CENTO E QUARENTA E QUATRO MIL (Ap 14, 1-5)
“1 Tive depois esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o monte Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e o nome de seu Pai. 2 E ouvi uma voz que vinha do céu, semelhante a um fragor de águas e ao ribombo de um forte trovão; a voz que eu ouvi era como o som de citaristas tocando suas cítaras. 3 Cantavam um cântico novo diante do trono, dos quatro Seres vivos e dos Anciãos. Ninguém podia aprender o cântico, exceto os cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra. 4 Estes são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens. Estes seguem o Cordeiro, onde quer que ele vá. Estes foram resgatados dentre os homens, como primícias para Deus e para o Cordeiro. 5 Na sua boca jamais foi encontrada mentira: são íntegros”.
Em Ap 14, 1-3 diz: “Tive depois esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o monte Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e o nome de seu Pai. E ouvi uma voz que vinha do céu, semelhante a um fragor de águas e ao ribombo de um forte trovão; a voz que eu ouvi era como o som de citaristas tocando suas cítaras. Cantavam um cântico novo diante do trono, dos quatro Seres vivos e dos Anciãos. Ninguém podia aprender o cântico, exceto os cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra”.
O lugar em que está o Cordeiro é sumamente significativo: no monte Sião, em Jerusalém, onde segundo o Antigo Testamento Deus tinha a sua morada entre os homens (Sl 74, 2; 132, 13-14), e onde, segundo algumas tradições judaicas, havia de aparecer o Messias reunindo ali os seus. Trata-se, portanto, de um lugar idealizado que representa a Igreja, protegida por Cristo e congregada à volta d’Ele. Ali estão os que pertencem a Jesus Cristo e ao Pai, e levam, portanto, a sua marca: filhos de Deus. Estes são o número incontável, mas completo em si mesmo: o povo de Deus representado numa cifra que é o resultado de multiplicar 12 (as tribos) por 12 (os Apóstolos) por 1.000 (número exorbitante) (Ap 7, 3ss.). Os cento e quarenta e quatro mil não estão ainda no céu, donde provém o potente ruído, mas na terra, ainda que resgatados do seu poder que é o da BESTA (Ap 13, 13-14). O ruído do céu reflete a força e o poder de Deus; e a voz celeste se expressa pela suavidade da música litúrgica. É um cântico novo, porque agora canta a salvação de Cristo (Ap 15, 3-4), como que no Antigo Testamento cantava as maravilhas de Deus (Sl 33, 3; 40, 4; 96, 1). A nossa união com a Igreja celestial realiza-se em forma nobilíssima, especialmente quando na sagrada liturgia, na qual a virtude do Espírito Santo opera sobre nós pelos sinais sacramentais, celebramos juntos, com fraterna alegria, o louvor da Divina Majestade, e todos os redimidos pelo sangue de Cristo de todas as tribos, línguas, povos e nações (Ap 5, 9), congregados numa mesma Igreja, exaltamos com um mesmo cântico de louvor a Deus Uno e Trino (Lumen gentium, 50). O Pe. Geraldo Morujão ensina: Nos primeiros cinco versículos do capítulo 14, em contraste com a visão da BESTA e dos que se deixaram seduzir por ela, marcados com o ferrete do seu número (Ap 13, 16), aparece agora no monte Sião, símbolo da Igreja (Gl 4, 26; Hb 12, 22-24), o Cordeiro de pé, Cristo ressuscitado, com uma multidão de cento e quarenta e quatro mil. São os cristãos, assim referidos com este número simbólico, um número incalculável, mas do conhecimento exato de Deus, pois não é multidão sem mais, massificada, mas um conjunto em que cada um está marcado com um sinal na fronte, como pertencente a Jesus e ao Pai (Ef 1, 13). Na visão, parece que estamos diante de pessoas diferentes das nomeadas em Ap 7, 4; com efeito, apesar de ser a mesma cifra, não podemos esquecer que é simbólica, o que permite um sentido ambivalente. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Interlúdio semelhante ao do capítulo 7. Veem-se aqui, em número igual ao dos assinalados daquele capítulo, os virgens – os que guardaram a castidade mais perfeita – e a sua glória no céu, ao lado do Cordeiro divino, Jesus Cristo. O Pe. José Salguero comenta: A multidão de cento e quarenta e quatro mil virgens resgatados da terra faz como de contrapeso à apostasia dos moradores da terra do capítulo 13. Os cento e quarenta e quatro mil representam a totalidade dos eleitos, do mesmo modo que em Ap 7, 4-8 simbolizavam a totalidade dos cristãos. Este fiéis de Cristo, que não aceitaram adorar a BESTA, são chamados virgens (versículo 4). Esta expressão deve ser tomada em sentido metafórico. Os cento e quarenta e quatro mil são virgens no sentido de que não mancharam com o culto dos ídolos pagãos, principalmente com o culto da BESTA ou culto imperial. Roma era a Grande Prostituta (Ap 19, 2); enquanto que o Cordeiro de Deus era imaculado (Ap 19, 8). Roma se prostituía mediante seu próprio culto idolátrico e com a corrupção moral que acompanhava aos cultos pagãos. Diante de tanta corrupção se levanta uma grande multidão que não só levava uma vida santa e pura, mas que também entre eles muitos haviam conservado a virgindade. Todos formam a coroa de glória do Cordeiro imaculado. Tanto o Cordeiro como os cento e quarenta e quatro mil virgens estavam sobre o monte Sião. Os profetas costumam contemplar o monte Sião como uma montanha elevada que sobressai por cima de todos os demais montes, como farol luminoso que atrairá a si a todos os povos: E acontecerá, no fim dos dias, que a montanha da casa de Deus estará firme no cume das montanhas e se elevará acima das colinas. Então, povos afluirão para ela, virão numerosas nações e dirão: Vinde, subamos a montanha de Deus, para a Casa do Deus de Jacó. Ele nos ensinará os seus caminhos e caminharemos pelas suas vias. Porque de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém a palavra de Deus (Mq 4, 1-2). A literatura apocalíptica também nos apresenta o Messias reunindo os seus seguidores sobre o monte Sião. No Antigo Testamento, o monte Sião era o símbolo da força e da segurança para Israel, porque Deus habitava nele e o protegia contra o inimigo (Sl 2, 6; 48, 1ss; 53, 7). De igual modo, Sião significa nessa passagem do Apocalipse um lugar seguro de refúgio no qual o Cordeiro reúne os seus pacíficos exércitos. Entretanto, o DRAGÃO e a BESTA estavam sobre a areia movediça da praia e das ondas do mar; o Cordeiro está sobre o monte Sião, símbolo de segurança e estabilidade. Os cento e quarenta e quatro mil (= 12 x 12.000) virgens levavam o nome do Cordeiro e o nome do seu Pai escrito em suas frontes. O nome sobre a fronte simboliza a consagração da vida ao serviço de Deus. Os servos levavam a marca de seus senhores; os soldados, a marca do imperador, a quem haviam jurado lealdade. Do mesmo modo que no Ap 7, 4ss o Cordeiro aparece a São João junto ao Pai Eterno, rodeado de sua corte e da grande multidão de escolhidos. E, entretanto, o vidente de Patmos contempla esta visão, ouve a música de harmoniosos cânticos com os quais os bem-aventurados celebram no céu a glória do Cordeiro (versículo 2). A felicidade celeste no Apocalipse é litúrgica. O cântico que entoavam, acompanhado com o som das cítaras, era algo secreto e misterioso, pois só podia ser cantado por aqueles cento e quarenta e quatro mil. É, portanto, um cântico novo, como tudo o que sucederá nos capítulos 21 e 22. O rumor desse canto entoado por um coro colossal de cento e quarenta e quatro mil vozes, o compara São João a um fragor de águas e ao ribombo de um forte trovão. Este imenso hino de louvor a Deus e ao Cordeiro se contrapõe ao ato de adoração e reconhecimento da BESTA por seus seguidores (Ap 13, 4. 12). Os cento e quarenta e quatro mil eleitos que entoavam o cântico são os que foram resgatados da terra (versículo 3), isto é, dentre os homens. A terra aqui tem o mesmo sentido que mundo no quarto evangelho, tomado no sentido pejorativo. Foram resgatados pelo sangue do Cordeiro, e agora reinam com Jesus Cristo no céu. Parece mais em conformidade com o resto do Apocalipse ver neste coro colossal não um grupo seleto dentre os eleitos, senão o símbolo de todos os bem-aventurados que louvam a Deus no céu. Só esses cento e quarenta e quatro mil podiam aprender o cântico, porque, como disse Bossuet, é necessário experimentar a felicidade dos santos para compreendê-lo.
Em Ap 14, 4-5 diz: “Estes são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens. Estes seguem o Cordeiro, onde quer que ele vá. Estes foram resgatados dentre os homens, como primícias para Deus e para o Cordeiro. Na sua boca jamais foi encontrada mentira: são íntegros”.
O texto refere-se aos que estão com disposição de participar nas bodas do Cordeiro (Ap 19, 9; 21, 2), porque não se mancharam com a idolatria, mas foram preservados para Ele. Já São Paulo compara cada cristão com uma virgem casta (2 Cor 11, 2), e apresenta a Igreja como a Esposa de Cristo (Ef 5, 21-32). O autor do Apocalipse refere-se a todos os membros da Igreja enquanto são santos, chamados à santidade; mas o simbolismo que emprega leva consigo uma realidade profunda: que a virgindade e o celibato pelo Reino dos Céus é uma realização singular e um sinal evidente dessa dimensão esponsalícia da Igreja. Ensina o Concílio Vaticano II, a propósito da castidade dos religiosos, que desta forma eles recordam a todos os cristãos aquele maravilhoso matrimônio estabelecido por Deus, e que há de revelar-se totalmente na vida futura, pelo que a Igreja tem Cristo por esposo único (Perfectae caritatis, 12). Os cento e quarenta e quatro mil são também os que se identificam plenamente com Cristo, morto e ressuscitado, negando-se a si mesmo e pondo todas as suas forças no empenho apostólico (Mt 10, 38). São finalmente os que Cristo, com o seu Sangue fez propriedade sua e do Pai – como Israel que era primícias dos frutos de Deus (Jr 2, 3) -, ou seja, os que formam um povo santo como aquele resto de Israel descrito por Sf 3, 13: Não cometerão mais injustiça, não dirão mentiras e não encontrará na sua boca língua enganosa. Embora o profeta diga estas palavras daqueles que não hão de invocar os deuses falsos, o Apocalipse aplica-as àqueles que não se submetem à BESTA, aos que vivem com total sinceridade unidos a Cristo. O Pe. Geraldo Morujão ensina: Acompanha a visão do Cordeiro com os seus uma espetacular aclamação cheia de grandiosidade e beleza. Entoa-se um cântico novo, do qual só podem participar aqueles que não se maculam com mulheres, pois são virgens; seguem o Cordeiro para onde quer que Ele vá, primícias para Deus e para o Cordeiro. Habitualmente, entende-se esta expressão como referida aos cristãos, em sentido metafórico, por não participarem da idolatria, considerada na Sagrada Escritura como adultério e prostituição. Por outro lado, todos os fiéis, pela sua estreita união com Cristo, o Esposo, são também comparados a uma virgem casta (2 Cor 11, 2). No entanto, preferimos, com São Jerônimo e Santo Agostinho, tomar a expressão virgens no sentido próprio, sem excluir uma alusão ao sentido figurado, mas num segundo plano. Com efeito, o contexto é de um seguimento radical de Cristo – para onde quer que Ele vá (versículo 4) – e esse grupo é considerado primícias, o que sugere um escol (melhor ou mais relevante) de pessoas de ambos os sexos com vocação de entrega total no celibato apostólico, qualquer que seja o seu estatuto na Igreja. Não se diga que com esta interpretação se daria lugar à consideração da união legítima do homem com a mulher no casamento como uma mácula, ou algo indigno, pois a linguagem aqui usada deve ser considerada como a de impureza legal do Antigo Testamento, que nada tem que ver com imperfeição ou impureza moral. O Pe. José Salguero comenta: Formam, pois, a porção escolhida da Igreja desde suas origens até o fim. Por isso estão mais unidos ao Cordeiro e o seguem onde quer que vá, isto é, que imitam em tudo sua vida totalmente consagrada a cumprir a vontade de seu Pai. São virgens, porque não se mancharam com mulheres. Esta virgindade é entendida por muitos autores em sentido físico de integridade corporal. Estes cento e quarenta e quatro mil virgens constituiriam um grupo seleto no céu dos que haviam conseguido manterem-se livres de todo o pecado de índole sexual. Sabemos que a virgindade foi muito apreciada desde o começo da Igreja. São Paulo considera o estado de virgindade como superior à vida matrimonial (1 Cor 7, 32.34). Entretanto, esta interpretação choca com certas dificuldades: se se toma o texto demasiado literalmente, havia que excluir às mulheres desse grupo de almas virgens. Além disso, no século I – do qual fala principalmente São João – não seria possível encontrar cento e quarenta e quatro mil virgens, ou seja, cristãos que guardaram o estado de virgindade por motivos estritamente religiosos. A nós parece mais provável ver nesses cento e quarenta e quatro mil virgens, representados a todos aqueles que se mantiveram afastados do culto pagão, que na Sagrada Escritura é considerado como uma prostituição e um adultério contra Deus. São os que se abstiveram totalmente do culto idolátrico e da contaminação pagã. Suas obras e sua doutrina se haviam conservado na perfeita pureza, sem deixar-se arrastar pelas insinuações dos falsos profetas e doutores, auxiliares do DRAGÃO e da BESTA (comentam: Alcázar, Bossuet, Calmet, Crampon, Osty, Boismard, Koester, Bezzel, Ragaz e outros). Por esta razão se diz que não se mancharam enquanto que conservaram uma perfeição espiritual e religiosa sem defeito algum (Hb 9, 14; 1 Pd 1, 19). O Cordeiro, a quem seguem os eleitos, é ao mesmo tempo seu pastor. Jesus Cristo lhes precede levando sua custa até o Calvário, e eles caminham após Ele levando também cada um sua cruz. Regatados dentre os homens prisioneiros do pecado pelo preço do sangue do Cordeiro, constituem as primícias do grupo dos redimidos como oferendas a Deus e ao Cordeiro. Na Lei de Moisés prescrevia a oferenda das primícias dos frutos da terra (Ex 23, 19). Estas primícias, por serem os primeiros frutos, eram, naturalmente, consideradas como o mais excelente, e por isso era oferecidas a Deus (1 Cor 15, 20. 23). Pois tais são os que formam essa multidão de almas escolhidas dentre o grupo dos seres humanos. Deles se diz que em sua boca não encontrou mentira (versículo 5), porque sua vida se ajusta plenamente à verdade revelada tanto na doutrina como nas obras. Por esse motivo são imaculados e livres de toda mancha de pecado. A mentira aqui significa falta de sinceridade nas relações sociais com o próximo. Para São João, a mentira está absolutamente excluída da nova Jerusalém.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 04 de junho de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Edições Theologica Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 50; Perfectae caritatis, 12 Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse Pontifício Instituto Bíblico de Roma Pe. José Salguero, Bíblia Comentada Santo Agostinho, De virginibus 27-29 São Jerônimo, Adv. Iovin. 1, 40
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