CARTA À IGREJA EM ESMIRNA (Ap 2, 8-11)
“8 Ao Anjo da Igreja em Esmirna, escreve: Assim diz o Primeiro e o Último, aquele que esteve morto mas voltou à vida. 9 Conheço tua tribulação, tua indigência – és rico, porém! – e as blasfêmias de alguns dos que afirmam judeus mas não são – pelo contrário, são uma sinagoga de Satanás! 10 Não tenhas medo do que irás sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns dentre vós na prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação de dez dias. Mostra-te fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida. 11 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: o vencedor de modo algum será lesado pela segunda morte”.
Em Apocalipse 2, 8 diz: “Ao Anjo da Igreja em Esmirna, escreve: Assim diz o Primeiro e o Último, aquele que esteve morto mas voltou à vida”.
A carta aos de Esmirna é a mais breve das sete cartas. Só contém elogios, o qual supõe uma comunidade cristã irreprochável. Como em todas as cartas, vai encabeçada com o mandato de escrever ao Anjo, ao (Bispo). Esmirna está situada a uns 60 quilômetros ao norte de Éfeso. Também é uma cidade portuária e, naquela época, das principais da região, distinguindo-se pela sua fidelidade a Roma e pelo culto que ali se tributava ao imperador. Cristo apresenta-se a esta Igreja como verdadeiro Deus “o Primeiro e o Último” (Ap 1, 8), isto é, como Aquele que sempre existiu e nunca deixará de existir. Perante a divinização do Imperador, especialmente cultivada em Esmirna, os cristãos daquela cidade viviam com especial intensidade a sua fé em que só Cristo é verdadeiramente Senhor e Deus, e que como tal manifestou, sobretudo, na Sua Ressurreição gloriosa: “Ó Jesus, ressuscitando dos mortos por divino poder, abristes para nós a eternidade e nos ensinastes os caminhos da vida...” (São Boaventura). Por isso recorda, além disso, que esteve morto, mas que agora voltou à vida. A forma dos verbos ressalta que a morte de Cristo foi algo transitório, enquanto o Seu viver é algo permanente e definitivo: “... estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades” (Ap 1, 18).
Em Apocalipse 2, 9 diz: “Conheço tua tribulação, tua indigência – és rico, porém! – e as blasfêmias de alguns dos que afirmam judeus mas não são – pelo contrário, são uma sinagoga de Satanás!”
Os cristãos de Esmirna tiveram que suportar a perseguição e a pobreza, devida, sem dúvida, a que recusavam participar nas atividades relacionadas com o culto ao Imperador. A situação de pobreza pode converter-se em verdadeira riqueza, já que o Senhor se compraz no que é pobre e pequeno: “Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e, o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e, o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é” (1 Cor 1, 27-28), e: “Atentai para isto, meus amados irmãos: Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?” (Tg 2, 5). Um antigo autor cristão escrevia: “Diz-se que a maior parte de nós somos pobres. Isto não é um opróbrio, mas antes constitui uma glória, pois o espírito rebaixa-se com o luxo e robustece-se com a frugalidade. Por outro lado, pode ser pobre quem de nada necessita, quem não anela os bens alheios, quem é rico aos olhos de Deus? É pobre de verdade aquele que tendo muito, deseja mais (...). Assim como o viajante caminha com mais gosto quando vai menos carregado, do mesmo modo, nessa carreira da vida, é mais feliz o pobre livre de embaraços, que o rico curvado pelo peso das riquezas” (Minúcio Félix). A isto se acrescentava a calúnia de alguns Judeus, que acusavam os cristãos de agitadores diante dos pagãos e das autoridades, e que exerciam grande influência na população do Império Romano. Assim o reflete o Martírio de São Policarpo, que narra como, cinquenta anos depois de se escrever o Apocalipse, o santo bispo de Esmirna foi martirizado porque os Judeus da cidade incitaram o povo a pedir a sua morte: “Nem com isso desistiu o procônsul: ‘Tenho feras’, disse, ‘às quais te lançarei se não te converteres’. ‘Faze-as vir’, respondeu Policarpo; ‘impossível para nós uma conversão do melhor ao pior; o bem é poder passar dos males à justiça’. De novo, o procônsul: ‘Se não te convertes, se desprezas as feras, eu te farei consumir pelo fogo’. Policarpo: ‘Ameaças com o fogo que arde um momento e logo se apaga. Não conheces o fogo do juízo que há de vir e da pena eterna onde serão queimados os inimigos de Deus. Mas, que esperas ainda? Dá a sentença que te apraz !’ Proferindo estas e outras palavras, transbordaram nele a generosidade e a alegria e no seu rosto resplandeceu a graça. Não somente o interrogatório não o perturbou, mas foi o procônsul quem perdeu a calma. Este mandou então o arauto proclamar por três vezes no estádio: ‘Policarpo acaba de confessar-se cristão’. Mal tinha anunciado, a multidão de gentios e JUDEUS de Esmirna prorrompeu em gritos furiosos e desenfreados: ‘Eis o mestre da Ásia, o pai dos cristãos, o blasfemador dos nossos deuses, o que induz tantos outros a não mais honrá-los com sacrifício e orações’. E assim gritando, exigiram do asiarca Filipe que lançasse um leão sobre Policarpo. Ele recusou-se, observando que isso era impossível, pois os combates de feras haviam sido proibidos. Ocorreu imediatamente outra idéia à multidão gritando, a uma só voz: ‘Que Policarpo seja queimado vivo!’ Com efeito, era preciso que se cumprisse a visão do travesseiro. Tinha visto em chamas, quando estava em oração e voltando-se para os fiéis que o rodeavam dissera em tom profético: ‘Devo ser queimado vivo” (O martírio de São Policarpo). Visto que colaboravam dessa forma com a idolatria, em lugar de defender os adoradores do verdadeiro Deus, não mereciam o título honorífico de “judeus”, mas antes o de servidores de Satanás, o adversário de Deus. Opondo-se aos cristãos, tinham a mesma atitude que os que se tinham oposto a Jesus Cristo, pelo que foram qualificados de filhos do Diabo: “Vós sois do diabo, vosso pai” (Jo 8, 44). Tais Judeus, ainda que se chamem assim, não são realmente membros do Povo de Deus, pois, como ensina São Paulo “nem todos os descendentes de Israel são Israel; nem por ser descendentes de Abraão todos são filhos (...). Isto é, não são os filhos da carne, que são filhos de Deus; os filhos da promessa é que são contados como descendência” (Rm 9, 6-8). O novo e verdadeiro Israel é a Igreja de Jesus Cristo, que reconhece que os começos da sua fé e da sua eleição se encontram já nos Patriarcas, em Moisés e nos Profetas, conforme o mistério salvífico de Deus. Reconhece que todos os cristãos, filhos de Abraão segundo a fé (cfr Gl 3, 7), estão incluídos na vocação do próprio patriarca.
Em Apocalipse 2, 10 diz: “Não tenhas medo do que irás sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns dentre vós na prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação de dez dias. Mostra-te fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida”.
A Igreja de Esmirna não recebe nenhuma admoestação do Senhor, mas palavras de ânimo: a sua situação foi prevista por Deus, e ainda que por pouco tempo - “dez dias” : “Por favor, põe os teus servos à prova durante dez dias” (Dn 1, 12) – aumentará a gravidade da provação. Daí que se exorte a serem fiéis até ao fim, até à morte, para obterem a coroa dos vencedores: “Os atletas abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível” (1 Cor 9, 25), e: “Prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus” (Fl 3, 14), e também: “Assim, quando aparecer o supremo pastor, recebereis a coroa imarcescível da glória” (1 Pd 5, 4). A imagem está tomada das competições desportivas da época, nas quais se recebia uma coroa feita com folhas de loureiro ou com flores viçosas, que simbolizava a perenidade da glória, mas na realidade era algo morto e caduco. Encontramos aqui, além disso, todo um programa de vida: a fidelidade aos compromissos assumidos e a lealdade permanente ao amor de Cristo. Para se salvar é necessária a perseverança até ao fim, viver – com palavra de Santa Teresa de Jesus – “com uma grande e muito determinada determinação de não parar até chegar a ela (a vida eterna), venha o que vier, aconteça o que acontecer, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar, quer se chegue além, quer se morra no caminho, quer não tenha devoção para os trabalhos que há nele, quer se afunde no mundo”, e: “É fácil ser coerente por um dia ou alguns dias. Difícil e importante é ser coerente toda a vida. É fácil ser coerente à hora da exaltação, difícil sê-lo na hora da tribulação. E só pode chamar-se fidelidade uma coerência que dura toda a vida” (João Paulo II).
Em Apocalipse 2, 11 diz: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: o vencedor de modo algum será lesado pela segunda morte”.
“Segunda morte”: Faz referência à condenação definitiva. O Senhor termina a carta prometendo ao vencedor que não será lesado pela segunda morte. A segunda morte “significa a morte eterna” (Pe. José Salguero), a perdição da alma e a privação eterna de Deus num tanque de fogo. De tudo isso se verá livre o cristão que permanecer fiel a Deus até a morte. O autor sagrado parece confrontar a segunda morte à primeira, ou seja, à morte corporal, que alguns esmirnenses iriam sofrer como mártires. Por isso, Jesus Cristo se apresentou a essa Igreja como o princípio e o fim de toda vida, como o que passou pela morte para viver eternamente.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 04 de setembro de 2010
Bibliografia
Sagrada Escritura São Boaventura, O lenho da vida 34-35, Obr. Mist., pp. 113-114 Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, cap. 21, 2 Minúcio Félix, Octavius, 36, 3-6 O martírio de São Policarpo E. B. Allo, o. c. p. 36 João Paulo II, Homilia, 27-01-1979 Pe. José Salguero, Bíblia comentada Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura, texto e comentário Edições Theologica
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