O LIVRINHO DOCE E AMARGO

(Ap 10, 8-11)

 

“A voz do céu que eu tinha ouvido tornou então a falar-me: ‘Vai, toma o livrinho aberto da mão do Anjo que está em pé sobre o mar e sobre a terra’. Fui, pois, ao Anjo e lhe pedi que me entregasse o livrinho. Ele então me disse: ‘Toma-o e devora-o; ele te amargará o estômago, mas em tua boca será doce como mel’. Tomei o livrinho da mão do Anjo e o devorei: na boca era doce como mel; quando o engoli, porém, meu estômago se tornou amargo. Disseram-me então: ‘É necessário que continues ainda a profetizar contra muitos povos, nações, línguas e reis”.

 

O livro descrito por Ez 2, 8-3, 3, ao comê-lo, é doce como o mel; mas quando Ezequiel vai profetizar, o seu coração está cheio de amargura e ardores (cfr Ez 3, 14). A mesma imagem dos sabores é recolhida aqui: sem dúvida para significar que a profecia compreende, por um lado, graça e bênção – salvação –, e, por outro, juízo e condenação. Também se pode interpretar a doçura como reflexo da vitória da Igreja; e a amargura como reflexo dos seus padecimentos.

O Pe. Geraldo Morujão comenta: “Mas esta visão está antes centrada em outro símbolo: um pequeno livro aberto, não selado, que aparece com grande aparato dramático e é entregue a João para que o coma. Esta imagem de rico simbolismo procede de Ezequiel (Ez 2, 8-9; 3, 1-3) e mostra o que é ser profeta: é receber a palavra de Deus, assimilá-la interiorizando-a e depois anunciá-la. Por outro lado, diz-se que é um livro doce na boca, mas amargo no ventre, pelas amarguras que implica ter de ser profeta; aqui doçura e amargura podem ser uma referência à alegria pelo triunfo da Igreja, com a dureza dos seus sofrimentos, ou então a severidade dos castigos a anunciar. Mais ainda: com a entrega do livro, fica insinuada a inspiração da Escritura Santa, pois nela é Deus que fala através do autor sagrado; é a palavra de Deus escrita entregue à Igreja, que esta tem a missão de guardar e proclamar (cfr. Dei Verbum, 11)”.

A voz que João ouviu (v. 4) lhe dá uma nova ordem. Vá e pegue o livro da mão do anjo que desceu do céu. É um livrinho aberto; portanto, seu conteúdo não é secreto e poderá ser comunicado aos cristãos. Sem essa voz ordenando, o anjo não lhe entregaria o livro. Trata-se do mesmo Jesus Cristo que fala.

Para entender melhor o que se segue, é preciso ter presente uma passagem do livro de Ezequiel. Na visão inaugural deste profeta aparece-lhe uma mão que sustenta um rolo, escrito muito denso, e que contém “lamentações, gemidos e ais”, isto é, castigos e pragas que serão anunciadas ao povo de Israel caso não se converta. Uma voz celeste ordena-lhe que o coma. O profeta o faz e sente o gosto... doce como o mel (Ez 2, 8-3, 3). De modo muito parecido, o anjo manda que João coma o pequeno livro que está em sua mão... que sentirá doce na sua boca e amargo nas entranhas. A doçura do mel significa a suavidade das visões e  as comunicações divinas, o encanto da palavra de Deus, a esperança da glória e a exaltação da Igreja, que verá claramente o vidente a ser anunciada por Deus, e também a amabilidade da justiça divina na mesma ordem reparada e da misericórdia na diminuição das penas.  O amargo interior será a dureza física e moral de sua missão, a ineficácia de seus esforços, o sofrimento pelos castigos dos pecadores, a maldade do grupo que não se converte, as chamas de ódio que suscitará sua missão contra ele mesmo, sua identificação moral com os penitentes no pranto e sua possível união com os que hão de se converter, formando como um todo moral com seus defeitos, sem tê-los.

É muito difícil, por não dizer impossível, dizer com certeza o conteúdo do pequeno livro.

O Pe. Jose Salguero comenta: “Outra vez a voz do céu, a mesma que havia proibido escrever a revelação dos sete tronos, fala ao vidente de Patmos. Ordena-lhe que pegue o livrinho aberto da mão do anjo que está sobre o mar e sobre a terra (v. 8). O anjo entrega-o e ordena que o coma. O livrinho estava aberto... significa que o seu conteúdo não era secreto e podia ser comunicado aos cristãos. Não era necessário abri-lo nem lê-lo publicamente, porque o Cordeiro já havia aberto o grande livro selado que continha tudo o que estava no livrinho e muitas outras coisas futuras. Convinha que São João o comesse, isto é, que assimilasse bem o seu conteúdo para anunciá-lo e profetizá-lo a todos os povos e nações (Ap 10, 11). O livrinho era doce na boca de São João, mas amargo no seu estômago. O livrinho era doce para São João porque anuncia o triunfo da Igreja e a libertação dos cristãos da opressão dos poderes pagãos. Porém, ao mesmo tempo o sentia amargo porque também anuncia os sofrimentos temporais dos cristãos e a sorte trágica dos pagãos. Seu coração compassivo de pai se sente angustiado ao contemplar a ruína de tantos infiéis. A missão profética, por outra parte, é uma coisa extraordinariamente elevada e doce; porém, às vezes é difícil de cumprir”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 11 de setembro de 2013

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Pe. Miguel Nicolau, La Sagrada Escritura (Texto y comentário)

Pe. Jose Salguero, Biblia comentada

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O livrinho doce e amargo”

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