O CORDEIRO ABRE OS SETE SELOS (Ap 6, 1-17)
“1 Vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi o primeiro dos quatro Seres vivos dizer como o estrondo dum trovão: ‘Vem!’ 2 Vi então aparecer um cavalo branco, cujo montador tinha um arco. Deram-lhe uma coroa e ele partiu, vencedor e para vencer ainda. 3 Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo Ser vivo dizer: ‘Vem!’ 4 Apareceu então um outro cavalo, vermelho, e ao seu montador foi concedido o poder de tirar a paz da terra, para que os homens se matassem entre si. Entregaram-lhe também uma grande espada. 5 Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro Ser vivo dizer: ‘Vem!’ Eis que apareceu um cavalo negro, cujo montador tinha na mão uma balança. 6 Ouvi então uma voz, vinda do meio dos quatro Seres vivos, que dizia: ‘Um litro de trigo por um denário e três litros de cevada por um denário! Quanto ao óleo e ao vinho, não causes prejuízo’. 7 Quando abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto Ser vivo que dizia: ‘Vem!’ 8 Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu montador chamava-se ‘a Morte’ e o Hades o acompanhava. Foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da terra, para que exterminasse pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra. 9 Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado. 10 E eles clamaram em alta voz: ‘Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?’ 11 A cada um deles foi dada, então, uma veste branca e foi-lhes dito, também, que repousassem por mais um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles. 12 Vi quando ele abriu o sexto selo: houve um grande terremoto; o sol tornou-se negro como um saco de crina, e a lua inteira como sangue; 13 as estrelas do céu se precipitaram sobre a terra, como a figueira que deixa cair seus frutos ainda verdes ao ser agitada por um forte vento; 14 o céu afastou-se, como um livro que é enrolado; as montanhas todas e as ilhas foram removidas de seu lugar; 15 os reis da terra, os magnatas, os capitães, os ricos e os poderosos, todos, escravos e homens livres, esconderam-se nas cavernas e pelos rochedos das montanhas, 16 dizendo aos montes e às pedras: ‘Desmoronai sobre nós e escondei-nos da face daquele que está sentado no trono, e da ira do Cordeiro, 17 pois chegou o Grande Dia da sua ira, e quem poderá ficar de pé”.
Em Ap 6, 1-8 diz: “Vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi o primeiro dos quatro Seres vivos dizer como o estrondo dum trovão: ‘Vem!’ Vi então aparecer um cavalo branco, cujo montador tinha um arco. Deram-lhe uma coroa e ele partiu, vencedor e para vencer ainda. Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo Ser vivo dizer: ‘Vem!’ Apareceu então um outro cavalo, vermelho, e ao seu montador foi concedido o poder de tirar a paz da terra, para que os homens se matassem entre si. Entregaram-lhe também uma grande espada. Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro Ser vivo dizer: ‘Vem!’ Eis que apareceu um cavalo negro, cujo montador tinha na mão uma balança. Ouvi então uma voz, vinda do meio dos quatro Seres vivos, que dizia: ‘Um litro de trigo por um denário e três litros de cevada por um denário! Quanto ao óleo e ao vinho, não causes prejuízo’. Quando abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto Ser vivo que dizia: ‘Vem!’ Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu montador chamava-se ‘a Morte’ e o Hades o acompanhava. Foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da terra, para que exterminasse pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra”.
Os quatro primeiros selos têm alguns traços comuns: ao serem abertos, aparece cada vez um cavalo de diferente cor, montado por um ginete (cavaleiro); e é sempre um dos quatro seres que, com a sua voz de comando, dá passagem a cada um dos quatro cavalos. Destes, os três últimos são de fácil identificação: o segundo ginete (cavaleiro) leva uma espada que significa a guerra; o terceiro uma balança, símbolo neste caso da fome; e o quarto – pela cor do cavalo – representa a peste. São castigos divinos anunciados já no Antigo Testamento: Enviarei contra vós a fome e as bestas ferozes, que te deixarão sem filhos; a peste e o sangue passarão por ti, e farei vir sobre ti a espada. Eu, o Senhor, falei (Ez 5, 17). Jesus Cristo expressou-se de forma semelhante no discurso escatológico: Quando ouvires rumores de guerras e revoluções não vos aterrorizeis (...), haverá grande terremotos e peste e fome em diversos lugares (Lc 21, 9. 11). O primeiro ginete (cavaleiro), pelo contrário, apresenta alguma dificuldade de interpretação: os traços com que é descrito fazem pensar numa potência ao serviço de Deus. Com efeito, a cor branca é símbolo de pertença ao mundo celeste e da vitória obtida com a ajuda de Deus (Ap 13, 4. 5. 18; 14, 14; 20, 11). A coroa que lhe é dada e a frase partiu vencedor para novas vitórias exprimem o triunfo do bem sobre o mal (Ap 2, 7. 11. 28; 3, 5. 12). Finalmente, o arco que tem nas mãos manifesta a relação deste primeiro cavalo com os outros três: estes serão como flechas lançadas de longe, que cumprem, deste modo, os desígnios da justiça divina. A figura deste primeiro ginete, já vitorioso e que vai vencer, remete-nos para a vitória de Jesus Cristo na sua Paixão e Ressurreição, tal como São João assinalou antes (Ap 5, 5), e anuncia a vitória final do Verbo de Deus, que aparecerá mais adiante (Ap 19, 11). Assim, o primeiro ginete é como uma chave que confere significação especificamente cristã às cenas aterradoras que contém o livro. O Papa Pio XII escrevia a propósito deste ginete: É Jesus Cristo. O inspirado evangelista não só viu as ruínas ocasionadas pelo pecado, a guerra, a fome e a morte; viu também, em primeiro lugar, a vitória de Cristo. Não há a menor dúvida de que a marcha da Igreja através dos séculos é uma via-sacra, mas também foi sempre uma marcha triunfal. A Igreja de Cristo, os homens da fé e do amor cristão, são sempre os que levam a luz, a redenção e a paz à humanidade sem esperança. Jesus Cristo ontem e hoje e o mesmo pelos séculos (Hb 13, 8). A espada que leva o ginete (cavaleiro) do cavalo vermelho simboliza a guerra (Mt 10, 34). Por um lado, alude às guerras que nessa época se davam no Império Romano. Mas também se refere à guerra em geral, terrível açoite da humanidade e que no fim dos tempos será um dos sinais que anunciam previamente a destruição do mundo (Mt 24, 6ss.). (Versículo 4) Na nossa época a Igreja pronunciou-se com frequência sobre a guerra. Assim, o Concílio Vaticano II afirma que na medida em que o homem é pecador, existe e existirá o perigo de guerra até ao retorno de Cristo; mas na medida em que, unidos pela caridade, triunfem do pecado, podem também conseguir a vitória sobre a violência até a realização daquelas palavras: Das suas espadas forjarão arados e das suas lanças foices. As nações já não levantarão mais a espada uma contra a outra, e jamais se levará por diante a guerra (Is 2, 4) (Gaudium et spes). (Versículos 5 e 6) Com uma exorbitada subida – talvez dez vezes mais do que o normal – do preço do trigo e da cevada, alimentos básicos na época, anuncia-se um período de fome. Com efeito, se tivermos em conta que uma medida equivale a 920 gramas e que um denário era o salário de um dia de trabalho agrícola (Mt 20, 13), podemos fazer uma ideia do que aqueles preços poderiam supor. A fome certamente é consequência do pecado e neste sentido pode considerar-se um castigo. Daí que a Igreja recorda a todos o dever iniludível de aliviar as necessidades dos outros, pois é uma forma de lutar contra o pecado. O Concílio urge a todos, particulares ou autoridades, a que, recordando-se daquela frase dos Padres: Alimenta o que morre de fome, porque se não o alimenta, o assassinas (...), comuniquem e ofereçam os seus bens, ajudando principalmente os pobres, tanto indivíduos como povos, para que possam ajudar-se por si mesmos, e desenvolver-se posteriormente (Gaudium et spes). (Versículo 8) Cavalo esverdeado: O quarto cavalo tem uma cor estranha, que alguns traduzem por esverdeado, cinzento ou baio. Tratar-se-ia de uma cor cadavérica. A Morte é personificada no ginete sinistro que o monta, símbolo que se acentua ao ir acompanhado pelo Hades ou Sheol, o lugar tenebroso onde repousam os mortos (Ap 1, 18). É de salientar que, no meio de tão terrível castigo, Deus tem piedade dos homens, e a maioria – as três quartas partes – sobreviverão e estas provações. O Pe. Geraldo Morujão comenta: Neste capítulo 6.º, ao serem abertos os primeiros quatro selos, surgem como por encanto quatro cavalos, de cores irreais, com quatro cavaleiros também simbólicos: o primeiro, montado no cavalo branco, parece representar Cristo, para que, desde o princípio das calamidades que surgirão, se veja que Ele irá sair vitorioso no meio de todas as desgraças. Os outros três simbolizam a fome, a guerra e a peste, com as cores correspondentes. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Abriu o primeiro dos sete selos, isto é, rompeu o primeiro selo e abriu, desenrolando o rolo, a primeira parte do livro. O ato de abrir significa a realização dos acontecimentos preditos no respectivo escrito. A ruptura dos selos verifica-se em três fases de 4, 2 e 1. Ao romperem-se os quatro primeiros, sai, de cada vez, um cavalo de cor diferente, com um cavaleiro também diferente, que faz cair calamidade dobre a terra. São os sinais precursores da grande luta que o reino de Deus, a Igreja de Jesus Cristo, terá que sustentar contra as potências do mal, e corresponde ao princípio das dores de que fala Jesus Cristo no seu discurso escatológico (Mt 24, 6-8; Mc 13, 7-8). O cavaleiro (versículo2) representa provavelmente os partos (habilíssimos atiradores de arco e os mais temíveis inimigos dos romanos, aos quais infligiram derrotas memoráveis). Uma balança para pesar e racionar os gêneros alimentícios. – um denário, que era o salário de um dia inteiro de trabalho (Mt 20, 2), por um litro de trigo é preço exorbitante. É cerca de 8 vezes o preço tabelado pelo senado romano aos tempos de Cícero; a cevada era avaliada em metade do preço de trigo. Isso é sinal evidente de grande fome. – O azeite e o vinho, por serem menos necessários à alimentação, são poupados, a fim de não levar o sofrimento ao extremo. O nome Morte do quarto cavaleiro já exprime tudo. Aos males precedentes ajuntam-se a peste e a invasão de feras esfaimadas (famintas). O Pe. Miguel Nicolau ensina: Ao abrir Jesus Cristo o primeiro selo, a voz do trono do primeiro vivente, que seria semelhante ao leão, disse: vem. Não se dirige a São João, mas à aparição. Dá a ordem em nome do que está sentado no trono. Assim farão sucessivamente os três viventes restantes até o quarto selo. Obedecendo à voz, sai um personagem simbólico. Um cavalo branco leva um cavaleiro vestido de branco com uma coroa triunfal e um arco. Venceu e vencerá. Alguns vêem nesse cavaleiro vitorioso a Jesus Cristo, porque logo aparece também cavaleiro e vencedor (Ap 19, 11). O primeiro ginete do Apocalipse forma parte integral com os três seguintes, que são coisa muito distinta. Simbolizam pragas e castigos, dos quais fica à margem Cristo. Além disso, é preciso ter em conta que, no estilo do livro, umas mesmas realidades, como a cor branca, a coroa, ser vencedor, se aplica a muitas diversas coisas. Finalmente, Jesus Cristo apareceria duplicado: por uma parte abriria os selos; e por outra seria personagem de castigo na mesma cena. O primeiro ginete triunfal é personificação do imperialismo. Começa quase do nada e não há quem possa frear sua expansão. Pensa-se, por exemplo, nas conquistas de Alexandro Magno, dois séculos antes de ser escrito o Apocalipse. Traz em seu cortejo inevitavelmente o segundo ginete. Abre Jesus Cristo o segundo selo. De acordo com a ordem da aparição, o parecido com touro. Entra um cavalo vermelho como sangue. Seu ginete (cavaleiro) leva uma grande espada retorcida. É a Guerra. Seu triste ofício é fazer que os homens se matem uns aos outros indiscriminadamente. O terceiro selo: um cavaleiro cuja cor negra é sinal de mau agouro. O cavaleiro leva uma balança. É a carestia, o encarecimento dos produtos, a Fome. A guerra destrói as colheitas e impede que se cultivem os campos. Daí a falta dos produtos. A balança é símbolo da grande necessidade (Lv 26, 26; Ez 4, 16). Quarto selo: A mão de Jesus Cristo rompe o selo. A voz do império do quarto vivente, semelhante a águia, faz sair o quarto cavaleiro do Apocalipse. Vem montado em um cavalo verde. Acredita-se que se trate da cor quase oliva, quase cinza, como o de um cadáver. Seria um erro representar a morte como um esqueleto descarnado. Essa figura macabra era pouco conhecida como representação quando se escrevia o Apocalipse. Mas recordava muito bem o personagem que saia simbolicamente antes dos jogos de gladiadores em Roma. O Pe. José Salguero escreve: Os quatro ginetes desta visão, que depende de Zacarias 6, 1-3, representam o império dos partos, que foram o terror do Império Romano, e os castigos que suas invasões provocariam: domínio estrangeiro, guerra, fome e epidemias. Porém, ao mesmo tempo, são também tipos de castigos com que é ameaçado o mundo pagão. Na abertura do primeiro selo aparece um cavalo branco, e o que o monta leva um arco e recebe uma coroa, sinal da primeira vitória, que irá seguida de muitas outras. O ginete branco parece representar os partos, como se vê pelo arco que era a arma característica de seus guerreiros. A cor branca do cavalo e a coroa são sinais de vitória e de dominação. Os partos instalados sobre o Rio Eufrates constituíam uma ameaça contra o Império Romano. No ano 62 d. C., o rei parto Vologesis conseguir vencer as legiões romanas junto ao Rio Tigre. Depois dessa vitória vieram outras. Por isso se diz que o ginete saiu vencedor, e para vencer ainda. Desde os tempos de Santo Irineu, quase todos os comentaristas antigos e muitos modernos viram no ginete a Jesus Cristo ou a personificação do Evangelho, que havia obtido vitória através do mundo e continuaria obtendo. Esta interpretação se apóia na semelhança com o cavaleiro vitorioso do Ap 19, 11, que representa a Jesus Cristo. Depois de abrir o segundo selo apareceu um ginete de cor vermelha, isto é, cor de sangue, ao qual foi entregue uma grande espada. E foi lhe dado o poder de tirar a paz sobre a terra e fazer que os homens se degolassem uns aos outros. A espada, arma das legiões romanas, simboliza as guerras intestinas do Império Romano que tiveram lugar no ano 69 d. C. Nesse ano, as legiões de Rhin, das Galias, da Grécia e da Ásia, comandadas por Galba, Otón, Vitelio e Vespasiano, se enfrentaram entre si. Estas lutas eram conhecidas, sem dúvida, por São João Evangelista, e puderam sugerir-lhe a imagem do cavalo vermelho da guerra. Ao abrir o terceiro selo se vê um cavalo negro, e o ginete (cavaleiro) que o montava levava em sua mão uma balança. A voz do terceiro vivente declara o significado dessa balança, que não é outro sinal que a carestia e a fome. Era esta uma consequência da guerra, como acontece também hoje. Os exércitos arrasam com frequência os campos, e o povo com medo de perder suas colheitas não semeiam. A balança da qual se fala aqui serve para pesar o pão (Ez 4, 16). Depois da invasão, da guerra e da fome, vem a peste. A cor esverdeada do ginete é a cor do cadáver em decomposição. Por isso o ginete é chamado de Morte. Porém, aqui, morte deve ser entendida como peste. Como a fome, era a peste companheira inseparável das guerras nos tempos antigos, o pouco cuidado de enterrar os cadáveres. O Hades aparece aqui personificado como um indivíduo sinistro que seguia a peste e aos outros três castigos para tragar as vítimas que estes deixavam. As calamidades dos quatro primeiros castigos foram limitadas à quarta parte da terra. Esta restrição é claro indício da misericórdia divina que não permitirá que tais calamidades se abatam sobre toda a humanidade.
Em Ap 6, 9-11 diz: “Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado. E eles clamaram em alta voz: ‘Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?’ A cada um deles foi dada, então, uma veste branca e foi-lhes dito, também, que repousassem por mais um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles”.
Nesta visão contempla São João todos aqueles que deram a vida cruentamente pela causa de Deus. Inclui os mártires do Antigo Testamento, desde Abel até Zacarias (Mt 23, 35-37; Hb 11, 35-40), e os mártires cristãos de todos os tempos; vê-os debaixo do altar dos holocaustos no qual sacrificavam as vítimas em honra de Deus e cujo sangue se vertia ali, recolhendo-se sob o altar. Aqui temos como que uma réplica celeste daquele altar, querendo dizer que os mártires estão muito próximos de Deus e que a sua morte foi uma oferenda de máximo valor (Fl 2, 17; 2 Tm 4, 6). A presença dos mártires no Céu prova que, quando o homem morre, a sua alma recebe o prêmio ou o castigo imediatamente depois da sua morte. O juízo divino sobre cada alma começa a cumprir-se já, ainda que só depois da ressurreição universal de todos os mortos se chegue ao cumprimento pleno, em corpo e alma, do prêmio ou do castigo. A petição dos mártires a Deus é um clamor a pedir justiça. Dele fala o Senhor no Evangelho (Lc 18, 7), e constitui o eco daquele primeiro clamor que se levantava até Deus pelo sangue de Abel (Gn 4, 10). Estamos diante de um fato que parece contradizer a oração de Cristo na cruz (Lc 23, 24) e a de Estevão no seu martírio (At 7, 60). Mas na realidade não é assim. Esta oração dos mártires não é senão o seu desejo de obter a ressurreição do corpo e a companhia dos santos que se vão salvar, e o consentimento que prestam à divina justiça que castiga os iníquos (Santo Tomás de Aquino). Trata-se, portanto, de uma súplica para que se instaure o Reino de Deus e a sua justiça, brilhando assim a santidade divina e a sua fidelidade. O Pe. Geraldo Morujão comenta: Ao quinto selo corresponde a visão dos mártires; clamam a Deus que se faça justiça (Lc 18, 7), é claro que não por ódio ou por sede de vingança pessoal, a fim de satisfazer o amor próprio, mas que se restabeleça a ordem e o mal não triunfe. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Primeiras perseguições contra a Igreja e primeiras falanges de mártires (a partir de Santo Estevão). Passagem paralela a Mc 13, 9-13 e Lc 21, 12-17 do discurso escatológico de Jesus Cristo. O Pe. Miguel Nicolau ensina: Mudou o cenário celeste. A sala do trono se converte em templo. O templo terrestre sempre se considerou como uma imperfeita imitação do celeste. Jerusalém era uma réplica humana do céu (Hb 8, 6; Ex 25, 40; Sb 9, 8). No templo havia dois altares: o dos perfumes e os dos holocaustos. Neste se derramava em torno o sangue das vítimas que aplacavam a cólera de Deus e atraia sua propiciação, e os restos do sacrificado se queimavam sobre o altar. São João via agora as almas dos mártires cristãos que haviam sido mortos para manter a confissão da palavra de Deus e o Evangelho de Jesus Cristo. Estas almas santas vítimas das perseguições clamam agora diante do Senhor que é santo em sua justiça e constante em cumprir as promessas.
Em Ap 6, 12-17 diz: “Vi quando ele abriu o sexto selo: houve um grande terremoto; o sol tornou-se negro como um saco de crina, e a lua inteira como sangue; as estrelas do céu se precipitaram sobre a terra, como a figueira que deixa cair seus frutos ainda verdes ao ser agitada por um forte vento; o céu afastou-se, como um livro que é enrolado; as montanhas todas e as ilhas foram removidas de seu lugar; os reis da terra, os magnatas, os capitães, os ricos e os poderosos, todos, escravos e homens livres, esconderam-se nas cavernas e pelos rochedos das montanhas, dizendo aos montes e às pedras: ‘Desmoronai sobre nós e escondei-nos da face daquele que está sentado no trono, e da ira do Cordeiro, pois chegou o Grande Dia da sua ira, e quem poderá ficar de pé’”.
Anunciam-se os acontecimentos prévios à segunda vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas ainda não é o fim, embora já esteja mais próximo. As terríveis imagens com que se representam os acontecimentos finais foram tomadas do estilo e linguagem específicos empregados já no Antigo Testamento (Am 8, 9; Is 13, 9ss.; 34, 4; 50, 3; Jó 3, 4). Desta forma os Profetas procuravam prevenir o povo, ao mesmo tempo que o consolavam com a segurança da vitória final de Deus. Diante de acontecimentos tão terríveis, os homens fogem e escondem-se, e inclusive desejam a morte. Jesus fala assim também às mulheres de Jerusalém que choravam à sua passagem, a caminho do Calvário sob o peso da cruz (Lc 23, 30). No versículo 15 nomeiam-se sete grupos sociais que abarcam todo o gênero humano, desde os mais poderosos até aos mais débeis. Ninguém escapará ao inapelável juízo de Deus e o dia da cólera do Cordeiro. O Cordeiro simboliza a inocência e a imolação de Cristo, mas também é uma figura da realeza messiânica, sublinhada aqui com o poderio do seu furor. O Pe. Geraldo Morujão comenta: O sexto selo é o de tremendas convulsões cósmicas, que simbolizam a poderosa intervenção de Deus para punir o mal. Trata-se de uma forma de dizer que Deus não permanece insensível perante as injustiças e a maldade humana: A graça não exclui a justiça. Não muda a injustiça em direito. Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na terra termine por ter o mesmo valor. Contra um céu e uma graça deste tipo protestou com razão, por exemplo, Dostoievski no seu romance Os irmãos Karamazov. No fim, no banquete eterno, não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido. O Pe. Miguel Nicolau ensina: Vem uma intervenção divina. São algumas catástrofes cósmicas: terremotos, o sol que fica obscuro, a lua muda de cor, astros caem, as montanhas mudam, movimentos nas ilhas... Não se trata do juízo final, mas de tantas intervenções justiceiras de Deus na história para ajudar agora a Igreja perseguida. O efeito que causa a intervenção divina nos homens culpáveis é intenso. São sete classes de inimigos da Igreja, todos os homens da sociedade de então: reis, governadores, chefes militares das legiões, ricos, poderosos, livres e escravos. Era próprio dos habitantes da Palestina no tempo da invasão ou perigo fugir para os montes e esconder-se nas cavernas daqueles desertos desabitados, para esperar acalmar os ataques. O Pe. José Salguero escreve: Os malvados tem consciência de suas culpas, e antes de comparecer diante da face irritada do Cordeiro, preferem desaparecer para sempre. Porque é chegado o dia terrível de sua ira e ninguém poderá se manter de pé na sua presença. O manso Cordeiro se transformou em feroz Leão para os inimigos de Deus. A vista do Redentor imolado será o que mais terror há de causar à humanidade ingrata. Os inimigos de Deus se sentirão cheios de espanto, e terão que reconhecer a soberania e a onipotência divinas, manifestadas nos terremotos e outros. O grande dia da ira do Senhor é o paralelo do grande dia de Iahvé, do qual nos falam frequentemente os profetas (Am 5, 18.20; Sf 1, 14-16; Jl 2, 1-2.11). Esse dia será terrível, um dia de trevas e escuridão, escurecerá o sol e a luz, as estrelas cairão do céu. Todas essas imagens servem para dar realce à intervenção divina em favor de sua Igreja e contra os inimigos dela. O significado essencial da cena descrita por São João Evangelista é que os inimigos de Deus serão obrigados a reconhecer, nas diversas épocas da história, os sinais precursores do grande dia de Deus, do grande juízo do Senhor. E terão que constatar que não poderão escapar da justiça divina.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 19 de maio de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Edições Theologica Papa Pio XII, Alocução, 15-11-1946 Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 78 e 69 Graciano, Decretum, 21, 86 W. M. Ramsay, o. c. p. 58 Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 72, a. 3, ad 1 Bento XVI, Spe salvi, 44 G. Baldensperger, Les Cavaliers de l’Apocalypse (Ap 6, 1-8): RHPR 4 (1924) I-31 E. B. Allo, o. c. P. 106 A. Gelin, o. c. P. 612 Dom Guiu M. Camps, o. c. P. 275 P. Touilleux, o. c. P. 52 Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura Pontifício Instituto Bíblico de Roma Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse Pe. José Salguero, Bíblia Comentada
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