ESPÍRITO DE CIÊNCIA (Mt 6, 33)
“Procurai primeiro o Reino e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.
A CIÊNCIA “é um dom pelo qual julgamos retamente as coisas criadas, e conhecemos o modo de bem usar delas e de dirigi-las ao último fim, que é Deus” (São Pio X). O ensinamento de Jesus Cristo é claro: “Procurai primeiro o Reino e a sua justiça e todas estas coisas (as coisas terrenas) vos serão dadas por acréscimo”. Cujo sujeito do verbo “acrescentar”, conforme o uso rabínico, é Deus. O primeiro é “buscar” a Deus, não exagerando nos trabalhos da vida; e Deus, que olha providencialmente pelos homens, lhes providenciará, lhes “acrescentará” tudo aquilo pelo qual os infiéis tanto se esforçam, exclusivamente, para conquistar. Eis o grande ensinamento sobre a providência de Deus. Está claro que Jesus Cristo não condena o TRABALHO, nem favorece a VIDA FOLGADA... nem DÁ MILAGROSAMENTE o sustento do homem. Não é este o seu ensinamento. O próprio Jesus Cristo trabalhou muito. Seus trinta anos de vida oculta em Nazaré não foram anos de preguiça e ócio, mas de muito trabalho. Em seu trabalho missionário pediu água à samaritana; e para o sustento do grupo apostólico havia uma caixa comum de bens (Jo 13, 29). O REINO DE DEUS, isto é, os BENS ESPIRITUAIS que se conseguem com a prática da doutrina de Cristo; os quais nos conduzirão aos BENS ETERNOS do CÉU. A JUSTIÇA DE DEUS, isto é, a santidade de vida com que devem resplandecer todos os membros deste reino. Dom Duarte Leopoldo comenta: “Procurai em primeiro lugar, antes de tudo, o reino de Deus e a sua justiça, isto é, o necessário à vossa santificação, o bem e a virtude; e ele terá cuidado do que vos é preciso para a vida temporal. ‘Fui moço, dizia Davi, e agora sou velho, e nunca vi o justo abandonado nem os seus filhos mendigando o pão’. Dizendo que os bens temporais nos serão dados por acréscimo, Jesus nos faz entender que eles não fazem parte da recompensa que merecemos pelas nossas boas obras, cuja medida nos será dada no céu. Esses bens consistem, apenas, um dom liberalmente acrescentado à medida cheia e completa que havemos de ter na pátria celestial”. Uma vez mais a justiça do Reino de Deus aparece como a vida de graça no homem; o que leva consigo todo um conjunto de atitudes espirituais e morais, e pode resumir-se no conceito de “santidade”. A busca da santidade é a primeira coisa que se deve intentar nesta vida. De novo Jesus Cristo insiste na primazia das exigências espirituais: “Por que a pobreza? Para dar a Deus, ao Reino de Deus o primeiro lugar na escala de valores que são objeto das aspirações humanas. Diz Jesus: ‘Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça’; e diz em comparação com todos os outros bens temporais, inclusive necessários e legítimos, que normalmente empenham os desejos humanos. A pobreza de Cristo torna possível este desprendimento afetivo das coisas terrenas para pôr à frente das aspirações humanas a relação com Deus” (Paulo VI).
DEUS É TUDO... O ÚNICO BEM... A ÚNICA FELICIDADE
Há no Evangelho verdades cujo alcance dificilmente conseguimos compreender inteiramente: “Procurai primeiro o Reino e a sua justiça e todas estas coisas (as coisas terrenas) vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33); ou: “Que aproveitaria ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a si mesmo e se causa a sua própria ruína?” (Lc 9,25); crermos que Deus é tudo, o único Bem, a única felicidade e dar-Lhe sempre o primado em nossas próprias escolhas, mesmo quando se oculta ao nosso olhar; crermos que as criaturas por si mesmas nada são, mesmo quando se apresentam com tantos encantos, com tantas esperanças ilusórias, difícil coisa é para nós que vivemos dos sentidos! Se as realidades divinas escapam à nossa experiência, as realidades terrenas nos prendem tão diretamente e com tal veemência, que não é fácil nos subtrairmos a elas. Necessário é que intervenha o Espírito Santo, infundindo no cristão uma nova experiência que transforme sua mentalidade ainda excessivamente terrena, que torne mais viva e concreta sua fé, CIÊNCIA que não se baseia em conhecimentos humanos, e pela qual dizia São Paulo: “Não saber outra coisa... senão Jesus Cristo e este crucificado” (1 Cor 2,2). Tal CIÊNCIA dá o Espírito Santo de bom grado aos humildes, aos simples de coração e aos que não confiam no próprio saber. Sob a luz dessa CIÊNCIA divina, torna-se o cristão capaz de libertar-se do fascínio das criaturas, de avaliá-las pelo que são perante Deus e, por conseguinte, capaz de não se deixar deter por elas no caminho para o céu. Iluminado por esta CIÊNCIA abandona São Francisco de Assis, de repente, a companhia dos folgazões, para desposar a dama Pobreza; e quando o pai, indignado, o repudia, exclama: “Daqui por diante poderei dizer, com todo o direito, Pai nosso que estais nos céus! E não, pai Bernardone” (Sticco, Vida, p. 70). Sob o impulso desta CIÊNCIA escreve Santa Teresa de Ávila: “Tudo passa – Deus não muda... Quem a Deus tem nada lhe falta. Só Deus basta”; e Santa Maria Bertilla morre dizendo: “Cumpre trabalhar por Jesus só. Tudo o mais nada é”. Guiado pelo Espírito Santo traçou São João da Cruz seu famoso caminho dos “nadas” que, deixando de lado todos os bens criados, leva reto e rápido à união com Deus: “Nada, nada, nem isto, nem aquilo; nem os bens da terra nem os bens do céu”; isto é, nem gostos e consolações espirituais, mas Deus só (gráfico do monte Carmelo). Iluminado pelo Espírito Santo, não se espanta o homem com tanta renúncia, mas a abraça com alegria, pois compreendeu que “tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a ele servir” (Imitação de Cristo). O Espírito Santo também faz com que o homem compreenda o verdadeiro valor das realidades terrestres. Embora mostrando que: “Todo o ser das criaturas, comparado com o infinito de Deus, nada é” (João da Cruz), não nega as perfeições que possuem, mas a mostra unicamente como vestígios e reflexos das perfeições infinitas de Deus. Vistas assim, já não são as criaturas obstáculos e, sim, escada para Deus: “A alma”, diz São João da Cruz, “sente-se fortemente impelida ao amor de seu estremecido Deus, pela meditação sobre as criaturas, vendo que foram criadas pelas mãos dele”. Toda criatura é mensageira que anuncia Deus: proclama sua bondade, beleza, onipotência e presença. Toma assim, o cristão, atitude de perfeito equilíbrio para com todas as coisas criadas; ama-as como obras da mão de Deus, como arautos mudos de seu amor e de sua presença, mas a elas não se apega porque seu coração repousa somente em Deus. Repetidamente falou o Concílio Vaticano II neste sentido: “Tornado nova criatura no Espírito Santo, o homem pode e deve amar as próprias coisas criadas por Deus. Pois as recebe de Deus e as olha e respeita como que saindo de suas mãos. Agradece ao Benfeitor os objetos criados e usa-os e os desfruta na pobreza e liberdade de espírito. É assim introduzido na verdadeira posse do mundo, como se nada tivesse, mas tudo possuísse. ‘Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus’ (1 Cor 3, 22-23)’”. É impossível chegar a tal altura sem profunda purificação do espírito e sem perfeita docilidade dos dons do Espírito Santo.
Oração
Onipotente, eterno, justo e misericordioso Deus, por vossa honra concedei-me, a mim miserável, fazer o que sei ser de vosso agrado, e querer sempre o que quereis, a fim de que exteriormente purificado, interiormente iluminado e inflamado no fogo do Espírito Santo, possa seguir as pegadas de vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo; e a vós, Altíssimo, unicamente por vossa graça chegar... Suplico-vos, ó Senhor, que a inflamada e doce força do vosso amor arrebate minha mente para longe de todas as coisas que estão debaixo do céu, a fim de que eu morra transportado de amor por vós, que vos dignastes morrer num transporte de amor por mim.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 09 de junho de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos Paulo VI, Audiência geral, 5-1-1977 Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina Edições Theologica Concílio Vaticano II São Francisco de Assis, Escritos São João da Cruz, escritos Tomás de Kempis, Imitação de Cristo Santa Teresa de Ávila, Escritos Strack-B., o.c., I p. 443 São Pio X, Catecismo Maior, 919 Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura (texto e comentário)
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