SEDE CORPORAL DE JESUS CRISTO
(Jo 19, 28)
“Depois, sabendo
Jesus que tudo estava consumado, disse, para que se
cumprisse a Escritura até o fim: ‘Tenho sede!’”
Sabendo Jesus
Cristo que todas as coisas estavam cumpridas, para que se
cumprisse a Escritura, disse: TENHO SEDE.
Considera aqui primeiramente a terrível SEDE CORPORAL
que Jesus Cristo, Nosso Senhor, padecia na cruz.
Desde a noite anterior não havia tomado uma SÓ GOTA
de água, e em todo esse tempo havia padecido
grandes trabalhos, andado muito... e perdido muito sangue
com a flagelação e a coroação de
espinhos, e principalmente na cruz, pelas feridas dos pés e
mãos... nas três horas que estava crucificado. Essa
SEDE do Senhor já havia profetizado Davi, dizendo no
Salmo 21, 16 na pessoa de Jesus Cristo:
Seco está meu paladar, como um caco, e minha língua colada
ao maxilar... Nosso Senhor sofreu essa SEDE
ardente até o fim... não disse que tinha sede
porque desejasse algum alívio ou refrigério, mas para que
soubéssemos o que padecia em castigo de nossas
glutonarias e embriaguezes.
Além da SEDE
CORPORAL, afligiram a Jesus Cristo outras três
sortes de SEDE, pelas quais disse:
TENHO SEDE. A primeira SEDE foi a
insaciável SEDE de obedecer, com a qual
desejou cumprir a vontade de Deus em todas as coisas, sem
deixar um “j”, nem um “til”, nem coisa alguma,
por difícil que fosse; e como sabia que era vontade do Pai
que em sua SEDE lhe dessem vinagre, não quis
deixar de cumpri-la, e, por isso, disse que tinha SEDE,
não tanto de tomar água, mas de provar aquele
vinagre para obedecer-Lhe. A segunda SEDE foi
um entranhável desejo de padecer por nosso amor;
porque, por muito que já havia sofrido, desejava sofrer
muito mais, e sem dúvida padeceria, se esta fosse a vontade
do seu Pai. E como lhe faltava padecer bebendo do vinagre,
disse: TENHO SEDE. Ele não disse isso para
pedir refrigério, mas para padecer novo tormento. A
terceira SEDE foi da salvação das almas
que com sua Paixão redimia, desejando que seu sangue fosse
aproveitado para todos e que todos servissem ao Pai, e Lhe
dessem glória e culto devido como deve ser dado a Deus;
porque sempre o zelo ardente da casa de Deus fervia-Lhe as
entranhas, e daqui originava-se esta SEDE que
com maiores tormentos padeceu na cruz. Em especial, devemos
ponderar que a SEDE que Ele ali teve foi de
salvação e que O servisse com
perfeição, dando-Lhe graças e animando-nos a dar-Lhe de
beber para refrigerar sua SEDE.
Muito grande devia
ter sido o sofrimento de Jesus causado pela sede. De outras
dores, por atrozes que foram: da
flagelação, da coroação de espinhos, da própria crucificação
não se queixa, mas do tormento da sede se lastima, pedindo
fosse-lhe aliviado.
As circunstâncias
em que Jesus se queixa da sede dão-nos uma ideia da extensão
do seu sofrimento. Grandes dores geralmente são acompanhadas
também de veemente sede, e é a sede que mais atormenta os
pobres crucificados. Desde a hora da última ceia nenhuma
gota de água refrigerara os lábios de Jesus. Grande tinha
sido a perda de sangue na flagelação, na coroação de
espinhos, e maior ainda na crucifixão. Mirrada estava a
fonte da vida, e o corpo todo estremecia em dolorosos
arrancos de febre, expostas que se achavam as feridas todas,
desde a cabeça até os pés. Assim os lábios estavam
ressequidos, a língua como que carbonizada, a boca seca e
dolorida. Que náufrago houve que tanto, como Nosso Senhor,
fosse atormentado pela sede? A sede pode chegar a ser um
verdadeiro martírio, capaz de levar ao desespero homens de
forte resistência, e morte mais dolorosa que a provocada
pela sede, dificilmente pode haver.
Reparemos com
quanta humildade Jesus proferiu sua queixa. Nada pede, e só
muito tarde, decorridas muitas horas, manifestava o quanto
sofre.
Se fala, diz
apenas estas duas palavras TENHO SEDE, é mais
para demonstrar que completo está o martírio da crucifixão;
que não se recusa a beber até a última gota o cálice da dor
e do sofrimento; fala para provar que cumpridas se achavam
as profecias (Jo 19, 28; Sl 68, 22):
“E
deram-me fel por comida, e na minha sede apresentaram-me
vinagre”.
Fala para revelar ao mundo, que outra sede o torturava, uma
sede de outra espécie, da qual a sofrida na cruz é apenas
imagem: a sede pela salvação dos homens, inclusive dos
judeus. O desejo que O devorava de possuir suas
almas, era muito mais intenso do que deles obter um leve
lenimento que não lhe negariam, embora inimigos e algozes
desalmados que eram. Em espírito Ele via todos os homens,
que só e unicamente por Ele podiam achar sua salvação. Seu
coração ardia em desejo de salvar a todos, e esta sede o
cruciava infinitamente mais que a forte sensação da sede
corporal e física. Outra não foi e não podia ser a
finalidade de toda a sua Paixão e Morte, senão a salvação do
gênero humano:
“Tenho sede!’
Estas palavras acendiam em mim um ardor estranho e
acendrado... Queria dar de beber ao meu Bem-Amado”
(Santa Teresa do
Menino Jesus), e:
“Além da natural
desidratação que produzia o suplício da cruz, pode também
ver-se na sede de Jesus uma manifestação do seu desejo
ardente por cumprir a vontade do Pai e salvar todas as
almas”
(José A. Marques), e também:
“Do alto
da cruz clamou: tenho sede. Sede de nós, do nosso amor, das
nossas almas e de todas as almas que lhe devemos levar pelo
caminho da Cruz, que é o caminho da imortalidade e da glória
do Céu”
(São Josemaría Escrivá).
Dom Duarte
Leopoldo comenta:
Mostrava a experiência, diz o Pe.
Ollivier que era a sede um dos mais terríveis sofrimentos
dos condenados ao suplício da cruz, sofrimento tão intenso
que, só por si, bastaria a dar-lhes a morte. Tudo, aliás,
continua o Pe. Camus, concorria para excitá-la; os
sofrimentos físicos, a distensão das entranhas, a perda
progressiva de sangue, e, em Jesus particularmente, todos os
sofrimentos anteriores da flagelação. Todavia, esta sede,
por mais intensa que a imaginemos, era menos causada pelos
sofrimentos físicos, do que pelo ardente desejo da salvação
das almas; era a impaciência, a santa e generosa febre do
zelo. Por mais violentas que fossem as dores coligadas
contra ele como se tiveram uma inteligência vingadora, Jesus
não perdera um só instante a visão beatífica. Mas só ele
podia compreender quão profunda era a separação cavada pelo
pecado, entre Deus e o homem, só ele podia alcançar o
prodígio de misericórdia necessária para delir da face da
terra todos os vestígios do crime. Este pensamento, esta
tortura indizível, esta febre do bem, gera-lhe a sede! –
sede de Deus que se oculta, diz ainda o Pe. Ollivier, sede
das almas que fogem; sede de consumar o sacrifício da
Redenção, sede dessa união inalterável, em que Deus e o
homem se hão de abraçar na glória e na alegria da
eternidade! Jesus tem sede, sede das nossas almas! E nós lhe
damos o vinagre dos nossos pecados, o amargo da nossa
ingratidão!
O Pe. Juan
Leal escreve:
Tenho sede! A sede era um dos maiores tormentos dos
crucificados, tanto pela perda do sangue, como pela
inflamação do ventre. Jesus cala em relação aos outros
tormentos e fala da sede. Alguns vêem aqui um símbolo da sua
vontade de salvar a todos os homens e que cooperemos com
Ele. Em sentido literal imediato se refere ao tormento
material da sede.
O Pe. Manuel
de Tuya explica:
Em Jesus Cristo esta sede tinha que ser abrasadora. Desde a
agonia no Getsêmani, passando por todos os processos,
flagelação e via dolorosa, na que desfaleceu, a desidratação
produzida tinha que causar-lhe uma sede abrasadora. Tudo
indica, Ele estava também com uma febre superior aos 39º.
Santo Afonso
Maria de Ligório comenta:
A Escritura que aí se designa era o dito de Davi: E deram-me
na minha comida fel e na minha sede me ofereceram vinagre.
Grande foi a sede corporal que Jesus sofreu na cruz, já pelo
sangue derramado no horto, já no pretório pela flagelação e
coroação de espinhos, e mais ainda na mesma cruz onde de
suas mãos e pés cravados escorriam rios de sangue como
quatro fontes naturais. Sua sede espiritual foi, porém,
muito maior, isto é, o desejo ardente que tinha de salvar
todos os homens e de sofrer ainda mais por nós, como diz
Blósio, em prova de seu amor (Mar. sp. p. 3 c. 18). São
Lourenço Justianiano escreve: Esta sede nasce da fonte do
amor (De agon. c. 19).
O Pe. Luis
de La Palma ensina:
A Virgem Maria gostaria de
saciar a sede de seu Filho, mas os soldados não deixaram que
se aproximasse, e ela continuou sofrendo ali a mesma sede de
seu Filho. Mais do que esta sede que resseca a garganta, o
Senhor tem sede pela nossa salvação. Senhor, gostaria que
minhas lágrimas de arrependimento matassem sua sede; mas, eu
que sou muitas vezes mais cruel que seus inimigos, sou
incapaz de te dar esse alívio. Porque tinha sede de mim, o
Senhor desejou padecer muito por mim, por isso não reclamou
da tortura da cruz, porque seu amor era maior e vencia os
teus tormentos. Depois daquele cálice de amargura que bebeu
no horto, aceitando a vontade de Deus, ainda estava com
sede. Foi uma loucura o que o Senhor fez, é como se tivesse
bebido toda a água de um rio e ainda tivesse sede. É
maravilhosa a tua sede de sofrer por nosso amor. A tua sede
de amor meu Deus, foi tanta que entrou mar adentro e as
ondas te submergiram, afundou num mar de dor até morrer. Em
alto mar do sofrimento ainda diz que tem sede, parece pouca
a tua dor? Basta Senhor!
ORAÇÃO: Ó
minha alma! Olhe as várias sortes de sede que padece o
Senhor: sede de obedecer ao seu Pai, sede de padecer por
nosso amor e sede da salvação das almas. Ele nos diz: tenho
sede de que sejas humilde, obediente e paciente. Não Lhe
aliviaremos esta sede? Amém!
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 14 de
março de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Ramón Genover,
Meditações Espirituais para todo o ano
Dom Duarte
Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos
Pe. Juan Leal, A
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya,
Bíblia Comentada
Santo Afonso Maria
de Ligório, A Paixão do Senhor
Pe. Luis de La
Palma, A Paixão do Senhor
Santa Teresa do
Menino Jesus, Escritos
São Josemaría Escrivá,
Escritos
José A. Marques,
Escritos
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