OS QUE SERVEM A DEUS SERÃO PRESERVADOS

(Ap 7, 1-8)

 

“Depois disso, vi quatro Anjos, postados nos quatro cantos da terra, segurando os quatro ventos da terra, para que o vento não soprasse sobre a terra, sobre o mar ou sobre alguma árvore. Vi também outro Anjo que subia do Oriente com o selo do Deus vivo. Esse gritou em alta voz aos quatro Anjos que haviam sido encarregados de fazer mal à terra e ao mar: ‘Não danifiqueis a terra, o mar e as árvores, até que tenhamos marcado a fronte dos servos do nosso Deus’. Ouvi então o número dos que tinham sido marcados: cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel. Da tribo de Judá, doze mil foram marcados; da tribo de Rúben, doze mil; da tribo de Gad, doze mil; da tribo de Aser, doze mil; da tribo de Neftali, doze mil; da tribo de Manassés, doze mil; da tribo de Simeão, doze mil; da tribo de Levi, doze mil; da tribo de Issacar, doze mil; da tribo de Zabulon, doze mil; da tribo de José, doze mil; da tribo de Benjamim, doze mil foram marcados”.

 

Antes da abertura do sétimo selo, com a explosão da grande conflagração – após a angustiante pergunta: Quem poderá subsistir? -, é introduzido um intervalo de alívio e conforto para o leitor, com uma visão intermédia.

Segundo a imagem da tradição bíblica, quatro anjos nos quatro cantos da terra (que se considerava quadrada) seguram os quatro ventos da desgraça, os instrumentos de castigo (cfr. Eclo 39, 28). Um quinto anjo tem o encargo de fazer com que sejam poupados os que foram marcados na fronte com um selo ou marca de pertença a Deus (cfr. 2 Cor 1, 22: o caráter batismal). São 144.000 os marcados.

E quem são esses? Estamos diante de um número simbólico, em relação com as doze tribos de Israel (12 vezes 12.000), em que falta a de Gad, que pela sua má fama é substituída pela de José (Efraim). Esta enumeração pode fazer pensar nos judeus cristãos que se salvaram da guerra e destruição de Jerusalém no ano 70, e que constituíram o núcleo originário da Igreja, mas há quem pense que se indicam os cristãos em geral, pois a Igreja é o novo Israel de Deus (cfr. Gl 6, 16).

Na tradição judaica os Anjos dividem-se em duas categorias: os da presença e santificação, e os encarregados das forças da natureza. Na cena aparecem ambas as ordens.

Segundo o costume da época, a marca significa a pertença à pessoa proprietária do selo. Neste passo quer indicar-se que os cento e quarenta e quatro mil pertencem a Deus, e que, portanto, Ele os vai proteger como propriedade sua. Vê-se assim cumprido o que tinha anunciado o profeta Ezequiel (cfr. 9, 1-7), relativamente aos habitantes de Jerusalém: alguns seriam selados na fronte com um tau, última letra do alfabeto hebraico, e a eles não os alcançaria o castigo que ia cair sobre todos os outros. Fica refletida a particular providência que Deus exerce sobre os que são seus, não só em virtude da criação, mas por um novo título.

Os Padres da Igreja viram neste sinal um tipo do caráter batismal dos fiéis, destinados pela vocação cristã para a vida eterna. Com efeito, estas pessoas preservadas são os Judeus convertidos ao cristianismo, e que, portanto, se distinguem por razão do Batismo daqueles Judeus que rejeitaram Cristo e não se batizaram.

Na enumeração das tribos há certa diferença em relação com a que se costuma fazer, segundo a ordem de Gn 29. O fato de por em primeiro lugar Judá deve-se a que desta tribo nasceu o Messias, como recordou pouco antes São João (cfr. 5, 5). Por outro lado, a supressão da tribo de Dan deve-se, sem dúvida, ao fato desta tribo se ter tornado idólatra e acabando por desaparecer. Para completar então o número de doze, desdobra-se a tribo de José na deste e na de Manassés, seu primogênito.

O número dos selados (12x12x1.000) significa plenitude e,no nosso caso, designa uma grande multidão, apresentada como o novo Israel. Estão incluídos neste número todos os descendentes de Jacó que recebem o Batismo, sem distinção de tempo. É claro que não se há de entender este número na sua estrita literalidade, como se se salvassem só cento e quarenta e quatro mil pessoas. Nesta cena não estão incluídos explicitamente todos aqueles que, provindo dos gentios, se incorporem na Igreja ao longo da história. Aparecerão na visão seguinte.

Outra explicação: As palavras depois disso implicam, como sempre, uma nova visão importante. Pra os orientais, a terra era plana, como um disco flutuando sobre as águas (Is 11, 12; Ez 7, 2;37, 9). Os quatro ângulos ou extremos da terra equivaliam aos nossos quatro pontos cardeais. Os quatro ventos (Zc 6, 9; Dn 7, 2), com suas características de ardor ou estiagem, frio ou chuvas, boa ou meteorologia, e, consequentemente, com o acompanhamento de calamidades climáticas de toda espécie ou de prosperidades do mesmo tipo, se consideram do tipo sujeitos a quatro anjos que as dominam inteiramente como ministros de Deus. Vem afirmar-se que todas as condições meteorológicas estão sujeitas totalmente à vontade de Deus. Observa-se, todavia, mais o aspecto destruidor. Em outras passagens mostram que existem anjos que regem o fogo (14, 18) e a água (16, 5). As criaturas são instrumentos da justíssima ira divina.

Outro anjo sobe pelo oriente do sol. Olhando de Patmos, o oriente é a Palestina. Em todo caso, ponto de bom augúrio. Sobe talvez ao cume da abóbada celeste para que, dentro da visão, pudesse ver e entender sobre os quatro anjos que estão nos extremos do mundo. Leva o selo do Deus vivente, com o qual marcará aos que serão indicados. Nos tempos bíblicos se levavam pedras entalhadas que serviam de assinatura, aplicadas convenientemente, cuja marca indicava que aquele que estava selado era propriedade do possuidor do selo. Se deu também que se marcara, não com anel ou gargantilha no pescoço e com um selo negativo de cera ou tinta, mas com uma verdadeira tatuagem ou até com ferro em brasa. Os escravos ou os dedicados ao culto de um templo ficavam sob a propriedade do dono a quem pertencia o selo. Em Ezequiel tem uma passagem semelhante a essa do Apocalipse. Deus manda um anjo marcar com o sinal hebreu tau, a fronte dos bons; e logo vem a grande matança, castigo que envolve a todos os israelitas infiéis não marcados (Ez 9, 1-11).Isaías diz que os étnicos chegaram a levar na mão o selo de propriedade. De Yahweh (Is 44, 5). No livro do Êxodo, ao falar-se dos ornamentos do sumo sacerdote, se ordena que coloque no turbante uma placa com a inscrição I-Yhwh: Propriedade de Yahweh, “consagrado a Yahweh” (Ex 39, 30). Estas passagens poderiam dar uma ideia da forma do selo. Seria uma sugestão verem marcados os cristãos, de alguma maneira, com a marca tau (X), que em sua forma original paleo-hebraica se assemelha à inicial de Jesus Cristo (Χριστός) e a uma cruz. Isso significa que o selo, ainda real, é espiritual e simbólico. Uma coisa é certa, que os marcados com o selo seriam protegidos por Deus. Os seguidores da Besta levarão seu selo na fronte e na direita (Ap 13, 16).

Manda o anjo aos encarregados dos ventos que não permitam nenhum desencadeamento catastrófico antes que a operação de selar não tenha sido concluída. Por árvore, tanto aqui como no v. 1, há de entender, vegetação ou cultivos, dada a facilidade com que as línguas semíticas expressam o abstrato por um concreto. São João não vê como selam aos escolhidos, porém, ouve seu número. São 144.000. Tendo em conta que as tribos a que pertencem são doze e que doze mil foram marcados em cada tribo, se vê em seguida, segundo o uso de todo o livro, que se emprega um número simbólico (12 x 12 x 1.000).

O mais importante, sem dúvida, é considerar os homens das doze tribos. Existe diferença na ordem.

Como se vê, no Apocalipse se põe primeiro a tribo de Judá, porque foi a herdeira das promessas e dela saiu o Messias (Ap 5, 5). José teve dois filhos: Efraim e Manassés, que foram colocados como herdeiros por Jacó. Sendo Manassés  o primogênito de José, Jacó o pospôs a Efraim (Gn 48). Os efraimitas foram a segunda tribo mais poderosa na história de Israel. A primeira foi Judá. Compreende-se, pois, que na lista do Apocalipse não esteja Efraim, herdeiro direto de José. José e Efraim são a mesma coisa. Dan desaparece e é substituído por Manassés. Dan foi uma tribo que quase se dissolveu e se converteu em idolátrica (Jz 17-18). Entre os escritores cristãos dos primeiros séculos e no rabinismo se repetiu que de Dan tinha que nascer o anticristo. Poderia ver no desaparecimento de Dan a deserção de Judas?

O que mais importa é saber o que significam essas doze tribos e saber também quem são os 144.000 marcados com o selo protetor de Deus. A explicação mais aceitável é a que vê nas tribos o novo povo de Yahvé,

Que sucede ao antigo (Gl 6, 16; 1 Pd 1, 1). O Israel inimigo da Igreja é a Sinagoga de Satanás (Ap 2, 9; 3, 9). Os doze apóstolos são cabeça das doze tribos (Mt 19, 28; Ap 21, 12). As doze tribos são toda a Igreja. Os cristãos que ouviram e conservam a pregação de qualquer dos apóstolos formam a Igreja. Os marcados são já filhos de Deus; são colocados sob uma proteção especial. Os 144.000 marcados, segundo Victorino, Andrés, Holzmann, Calmes, Bousset, Zahn e outros, são os judeus batizados; segundo Primasio, Beda, Beato de Liébana, Renán, Swrte e outros, são gentios e judeus no Israel espiritual; alguns como Orígenes, os identificam com os 144.000 de Ap 14; Charles os faz coincidir com a grande multidão (Ap 7, 9-17). Não parece ser assim. Se o ser marcado com selo se identifica com o ser cristão, então ser cristão incluiria ser impecável e, além disso, ter o dom do martírio. Os cristãos não são isentos das mesmas pragas ou castigos que vão cair sobre o mundo (Ap 3, 10; 22, 18). Parece, pois, mais aceitável, que se trate de um grupo escolhido que será livre das calamidades que cairão sobre a terra e estenda qual semente imaculada, a Igreja na história.

Uma explicação resumida: Todo o capítulo sétimo está intimamente ligado ao sexto selo. É como uma resposta ao grito desesperado dos inimigos do Cordeiro: Quem poderá manter-se de pé? O autor sagrado quer infundir ânimo e confiança aos fiéis diante da grande catástrofe anunciada no capítulo anterior.  Até aqui os açoites divinos não faziam distinção entre os servos de Deus e os ímpios habitantes da terra. Mas adiante os fiéis serão preservados. Por isso, antes de abrir o sétimo selo, um anjo de Deus marca aos escolhidos com um sinal na fronte, que os distinguirá dos pagãos.

O profeta vê quatro anjos de pé sobre os quatro ângulos da terra (v.1). A terra antigamente era conhecida como plana e quadrada (Is 11, 12; Ez 7, 2; 37, 9). Os quatro ângulos da terra equivaliam aos quatro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste. Os quatro anjos tinham como missão reter os quatro ventos da terra. Na tradição judaica, todos os elementos materiais do mundo estavam regidos por anjos que vigiavam seu funcionamento. Aqui, os quatro ventos correspondem aos quatro açoites do capítulo precedente. Os quatro anjos governantes deles lhes impedem de soprar sobre a terra e lançar sobre ela os castigos decretados pela justiça divina. Com isso, São João afirma com bastante claridade quer todos os elementos que compõem o universo e as condições meteorológicas dele dependem totalmente da vontade de Deus.

Além desses quatro anjos, São João vê um quinto anjo que vem do oriente (v.2). O oriente é o lado de onde vem a luz, o que corresponde bem a este anjo portador e anunciador da salvação (Ez 43, 2). O anjo que São João vê leva o selo do Deus vivo, com ele marcará os servos de Deus. Trata-se, segundo parece, de um selo negativo que, ao ser aplicado, deixa marcada uma imagem. Na antiguidade era freqüente levar pedras entalhadas com as quais se marcavam os objetos, as cartas, etc. E essa marca servia de assinatura. O objeto ou a pessoa selado, isto é, marcados com o selo, indicavam com isso que pertenciam ao dono do selo. Os escravos e as pessoas pertencentes ao culto dos templos eram selados frequentemente com fogo, para significar de uma maneira indelével sua  procedência e proprietário. O anjo portador do selo grita aos outros quatro anjos que não façam dano à terra, nem ao mar, nem as árvores até que marque na fronte, com o selo de Deus, aos servos do Senhor (v.3). Uma vez feito isso, já poderão cumprir seu ofício justiceiro. O sinal sobre a fronte indica a proteção divina e a propriedade de Deus e ao Cordeiro (Ap 9, 4; 14, 1, 22,4). A imagem do sinal ou do selo religioso era também conhecida em Israel. No livro do Êxodo 12, 13 narra que na noite em que havia de executar a décima praga, mandou Deus um anjo para que com o sangue do cordeiro pascal assinalasse as casas dos hebreus. Deste modo foram protegidos os israelitas da décima praga.

Os açoites não atingirão os marcados com o selo de Deus. Provavelmente, o sinal que era selado os servos de Deus devia ser o nome de Deus e do Cordeiro, pois esse é o sinal que distingue os predestinados em Ap 14, 1.

O certo é que os marcados com o selo ficavam debaixo da proteção especial de Deus. Na antiguidade pagã era costume marcar aos escravos com um sinal que indicava ser propriedade de um determinado senhor. Herodoto fala do templo egípcio de Hierápolis, onde existia o costume de marcar com o selo sagrado a todos os escravos que se refugiavam no templo, com a finalidade de consagrá-los ao serviço de deus (deus pagão). Depois do qual, a ninguém estava permitido por a mão sobre eles. Em Ap 13, 16 também diz que os seguidores da Besta levarão seu selo sobre a fronte. O batismo cristão, que era administrado em nome de Cristo e pelo qual o fiel passava a ser como propriedade de Cristo, foi chamado selo. Aqui, entretanto, não parece que se trate nem se alude ao batismo. O sinal é algo metafórico, como o será o sinal da Besta.

O número dos marcados na fronte é de 144.000. É este um número simbólico, resultado da soma de doze mil escolhidos de cada uma das doze tribos de Israel (= 12 x 12 x 1.000), que indica uma grande multidão. A quem representam esses 144.000 marcados com selo? Cremos que a opinião que tem maior probabilidade é a que se vê nesta multidão de marcados toda a Igreja cristã. Segundo Ap 3, 9-10, as doze tribos de Israel indicam a Igreja militante, enquanto que os cristãos são considerados o verdadeiro povo de Israel, que sucede ao antigo (Gl 6, 16; 1 Pd 1, 1). E os 144.000 virgens de Ap 14, 1-5 que seguem o Cordeiro, poderiam também identificar-se com a imensa multidão desse texto. O grupo imenso de marcados com selos de Ap 7, 4 representaria a totalidade dos cristãos; enquanto que os 144.000 virgens de Ap 14, 4 indicaria a totalidade dos eleitos.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 24 de setembro de 2013

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Geraldo Mojurão, Apocalipse

Edições Theologica

Pe. Miguel Nicolau, La Sagrada Escritura (Texto y comentário)

Herodoto, Hist. 2, 113

Pastor de Hermas, Simil. 9, 16, 2-4

Pe. Jose Salguero, Biblia comentada

T.Martín, Discusión sobre el Apocalipsis

J. M. Bover, 144.000 signati

R. E. Murphy, The Epistle for All Saints

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Os que servem a Deus serão preservados”

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