritos angélicos, senão unicamente do mundo visível”. A vontade criadora de Deus não só chamou todas as coisas à existência, como as mantém nela. Se Deus retirasse o sustentáculo da sua vontade a qualquer criatura, esta deixaria de existir naquele mesmo instante; voltaria ao nada do qual saiu: “Sim, tu amas tudo o que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa se não a tivesses querido? Como conservaria a sua existência se não a tivesses chamado? Mas a todos perdoas, porque são teus: Senhor, amigo da vida!” (Sb 11, 24-26), e: “Deus cuida do mundo e de todas as coisas que criou, conserva-as e governa-as com a sua infinita bondade e sabedoria, e nada sucede no mundo sem que Deus o queira ou o permita” (São Pio X, Catecismo Maior, n° 31). Deus não precisou de tempo para criar o mundo. Moisés divide a descrição em vários dias, mas isto só para poder dar-nos uma imagem mais clara do poder e da sabedoria de Deus. Enumera uma depois da outra todas as obras de Deus, para significar que todas as coisas foram criadas por Deus. “... Deus criou o céu e a terra”. O mundo foi criado somente pelo Pai? Não. Deus Criador é Pai e Filho, e, como relação entre ambos, Espírito Santo. A criação é obra da Santíssima Trindade, e toda ela, porém, especialmente o homem criado a imagem e semelhança de Deus leva impressa de alguma forma seu sinal. Alguns padres da Igreja, como Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Basílio, à luz do Novo Testamento, viram na expressão “no princípio” um sentido mais profundo: “no Filho”. São Pio X escreve: “O mundo foi criado igualmente por todas as três Pessoas divinas, porque aquilo que uma Pessoa faz relativamente às criaturas, fazem-no com um só e o mesmo ato também as outras” (Catecismo Maior, n° 29). “... e um vento de Deus pairava sobre as águas”. Muitos Santos Padres, como por exemplo, São Jerônimo e Santo Atanásio, viram nessa passagem a presença do Espírito Santo como Pessoa divina, que atua, junto com o Pai e com o Filho, na criação do mundo: “Este conceito bíblico de criação comporta não só o chamamento à existência do próprio ser do cosmos, ou seja, o dom da existência, mas comporta também a presença do Espírito de Deus na criação, isto é, o início do comunicar-se salvífico de Deus às coisas que cria. Isto aplica-se, antes de mais, quanto ao homem, o qual foi criado à imagem e semelhança de Deus” (João Paulo II, Dominum et Vivificantem, n° 12). Em Gn 1, 3-5 diz: “Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia”. EUNSA comenta: “No primeiro dia, Deus cria a luz e a separa das trevas que, por ser algo negativo – ausência de luz -, não é objeto da criação. A luz se considera como uma realidade em si mesma, renunciando o fato de que a luz do dia se deva ao sol que será criado no quarto dia”. O Pe. Alberto Colunga escreve: “Como a luz foi criada antes que os astros da qual se origina? Que luz pode ser esta que Deus chama dia e que se contrapõe às trevas da noite? A resposta é clara, se fizermos emprego da mentalidade dos antigos e sua interpretação do fenômeno que observamos cada dia. Muito antes de sair o sol, percebemos a luz da aurora, como, depois do pôr do sol, a do crepúsculo. Sabemos que essa luz procede do sol, e qual, pelo efeito de seus raios na atmosfera, adianta e atrasa sua claridade. Porém, os antigos ignoram a causa deste fenômeno, e, fixando nas aparências, presumiam esta luz independente do sol e causa da claridade do dia, assim como sua ausência o era da noite. Os romanos veneravam entre seus múltiplos deuses a Matuta, a luz da aurora, que se antecipa ao sol; como os gregos a Leucotea, a qual se dizia amada de Apolo (sol), que a seguia. O autor sagrado, assim como os sábios de seu tempo e os dos posteriores se acomoda às aparências, e sem dar seus juízos sobre a realidade científica das mesmas. Com a aparição desta (luz) começa o dia, que segue até o entardecer, e termina ao aparecer a luz do segundo dia. O hagiógrafo começa pela obra da formação da luz porque sua aparição assinala a distinção dos dias, e como vai classificar as oito obras da criação em seus dias, necessita primeiro apresentar a luz, que é causa da distinção dos dias da semana. Por outra parte, o autor sagrado concebe a Deus como um operário que trabalha os seis dias da semana, e para o trabalho o primeiro que se necessita é de luz. Os semitas concebem a luz e as trevas como duas substâncias distintas que aqui aparecem separadas violentamente por Deus para que haja distinção de dias e de noites. É curioso que o autor sagrado fale da criação da luz e não disse nada das trevas. As trevas por serem símbolo do mal, enquanto que sua obscuridade abriga os malfeitores, não são apresentadas como obra de Deus. Por isso só se diz que a luz era boa”.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 20 de maio de 2010
Bibliografia
Sagrada Escritura Leituras da Doutrina Cristã São Pio X, Catecismo Maior EUNSA Pe. Alberto Colunga, Bíblia comentada João Paulo II, Dominum et Vivificantem, n° 12 Pe. Leo J. Trese, A fé explicada Catecismo da Igreja Católica IV Concílio de Latrão
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