SULAMITA, VOLTA-TE, VOLTA-TE

(Ct 7, 1-14)

 

1 Volta-te, volta-te. Sulamita, volta-te, volta-te... queremos te contemplar! ‘Que olhais na Sulamita, quando baila entre dois coros?’ 2 Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres; as curvas dos teus quadris, que parecem colares, obras de um artista. 3 Teu umbigo... essa taça redonda onde o vinho nunca falta; teu ventre, monte de trigo rodeado de açucenas; 4 teus seios, dois filhotes, filhos gêmeos de gazela; 5 teu pescoço, uma torre de marfim; teus olhos, as piscinas de Hesebon junto às portas de Bat-Rabim. Teu nariz, como a torre do Líbano voltada para Damasco; 6 tua cabeça que se alteia como o Carmelo, e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando um rei nas tranças. 7 Como és bela, quão formosa, que amor delicioso! 8 Tens o talhe da palmeira, e teus seios são os cachos. 9 Pensei: ‘Vou subir à palmeira para colher dos seus frutos!’ Sim, teus seios são cachos de uva, e o sopro das tuas narinas perfuma como o aroma das maçãs. 10 Tua boca é um vinho delicioso que se derrama na minha molhando-me lábios e dentes. 11 Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim. 12 Vem, meu amado, vamos ao campo, pernoitemos sob os cedros; 13 madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo, se as romeiras vão florindo: lá te darei meu amor...14 As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti”.

 

Em Ct 7, 1-6 diz: “Volta-te, volta-te. Sulamita, volta-te, volta-te... queremos te contemplar! ‘Que olhais na Sulamita, quando baila entre dois coros?’ Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres; as curvas dos teus quadris, que parecem colares, obras de um artista. Teu umbigo... essa taça redonda onde o vinho nunca falta; teu ventre, monte de trigo rodeado de açucenas; teus seios, dois filhotes, filhos gêmeos de gazela; teu pescoço, uma torre de marfim; teus olhos, as piscinas de Hesebon junto às portas de Bat-Rabim. Teu nariz, como a torre do Líbano voltada para Damasco; tua cabeça que se alteia como o Carmelo, e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando um rei nas tranças”.

 

O hagiógrafo dá agora um nome à ESPOSA. Sulamita parece ser um epíteto de lugar, relacionado com Sulam, a atual “Solem”, na planície de Esdrelón, não longe do Carmelo. Pode ser também um jogo com o nome de Salomão. Em 1 Rs 1, 3 se fala da Sunamita que conviveu com Davi como donzela. Em todo caso, o nome é escolhido pelo hagiógrafo, como antes chamou a localidade de Tersa.

O coro convida a ESPOSA para entrar para cantar suas belezas. A descrição começa pelos pés para concluir com a cabeça. A descrição é primitivista, em consonância com os gostos pouco refinados da época. A ESPOSA se acha no meio dos dois coros que com todo detalhe descrevem os encantos do corpo feminino da ESPOSA. A alusão à TAÇA (versículo 3) parece dar a entender a fecundidade maternal da ESPOSA. Os OLHOS são comparados às piscinas de Hesebon, localidade na alta Transjordânia. Bat-Rabim nos é desconhecida. Pode estar relacionada com Rabbat Ammón, a atual Amã, capital da Jordânia. Em todo caso o poeta cita estes nomes como já foi citado em outras passagens do Cântico dos Cânticos. E assim continua: Teu nariz, como a torre do Líbano voltada para Damasco; tua cabeça que se alteia como o Carmelo, e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando um rei nas tranças.

Santo Afonso Maria de Ligório explica Ct 7, 2: “Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres”. Generosamente, portanto, Joaquim e Ana sacrificaram a Deus o que lhes era mais caro ao coração. Eis que partem de Nazaré, levando nos braços, ora um, ora outro, a diletíssima filha, que, sozinha, não teria podido fazer a pé uma viagem tão longa, como a de Nazaré a Jerusalém. De um lugar a outro vai a distância de 80 milhas (mais ou menos 30 horas de viagem). Acompanharam-nos poucos parentes. Mas os anjos – observa Jorge de Nicomédia – em revoadas rodeavam e serviam nessa viagem à imaculada virgenzinha, que se ia consagrar a Deus: Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres (Ct 7, 2). Quão belos (deviam cantar os anjos), quão queridos ao Senhor, esses passos que fazes para te ires oferecer a ele, ó grande filha predileta de nosso Senhor.

 

São João da Cruz comenta Ct 7, 2: “Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres”. Que visão maravilhosa aos olhos do espírito, a desta alma ESPOSA, colocada com todos estes dons à direita do Rei, seu ESPOSO! Os teus pés... como são belos nas sandálias, ó filha de nobres (Ct 7, 2). Chama-a “filha do Príncipe”, para manifestar o principado que a alma tem agora. E se ele admira a beleza dos pés no calçado, qual não será a do vestido?

Santo Ambrósio comenta Ct 7, 3: “Teu umbigo... essa taça redonda onde o vinho nunca falta; teu ventre, monte de trigo rodeado de açucenas”. No seio puríssimo de Maria havia um só grãozinho de trigo que era Jesus Cristo. Não obstante, é ele comparado a um monte de trigo, porque naquele grãozinho estavam todos os eleitos, dos quais Maria também havia de ser Mãe.

Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 7, 6: “... e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando um rei nas tranças”. Ferida pelo caçador, aonde vai, leva a corça consigo a sua dor, carregando no corpo a seta cruel. Assim também Maria, depois do funesto vaticínio de São Simeão, levou consigo a dor, que consistia na contínua memória da Paixão do Filho. Algrino aqui aplica o texto dos Sagrados Cânticos: ... e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando um rei nas tranças (Ct 7, 6). Essa cabeleira cor de púrpura simboliza a constante contemplação da Paixão de Jesus. A Virgem a tinha tão viva diante dos olhos, como se já estivesse vendo o sangue a correr das chagas dele. Era assim Jesus a espada que atravessava o Coração de Maria. E, à medida que ele lhe parecia mais amável, mais profundamente a feria a dor por ter de perdê-lo um dia.

 

Em Ct 7, 7-10 diz: “Como és bela, quão formosa, que amor delicioso! Tens o talhe da palmeira, e teus seios são os cachos. Pensei: ‘Vou subir à palmeira para colher dos seus frutos!’ Sim, teus seios são cachos de uva, e o sopro das tuas narinas perfuma como o aroma das maçãs. Tua boca é um vinho delicioso que se derrama na minha molhando-me lábios e dentes”.

 

O ESPOSO reafirma a beleza expressada pelo coro e proclama seus desejos de unir-se com a que pode proporcionar-lhe sua felicidade amorosa. Ele expressa o desejo de colher os frutos: Vou subir à palmeira para colher dos seus frutos!’ Sim, teus seios são cachos de uva, e o sopro das tuas narinas perfuma como o aroma das maçãs, para demostrar sua ansiedade de chegar à posse definitiva do matrimônio, como acontece em muitos poemas desse livro. Particularmente, o VINHO generoso significa o banquete nupcial, com uma entrega total dos corações dos ESPOSOS.

 

Em Ct 7, 11-14 diz: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim. Vem, meu amado, vamos ao campo, pernoitemos sob os cedros; madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo, se as romeiras vão florindo: lá te darei meu amor... As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti”.

 

A ESPOSA acolhe agradecida as exclamações amorosas do seu ESPOSO e declara a entrega total ao seu coração. Ela não pode resistir aos anseios que tem constantemente seu pensamento em sua pessoa. Jogando com os encantos da primavera, a ESPOSA convida ao ESPOSO a sair ao campo para contemplar o milagre da ressurreição da natureza. É a estação do amor – as mandrágoras eram consideradas na antiguidade como afrodisíacas (excita ou restabelece os desejos sexuais) (Gn 30,14-16) – e, portanto, é o tempo de celebrar os desposórios, refletidos nos frutos especiais que a ESPOSA reserva em sua casa para o ESPOSO.

Santo Afonso Maria de Ligório explica Ct 7, 11: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim”Pela boa intenção imitemos o amor dos Bem-aventurados, cuja felicidade consiste toda em agradar a Deus, porque eles se regozijam mais da felicidade de Deus que da deles próprios.

São João da Cruz comenta Ct 7, 11: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim”. Como a noiva no dia de suas núpcias não se ocupa em outra coisa a não ser em festas e delícias de amor e em ostentar todas as suas joias e prendas para com elas agradar ao ESPOSO, e este, de sua parte, faz o mesmo, mostrando-lhe todas as suas riquezas e excelências a fim de causar-lhe alegria e consolação, assim também sucede à alma neste desposório espiritual onde sente com toda a verdade o que a ESPOSA diz nos Cantares: Eu sou para meu Amado, e o meu Amado para mim se volta (Ct 7, 11). As virtudes e prendas da alma ESPOSA, bem como as magnificências e graças do Filho de Deus, seu ESPOSO, saem à luz, e são oferecidas em banquete para que se celebrem as bodas deste desposório; comunicam-se os bens e deleites de um a outro, com vinho de delicioso amor no Espírito Santo. Esse mesmo Santo explica Ct 7, 11-14: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim. Vem, meu amado, vamos ao campo, pernoitemos sob os cedros; madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo, se as romeiras vão florindo: lá te darei meu amor... As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti”. Que sentirá, pois, a alma aqui, entre tão soberanas mercês? Como não se desfará toda em amor! Qual não será a sua gratidão vendo esse peito de Deus aberto para ela com tão sublime e liberal amor! Vendo-se no meio de tantos deleites, entregando-se totalmente a Deus, dando-lhe também os seus peitos, isto é, sua vontade e amor, experimenta, então, e percebe no seu íntimo, o mesmo que sentia a ESPOSA nos Cantares quando falava assim ao ESPOSO: Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim. Vem, meu amado, vamos ao campo, pernoitemos sob os cedros; madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo, se as romeiras vão florindo: lá te darei meu amor (meus peitos em outra tradução)... As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti. Como a dizer: empregarei os deleites e força de minha vontade a serviço de teu amor. Assim é que se realizam estas duas entregas, da alma e de Deus nesta união. O Santo ainda explica Ct 7, 14: “... à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos”. Como se dissesse: Amado meu, tudo quanto é áspero e trabalhoso quero por teu amor; e tudo quanto há de suave e saboroso quero para ti. O significado próprio deste verso consiste, porém, em declarar que a alma, no estado de desposório espiritual, vive em contínua união no amor de Deus, sito é, tem a sua vontade sempre presente diante de Deus por amor.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 17 de julho de 2015

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Maximiliano Garcia Cordero, Bíblia Comentada

Santo Ambrósio, Escritos

Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria

São João da Cruz, Obras Completas

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Sulamita, volta-te, volta-te”

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