PAZ: FRUTO DO ESPÍRITO SANTO (Cl 3, 15)
“Que a paz de Cristo reine nos vossos corações”.
“A paz de Cristo” é a que procede da nova ordem da graça instaurada por Jesus Cristo. Por ela, o homem tem acesso direto à intimidade divina e, por conseguinte, à PAZ que tanto anela: “Criaste-nos, Senhor, para vós, e o nosso coração está inquieto até que descanse em vós” (Santo Agostinho). Essa PAZ não pode, portanto, dá-la o mundo (Jo 14, 27), já que não depende nem do progresso nem do bem-estar puramente material, nem sequer da ordem ou harmonia que pode reinar entre os povos. A PAZ de Cristo é, pois, a PAZ por nos sabermos amados pelo nosso Pai Deus, incorporados em Cristo, protegidos pela Virgem Santa Maria, amparados por São José. Essa é a grande luz que ilumina as nossas vidas e que, ante as dificuldades e misérias pessoais, nos impele a prosseguir animosamente para diante.
PAZ
Na Carta de São Paulo aos Gálatas diz: “Mas o fruto do Espírito é paz...” (Gl 5, 22). O AMOR e a ALEGRIA, que são os primeiros frutos do ESPÍRITO SANTO, têm como efeito cumular a alma de uma PAZ indescritível e inabalável, que constitui o terceiro dos frutos do ESPÍRITO SANTO mencionados por São Paulo na Carta aos Gálatas. Esta é a PAZ que o Apóstolo tão ardentemente deseja aos primeiros cristãos: Que a paz de Cristo reine nos vossos corações; escreve, por exemplo, aos Colossenses (3, 15). Vejamos qual é a natureza desta PAZ e qual a sua importância, bem como quais os meios de que dispomos para encontrá-la e mantê-la nas nossas almas. Quem diz PAZ, diz tranquilidade. Mas não devemos concluir daí que toda a tranquilidade constitua a verdadeira PAZ. Com efeito, há uma falsa segurança, uma tranquilidade enganosa, que só tem as aparências de PAZ. É a falsa paz de que falam as Escrituras, a paz dos pecadores empedernidos que já não sentem a mordedura dos remorsos (Sl 72, 3), e que exclamam “Paz, paz!”, quando não há paz (Jr 6, 14). Essa PAZ encobre com frequência uma multidão de misérias: a tantos e tão grandes males dão eles o nome de “paz” (Sb 14, 22). Assemelha-se a essa sensação de bem-estar que os moribundos experimentam às vezes, e que lhes confere a impressão de estarem a caminho da cura, quando na verdade essa melhora aparente não é senão o começo da morte, um efeito da insensibilidade que pouco a pouco se vai apoderando do organismo inteiro. Que Deus nos livre de semelhante PAZ, que talvez deixasse o nosso amor-próprio bem a seu gosto, mas que é tão perigosa para as nossas almas! “Não há maior miséria” — escreve o Venerável Libermann — “do que ser miserável e nem sequer o suspeitar”. Essa falsa PAZ é a da desordem, como a que reina numa família em que os pais cedem a todos os caprichos do filho com o mentiroso pretexto de que assim poderão “ter um pouco de paz”. E como se numa cidade, sob o pretexto de não contrariar ninguém, se deixasse os ladrões e os assassinos cometerem livremente as suas malfeitorias. A tantos e tão grandes males dão eles o nome de “paz”. É a isso que o homem mundano chama “paz”. E era a essa falsa PAZ do mundo que se referia Jesus: Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada (Mt 10, 34). A verdadeira PAZ, pelo contrário, consiste na “tranquilidade da ordem”, como acertadamente a definiu Santo Agostinho. É como o bem-estar que resulta de um organismo em perfeita saúde, ou como a tranquilidade que reina numa família em que os filhos obedecem aos pais em tudo o que é justo, e esses pais, por sua vez, se portam de forma exemplar em tudo. A PAZ autêntica tem dois pressupostos: um elemento negativo, a ausência de agitação, que é precisamente o oposto da PAZ; e um elemento positivo, o descanso da vontade na posse estável do bem desejado. Ora, esse é precisamente o estado em que se encontra a alma inteiramente entregue à ação do ESPÍRITO SANTO. Com efeito, que pode ainda perturbar essa alma? A doença, as fraquezas?... Mas se ela sabe perfeitamente que essas coisas são permitidas pelo seu Pai celeste e para seu bem! A morte, então?... Como poderia, se à semelhança de Santa Teresa do Menino Jesus, ela a espera com amor e descobre dentro de si que não lhe falta coragem para aceitá-la? Serão as humilhações exteriores?... É verdade que a alma não pode deixar de senti-las vivamente, mas não ignora que são as graças mais preciosas que o Salvador concede às almas que lhe são queridas. Por isso, apesar da dor que experimenta, transborda de alegria na vontade, tal como o Apóstolo Paulo (2 Cor 7, 4), sobretudo, se essas humilhações recaem sobre ela por causa da sua fidelidade a Cristo. Recorda-se então das palavras do Salvador: Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem e com mentira disserem contra vós todo o gênero de mal por minha causa. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa, pois assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós (Mt 5, 11-12). Será enfim a secura na oração, a aridez de sentimentos e as distrações e tentações de todo o tipo que lhe assaltam a vida interior? Não, porque essa alma, sob o influxo do dom de Ciência, compreendeu com São João da Cruz que, para ela, o sofrimento é preferível às consolações, a amargura ao prazer, a privação de todos os bens à sua posse, a sede e a desolação às suaves comunicações do Céu. Sabe que é nessas ocasiões que pode oferecer a Deus um amor purificado de toda a complacência em si mesma e, como Santa Teresa de Lisieux, mesmo no meio dos espinhos só quer cantar a Deus no seu coração. Como ela, quer encontrar a sua alegria no sofrimento, feliz por poder assim gerar muitas almas para a vida eterna (Gl 4, 19). Essa alma não se preocupa sequer de saber se terá merecido essa secura e essa desolação pelas suas infidelidades. Quer apenas alegrar-se com o sofrimento, a fim de, com ele, reparar as suas negligências e de contribuir, em união com Cristo, para a maior glória do Pai e a salvação do mundo. Não há, pois, absolutamente nada que possa perturbar uma alma abandonada à ação do ESPÍRITO SANTO. As provações podem talvez produzir nela uma certa agitação superficial, mas oferecem-lhe uma ocasião mais para humilhar-se e saborear a sua fragilidade; no íntimo, porém, desfruta de uma PAZ profunda que nada poderá alterar: a paz de Deus, que sobrepuja todo o entendimento (Fl 4, 7). Essa alma tem consciência de estar na posse do único bem a que está apegada; sabe que possui a Deus; sabe-se amada por Ele “até à loucura”, apesar da sua miséria, e por sua vez também ama a Deus sem medida. De boa vontade, exclamaria com São Paulo: Quem nos arrebatará ao amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? [...] Mas se em todas essas coisas vencemos por Aquele que nos amou! Porque estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as virtudes, nem a altura, nem a profundeza, nem nenhuma outra criatura poderá arrancar-nos ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8, 35-39). Como poderia esta alma não se sentir inundada de PAZ, quando se sabe inteiramente entregue Àquele que é o único centro de todas as coisas, e quando não tem senão um único receio, o de desgostar seja no que for um Pai tão bom? Encontra-se plenamente ordenada: como poderia não saborear a tranquilidade que é o resultado necessário da ordem, isto é, a verdadeira PAZ? Feliz, mil vezes feliz a alma que desfruta dessa PAZ interior, antegosto da PAZ do Céu, da PAZ eterna! Esta é a PAZ que o Senhor desejava para os seus discípulos depois da Ressurreição: A paz esteja convosco (Jo 20, 19). Esta é a PAZ de Cristo — a paz vos deixo, a minha paz vos dou (Jo 14, 27) —, tão diferente da PAZ do mundo. Esta é a PAZ que as Sagradas Escrituras nos convidam tão insistentemente a buscar: Busca a paz e vai ao seu encalço (Sl 33, 15). É a PAZ que os anjos cantaram em Belém, a PAZ que os Apóstolos Pedro e Paulo insistem em desejar aos fiéis no começo das suas Epístolas: A graça e a paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco (Fl 1, 2). A PAZ é a condição necessária para que a vida da graça chegue ao seu perfeito desenvolvimento em nós. O demônio sabe-o muito bem. Por isso, procura de todas as maneiras semear a inquietação nas almas, particularmente nas que se dedicam de alguma forma a Deus. Essa é a meta imediata dos seus esforços. Uma alma intranquila tende a deixar-se tomar pela tristeza e a dobrar-se sobre si mesma, o que a impede de abrir-se ao sol do Amor divino e, em consequência, de dar glória a Deus como deveria. A maneira de sair dessas situações, que se dão quando a alma não soube evitar as armadilhas do demônio, é abrir humildemente o coração ao confessor a fim de arrancar todas as ervas daninhas e espinhos que a emaranham por dentro, afogando o trigo bom das inspirações divinas e impedindo-a de produzir os frutos que dela espera o Vinhateiro divino. O remédio é tanto mais eficaz quanto mais desagrada ao demônio do orgulho, e assim encaminha a alma de maneira mais eficaz para deixar-se conduzir pelo Espírito divino. Esta PAZ consolidar-se-á tanto mais em nós quanto mais nos aplicarmos a ser fiéis às menores inspirações da graça, preocupados unicamente com cumprir os desejos de Deus até nos mais ínfimos pormenores. Grande paz tem os que amam a vossa lei (Sl 118, 165), canta o Salmista. A paz é fruto da santidade e do amor filial: A obra da justiça é a paz (Is 32, 17), diz-nos o Profeta Isaías, e o Eclesiástico: O temor do Senhor [...] dá uma plenitude de paz (Eclo 1, 22). Feliz a alma fervorosa, a quem o próprio Deus promete: derramarei sobre ela como que um rio de paz (Is 66,12).
Oração
Espírito Santo, Deus de amor e de paz, que estais presente na minha alma, adoro-vos e suplico-vos que derrameis em mim a vossa paz, essa paz que o Senhor desejava com tanto amor para os seus Apóstolos logo depois da Ressurreição, essa paz que é condição de toda a vida de intimidade com Cristo e com o Pai, e que é ao mesmo tempo condição e coroamento da vossa ação santificadora nas almas. Suplico-vos, Espírito Santo, por intercessão do Imaculado Coração de Maria, vossa Santíssima Esposa, Rainha da Paz, que me deis a humildade de coração e a perfeita fidelidade às vossas santas inspirações, a fim de que, depois de ter saboreado ainda neste mundo a vossa paz divina, possa eu gozá-la plenamente por meio de Vós no Céu, por toda a eternidade. Amém.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 21 de agosto de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura Venerável Libermann, Escritos Alexis Riaud, A ação do Espírito Santo na alma Santo Agostinho, Escritos Santa Teresa do Menino Jesus, Escritos São João da Cruz, Escritos São Josemaría Escrivá, Cristo que passa, 22 Edições Theologica
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