ALGUÉM SEMELHANTE A UM FILHO DE HOMEM (Ap 1, 9-20)
“9 Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus, encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do Testemunho de Jesus. 10 No dia do Senhor fui movido pelo Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, ordenando: 11 ‘Escreve o que vês, num livro, e envia-o às sete Igrejas: a Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia’. 12 Voltei-me para ver a voz que me falava; ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro 13 e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do peito com um cinto de ouro. 14 Os cabelos de sua cabeça eram brancos como lã branca, como neve; e seus olhos pareciam uma chama de fogo. 15 Os pés tinham o aspecto do bronze quando está incandescente no forno, e sua voz era como o estrondo de águas torrenciais. 16 Na mão direita ele tinha sete estrelas, e de sua boca saía uma espada afiada, com dois gumes. Sua face era como o sol, quando brilha com todo seu esplendor. 17 Ao vê-lo, caí como morto a seus pés. Ele, porém, colocou a mão direita sobre mim assegurando: ‘Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, 18 o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades. 19 Escreve, pois, o que viste: tanto as coisas presentes como as que deverão acontecer depois destas. 20 Quanto ao mistério das sete estrelas que viste em minha mão direita e aos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são os Anjos das sete Igrejas, e os sete candelabros as sete Igrejas”.
Em Ap 1, 9 diz: “Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus, encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do Testemunho de Jesus”.
Está claro que aquele que fala é São João Evangelista, já conhecido, por seu nome e por sua autoridade. Esta apresentação pessoal está na mesma linha que a dos profetas do Antigo Testamento (Dn 7, 28; 8, 1). Porém, não pode chamar a esta em sentido estrito visão inaugural. Visão inaugural nos antigos profetas era a que lhes conferia as credenciais da missão divina. São João não necessita delas; já as possuía. Vosso irmão: Como membro da mesma comunidade religiosa, a grande comunidade cristã. Tem o distintivo glorioso na cristandade de ser participante ou associado com eles. Tribulação, realeza e perseverança: A tribulação: com a ideia de pressão e perseguição, indica sofrimentos e dificuldades de toda classe (Mc 4, 7; Jo 16, 21; Rm 2, 9; 5, 3; 1 Cor 7, 28); porém, especialmente se aplica a provas exteriores e perseguições (Mc 13, 19. 24; At 11, 19; Rm 8, 35; 2 Ts 1, 4; Ef 3, 13), ou seja, aos sofrimentos padecidos pela fé. A realeza: o reino de Deus coincide com a Igreja, que então estava em crescimento no meio de muitas dificuldades. Reino, no Apocalipse, é o triunfo definitivo de Deus e seu Cristo. Suportar com firmeza, aguentar com fé, esperança e entusiasmo qualquer dificuldade até a vitória. Em sentido cristão, é um não ceder diante da apostasia. A perseverança: perseverar apesar das dificuldades e lutar contras elas é a marca mais conhecida do verdadeiro cristão. Esta perseverança não é uma pura resignação passiva, mas uma atuação constante, dentro das possibilidades do momento. Esse suportar paciente e entusiasta, duradouro e inquebrantável, é a única maneira de fazer triunfar o reino de Cristo na tribulação. Porém, é preciso imitar o exemplo de Jesus Cristo, em comunhão com Ele, e ajudados por Ele. Ilha de Patmos: A ilha de Patmos, chamada atualmente de Patino, está diante de Mileto e Éfeso, no mar Egeu, e bastante afastada de toda a comunicação. Falam dessa ilha os autores clássicos (Tucídides, Estrabón e Plínio). A Ilha de Patmos está situada a 37º 19’ de latitude norte e a 26º 34’ de longitude este. Tem vagamente a forma de uma cabeça de cavalo com sua orelha levantada e o pescoço erguido, olhando ao este. Ela mede uns 12 quilômetros e meio de cumprimento e cinco de largura, em sua parte mais larga, e somente uns 300 metros em suas partes estreitas. Consta de três ilhas de origem vulcânica, unidas por faixas de terra pedregosas e arenosas. O monte mais alto da ilha chama-se Hagios Elias com 350 metros de altura. Toda a Ilha de Patmos é árida e pouco apta para a agricultura. Seu magnífico porto natural está em La Scala e Marica, perto da faixa de terra maior. A “Cova do Apocalipse”, situada nesse lugar, entre o porto e a pequena capital, é um lugar de respeito e piedoso, porém, não pode recolher provas concretas que foi realmente ali que São João recebeu suas revelações. A ilha possui aproximadamente 3.000 habitantes; porém, na época em que foi escrito o Apocalipse era pouco habitada. No tempo do Império Romano serviu como desterro para alguns condenados especiais (escreveu Eusébio). Seus cenários naturais e suas paisagens marítimas determinam traços das decorações que emolduram as visões apocalípticas (Comentam: H. F. Tozer; V. Guérin; L. Ross; M. Mavroudi; A. Berjón; A. Marava-Chatzenikolau; J. Dècarreaux e G. Camps). O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Num arrebatamento de espírito, São João Evangelista recebe ordem de escrever tudo o que lhe será mostrado em visão. É uma introdução análoga a Is 6; Jr 1; Ez 1, 4-2, 5 (missão dos profetas). – no reino de Deus: cf. At 14, 22. O Pe. José Salguero ensina: São João Evangelista também foi exilado para essa ilha, Ilha de Patmos, castigado por causa do Evangelho como nos diz Ap 1, 9. Victorino, bispo de Pettau, em Styria, martirizado sob o governo de Diocleciano, nos diz que São João foi condenado por Domiciano a trabalhos forçados nas pedreiras situadas ao norte da Ilha de Patmos. Isso também é confirmado por São Jerônimo. São João Evangelista se apresenta como irmão na fé e como companheiro na tribulação, sofrida pela fé. Ele passou grandes provações exteriores por causa do Evangelho. Seu desterro na pequena Ilha de Patmos é prova das dificuldades que teve que passar por causa do Evangelho. Sofreu tudo com paciência, isto é, com fé, esperança e firmeza. Ele é o modelo do verdadeiro cristão que sabe suportar e perseverar na fé diante das tribulações que surgem pelo caminho. E essa perseverança no serviço de Cristo é a que vai dar-lhe a vitória no meio de tantas tribulações.
Em Ap 1, 10 diz: “No dia do Senhor fui movido pelo Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, ordenando”.
São João Evangelista entra em êxtase, como tantas vezes sucedeu aos apóstolos e seguidores de Jesus Cristo (At 10, 10; 11, 5; 22, 17). Ele diz que foi arrebatado espiritualmente no dia de domingo, dia dedicado ao Senhor Jesus que substituiu o sábado, já na primitiva Igreja. Ele ouviu uma voz que é a de um Filho do homem. A voz era muito forte. É muito difícil explicar sobre essa voz: a voz era como de trombeta. Não é fácil imaginar uma trombeta que fala ou uma voz com som metálico. Domingo: É o dia consagrado a Jesus Cristo, que é o primeiro da semana, o primeiro depois do sábado, em memória da ressurreição de Jesus Cristo. No Novo Testamento tem um valor litúrgico e religioso especial. No primeiro dia da semana manda São Paulo que se façam coletas, o qual indica que os cristãos se reúnam para suas funções litúrgicas (1 Cor 16, 1-2). Em Trôade se reuniram no primeiro dia da semana para a fração do pão e para despedir de São Paulo (At 20, 7-8). Documentos antigos cristãos falam do sentido religioso do domingo: Didaquê o chama “dia dominical do Senhor Jesus”... “Cada domingo, reunidos, distribuía o pão do Senhor Jesus”. Santo Inácio de Antioquia afirma: “Vivei, não já sabatizando, mas segundo o dia dominical”. Melitão de Sardes escreveu um livro cujo título era: Do domingo (Eusébio, História Eclesiástica 4, 26: MG 20, 392). Edições Theologica comenta: Dia do Senhor: corresponde ao Domingo, dies Dominica, o dia que a Igreja estabeleceu como sagrado desde a época apostólica – em lugar do sábado da Lei Mosaica -, por ser nesse dia que ressuscitou Jesus Cristo. Neste dia, os fiéis devem reunir-se a fim de que, escutando a palavra de Deus e participando da Eucaristia, recordem a Paixão, Ressurreição e a Glória do Senhor Jesus e dêem graças a Deus que os gerou de novo – mediante a Ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos – para uma esperança viva (1 Pd 1, 3) (Sacrosanctum Concilium, 106). Por isso o Domingo há de ser santificado, não só assistindo a Santa Missa, mas também dedicando o nosso tempo a outras práticas de piedade, ao descanso e àquelas atividades que fomentem a união e ao trato cordial com os outros, especialmente com a própria família.
Em Ap 1, 11 diz: “Escreve o que vês, num livro, e envia-o às sete Igrejas: a Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia”.
Sete igrejas: Surge uma questão. Por que o mensageiro divino se estende a sete igrejas particulares da Ásia Menor, e precisamente a essas sete e por está ordem? Antes de tudo, na mesma região havia outras igrejas que ficaram excluídas, como Colosas, Hierápolis, Trôade, Trales, Magnésia e Mileto. Mais ainda, algumas delas que recebem mensagem especial, como Tiatira e Filadélfia, eram muito menores e menos importantes que outras excluídas. Foram propostas várias soluções. 1.ª W. M. Ramsay vê a razão deste fato no caráter da encíclica. A província romana da Ásia estava dividida em sete distritos, cada um tinha por centro uma destas sete cidades, e todas elas formavam um círculo ao redor da província. Éfeso dominava o Caístro, os vales baixos do Meandro e as costas adjacentes. O portador da carta partiria de Éfeso para o norte e chegaria a Esmirna, centro do baixo Hermo e a Pérgamo. Esta última cidade era ponto de irradiação para Trôade, Adrumeto, Císico e cidades costeiras. De Pérgamo, seguindo a via romana do interior, chagaria a Tiatira, que era cabeça de um distrito natural com influência para o nordeste e o este. De Tiatira, seguindo a mesma via, chegaria a Sardes. A vizinha Filadélfia era a porta da Lídia superior. Por caminhos secundários alcançaria Laodicéia, que foi mais tarde metrópole do vale do Lico e da Frígia central. Por Laodicéia passava a grande via romana, que, ganhando o vale do Meandro, desembocava na Síria. Da Síria, a comunicação radial com a Palestina, Egito e as regiões do Eufrates era constante por vias tradicionais. Fizeram em cada centro cópias do livro e as enviaram por todas as partes. 2.ª Poderia ter acontecido uma divisão mais em arquidioceses que em dioceses, a qual, entretanto, não consta que existiram (Pe. Miguel Nicolau). 3.ª Pode também dizer que essas sete igrejas eram as únicas que necessitavam de repreensões e avisos. 4.ª Talvez elas estivessem sob os cuidados pastorais de São João Evangelista. Enquanto que as outras estivessem aos cuidados pastorais de São Paulo. 5.ª É preciso admitir como fator decisivo o caráter sagrado e simbólico do número sete.
Em Ap 1, 12-16 diz: “Voltei-me para ver a voz que me falava; ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do peito com um cinto de ouro. Os cabelos de sua cabeça eram brancos como lã branca, como neve; e seus olhos pareciam uma chama de fogo. Os pés tinham o aspecto do bronze quando está incandescente no forno, e sua voz era como o estrondo de águas torrenciais. Na mão direita ele tinha sete estrelas, e de sua boca saía uma espada afiada, com dois gumes. Sua face era como o sol, quando brilha com todo seu esplendor”.
Até agora São João somente ouviu. Volta-se para saber de quem era a voz... quem era a pessoa que falava com ele. Vê uma esplêndida e radiante visão, que ele esboça com traços sóbrios e expressivos. No templo em Jerusalém ardia constantemente diante do Senhor o candelabro de sete braços, cuja minuciosa descrição se dá no Êxodo (Ex 25, 31-40), e está na profecia de Zacarias (Zc 4, 2). Constava de um tronco central e seis ramas, todo ele de ouro com adornos. Nas extremidades das ramas eram colocadas lamparinas com azeite. Os sete candelabros que São João vê podia ser as partes do candelabro sagrado. O personagem da visão aparece no meio dos candelabros e passeia entre eles (Ap 1, 13; 2, 1). Ele é como Filho de homem. O personagem da visão usava um vestido talar, provavelmente uma túnica que chegava até os pés. Flávio Josefo dá uma clara explicação desta peça (túnica). Segundo ele, leva o sumo sacerdote uma túnica talar de cor azul, chamada em hebraico mecîr (mecîl), que se cinge com uma faixa de quatro dedos de largura, cujo tecido é de linho, porém está ornada de flores bordadas em cor vermelho vivo, vermelho escuro e azul, e também em ouro. Essa túnica não é costurada dos lados. Edições Theologica explica: Nesta primeira visão os candelabros representam as Igrejas em oração e recordam o candelabro dos sete braços – a menoráh - , que brilhava no Templo, e que de modo pormenorizado nos descreve Ex 25, 31-40. No meio dos sete candelabros, como velando e governando as Igrejas, aparece um misterioso personagem com forma de homem. A expressão Filho do homem tem a sua origem em Dn 7, 9ss., onde – tal como aqui – alude a alguém que se apresenta como Juiz escatológico. Além disso, os diversos traços da sua figura expressam a sua grandeza: a túnica talar simboliza o seu sacerdócio (cfr Ex 28, 4; Zc 3, 4); o cinto de ouro, a sua realeza (cfr 1 Mac 10, 89); os cabelos brancos, a sua eternidade (Dn 7, 9); os seus olhos como uma chama viva expressam a sua ciência divina (cfr Ap 2, 23) e os seus pés de metal aludem à sua fortaleza e estabilidade. As sete estrelas representam os Anjos das sete Igrejas (versículo 20), que o Senhor tem na mão como sinal do seu poder sobre elas e da sua providência. Por último, o resplendor do seu rosto recorda as teofanias (manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa) do Antigo Testamento, enquanto a espada da sua boca simboliza a força da sua palavra (cfr Hb 4, 12). É interessante recordar que o título Filho do Homem tinha sido usado pelo Senhor para se referir a si mesmo (cfr Mt 9, 6; Mc 10, 45; Lc 6, 22), e que no Evangelho de São João esse título se refere sempre à condição divina e transcendente de Cristo (cfr Jo 1, 51; 3, 14; 9, 35; 12, 23). O Pe. Geraldo Morujão comenta: João voltou-se para ver (versículo 12). Isto é dito como sendo um convite que se dirige ao leitor de então e ao de todos os tempos para que se concentrem na contemplação da figura do Senhor a fim de irem deslindando a riqueza dos sinais com que Jesus Cristo se revela. Ele é visto como Juiz escatológico, aquele que tem a última e decisiva palavra, pois é designado com a expressão profética de Dn 7, 13 – como um Filho de homem (versículo 13). Jesus aparece como sacerdote, pela túnica até aos pés (cfr Ex 28, 4), e como rei, pelo cinto de ouro (cfr Is 11, 5; 1 Mac 10, 89), no meio de sete candelabros de ouro, que representam a Igreja em oração, bem como pela alusão ao candelabro de sete braços do tempo de Jerusalém, a menoráh (Ex 27, 20). E a descrição continua basicamente com a linguagem de Daniel 7, 9; 10, 4-5: os cabelos brancos, que sugerem a sua eternidade; os pés de metal, firmeza e estabilidade; os olhos como chama de fogo, a ciência divina que examina a Igreja e sonda os corações (cfr 1 Sm 16, 7). A sua voz é poderosa como o estrondo de águas torrenciais (cfr Ez 1, 24), indicando a força e a autoridade divina da sua palavra, uma palavra com poder decisório, pois da sua boca saía uma espada afiada de dois gumes (cfr Is 49, 2; Hb 4, 12). As sete estrelas, que segura na sua mão direita, são uma alusão aos anjos das sete igrejas, e um símbolo da autoridade de Jesus sobre a Igreja e da providência com que as cuida. Na interpretação mais habitual, os anjos das igrejas são os seus bispos, como se verá no endereço de cada uma das sete cartas; nesta passagem podiam ser as próprias igrejas ou os seus anjos da guarda. O rosto da visão brilhava como o sol, o mesmo que na visão da Transfiguração (Mt 17, 2).
Em Ap 1, 17-19 diz: “Ao vê-lo, caí como morto a seus pés. Ele, porém, colocou a mão direita sobre mim assegurando: ‘Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades. Escreve, pois, o que viste: tanto as coisas presentes como as que deverão acontecer depois destas”.
A manifestação da glória de Jesus Cristo, como a de Deus, faz sentir ao homem a sua pequenez e indignidade, até ao ponto de não poder manter-se em pé na sua presença. Assim sucedeu aos Israelitas no Sinai (cfr Ex 19, 16-24), e aos Apóstolos no Tabor (cfr Mc 9, 2-8). É também a reação de quem percebe a presença divina mediante uma visão (cfr Ez 1, 4ss.); Dn 8, 15ss.), e, no caso do Apocalipse, a presença de Jesus Cristo glorioso no meio da sua Igreja. Mas a primeira palavra de Cristo ressuscitado aos seus é de paz e confiança (cfr Mt 28, 5.10), agora acompanhada do gesto protetor de pôr a sua mão direita sobre a cabeça do vidente. Jesus Cristo ressuscitado apresenta-se como Aquele que dá segurança ao cristão, não só porque Ele tem domínio absoluto sobre tudo – é o primeiro e o último – mas também porque Ele participou da condição do homem. Pela sua morte e Ressurreição venceu a morte e tem poder sobre ela e sobre o misterioso mundo do mais além, o Hades, ou lugar dos mortos (Nm 16, 33). Cristo vive. Esta é a grande verdade que enche de conteúdo a nossa fé, Jesus, que morreu na cruz, ressuscitou; triunfou da morte, do poder das trevas, da dor e da angústia. A visão que tem São João está orientada para o bem de toda a Igreja, pelo que recebe a missão de escrever o que vê: o relacionado com o presente e o que diz respeito ao futuro. O presente inclui a situação das Igrejas naquele momento e a glória de Cristo que cuida delas (capítulos 2 e 3); o futuro refere-se às tribulações que vai viver a Igreja e a plena instauração do reinado de Cristo na sua segunda vinda, que suporá a vitória definitiva sobre os poderes do mal (do capítulo 4 até o 22). O Pontifício Instituto Bíblico de Roma ensina: Manifestação de Jesus. – Deus proclama-se o primeiro e o último dos seres em Is 44, 6; 48, 12, mas relativamente às criaturas, porque em si mesmo não tem princípio nem fim. Também o que vive é, na linguagem do Antigo Testamento, termo que se aplica somente a Deus. Mostra assim a sua divindade. O Pe. Geraldo Morujão comenta: A revelação mais clara da pessoa de Jesus ressuscitado está nas palavras da sua boca, ao dar a João a ordem de escrever: Eu sou o Primeiro e o Último (versículo 17). Com esta expressão identifica-se como Deus, pois é assim que também Deus se autodefine em Isaías 44, 6; 48, 12. João, investido numa missão profética, deve escrever, por um lado, as coisas que estão a acontecer, por outro, o que deve acontecer depois, uma fórmula que parece anunciar a divisão da obra nas duas partes que já referimos: as cartas às igrejas e as visões escatológicas.
Em Ap 1, 20 diz: “Quanto ao mistério das sete estrelas que viste em minha mão direita e aos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são os Anjos das sete Igrejas, e os sete candelabros as sete Igrejas”.
Santo Agostinho escreve: As sete igrejas, às quais São João escreve, são a Igreja Católica e Una. O número sete relaciona-se com a graça. Representam também a Igreja os sete candelabros. O (indivíduo) semelhante a um Filho de homem no meio dos candelabros, é Cristo no centro da Igreja. O cinto que envolve o seu peito são os dois Testamentos, que recebem do peito de Cristo o leite espiritual, alimento do povo de Deus para a vida eterna. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma ensina: Eis o significado misterioso das coisas vistas: as sete estrelas são, isto é, representam os anjos, ou seja, os que dirigem (bispos) as sete Igrejas mencionadas em Apocalipse 1, 11. Edições Theologica explica: Para descobrir o conteúdo e a mensagem da revelação que São João recebe e quer comunicar no seu livro, é preciso conhecer o significado oculto, misterioso, que se contém nas imagens da visão. Ao afirmar que lhe é desvelado pelo próprio Jesus Cristo, está a indicar que essa é a verdadeira interpretação, e ao mesmo tempo convida a que nesse mesmo sentido se interpretam as figuras das outras visões, das quais, normalmente, não dará uma explicação como neste caso. Os Anjos das sete Igrejas podem significar os bispos que estão à frente delas, ou os Anjos da guarda que velam sobre cada uma, ou as próprias Igrejas enquanto têm uma dimensão celeste e estão diante de Deus como os Anjos. Em qualquer caso, o mais acertado é pensar que os Anjos das Igrejas, aos quais logo se dirigem as cartas, são os que governam e cuidam de cada Igreja em nome de Jesus Cristo. Ele é o único Senhor, e, por isso tem as estrelas – Anjos – na sua mão direita. No Antigo testamento aparece o Anjo de Deus, como o encarregado de guiar o povo de Israel (cfr Ex 14, 19; 23, 20), e, segundo o próprio livro do Apocalipse, os Anjos são os encarregados de governar o mundo material (Ap 7, 1; 14, 18; 16, 5). Em conclusão, por mediação dos Anjos exerce-se o cuidado amoroso e o governo de Cristo sobre cada Igreja; mas não é fácil de precisar se se trata propriamente de Anjos ou de bispos, ou de ambos. A representação das Igrejas por meio dos candelabros pode estar motivada pela contemplação da Igreja a partir da sua dimensão litúrgica, ou seja, enquanto constantemente permanece em louvor a Cristo como um candelabro aceso. Recorda o candelabro dos sete braços – menoráh – que ardia sem interrupção diante de Deus (cfr Ex 27, 20; Lv 24, 3ss.), e que também Zacarias contempla nas suas visões (cfr Zc 4, 1ss.). A Imagem dos candelabros é apropriada também às Igrejas, já que estas são luz do mundo (cfr Mt 5, 14; Fl 2, 15). O Pe. Miguel Nicolau comenta: Existe nessas declarações uma questão difícil de resolver. Quem são os anjos das sete igrejas? Em que sentido as sete lâmpadas são anjos das sete igrejas? Foram propostas muitas soluções; depende do sentido em que se aceita a palavra anjo: próprio, analógico e translatício (figurado, metafórico), ou radical semítico, enquanto significa mensageiro ou algo similar. As principais são as seguintes: 1.ª Os sete anjos são os sete espíritos de Ap 1, 4, isto é, o Espírito Santo. 2.ª Os anjos são sete mensageiros ou correio impessoal, reais ou fictícios, que estariam encarregados de levar as cartas às sete igrejas. 3.ª São sete encarregados oficiais das sete igrejas, que foram ver São João em Patmos e voltaram com o Apocalipse escrito. 4.ª São oficiais subordinados das sinagogas. 5.ª São os primeiros oficiais das igrejas. 6.ª A palavra anjo se aplica sempre no Apocalipse a seres espirituais. Logo se trata de verdadeiros anjos. 7.ª Outros acreditam que se trata ou da comunidade cristã ou de sacerdotes que as governavam. 8.ª Outros, como Zahn, Weiss e muitos modernos, nos anjos vêem os bispos das cristandades.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 05 de maio de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Edições Theologica Eusébio, História Eclesiástica 3, 18, 5: MG 20, 251 Victorino, Comm. in Apocalypsin: PL 5, 317 São Jerônimo, De viris illustr. 9: PL 23, 625 A. Berjon, San Juan em Patmos: CultBib 10 (1953) 51-52 Didaquê (c. 80-140) 14, 1 Santo Agostinho, Escritos Flávio Josefo, Antiquitates Iudaicae 3, 7, 4 Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 106 Santo Inácio de Antioquia (c. 106), Magnésios 9, 1 Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura Pontifício Instituto Bíblico de Roma Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse Pe. José Salguero, Bíblia Comentada
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