JESUS, MODELO DE ABANDONO

(Lc 23, 46)

 

Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.

 

I. Exemplos de abandono dados por Jesus Cristo

 

O abandono à direção e à vontade divina é o mais alto grau de confiança e resignação: “A perfeição consiste em mortificar a nossa vontade e uni-la à vontade de Deus” (Santo Afonso Maria de Ligório), e: “Se procuras a vontade de Deus, que te importa estar são ou doente?” (São João de Ávila), e também: “Receber das mãos de Deus todas as coisas, como quer que aconteçam, é um grande meio para conservarmos a paz contínua e a tranquilidade do coração” (São Doroteu), e ainda: “Quando chegaremos a saborear a doçura da vontade divina em tudo que nos acontece, não tendo em conta senão a vontade divina? É certo que, com igual amor e para nosso maior proveito, nos são dadas tanto as desgraças como as prosperidades. Quando nos abandonaremos inteiramente nos braços de nosso boníssimo Pai, confiando-lhe o cuidado de nossas pessoas e de nossos trabalhos, reservando para nós somente o desejo de agradar a Deus?” (Santa Joana de Chantal), e: “Do santo abandono no Senhor nasce a liberdade de espírito que possuem as pessoas virtuosas. Nelas se encontra toda a felicidade que se pode desejar nesta vida. Nada temendo, nada querendo e nada cobiçando das coisas do mundo, tudo possuem” (Santa Teresa de Jesus).

Nosso Senhor Jesus Cristo exerceu divinamente o abandono, dando-nos o mais perfeito exemplo. Já em sua encarnação e nascimento oferece-se a Deus, seu Pai como o diz São Paulo, e pede-Lhe que d’Ele disponha segundo o seu beneplácito. A Providência o faz nascer numa gruta aberta e abandonada, exposta às intempéries do ar: “Onde nasce? – Numa gruta úmida e fria, num alpendre desabrigado, onde falta o aconchego do lar doméstico” (Pe. Alexandrino Monteiro). Logo depois o levam a um país inimigo: “Que pena devia causar ao Coração de Maria, o ouvir a intimação daquele duro exílio com seu Filho” (São João Crisóstomo). O reconduzem em seguida a Nazaré, para lá esperar, numa aparente inutilidade, o tempo marcado para os seus trabalhos; e Jesus submete-se a tudo, não contradiz, não opõe resistência, pois que confia perfeitamente na sabedoria, poder e bondade do seu divino Pai.

Quantas ocasiões para queixas e desânimos não teve Ele no tempo das suas pregações! Viera resgatar os homens, instruí-los, conduzi-los ao rebanho donde se afastaram pelo pecado e, entretanto, embora devorado de zelo, teve de contentar-se com a procura das ovelhas de Israel (Mt 15, 24). E os seus trabalhos, que teriam sidos coroados de sucesso relativos entre os gentios, produziram na maior parte dos judeus endurecimento e ruína. Que dor para o coração amante de Jesus! Ele renunciou a toda vontade própria e julgava tudo sempre de acordo com a sabedoria do Pai (Jo 5,30), e entregava-se a seu divino beneplácito (Jo 4, 34).

E quando chegou o tempo de sua paixão, com que coragem se pôs sem reserva à disposição dos seus juízes e de seus algozes! O seu corpo, a sua alma, a sua reputação, a sua vida, tudo esteve à mercê duma vil soldadesca, que lhe fez beber a taça das dores e dos opróbrios. E que fazia Jesus nesse oceano de tribulações? Repetia sem cessar como no jardim das Oliveiras: “Meu Pai, não se faça a minha vontade, mas a vossa” (Mt 26, 42).

O Pe. Luis de la Palma escreve: “O Senhor com esse brado, mostrou a confiança e segurança com que morria, o triunfo que conquistava sobre seus inimigos. Foi um clamor de vencedor”.

Católicos, é assim que entregais a Deus o cuidado da vossa honra, do vosso bem estar e do vosso futuro? Não ficais tristes, inquietos e abatidos quando o sucesso não corresponde às vossas expectativas, quando a estima e a boa reputação não lisonjeiam o vosso amor próprio?

Para viver em paz é preciso confiar e se abandonar em Deus... jamais deixar a inquietação entrar no nosso coração: “Tudo o que trás a inquietação vem do Demônio” (São João Berchmans).

Rezemos com o Pe. Luis Bronchain: “Meu Deus, muitas vezes a solicitude dos negócios temporais e das ocupações diárias, agita-me fazendo-me perder a calma, que é o fruto do abandono à vossa sabedoria e bondade. Dai-me a graça de resignar-me em confiar em vós: 1º Em todas as posições e funções, em todos os trabalhos e empregos que me quiserdes impor; 2º Nas contrariedades, pois que em tudo e sempre procurais o meu verdadeiro bem”.

 

II. Quando se deve exercer o abandono a Deus

 

Devemos praticá-lo, a exemplo de Jesus, em todos os acontecimentos da vida! “Entrega teu caminho a Deus, confia nele, e ele agirá” (Sl 37, 5).

Ignoramos os laços que unem o passado, o presente e o futuro; nunca estamos seguros duma hora de existência: “Vigiai, portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora” (Mt 25, 13). Como, pois, pretendemos prever as coisas futuras, arranjá-las de antemão, combiná-las segundo os cálculos da nossa fraca razão e de acordo com os desejos interessados do nosso amor próprio? Esquecemos que esse cuidado pertence a Deus, e que, se o homem propõe, é Deus que dispõe. Por não nos lembrarmos dessa máxima, inquietamo-nos como se tivéssemos de conduzir independentes de Deus.

Essa verdade ressalta ainda mais quando se trata da nossa perfeição e deveres ordinários: “Se o Senhor não edificar a casa, diz a Escritura, em vão trabalharão os que a querem construir” (Sl 126, 1). Se queremos, pois, santificar-nos e encontrar a paz, entreguemo-nos sem reserva ao beneplácito divino. – Moisés disse aos israelitas: “Deus vos levou como o homem carrega seu filhinho; instruiu-vos como um pai o seu filho” (Dt 1, 31; 8, 5). Se o Altíssimo assim procedeu com os judeus, na lei do temor, quanto mais o fará na lei do amor, sobretudo conosco, a quem Ele ama com ternura, chamando-nos à santidade: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 2).

Diz São Vicente de Paulo: “Quereis saber por que não somos bem sucedidos em nossos empreendimentos? É porque confiamos só em nós mesmos”. Depois acrescenta: “Um pregador, um superior, um confessor confia demais em sua prudência, ciência e engenho. Que faz Deus? Retira-se dele a fim de que conheça a sua inutilidade e incapacidade sem a graça”. Se quisermos, pois, desempenhar cabalmente os nossos deveres, não temamos tanto os obstáculos externos, mas os internos, isto é, os que procedem do nosso amor próprio, das nossas  más inclinações e vontade própria: “Desapareça a vontade própria e não haverá mais inferno” (São Bernardo de Claraval). Santo Afonso Maria de Ligório, explicando este pensamento, afirma que a vontade própria não só conduz ao inferno na outra vida, como também nesta nos faz sofrer um inferno antecipado.

Rezemos com o Pe. Luis Bronchain: “Meus Deus, inspirai-me a resolução: 1.º De encarar os acontecimentos, não com vistas humanas, mas segundo os desígnios da vossa sabedoria divina; 2.º Confiar em vosso amor, que se dignou chamar-me a uma perfeição especial, de preferência a tantos cristãos; 3.° De recorrer sempre a Vós em minhas ações, persuadido de que sem Vós sou incapaz de todo bem sobrenatural”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 06 de junho de 2011

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

São Vicente de Paulo, Escritos

Santo Afonso Maria de Ligório, A prática do amor a Jesus Cristo

São João de Ávila, Carta espiritual

São Doroteu, Doutrina VII

Santa Joana de Chantal, Escritos

Santa Teresa de Jesus, As fundações

Pe. Luis de la Palma, A paixão do Senhor

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

São João Crisóstomo, Escritos

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

São João Berchmans, Máximas

São Bernardo de Claraval, Sermão

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Jesus, modelo de abandono”

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