VIRTUDE DO ESPÍRITO SANTO (Lc 24, 49)
“Eis que eu vos enviarei o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto”.
“Eis que eu vos enviarei o que meu Pai prometeu”, isto é, o ESPÍRITO SANTO, que dias depois, em Pentecostes, desceria sobre eles no Cenáculo (cfr At 2, 1-4), como dom supremo do Pai (cfr Lc 11, 13). Os Apóstolos serão “as testemunhas” de toda esta verdade e ensinamento. Porém, serão preparados com a grande força renovadora e fortalecedora de Pentecostes. Vão receber o ESPÍRITO SANTO, de cujo envio e obras tanto falou São João nos discursos da Ceia. “Por isso, permanecei na cidade”. Refere-se a Jerusalém, como explica no livro dos Atos dos Apóstolos 1, 4. Deveriam permanecer em Jerusalém até a vinda do ESPÍRITO SANTO, porque eram SOLDADOS que haviam de conquistar o reino para Jesus Cristo, e o ESPÍRITO SANTO havia de ser como armadura para dar-lhes força e meio para se defenderem. Não queria que seus SOLDADOS saíssem fracos e desarmados para a batalha, como ensina São João Crisóstomo. Aqui se entende melhor porque chama o ESPÍRITO SANTO de FORÇA do ALTO. “até serdes revestidos da força do Alto”. REVESTIR: segundo a linguagem dos hebreus, usado por Jesus Cristo, significa este verbo ter alguma coisa muito junta e como inseparável, como que grudada numa roupa que vestimos, da qual não nos separamos senão para dormir e a levamos conosco para todos os lugares. FORÇA DO ALTO: para indicar que não haviam de lutar com armas humanas, mas divinas: “Pois eu vos darei eloquência e sabedoria, às quais nenhum de vossos adversários poderá resistir, nem contradizer” (Lc 21, 15), e: “... porque não sereis vós que estareis falando, mas o Espírito de vosso Pai é que falará em vós” (Mt 10, 20). Com estas armas espirituais se revestiu Ele mesmo para a luta: “Deus é rei, vestido de majestade, Deus está vestido, envolto em poder” (Sl 92, 1). A vida do homem sobre a terra, diz Jó, é uma vida de soldado (Jó 7,1). A vida do soldado é dura e arriscada. É uma vida levada por montes e vales, ao frio e chuva, exposta a um sem número de perigos para a defesa da pátria. O soldado, caso queira viver, tem de lutar; se quer ser premiado, tem de vencer. O soldado, em tempo de guerra, se descansa, é com as armas na mão, e ainda dormindo o despertam os clarins que o chamam para a batalha. O soldado bate-se, animoso, com seus inimigos. No fragor do combate não olha para o sangue que verte nem para as feridas que o cobrem. Neste lidar insano só o alenta a esperança da vitória, a salvação da pátria e a glória do triunfo. Tal é a nossa vida! O mundo é um vasto campo onde o homem se vê em frente aos inimigos que o estão provocando a uma luta constante. Atravessamos um deserto onde rugem leões famintos sempre a espreita de que passe a presa para nela se saciem: são os espíritos malignos, desejosos de perder as almas! Enquanto durar este nosso caminhar para além-mundo, não há que depor as armas nem esperar tréguas. Todos os dias são de luta! Não é contra a carne e o sangue que pelejamos, mas, como diz o Apóstolo, contra os príncipes e potestades do inferno (Ef 6,12). São tantos os inimigos que o tempo não dá para descanso prolongado. Uns são visíveis, outros invisíveis; uns vindos de fora, outros nascidos de dentro. São inimigos nossos os mesmos homens com quem tratamos e o mundo em que vivemos; pois, com seus maus exemplos, com suas doutrinas errôneas e com seus maus conselhos nos estão incitando constantemente para o mal. São inimigos nossos os espíritos da maldade que não perdem ocasião de nos tentar e servem para isso de tudo que nos pode fazer cair no pecado. É nosso inimigo a nossa mesma carne com todas as depravadas inclinações com que nasce infeccionada pelo pecado original. Todos estes inimigos nos fazem a maior guerra que podem: guerra de morte, guerra constante, guerra de dia e de noite, em todo o lugar, em todas as idades, desde o raiar da razão no menino até ao apagar-se no ancião! E com que inimigos! Não esmorecem com o primeiro recuar da fortuna, não abandonam o campo ao se verem derrotados e vencidos, mas investem de novo com dobrada fúria. Atacam a fortaleza da nossa alma por todos os lados e concentram a maior força no ponto mais fraco dela, que é a paixão dominante. É necessário, pois, estar vigilante, para repelir todos estes assaltos. Mal o inimigo aparece é estacada, logo contra ele se há de desfechar o primeiro tiro. Ceder-lhe terreno é cair-lhe nas mãos; retardar o ataque é apressar-lhe a vitória. Logo que o pensamento mau vem à mente, deve-se repelir com outro contrário. É o mau pensamento como um leãozinho, que, sem muito trabalho, se estrangula; mas, deixando-o crescer, não há forças que o domem. E as armas para essa luta? Muitas há, e de grande alcance: oração, sacramentos, vigilância, fuga das ocasiões, leitura e mortificação. Uma, porém, sobrepuja todas: A nossa vontade. Ela só, com o auxílio da graça divina, basta para nos assegurar a vitória no combate mais encarniçado. Assim como no querer está o pecado, assim no não querer está a vitória. Um não quero, formulado por uma vontade apostada a não pactuar com os inimigos de Deus, é suficiente para lhes infligir a mais vergonhosa derrota. Um não quero, sereno, mas resoluto, proferido no silêncio do coração, e sem mesmo se manifestar externamente em visagens do rosto, é uma arma que põe em debandada todo e qualquer inimigo que tente assenhorear-se da praça da nossa alma. Dize, pois, quando a tentação vier, não com palavras, mas com um ato da vontade: Não quero o pecado, não quero ofender a Deus, não quero perder a minha alma, não quero cair no inferno, não quero perder o céu. Não quero de novo a cruz para o meu Deus e para mim um prazer! Não quero um gosto momentâneo para o corpo e um suplício eterno para a alma! Esta é a arma que nos fará sair para sempre vencedores de todos os inimigos, pois, contra a nossa vontade nada pode o mundo inteiro. E que uso temos feito dela? Relembremos as lutas passadas. Quais são as vitórias que alcançamos até agora neste combate assíduo? Não estamos cobertos de feridas... e feridas mortais? Não nos estão ainda avermelhados os pulsos pelas algemas da escravidão satânica? Sim; cobertos de feridas e feridas inglórias; pois não recebemos lutando, mas cruzando os braços, entregando-nos ao inimigo sem resistência... abrindo-lhes as portas do nosso coração e deixando-o tomar posse dele! E quantos anos não gememos entre os ferros de prisão tão aviltante?! Que seria de nós se Jesus Cristo não viesse desatar-nos destes cadeados e curar feridas tão mortais? À luta! Não mais covardia, não mais trair as promessas que fizemos a Deus de servi-lO e amá-lO... de renunciar ao Demônio, ao mundo e a todas as suas pompas e vaidades. Sacudamos dos nossos membros a preguiça. Trabalhemos como um bom soldado de Cristo. Combatamos o bom combate da fé, como exorta São Paulo (2Tm 2,3). A vida é uma luta, mas, quem sai dela vencedor tem por prêmio a glória do paraíso. A vida é uma luta; mas, porventura, não são dignas do grande prêmio da glória eterna todas as tribulações por que passamos? A vida é uma luta, mas breve! Após ela seguir-se-á o descanso eterno!
SENTIMOS NECESSIDADE DE UMA VIRTUDE DO ALTO
Todos nós sentimos a necessidade de uma virtude de cima, virtude para vencer as dificuldades do nosso tempo; virtude para ferir as batalhas de Deus contra a invasão de ideias ultramodernas e anticristãs. Precisamos de muita força, não só força indispensável para a vida, não só força moral para o sacrifício, mas antes, força de espírito para vencer; precisamos da força, da virtude que só de cima nos poderá vir. Sempre que homens foram chamados para representar os interesses de Deus neste mundo, sobreveio-lhes a sensação da impotência, que, com Jeremias, os fazia exclamar: Senhor, não posso; apenas sei balbuciar e gaguejar; não posso apresentar ao povo a vossa mensagem. Mas Deus animava os seus profetas, seu eleitos, e assim punham mãos à obra. Assim aconteceu no dia de Pentecostes, quando o ESPÍRITO SANTO desceu sobre os Apóstolos: O Espírito do Senhor encheu o orbe, vinde, para que o adoremos. Jesus Cristo o prometera aos seus: Sereis revestidos da virtude do Espírito Santo, tinha-lhes dito o Senhor. Sem esta assistência não poderiam cumprir a ordem que o Mestre lhes dera, como se fosse a coisa mais fácil deste mundo a se cumprir: Ide, ensinai todos os povos e batizai-os, isto é, conquistai o orbe para mim e minha doutrina. Que tarefa mais difícil e assombrosa! Seu desempenho seria possível só com uma assistência especial do ESPÍRITO SANTO, com a VIRTUDE do ALTO. De outro modo não. Posto em contato com o espírito de Deus, o homem fraco se torna forte e capaz de pôr em obra grandes coisas: As coisas loucas segundo o mundo escolheu-as Deus para confundir os sábios; e as coisas fracas segundo o mundo escolheu-as Deus para confundir os fortes; e Deus escolheu as coisas vis e desprezíveis segundo o mundo e aquelas que não são para destruir as que são (1 Cor 1, 27-28). Nós, católicos de hoje, vemo-nos diante de problemas tão graves, tão difíceis, como eram os dos primeiros tempos da Igreja Católica; cumpre-nos defender Jesus Cristo e sua doutrina; reconquistar o mundo para a cruz de Nosso Senhor é nossa tarefa, que devemos desempenhar pela palavra, pela obra, pela vida, pelo exemplo, pelo espírito de sacrifício e pela imprensa. Para isto é necessário que venha sobre nós o estrondo do céu, como de vento que sopra impetuoso; necessário é que sejamos revestidos da virtude do Altíssimo. Se a graça de Deus toca o coração do homem, força tem para tudo fazer, diz a Imitação de Cristo. Diga-se o que se quiser, verdade é que desta VIRTUDE do ESPÍRITO SANTO necessitamos tanto como do pão de cada dia, como do ar que respiramos. É nesta virtude que se completa a fraqueza do homem, como afirma São Paulo. Embora muitos o neguem mil vezes, por não tolerarem uma humilhação do próprio “eu”, é certo que não podemos prescindir da fonte da energia divina. Somos incapazes de levar a vida interior da alma ao seu fim eterno. Há elementos poderosos em nós que nos disputam a soberania; forças há que com energia quase irresistível nos querem arrastar para insondáveis abismos. Tanta fraqueza, tanta miséria, tanta ruindade, capricho e inconstância há em nós que vemos a nossa reta conduta seriamente comprometida diante de Deus, em face do nosso destino eterno. Se ainda nos forem impostas outras obrigações, deveres de estado mais graves, inexoráveis mesmo, quantas tentativas da nossa parte não há então, de nos subtrair, de nos escoar sorrateiramente. Aparece então toda a nossa covardia e não nos achamos com a força necessária de manifestar o próprio “eu”. Vencer a si próprio pressupõe auxílio do céu, isto é, a graça de Deus. É esta a mensagem do cristianismo ao mundo, a mensagem sempre velha e sempre nova a lhe dizer, que é a religião da graça, a religião do poder do alto. Que transformação não operou nos Apóstolos de Cristo! De fracos instrumentos que eram, tornaram-se conquistadores do mundo, vencedores em todas as lutas, em todas as perseguições que o mundo lhes moveu. Sereis revestidos do poder do alto, tinha-lhes prometido o Mestre, e esta promessa era-lhes escudo e proteção. Jesus Cristo lhes comunicou e d’Ele dimanava uma força em virtude da qual puderam vencer todas as dificuldades. Veio sobre eles o ESPÍRITO SANTO, e no poder deste ESPÍRITO SANTO viram-se grandiosamente aparelhados para efetuar e continuar a grande obra de Cristo. A religião de Jesus Cristo é a religião do PODER do ALTO, que desfaz todas as nossas miseráveis desculpas. Quem tem boa vontade pode com o Apóstolo São Paulo dizer: Tudo posso n’Aquele que me fortalece. A religião de Jesus Cristo dá asas à nossa alma que, assim querendo, pode se elevar às maiores alturas da virtude, da santidade.
Oração
Espírito Santo, concedei-me o dom da fortaleza para que eu despreze todo o respeito humano, fuja do pecado, pratique a virtude com santo fervor e afronte com paciência, e mesmo com alegria de espírito, os desprezos, prejuízos, perseguições e a própria morte antes que renegar por palavras e por obras ao meu amabilíssimo Senhor e Salvador Jesus Cristo, Amém.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 24 de junho de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura São João Crisóstomo, Escritos Pe. João Batista Lehmann, Euntes... Praedicate! Frei Ambrósio Johanning, Alimento da alma devota, ano de 1910 Edições Theologica Tomás de Kempis, Imitação de Cristo Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada Pe. Alexandrino Monteiro, Raio de luz
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