LANÇA A TUA FOICE AFIADA

(Ap 14, 14-20)

 

14 Depois disso, olhei: havia uma nuvem branca, e sobre a nuvem alguém sentado, semelhante a um Filho de Homem, com uma coroa de ouro na cabeça e nas mãos uma foice afiada. 15 Nisto outro Anjo saiu do Templo, gritando em alta voz ao que estava sentado sobre a nuvem: ‘Lança tua foice e ceifa. Chegou a hora da ceifa, pois a seara da terra está madura’. 16 O que estava sentado na nuvem lançou então sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada. 17 Nisto saiu do templo que está no céu outro Anjo, também ele com uma foice afiada. 18 E outro Anjo, que tem poder sobre o fogo, saiu do altar e gritou em alta voz ao que segurava a foice afiada: ‘Lança a tua foice afiada e vindima os cachos da videira da terra, pois suas uvas amadureceram’. 19 O Anjo lançou então sua foice afiada na terra e vindimou a videira da terra, lançando-a depois no grande lagar do furor de Deus. 20 O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios”.

 

A descrição antecipada do Juízo Final apresenta-se em duas cenas: a ceifa (Ap 14, 14-16) e a vindima (Ap 14, 17-20), seguindo, sem dúvida, a profecia de Joel acerca do Juízo de Deus sobre os povos inimigos de Israel: Despertem-se e subam as nações para o vale de Josafá! Que ali me sentarei eu para julgar todas as nações circundantes. Metei a foice, porque a messe está madura; vinde, calcai, que o lagar está cheio, e as adegas transbordam, tão grande é a sua maldade (Jl 4, 12-13).

Na primeira cena é o próprio Jesus Cristo, sob o título de Filho do Homem (Dn 7, 13), quem vai realizar o julgamento apresentado com a imagem da ceifa, como na parábola do trigo e do joio (Mt 13, 24-30). Na segunda é um Anjo, emissário de Deus, quem faz a vindima e prepara o lagar para que seja pisado por Deus – seguindo a profecia de Is 63, 3 que  diz: Só eu pisei o lagar - , ou então por Cristo, segundo se dirá mais adiante no Ap 19, 15. Em qualquer dos casos ensina-se que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, recebeu o poder de realizar o Juízo Universal que, segundo a tradição judaica, se desenvolveria às portas de Jerusalém (Zc 14, 4), e com um espantoso banho de sangue (Ap 14, 20).

Em ambas as cenas põe-se em destaque a presença dum Anjo que dá a ordem (versículos 15. 18). O fato de que este Anjo saia do Santuário e do altar significa que esse fim está relacionado com as orações dos santos e dos mártires, que movem Jesus Cristo a atuar (Ap 8, 3-4). Por isso a Igreja, imediatamente depois que se tornou presente Cristo no altar pela Consagração das espécies eucarísticas, clama pela sua segunda vinda – a Parusia –, que será o seu triunfo definitivo: Anunciamos a Vossa morte, proclamamos a Vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus! (Missal Romano).

O Pe. Geraldo Morujão ensina: Os versículos finais deste capítulo 14 parecem ser um anúncio antecipado do Juízo Final (Ap 20, 11-15).

Há uma visão de um ser sentado sobre uma nuvem, semelhante a um homem (à letra, Filho de homem), que evoca a passagem messiânica de Daniel 7, 13, dando assim a entender que este é Jesus Cristo, na sua função de Juiz, representado com uma foice afiada na mão. Outro anjo lhe diz para ceifar a ceara, já madura. E aparece mais um anjo com outra foice, que às ordens de outro anjo procede à vindima dos cachos da vinha da terra, para serem pisados no grande lagar da ira de Deus.

Esta visão da ceifa e da vindima é como uma espécie de paráfrase à passagem do profeta Joel, que fala do julgamento das nações no Vale de Josafá (Jl 4, 12-13). Há autores que pensam que a imagem da ceifa se refere ao julgamento dos bons, e a da vindima ao dos maus.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma escreve: Anuncia-se, sob a imagem da ceifa e da vindima, já familiar aos profetas (Jl 4, 9-13), a prestação de contas à justiça divina, especialmente no fim do mundo, no Juízo Final, como declarou expressamente o próprio Jesus Cristo (Mt 13, 39). Ele é aquele que está sentado na nuvem e dirige a ceifa. – como homem, como em Ap 1, 13, talvez refletindo Dn 7, 13. Como homem espera as ordens do Pai para agir (Jo 8, 28-29). A ordem lhe é trazida por intermédio de um anjo que sai do templo, isto é, vem da parte de Deus (Lc 22, 43). – o lagar da cólera de Deus (Is 63, 1-6).

O Pe. José Salguero comenta: Os três primeiros anjos anunciaram – como já foi visto – a sorte futura da Babilônia (Roma), das duas BESTAS e de seus seguidores. Também foi proclamada a pregação do Evangelho que assegura a felicidade eterna aos cristãos. Aqui aparecem outros QUATRO PERSONAGENS que anunciam o Juízo e a destruição de todas as nações pagãs, com a qual terminará a perseguição dos cristãos. As nações pagãs serão exterminadas porque não quiseram escutar a mensagem divina. Esta catástrofe é descrita sob as imagens de uma CEIFA e de uma VINDIMA, que são tradicionais na Bíblia para expressar um castigo (Is 17, 5; 27, 12; 63, 3ss.). São João Evangelista parece inspirar-se em Joel 4, 12-13, que usa simultaneamente ambas as imagens ao falar do grande dia de Deus. A realização da profecia do Ap 14, 15-20 será descrita em Ap 19, 11-21.

São João Evangelista nos apresenta uma nova visão, na qual aparece um após o outro, dois quadros de significado análogo. O primeiro se acha inspirado em Daniel 7, 13. O vidente de Patmos contempla uma nuvem branca, e sobre ela aparece sentado um ser misterioso, semelhante  a um filho de homem (versículo 14). As nuvens movidas pelo vento constituem o veículo habitual sobre o qual Deus se apoia nas visões proféticas (Is 19, 1ss; Sl 18, 11). Aqui, o que aparece sobre uma nuvem branca é Jesus Cristo, o qual leva uma coroa de ouro sobre sua cabeça, em sinal de vitória, e uma foice em sua mão, como executor da sentença divina contra os adoradores da BESTA. Não há dúvida que se trata de Jesus Cristo, como se vê pelo mistério com que se lhe designa. Não tem nome e é semelhante a um filho de homem. Sob esta forma costuma São João, como Daniel e, em geral, os autores apocalípticos, designar a Deus ou aos personagens celestes, para indicar a grandeza de sua personalidade, que nenhum nome consegue significar. A expressão Filho do homem é messiânica tanto nos Evangelhos (Mt 11, 19; 16, 13; Mc 2, 28; Lc 6, 22; 19, 10) como no Apocalipse (Ap 1, 13). De onde se segue que o que está sentado sobre a nuvem não pode ser um anjo, senão o mesmo Jesus Cristo. E recebe a ordem de ceifar de um anjo, isto não significa que seja inferior em dignidade aos anjos (Hb 1, 5-7; Ap 3, 1), senão simplesmente que Deus Pai comunica a seu Filho por meio de um anjo o mandato de castigar as nações pagãs (Mc 13, 32). São João diz no quarto Evangelho que o Pai entregou o juízo a Jesus Cristo, enquanto Filho do homem (Jo 5, 22. 27). Porém, se o Pai o entrega ao Filho do homem, é sinal de que a Ele pertence em propriedade, e que o Filho do homem o tem por delegação.

O vidente de Patmos (São João Evangelista) contempla a outro anjo que sai do templo, sua morada, o qual grita com potente voz ao que está sentado na nuvem: Lança tua foice e ceifa. Chegou a hora da ceifa, pois a seara da terra está madura. O que estava sentado sobre a nuvem lançou então sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada. O templo de onde procede o anjo parece ser o templo celeste, de onde também sai o anjo que há de fazer a vindima (versículo 17) e os anjos das sete taças (Ap 15, 6-8). Nesse caso, o anjo que sai do templo celeste seria um dos mais altos mensageiros de Deus Pai, que transmite a Jesus, Juiz dos homens, enquanto Messias, a ordem de executar sua obra definitiva. Se, pelo contrário, o templo é o de Jerusalém, imagem da Igreja (Ap 11, 1), o sentido será ainda mais satisfatório. Trata-se do anjo guardião dos fiéis que manifesta a seu chefe os desejos de sua Esposa, cujos méritos estão já completos (Ap 22, 17). Jesus Cristo tem em sua mão a foice afiada com a qual vai ceifar a colheita que está no ponto. A colheita de que nos fala o anjo simboliza o juízo. Este mesmo sentido é o que tem em diversos lugares da Sagrada Escritura (Is 18, 5; Jr 51, 33; Mt 13, 39). Especialmente próximo ao nosso é um texto de Joel, que diz: Que partam e subam, as nações, ao vale de Josafá! Sim, ali eu me sentarei para julgar todas as nações dos arredores. Lançai a foice, porque a messe está madura; vinde, pisai, porque o lagar está cheio, as tinas transbordam, pois grande é a sua malícia! (Jl 4, 12-13). Nestas passagens trata-se  do juízo dos inimigos de Deus ou do juízo do mundo. Entretanto, há outras passagens no Novo Testamento (Mt 3, 12; Lc 10, 2), em que se fala da colheita das almas fiéis. De quem se trata aqui? A colheita é um castigo executado sobre os adoradores da BESTA ou uma separação do bom grão e limpo da palha? Como no versículo 16 não se fala da ira divina, muitos autores creem que a colheita da primeira foice não representa um castigo, senão a colheita do trigo já maduro dos justos (Mt 13, 30-43). Por conseguinte, o sentido deste quadro seria o mesmo da admoestação precedente. O Senhor virá para recolher os seus amigos fiéis. Um indício disso o encontram os autores na cor branca da nuvem que parece indicar não castigo, mas sim, a vitória. Entretanto, o paralelismo com a cena imediatamente seguinte (versículos 17-20) concorre em favor de um castigo, de uma praga que se abateria sobre bons e maus.

O ato de lançar as foices constitui uma dessas ações simbólicas que se dão com tanta frequência nos profetas. A dupla ação de lançar as foices tem um mesmo significado.

Depois vem um segundo quadro semelhante ao primeiro (versículos 17-20). A única diferença está em que no primeiro era o mesmo Senhor o que fazia a colheita, enquanto que no segundo é um anjo o encarregado de executá-la. Este anjo sai também do templo que está no céu, com uma foice bem afiada, com a qual levará até o fim a missão punitiva para a qual fora enviado. Porém, é preciso esperar a ordem divina de executá-la. Para comunicá-la vem outro anjo a quem está reservado o cuidado do fogo do altar, provavelmente o mesmo que lançou as brasas do altar dos perfumes sobre a terra (Ap 8, 3-5).Também poderia tratar-se do anjo que cuida do fogo do altar dos holocaustos , sob o qual estavam as almas dos mártires (Ap 6, 9-10), que pediam a Deus justiça. Esta justiça seria a que se dispõe a executar agora o anjo. As orações dos mártires, levadas pelo anjo diante da presença de Deus, são as que obtêm o extermínio dos pecadores.

À ordem que dá o anjo que cuidava do fogo, o outro anjo lançou a foice: Lança a tua foice afiada e vindima os cachos da videira da terra, pois suas uvas amadureceram (versículo 18). Isto é, recolheu as uvas que já estavam maduras, com o qual quer significar que a maldade dos homens havia enchido a medida. Por isso já pode iniciar o castigo. E, com efeito, o anjo lançou então sua foice afiada na terra e vindimou a videira da terra, lançando-a depois no grande lagar do furor de Deus (versículo 19). A imagem da colheita ou do lagar onde as uvas são pisadas que significa um castigo divino é usada nos profetas. Esse texto se inspira em Isaías 63, 1-6, onde Deus, vencedor de Edom, pisa os inimigos em seu furor: Quem é este que vem de Edom, de Bosra com vestes fulgurantes, que vem majestoso no seu traje, marchando na plenitude do seu vigor? Sou eu, que promovo a justiça, que sou poderoso para salvar. — E por que essa cor vermelha do teu traje? Por que as tuas vestes se parecem com as de alguém que tenha pisado a uva no lagar? —Sozinho pisei a dorna; do meu povo ninguém estava comigo. Pisei as uvas na minha ira, na minha cólera as esmaguei. O seu sangue salpicou as minhas vestes; com isto sujei toda a minha roupa. Com efeito, decidi-me por um dia de vingança: chegou o ano da minha retribuição. Olhei, mas não havia ninguém para me ajudar! Eu estava consternado, mas não havia quem me sustentasse! Contudo, o meu braço veio em meu socorro e a minha cólera me sustentou. Na minha ira calquei aos pés os povos, na minha cólera os despedacei e derramei por terra o seu sangue (Is 63, 1-6). Também o mesmo Apocalipse nos apresentará no capítulo 19, o Verbo de Deus como cavaleiro vitorioso que avança por meio de seus inimigos com seus vestidos embebidos se sangue (Ap 19, 13-15).

O anjo, para expressar a vingança de Deus contra os adoradores da BESTA, colhe a vinha da terra, coloca as uvas no lagar e as pisa fora da cidade (versículo 20). Os cachos simbolizam a multidão dos ímpios, e o vinho, seu sangue. É uma terrível catástrofe que trará consigo o extermínio dos idólatras. A magnitude do desastre se expressa mediante uma imagem hiperbólica: O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios. O sangue dos adoradores da BESTA inundará – segundo o Apocalipse – uma extensão de mil e seiscentos estádios, ao redor de uns trezentos quilômetros, pois o estádio tinha uns cento e noventa e dois metros.  A extensão da Palestina desde Tiro até Wadi el-Aris é de mil e seiscentos e sessenta e quatro estádios, ou seja, uns trezentos quilômetros. Daí que alguns autores pensam que o autor sagrado quer incluir toda a Palestina como símbolo da totalidade do Império Romano (S. Bartina). Entretanto, a cifra 1.600 estádios (= 40 x 40) talvez seja meramente convencional, sem valor aritmético, como sucede ordinariamente no Apocalipse. Nesse caso, o número dos estádios designaria uma grande extensão, e serviria unicamente para dar uma ideia mais cabal da magnitude do desastre. A cifra indicada é também múltiplo de 4, número que designa as quatro partes do mundo e os quatro ventos, de onde haveriam de reunir as nações pagãs para a guerra. Na guerra escatológica todos os povos se enfrentarão com Deus.

Em que lugar será esse juízo punitivo dos idólatras? Segundo São João terá lugar fora da cidade (versículo 20). Porém, de qual cidade se trata? Segundo Ap 14, 1, o Cordeiro se achava sobre o monte Sião. Logo, o juízo seria nos arredores de Jerusalém. Por outra parte, o profeta Joel (Jl 4, 2. 12) afirma que o juízo divino terá lugar no vale de Josafá que se encontra muito próximo de Jerusalém. E segundo Zacarias 14, 4 e Ezequiel 38-39, o extermínio das nações pagãs acontecerá fora de Jerusalém, no monte das Oliveiras.

O Pe. Miguel Nicolau explica: COLHEITA e COLHEDOR. Alguns creem que se trata do Juízo Final e que o trigo são os justos. Apoiam-se em outras passagens parecidas, onde os bons são os grãos (Mt 3, 12; 13, 30-43). Porém, nem sempre há de ter o mesmo sentido uma comparação, idêntica na forma. O personagem celeste acredita que junto com o grão foi colhido a palha, imagem dos maus.

Muitos comentaristas identificam o COLHEDOR com Jesus Cristo. Veem dificuldade porque Ele recebe ordens de um anjo, o qual significa que é inferior em essência e dignidade. Porém a solucionam dizendo que só Deus Pai sabe a hora do Juízo Final (Mt 9, 38; 24, 36) e a comunica a seu Filho por meio de um anjo. Porém, essa explicação há sérias incongruências. O COLHEDOR é mais um oficial que juiz. Jesus Cristo não colhe o trigo da terra; mas a juga. Este personagem está entre anjos que atuam de maneira parecida neste capítulo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 06 de junho de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Pontifício Instituto Bíblico de Roma

S. Bartina, o. c. p. 738

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Lança a tua foice afiada”

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