MORADIA DE DEMÔNIOS

(Ap 18,  1-3)

 

1 Depois disso, vi outro Anjo descendo do céu; tinha um grande poder e a terra ficou iluminada com a sua glória. 2 Ele então gritou com voz poderosa: ‘Caiu! Caiu Babilônia, a Grande! Tornou-se moradia de demônios, abrigo de todo tipo de espíritos impuros, abrigo de todo tipo de aves impuras e repelentes, 3 porque ela embriagou as nações com o vinho do furor da sua prostituição; com ela se prostituíram os reis da terra, e os mercadores da terra se enriqueceram graças ao seu luxo desenfreado’”.

 

Contempla-se a queda e ruína de Roma, segundo o uso profético de vaticinar um acontecimento futuro como se tivesse acontecido. Em primeiro lugar anuncia-se a sua que (versículos 1-3). Depois se exorta o povo de Deus para que saiam da cidade e assim se livrem dos terríveis castigos que se avizinham.  Seguem-se as lamentações dos reis que se aliaram com Roma, o pranto dos comerciantes que se enriqueciam à sua custa e o assombro dos marinheiros. Por último, manifesta-se o gozo de quantos sofreram sob o seu jugo e agora contemplam a justiça de Deus.

Com palavras que recordam as profecias do Antigo Testamento quando vaticinavam o fim das cidades inimigas (Is 13, 21-22; 21, 9; Jr 50, 30), São João descreve a situação final de Roma como um lugar inabitável. Entre os pecados, causa da sua ruína, que se atribuem à grande cidade, figura o luxo desenfreado. Uma situação assim conduz à degradação e autodestruição de uma sociedade, como pode observar-se na história das civilizações e em nossos dias. O afã de consumismo e de possuir é, sem dúvida, uma das marcas da nossa época. Já o denunciava Pio XI ao dizer que a grande enfermidade da Idade Moderna, fonte principal dos males que todos deploramos, é a falta de reflexão, aquela efusão contínua e verdadeiramente febril pelas coisas externas, essa imoderada ânsia de riquezas e prazeres, que pouco a pouco debilita nos ânimos os mais nobres ideais e os submergem nas coisas terrenas e transitórias e não lhes permite levantar-se para as considerações das coisas eternas.

O Pe. José Salguero comenta: São João vê outro anjo, diferente daquele mencionado em Ap 17, 1. 7, descer do céu com grande poder e cheio de resplandecente claridade (versículo 1).O qual dá a indicar a importância da mensagem  que traz à terra. Desde o alto do céu atmosférico grita com voz poderosa, de sorte que pode ser ouvida em toda a terra, anunciando a ruína de Babilônia (Roma): Caiu, caiu a grande Babilônia (versículo 2). O anjo fala em tom profético, em termos semelhantes aos de Ap 14, 8, para significar a certeza da ruína de Roma. Esta, de cidade rica, poderosa e cheia de esplendor, se converterá num monte de ruínas onde MORARÃO OS DEMÔNIOS, OS ESPÍRITOS IMUNDOS E AS AVES DE MAU AGOURO. As expressões do anjo nos recorda o estilo dos antigos profetas, mostrando com isso quão devedor é São João dos antigos em sua parte literária. As primeiras palavras do versículo 2, que anunciam a caída de Babilônia, são tomadas de Isaías 21, 9.  As que seguem descrevem a grande desolação das ruínas da cidade, expressada com palavras de vários profetas. Isaías anuncia que Edom será destruída e em suas ruínas o pelicano e o ouriço a possuirão; a coruja e o corvo farão nela morada. Deus estenderá sobre ela o cordel do caos e o prumo do vazio. Já não haverá nobres que proclamam a realeza; os seus príncipes desaparecerão. Nos seus palácios crescerão espinhos, urtigas e cardos, nas suas fortalezas: ela servirá de morada para os chacais, de habitação para os avestruzes. Os gatos selvagens conviverão aí com as hienas, os sátiros chamarão os seus companheiros. Ali descansará Lilit, e achará um pouso para si. Ali a serpente fará o seu ninho, porá os seus ovos, chocá-los-á e recolherá à sua sombra a sua ninhada. Também ali se encontrarão as aves de rapina, cada uma com a sua companheira (Is 34, 11-15). E o mesmo profeta, quando fala da ruína da Babilônia, se expressa nestes termos: Assim Babilônia, a pérola dentre os reinos, o adorno e o orgulho dos caldeus, será como Sodoma e como Gomorra, que foram reduzidas a ruína por Deus. Nunca mais será habitada, de geração em geração não será povoada. Ali não acampará jamais o árabe, e os pastores não farão repousar ali os seus rebanhos. Antes, ali farão o seu pouso os animais do deserto, e as suas casas ficarão cheias de bufos; ali habitarão os avestruzes, os bodes ali dançarão. As hienas uivarão nas suas torres, os chacais, nos seus palácios suntuosos. Com efeito, o seu tempo está próximo: os seus dias não serão prorrogados (Is 13, 19-22). Também Jeremias nos apresenta as ruínas de Jerusalém convertidas em covil de feras e chacais, em morada de avestruzes (Jr 50, 39). Estas expressões, empregadas pelos profetas e São João, são lugares comuns literários da literatura profética que não devem ser tomadas ao pé da letra. O que se quer significar com elas é que Roma, como Babilônia e Edom, será terrivelmente castigada por causa da idolatria e da sua aversão à Igreja de Jesus Cristo.

Por outro lado, era crença popular que as ruínas e o deserto eram os lugares onde viviam as aves noturnas, os animais selvagens e os espíritos demoníacos e imundos (Mt 12, 43-45; Lc 11, 24-26). O livro de Tobias nos conta que o arcanjo Rafael lançou no deserto do Egito o espírito maligno que dava morte aos maridos de Sara, e ali o acorrentou (Tb 8, 3). Os monumentos egípcios nos mostram o deserto povoado por estes espíritos maus e por animais fantásticos.

A causa da ruína da Babilônia (Roma) é a mesma indicada já em várias passagens dos capítulos precedentes (Ap 17, 2. 4-5). A idolatria, com a qual embriagava a todas as nações que lhe estavam submetidas, e os horríveis costumes da Roma pagã são a razão de sua queda (versículo 3). O luxo, a libertinagem, a sedução e a tirania da grande metrópole fomentaram a idolatria, que será aos olhos de São João, como o era aos olhos dos antigos profetas, uma das causas principais de sua ruína. O autor do Apocalipse, seguindo o exemplo dos profetas do Antigo Testamento, considerava a idolatria como uma fornicação, porque violava o pacto estabelecido entre o único Deus e seu povo. A queda de Roma constituirá um castigo para todo o mundo pagão, o que explica bem os lamentos de todas as nações dos que se fala nos versículos 11. 15. 23. Os comerciantes de todo o Império Romano também haviam contribuído para que Roma levasse até limites inauditos o luxo e a imoralidade. E com o comércio também se difundiam os cultos pagãos e toda classe de abominações.

O Pe. Miguel Nicolau ensina: Depois das visões precedentes, contempla São João outras. Desde a terra vê descer do céu um anjo poderoso. Seu grande poder se manifesta na sua atuação. Do seu ser brota luz. É a glória ou resplendor dos seres celestiais (Lc 2, 9). Este anjo iluminou toda a terra que São João contemplava.

Este novo mensageiro celeste exclama com voz potentíssima que Babilônia caiu e ficou arruinada. Esta grande cidade é Roma. Usa-se um passado profético para indicar a absoluta certeza do futuro. O anúncio é dirigido a todos os homens, especialmente aos de boa vontade. Em poucas palavras descreve o sucesso. A povoada, bela e rica capital do mundo é agora um deserto. O que era o orgulho da vida humana é agora um monte de ruínas malditas.

No versículo 3 diz: porque ela embriagou as nações com o vinho do furor da sua prostituição; com ela se prostituíram os reis da terra, e os mercadores da terra se enriqueceram graças ao seu luxo desenfreado. Está claro que a Roma pagã embriagou todas as nações de seu império com falsas idolatrias e com imoralidades bestiais. Os reis, imitando a falsa religião, fizeram pactos com Roma, impondo aos seus súditos os cultos pagãos.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 19 de junho de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

Papa Pio XI, Mens nostra, 6

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Moradia de demônios”

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