3.ª CARTA DE SÃO JOÃO EVANGELISTA

Dificuldade desde o início

(3 Jo 1-15)

 

1 O Ancião ao caríssimo Gaio, a quem amo na verdade. 2 Caríssimo, desejo que em tudo prosperes e que a tua saúde corporal seja tão boa como a da tua alma.  3 Muito me alegrei com a chegada dos irmãos e com o testemunho que deram da tua verdade, isto é, de como vives na verdade. 4 Não há alegria maior para mim do que saber que os meus filhos vivem na verdade. 5 Caríssimo, procedes fielmente agindo assim com teus irmãos, ainda que estrangeiros. 6 Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja. Farás bem provendo-os do necessário para a viagem, de um modo digno de Deus. 7 E pelo Nome que eles se puseram a caminho, sem nada receber dos gentios. 8 Devemos, pois, acolher esses homens, para que sejamos cooperadores da Verdade. 9 Escrevi algumas palavras à Igreja. Mas Diótrefes, que ambiciona o primeiro lugar, não nos recebe. 10 Por isso, se eu for aí, repreenderei a sua conduta, pois ele propaga palavras más contra nós. Não satisfeito com isso, se recusa a receber os irmãos e impede aqueles que o desejam fazer, expulsando-os da Igreja. 11 Caríssimo, não imites o mal, mas o bem. O que faz o bem é de Deus. Quem faz o mal não viu a Deus. 12 Quanto a Demétrio, todos dão testemunho dele, inclusive a própria Verdade. Nós também testemunhamos a seu favor, e tu sabes que o nosso testemunho é verdadeiro. 13 Teria muitas coisas a te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. 14 Espero ver-te em breve e então falaremos face a face. 15 Que a paz esteja contigo! Teus amigos te saúdam. Saúda os nossos, cada um por seu nome”.

 

Em 3 Jo 1-2 diz: “O Ancião ao caríssimo Gaio, a quem amo na verdade. Caríssimo, desejo que em tudo prosperes e que a tua saúde corporal seja tão boa como a da tua alma”.

 

Gaio era um nome frequente no mundo greco-romano. Na vida de São Paulo, por exemplo, aparecem outras pessoas do mesmo nome (At 19, 29; 20, 4; Rm 16, 23). Além dos dados que fornece a carta, não temos referências seguras sobre a pessoa a quem São João se dirige. Um antigo escrito cristão (Constituições Apostólicas, VII, 46) menciona Gaio como bispo de Pérgamo e Demétrio (versículo 12) como bispo de Filadélfia; mas trata-se de dados pouco seguros. Pelas indicações da epístola não parece que tivesse, pelo menos ainda, nenhum cargo hierárquico; seria antes um cristão ilustre que vivia com fidelidade a sua missão na Igreja.

Caríssimo Gaio: Até quatro vezes (versículos 1. 2. 5. 11) aplica-lhe este carinhoso apelativo. É um gozoso testemunho da profunda fraternidade dos primeiros cristãos, bem alheia a frios formalismos. O mesmo se pode dizer da preocupação pela sua saúde física, já que a da alma era excelente: “Que bem puseram os primeiros cristãos em prática esta caridade ardente, caridade que sobressaía e transbordava dos limites da simples solidariedade humana ou da benignidade de caráter. Amavam-se uns aos outros de modo afetuoso e forte, através do Coração de Cristo. Um escritor do século II, Tertuliano, transmitiu-nos o comentário dos pagãos, comovidos ao presenciarem o comportamento dos fiéis de então, tão cheio de atrativo sobrenatural e humano: Vede como se amam (Apologeticum, 39), repetiam” (São Josemaría Escrivá).

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 1-2: Diferente da 1.ª e 2.ª Cartas de São João, a  3.ª  Carta de São João mostra um caráter totalmente pessoal. O endereço é o mais breve de todas as epístolas do Novo Testamento e o que mais se assemelha aos das cartas privadas de época greco-romana chegadas até nós. Contém unicamente o nome do que escreve e do destinatário. Como na 2.ª Carta de São João, a epístola começa com o título do presbítero, autodesignação do apóstolo São João, e vai dirigida ao amado Gaio. Não sabemos quem era esse amado Gaio, porque o nome era muito comum no ambiente greco-romano daquela época (Rm 16, 23). No Novo Testamento aparecem três ou quatro personagens com esse nome (At 19, 29; 20, 4; Rm 16, 23). Entretanto, o Gaio da 3.ª Carta parece que não se pode identificar com nenhum deles. Provavelmente era um leigo rico pertencente a uma igreja da Ásia Menor à que São João já havia dirigido outra carta (versículo 9). Essa carta é possível identificá-la com a 2.ª  Carta de João. Gaio havia permanecido fiel ao apóstolo (versículo 3), sem deixar-se impressionar pela atitude do ambicioso bispo local, Diótrefes (versículo 9-10). Havia dado generosa hospitalidade aos missionários itinerantes enviados por São João (versículos 5-7). Sua fidelidade e generosa conduta lhe mereceram que o apóstolo o escolhesse para transmitir a seus amigos fiéis suas ordens, ainda que não ocupasse nenhum cargo eclesiástico. São João o chama quatro vezes – em uma carta tão curta – amado (caríssimo). O amor do apóstolo se fundamenta em motivos de ordem sobrenatural. Amava a Gaio na verdade (versículo 1), isto é, em Jesus Cristo. Este amor o leva a interessar-se vivamente pela sua saúde e prosperidade (versículo 2). Ele deseja que a sua situação material e física seja tão próspera como sua situação espiritual. Isso não quer dizer que Gaio estivesse enfermo. Trata-se unicamente de uma forma epistolar frequente nos papiros daquela época, que expressa o desejo de que esteja bem no sentido geral.

O Pe. Miguel Nicolau comenta 3 Jo 1-2: Esta carta com expressões tão carinhosas e fraternas revela a extraordinária personalidade do autor. Gaio não se sabe com certeza quem foi... o certo é que esse Gaio era o centro de um círculo de amigos, um cristão destacado e fiel ao apóstolo São João Evangelista, apesar da terrível oposição do chefe daquela cristandade, Diótrefes. Tudo indica, Gaio não possuía cargo eclesiástico; mas por sua fé e caridade foi escolhido como destinatário da carta. São João chama-o de amado ou caríssimo. O apóstolo São João estava preocupado com a saúde de Gaio, mas esse estava bem fisicamente e espiritualmente.

 

Em 3 Jo 3-8 diz: “Muito me alegrei com a chegada dos irmãos e com o testemunho que deram da tua verdade, isto é, de como vives na verdade. Não há alegria maior para mim do que saber que os meus filhos vivem na verdade. Caríssimo, procedes fielmente agindo assim com teus irmãos, ainda que estrangeiros. Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja. Farás bem provendo-os do necessário para a viagem, de um modo digno de Deus. E pelo Nome que eles se puseram a caminho, sem nada receber dos gentios. Devemos, pois, acolher esses homens, para que sejamos cooperadores da Verdade”.

 

São João expressa com simplicidade o motivo que alegra o seu coração de pai: o bom comportamento de Gaio (versículos 3-4), que se manifesta na sua caridade (versículos 5-8).

A retidão na conduta de Gaio é transmitida com uma expressão semita significativa: andas na verdade. Já no Antigo Testamento os Patriarcas são louvados porque andaram na presença do Senhor (Gn 5, 22. 24; 6, 9). Esta imagem do caminhante adquire maior relevo depois da experiência do Êxodo: o povo de Israel peregrinou por vontade divina para a terra prometida, e no caminho teve legar o grande acontecimento da Aliança (Ex 19, 24). Andar diante de Deus equivale a cumprir as exigências da Aliança, isto é, os mandamentos (2 Jo 4). Com a vinda de Jesus Cristo, que disse de si mesmo: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6), fica plenamente claro que andar na verdade implica uma adesão total à sua Pessoa: Andar em Cristo (Cl 2, 6), na luz (1 Jo 1, 7), na verdade (2 Jo 4), são expressões equivalentes, e significam viver em união vital com Cristo, comportando-se como cristão autêntico no pensar e no agir.

A caridade de Gaio manifestou-se em hospedar e ajudar os pregadores enviados pelo próprio São João: nos primeiros tempos da Igreja existiam estes missionários itinerantes que mantinham viva a fé e a unidade das comunidades dispersas. Puseram-se a caminho pelo Nome, ou seja, por Cristo (At 5, 41; Fl 2, 9-10; Tg 2, 7). Ao prestar-lhes ajuda, inclusive material, os cristãos tornam-se cooperadores da verdade (versículo 8), e merecedores do prêmio prometido pelo Senhor: Quem vos recebe, a Mim recebe, e quem Me recebe a Mim, recebe Aquele que Me enviou (Mt 10, 40).

Colaboradores da verdade: O Concílio Vaticano II aplica aos leigos estas palavras de São João, para explicar como se complementam mutuamente o seu apostolado e o ministério próprio dos pastores. E, a seguir, explica: São inumeráveis as ocasiões que se apresentam aos leigos para exercer o seu apostolado de evangelização e santificação. Já o próprio testemunho de uma vida cristã e das suas boas obras realizadas com espírito sobrenatural, tem força para atrair os homens para a fé e para Deus, pois, como diz o Senhor: Brilhe assim a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus (Mt 5, 16). Mas este apóstolo busca ocasiões de anunciar Cristo com a palavra: aos não crentes, para levá-los à fé; aos fiéis, para instruí-los, confirmá-los e estimulá-los para uma vida mais fervorosa.

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 3: “Muito me alegrei com a chegada dos irmãos e com o testemunho que deram da tua verdade, isto é, de como vives na verdade”. A fé de Gaio era viva, operosa, acompanhada da prática da virtude da caridade. Sua generosidade havia sido proclamada diante do apóstolo pelos missionários itinerantes que haviam passado pregando pela comunidade que Gaio pertencia.

Ele comenta também 3 Jo 4: “Não há alegria maior para mim do que saber que os meus filhos vivem na verdade”. Haviam narrado ao apóstolo que Gaio andava na verdade. Expressão que significa que Gaio possui a verdadeira doutrina e a realiza em sua vida. O cristão caminha na verdade quando professa a doutrina ortodoxa e pratica a caridade. O apóstolo experimentou uma grande alegria ao ouvir tais notícias, pois não existe para um pai maior alegria que ouvir de seus filhos que estão caminhando na verdade. São João Evangelista usa a expressão filhos para designar a todos os cristãos das igrejas às quais dirige. Também São Paulo chamava a Onésimo seu filho, porque o havia gerado na fé e talvez o houvesse batizado.

O mesmo sacerdote comenta 3 Jo 5: “Caríssimo, procedes fielmente agindo assim com teus irmãos, ainda que estrangeiros”. São João elogia a conduta de Gaio para com os irmãos itinerantes e forasteiros. Porque, apesar de serem desconhecidos para ele e de não pertencer à sua igreja (comunidade), entretanto, tratou-os com suma caridade e generosidade. Seu proceder contrasta com o egoísmo e a pouca generosidade de Diótrefes. Seu comportamento é um belo testemunho da hospitalidade cristã primitiva.

O Pe. José ainda comenta 3 Jo 6: “Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja. Farás bem provendo-os do necessário para a viagem, de um modo digno de Deus”. Os missionários deram publicamente testemunho da caridade de Gaio na presença da igreja, ou seja, durante uma reunião da comunidade, na qual haviam dado conta de sua peregrinação apostólica, como faziam Barnabé e Paulo (At 14, 27; 15, 4). Os missionários itinerantes viram que a generosidade de Gaio para com eles procedia do amor divino que ardia em sua alma. Gaio caminhava pela via da verdade porque sua conduta manifestava uma verdadeira caridade (2 Jo 1; 3 Jo 1. 3). O amor se manifesta com as obras. E Gaio havia atendido com urgência e zelo aos missionários, dando-lhes alimentos, pousada e todo o necessário para a viagem.

Depois de elogiá-lo, São João pede a Gaio que continue exercendo sua generosa caridade. De novo os irmãos vão passar pelo local onde Gaio morava, e o apóstolo lhe pede que atenda às necessidades dos viajantes e lhes providencie alimentos para a viagem. Os que trabalham pelo evangelho tem direito ao seu salário, como o proclama o mesmo Cristo Jesus (Lc 10, 7-8), São Paulo também recorda (1 Cor 9, 5-18; 1 Tm 5, 18) e a Igreja primitiva exigia de seus fiéis (Didaqué).

Ele comenta também 3 Jo 7: “E pelo Nome que eles se puseram a caminho, sem nada receber dos gentios”. São João Evangelista explica porque é preciso prover generosamente aos missionários. Os irmãos partirão pelo Nome que eles se puseram a caminho, sem nada receber dos gentios. A expressão, um tanto misteriosa: partirão pelo Nome, entende-se à luz do costume judaico de não pronunciar o nome sagrado de Deus. Levados da suma reverência que professavam o nome de Deus, o substitui com outra expressão como o Nome, o céu, a glória... Para os cristãos, o Nome não designa unicamente a Deus, senão também, o de uma maneira especial, a Deus feito homem, a Jesus Cristo, Filho de Deus (1 Jo 2, 12). No Novo Testamento, o nome de Jesus Cristo está acima de todo nome (Fl 2, 9), e os apóstolos chegam até sofrer a flagelação por amor deste Nome (At 5, 41). Na segunda geração, os missionários saíam também, à imitação dos apóstolos, a pregar a Palavra de Deus. E deviam ser recebidos como o Senhor, pois eram enviados dos apóstolos e das igrejas. Esses missionários viajavam sem aceitar nada dos pagãos, cumprindo à letra a recomendação do Senhor: De graça recebestes, de graça dai (Mt 10, 8). Também São Paulo e os demais apóstolos cumpriam o mandato do Senhor, não exigindo nada por sua pregação (1 Ts 2, 9; 2 Ts 3, 8). Assim podiam anunciar mais livremente e sem suspeita de lucro a Palavra de Deus.

O Pe. José Salguero comenta ainda 3 Jo 8: “Devemos, pois, acolher esses homens, para que sejamos cooperadores da Verdade”. Por isso, São João, falando em nome de toda a Igreja, se coloca entre os que têm a obrigação de acolher aos pregadores da verdade: Devemos, pois, acolher esses homens, para que sejamos cooperadores da Verdade. O dever de pregar o Evangelho obriga a todos os cristãos. Por conseguinte, os que não podem cumprir esse dever pessoalmente devem ajudar aos missionários em suas necessidades, especialmente materiais. Em todas as épocas, os verdadeiros cristãos tem sentido a necessidade da cooperação missionária. Jesus Cristo prometeu recompensas especiais aos que acolhem e ajudam aos seus enviados (Mt 10,  40. 42; At 20, 35).

O Pe. Miguel Nicolau comenta 3 Jo 3-8:  Alguns irmãos missionários que, depois de realizar uma missão na comunidade de Gaio, voltaram e deram testemunho da vida cristã que este levava. A verdade de que dão testemunho não é somente a ortodoxia de Gaio e seu conhecimento da revelação, mas também sua caridade constante e seu caminhar segundo o mandato recebido do Pai. O apóstolo sente o contraste entre esta alegria e as penas que lhe causariam outros cristãos. E deixa brotar de seu coração paternal esta confidência: a maior alegria que lhe podem dar é ouvir que seus filhos caminham na verdade. Com o termo filhos, designa a todos os cristãos destas igrejas. A repetição do epíteto de carinho “caríssimo” anuncia, dentro do corpo da epístola, um motivo novo de louvar a Gaio: antes elogiava sua vida privada; agora suas obras de caridade com os missionários. Esta caridade de Gaio com os cristãos que vinham de passagem, desconhecidos para ele, fora testemunhada publicamente. Sob a palavra caridade se entendem aqui todos os serviços prestados por Gaio aos estrangeiros... em uma palavra, caridade equivale aqui à hospitalidade, no sentido mais amplo. Gaio caminha na verdade porque sua conduta mostra uma verdadeira caridade: espontânea, gratuita, humanamente compassiva e sobrenatural. A razão dessa assistência aos missionários é que por seu Nome saíram. O Nome, dito assim absolutamente, significa o Nome de Deus, ou seja, Yahvé para os hebreus; para os cristãos, o Nome de Jesus Cristo, Filho de Deus, o formoso Nome que disse São Tiago 2, 7. Puseram a caminho significa pôr-se em viagem, sair de missão...

 

Em 3 Jo 9-10 diz: “Escrevi algumas palavras à Igreja. Mas Diótrefes, que ambiciona o primeiro lugar, não nos recebe. Por isso, se eu for aí, repreenderei a sua conduta, pois ele propaga palavras más contra nós. Não satisfeito com isso, se recusa a receber os irmãos e impede aqueles que o desejam fazer, expulsando-os da Igreja”.

 

Escrevi uma palavra à Igreja: Não se pode precisar a que carta faz referência. Possivelmente a uma que não se conserva.

Sobre Diótrefes não se conhecem mais dados que os trazidos por estes versículos. Segundo todos os indícios exercia um poder, segundo parece análogo ao de bispo. A sua ambição leva-o a cometer vários abusos: não reconhece a autoridade de São João; propala diversas calúnias sobre ele; recusa acolher os irmãos enviados pelo Apóstolo – os missionários itinerantes –, e inclusive impede que os outros o façam.

Os atropelos de Diótrefes recordam, por contraste, que a atitude de quem foi constituído em autoridade dentro da Igreja deve ser a mesma do Mestre, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos (Mt 20, 28). Neste sentido, o Concílio Vaticano II recorda: Ao exercer o seu ofício de pai e pastor, sejam os Bispos no meio dos seus como aqueles que servem (Lc 22, 26-27), bons pastores que conhecem as suas ovelhas e elas os conhecem, verdadeiros pais que se distinguem pelo espírito de amor e solicitude para com todos e a cuja autoridade, que certamente Deus lhes conferiu, todos se submetem com agrado.

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 9: “Escrevi algumas palavras à Igreja. Mas Diótrefes, que ambiciona o primeiro lugar, não nos recebe”. Na igreja à qual pertencia Gaio existia uma grande sombra que parecia obscurecer um pouco os atos virtuosos de Gaio e dos demais fiéis. Diótrefes, o bispo daquela igreja, não cumpre com os deveres de caridade e hospitalidade para com os missionários itinerantes. Devia ser um homem ambicioso, muito apegado à sua autoridade e que não fazia caso das advertências do apóstolo, pois este já lhe havia escrito uma carta que não teve nenhum efeito. Muitos autores pensam que a carta escrita para ele foi a 2.ª João (B. Bresky; H. Wendt; De Ambroggi; Meinertz; Cornely-Melk e Höpfl-Gut). Outros, pelo contrário, acreditam que a carta à qual se refere o apóstolo continha censuras contra o chefe da comunidade cristã. Seria parecido às que se leem no Apocalipse, se é que não era uma delas (A. Charue; J. Chaine). De Diótrefes só sabemos o que nos disse São João. Era um homem que ambicionava o primeiro lugar entre os membros da igreja. O apóstolo lhe escreveu para recomendar-lhe os missionários, porém ele não fez nenhum caso da sua carta. Diótrefes se opôs em ajudar os missionários ambulantes enviados por São Joao Evangelista.

O mesmo sacerdote comenta também 3 Jo 10: “Por isso, se eu for aí, repreenderei a sua conduta, pois ele propaga palavras más contra nós. Não satisfeito com isso, se recusa a receber os irmãos e impede aqueles que o desejam fazer, expulsando-os da Igreja”. Diótrefes chegava até proibir que dessem hospitalidade aos missionários; sendo a hospitalidade uma qualidade requerida para chegar a ser bispo (1 Tm 3, 2; Tt 1, 8). E levou sua oposição até expulsar da igreja aos que, como Gaio, os recebiam em sua casa. Trata-se de um pastor ambicioso e egoísta, que se opunha ao apóstolo São João Evangelista, o qual o ameaçava com uma admoestação pública se o obrigasse ir até à sua casa. O apóstolo não cede diante da rebelião de um subordinado. Se for necessário, irá em pessoa para denunciar diante da comunidade as más obras e palavras de Diótrefes e impor as sanções convenientes. Parece que tal personagem escarnecia do apóstolo São João falando contra ele. Não satisfeito com isso, se negou a receber e ajudar aos missionários, ao que estava obrigado por ser um bispo. Ele se opunha ao mandato do Senhor de amar uns aos outros (Jo 13, 34-35). Ele impediu que os outros cristãos recebessem aos missionários em suas casas. E aqueles que os receberam, foram expulsos da igreja. Este ato de expulsá-los da igreja não parece implicar uma excomunhão no sentido moderno, senão que possivelmente lhes impedia a participação nas reuniões e assembleias da comunidade.

O Pe. Miguel Nicolau comenta 3 Jo 9-10: Esse trecho nos introduz na intimidade da Igreja primitiva. Ali nem tudo eram virtudes nem reinava uma disciplina exata. O humano deixa em todas as partes suas marcas, mesmo em postos altos. São João Evangelista havia nomeado vários bispos para as igrejas da Ásia Menor, segundo conta Clemente de Alexandria e Eusébio. Um deles seria esse Diótrefes, pois tem a autoridade sobre a comunidade de Gaio. Devia ser um homem ambicioso, muito zeloso de sua autoridade e, o que é pior, rebelde contra o apóstolo João. Um dos motivos para escrever essa 3.ª Carta era a oposição e dificuldades que encontrava em Diótrefes. Quem era este Diótrefes? Não se sabe. O nome não era muito raro. Temos que nos contentar com o que diz estes versículos da 3.ª Carta... um homem que abusava do seu poder. Ele não reconhecia a autoridade do apóstolo São João Evangelista. Não admitia suas normas sobre o envio de missionários. São João anuncia o justo castigo que pensa impor-lhe na visita que lhe fará em breve. Não se trata de nenhuma prática disciplinar, mas sim, de lembrar-lhe suas faltas e dar-lhe uma repreensão pública. São quatro as queixas que tem contra ele: 1.ª Suas murmurações contra o apóstolo... contra sua atitude em proceder nos problemas missionários. 2.ª A falta no dever de hospitalidade com os missionários... não quis ajudar aos missionários, ao qual estava obrigado por ser um bispo. 3.ª Passou da resistência passiva à resistência ativa, aumentando enormemente sua culpa. Impediu que as pessoas de boa vontade recebessem os missionários. 4.ª Expulsou essas pessoas de boa vontade da igreja. Não se trata de excomunhão; mas sim, usou com todo o peso sua autoridade para colocar a comunidade cristã contra os missionários e tornar-lhes difícil a vida comum.

 

Em 3 Jo 11 diz: “Caríssimo, não imites o mal, mas o bem. O que faz o bem é de Deus. Quem faz o mal não viu a Deus”.

 

O Apóstolo faz aqui um condensado resumo da doutrina exposta com extensão em diversas passagens da sua primeira carta (1 Jo 2, 18-29; 3, 3-10; 5, 18-20): quem fez o bem põe de manifesto com a sua conduta que é de Deus – filho de Deus –, que está unido a Jesus Cristo e permanece n’Ele. Pelo contrário, quem peca rompe a sua união com Deus, e passa-se para o bando do Diabo.

Não imites o mal, mas o bem: A advertência de São João não é supérflua, já que a fragilidade da natureza humana faz que, com frequência, o bom exemplo se admire, mas seja mais fácil imitar o mau. A Igreja põe constantemente diante dos cristãos a vida exemplar dos santos, de maneira que se sintam impelidos a imitá-los: Vendo a vida daqueles que seguiram fielmente a Cristo, novos motivos nos impelem a buscar a cidade futura (Hb 13, 14 e 11, 10) e ao mesmo tempo aprendemos o caminho mais seguro pelo qual, entre as vicissitudes mundanas, poderemos chegar à perfeita união com Cristo ou santidade, segundo o estado e condição de cada um. Na vida daqueles que, sendo homens como nós, se transformam com maior perfeição em imagem de Cristo (2 Cor 3, 18). Deus se manifesta ao vivo diante dos homens a sua presença e o seu rosto. Neles Ele mesmo nos fala e nos oferece um sinal do seu Reino, para o qual somos atraídos poderosamente com tão grande nuvem de testemunhas que nos envolve (Hb 12, 1) e com tão grande testemunho da verdade do Evangelho (Lumen gentium).

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 11: “Caríssimo, não imites o mal, mas o bem. O que faz o bem é de Deus. Quem faz o mal não viu a Deus”. Um tal exemplo podia produzir muito dano vindo do chefe de uma comunidade. Por isso, São João exorta a Gaio e a todos os bons cristãos a seguir o bem e a não imitar o mau, ainda que seja praticado por alguém que tenha autoridade. Porque o que realiza o bem é de Deus, isto é, possui em si o germe divino, a graça, e depois a vida eterna. Ao contrário, o que realiza o mal não viu a Deus, não conheceu a Deus (1 Jo 3, 6), não vive em comunhão com Ele (1 Jo 3, 10). As árvores se conhecem por seus frutos; e do mesmo modo os filhos de Deus e os do Demônio se reconhecem por suas obras boas ou más (Mt 7, 17-18; Lc 3, 9; 6, 44). Estas mesmas ideias teológico-morais se encontram na 1.ª Carta de São João 2, 3. 29; 3, 1-10; 4, 6-10; 5, 19.

 

Em 3 Jo 12 diz: “Quanto a Demétrio, todos dão testemunho dele, inclusive a própria Verdade. Nós também testemunhamos a seu favor, e tu sabes que o nosso testemunho é verdadeiro”.

 

Também de Demétrio não temos mais dados que os desta passagem. É possível que fosse um dos missionários enviados por São João, e talvez o portador desta carta.

Junto ao testemunho favorável de todos os que o conhecem, aduz o Apóstolo o da própria verdade. Com esta expressão pode estar a referir-se a Jesus Cristo (Jo 14, 6), ou ao Espírito Santo – Espírito da Verdade – (Jo 14, 17; 15, 26; 1 Jo 5, 6); ou, também, à conduta exemplar de Demétrio (é dos que andam na verdade: versículos 3-4). Além disso, como noutros momentos importantes (Jo 19, 35; 21, 24; 1 Jo 1, 1-4), São João oferece o seu próprio testemunho.

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 12: Em contraste com a imagem de Diótrefes aparece a simpática figura de Demétrio, que devia ser um dos missionários itinerantes, talvez o chefe de todo o grupo, ou bem o portador da carta. De todas as formas era um homem de confiança do apóstolo, como se vê pelas orações que lhe dedica. São João disse a Gaio que de Demétrio todos dão bom testemunho, inclusive a própria Verdade, isto é, Deus, que se manifestou em Jesus Cristo, e o Espírito Santo, mediante seus carismas. Outros autores como J. Chaine creem que verdade aqui é a conformidade da vida com os mandamentos e a doutrina de Jesus Cristo. A verdade testemunha em favor de Demétrio no sentido de que basta contemplar sua conduta intocável para ver que anda pelo bom caminho. Como confirmação dos testemunhos anteriores, São João acrescenta o seu próprio. O apóstolo predileto gosta de apelar para a veracidade do seu testemunho nos momentos mais importantes de seus escritos (Jo 19, 35; 21, 24). O testemunho do velho apóstolo devia ser de grande peso em toda a Igreja.

O Pe. Miguel Nicolau comenta 3 Jo 11: Demétrio é o contrário de Diótrefes. A figura simpática destaca fortemente sobre o fundo obscuro de Diótrefes. Quem foi e que papel ocupou exatamente neste assunto não sabemos. Seu nome era comum no mundo helenístico. Devia ser um daqueles missionários itinerantes pelo qual se interessou São João; possivelmente o chefe deles. Parece ser também o portador dessa carta, homem de confiança do apóstolo.

 

Em 3 Jo 13-15 diz: “Teria muitas coisas a te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. Espero ver-te em breve e então falaremos face a face. Que a paz esteja contigo! Teus amigos te saúdam. Saúda os nossos, cada um por seu nome”.

 

A despedida do Apóstolo recorda muito a da sua segunda carta (2 Jo 12-13). De novo põe de manifesto o carinho entranhável pelos seus fiéis, pedindo a Gaio que os saúda um a um.

A paz seja contigo: É a saudação habitual hebraica, que os Apóstolos continuam a utilizar nas suas cartas, dando-lhe um sentido cristão (Rm 1, 7; 1 Pd 5, 14). Ao utilizar essas palavras, no Apóstolo – já ancião – ressoaria a saudação do Senhor na tarde do Domingo da Ressurreição: A paz esteja convosco (Jo 20, 19).

O Pe. José Salguero comenta 3 Jo 13-15: A conclusão desta epístola é muito parecida à da 2.ª João, o que indica que ambas saíram da mesma mão. O apóstolo afirma que muitas coisas terá que dizer-lhe, porém como espera ver a Gaio muito em breve, então poderão tratar os assuntos amplamente (versículos 13-14). A viagem à qual refere o apóstolo não se sabe se foi uma viagem especial para chamar a atenção do rebelde Diótrefes, ou bem uma viagem missionária por diversas igrejas da Ásia Menor.

Seguindo o costume oriental São João deseja-lhe a paz, porém uma paz que implica um dom que o mundo não pode dar e que provém da amizade e comunhão com Deus (Jo 14, 27). A expressão que a paz esteja contigo era a saudação própria dos judeus. Aqui, entretanto, já está cheia de um profundo significado cristão. Jesus Cristo também saudava aos seus discípulos com a paz (Jo 20, 19-26). E na última ceia, ao despedir de seus discípulos no cenáculo, disse-lhes: Desejo-lhes a paz, vos dou-vos minha paz (Jo 14, 27).

Como a carta não vai dirigida a uma comunidade, as saudações são pessoais. Gaio é encarregado de transmitir as saudações do apóstolo aos que reconhecem sua autoridade. Diótrefes não permitiu que ele dirigisse a toda a comunidade em nome de São João, nem sequer lesse sua carta na presença da igreja reunida. Por isso, lhe roga que cumprimente a todos os amigos, em particular.

O Pe. Miguel Nicolau comenta 3 Jo 13-15: Teus amigos te saúdam. Saúda os nossos, cada um por seu nome Teus amigos te saúdam, sem dizer nomes. É o grupo de fiéis que rodeava ao Ancião e o venerava como mestre. Pois o apelativo de amigos não se dava aos cristãos em geral. Saúda também a esse grupo de amigos, que está contigo, em particular, nominalmente; talvez porque em público não se podia ler a carta do apóstolo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 30 de julho de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

São Josemaría Escrivá, 225

Concílio Vaticano II, Apostolicam actuositatem, 6; Christus Dominus, 16; Lumen gentium, 50

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

Didaqué, 11, 6; 13, 1-14

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “3ª Carta de São João Evangelista”

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