APROXIME-SE DA GRUTA DE BELÉM
Uma gruta – um presépio – um menino sobre
palhinhas – uma virgem perfeitíssima e um varão justo de joelhos, em
adoração – anjos cantando: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos
homens de boa vontade! – eis o quadro de Deus feito homem!
Noite bendita! Hora solene, a mais solene
que houve, nem há de tornar a ver o mundo! Momento único na história da
humanidade!
Noite bendita, em que nasceu o Sol de
Israel! Hora solene, em que apareceu na terra o Deus de Abraão, Isaac e
Jacó, revestido da natureza humana. Momento único, pois não conta o mundo
outro assinalado por um fato semelhante!
Já não são os Anjos os únicos que têm a Deus
consigo no céu: os homens o vêem nascido na terra.
Mistério incompreensível! Quem nasce? –
Deus! O que sempre existiu, o que fez aparecer no céu as estrelas, no
campo as flores, quis também ter o seu dia de natal! Que amor!
Ao ver aquele Menino e ao ver nele o Filho
de Deus, vêm nos ferir os ouvidos aquelas palavras de São João: “De tal
maneira amou Deus o mundo, que lhe deu o seu Unigênito Filho”
(Jo 3, 16).
Como nasce? Como homem! Com lágrimas nos
olhos, com dores no tenro corpinho, com frio em todos os membros, com
falta de tudo! Nasce como servo e não como rei, nasce na humilhação, nasce
com toda a sua divina grandeza encoberta.
Nasce no tempo o que foi gerado desde toda a
eternidade, feito carne o Verbo divino, feito mortal o Eterno!
Nasce a Vida sujeita à morte, a Luz
escurecida com as trevas dos nossos pecados, o Sol eclipsado com o véu da
nossa natureza!
Nasce Infante o Criador do universo,
envolvido em faixas a Riqueza do céu, reclinado num presépio o que tem seu
trono sobre os serafins!
Como nasce? Abandonado!
É Senhor e ninguém o respeita! É Deus e
ninguém o adora! É Rei e ninguém lhe vai prestar homenagem e render
vassalagem! É o Salvador do mundo, e quem busca n’Ele a salvação?
Nasce pobre porque deseja que nós o
recebamos em nossa casa, que o vistamos, que o abriguemos do frio, que lhe
preparemos um berço.
Onde nasce? – Numa gruta úmida e fria, num
alpendre desabrigado, onde falta o conchego do lar doméstico, um bercinho
fofo, o asseio – tudo!
É isto possível? Não será um sonho tudo que
estou vendo? – Oh! Não! É a verdade pura, é uma realidade!
Disse o apóstolo São João que o verbo divino
veio ao mundo e os seus não O receberam
(Jo 1, 11).
E como o haviam de receber e adorar como seu Deus, se Ele veio debaixo de
tão rigoroso incógnito, tão disfarçado e tão semelhante aos homens?
Algum motivo havia de ter Deus para assim
nascer. E teve-o! Deus não queria vir ao mundo com o estrondo que
acompanha e soleniza o nascimento dos grandes da terra. Se Ele viesse
cercado com toda essa grandeza, os humildes receariam chegar-se à sua
presença, e até seria odiado por aqueles que olham para os grandes como
para inimigos. Ora, o seu fim era atrair a todos os homens ao seu amor,
assim grandes como pequenos, a fim de a todos procurar a salvação. Por
isso fez-se menino, fez-se pobre, fez-se humilde, para que todos se
aproximassem d’Ele.
- Quando nasce?
- A horas mortas da meia-noite, quando todos
dormiam, quando ninguém o esperava, quando os homens, cansados uns do
trabalho, outros dos divertimentos, se entregavam ao sono.
Não esperou que fosse dia para nascer, a fim
de não ser visto e conhecido. Nasceu de noite para que despertando a
humanidade com o raiar da aurora, encontraste já nascido o Sol de Israel,
que lhe vinha trazer a salvação.
Nasceu nas trevas, porque vinha ser a luz do
mundo, o Sol esplendoroso que vinha dissipar as sombras que passavam sobre
os homens desde que o paraíso se fechou!
Nasceu de noite, para mostrar que era bem
escura a noite em que vivia todo o gênero humano, e que essa noite ia ter
o seu fim com o amanhecer do solene dia da redenção.
Nasceu de noite; mas ainda assim quis ter
quem o adorasse. Foi aos pastores, que vigiavam os seus rebanhos, que os
Anjos anunciaram a vinda do Salvador. Não foram à corte de Herodes, nem
aos grandes da Judéia, nem aos Césares de Roma, porque, ainda que para
todos nascia, eram os pobres e os humildes os que mais agradavam a seus
olhos.
-Por que nasce?
-Porque nos ama! Nasce por nós, porque
deseja a nossa felicidade, porque nos quer em seu reino fazer
participantes de sua mesma glória.
Nasce por nós a fim de que nós renasçamos
para Ele, morrendo para o mundo, para o nosso amor próprio, para as nossas
faltas.
Nasce pobre para que nós, com seu exemplo,
nos animemos a deixar as riquezas e comodidades da vida.
Nasce no mais completo abandono, para que
nós tenhamos por melhor que o nosso nome seja desconhecido, do que ande na
boca de todos e para que vendo-nos desprezados dos homens, nos consolemos
com seu exemplo.
Nasce na humilhação, para que aprendamos a
calcar aos pés o orgulho.
Estas são as grandes lições da escola de
Belém. Antes de sair dela, despede-te do teu Mestre, que, no mais profundo
silêncio, te deu tão salutares documentos.
Vou deixar-vos, Deus menino! Ah! Se eu
pudesse aqui estar dia e noite a olhar para Vós e para tudo ver neste
mundo senão este espetáculo nunca visto, que é a admiração dos Anjos e o
pasmo dos homens!
E que presente posso eu dar-Vos neste dia do
vosso nascimento? Ainda que me desse todo inteiro, não daria tanto como
Vós Vos destes a mim. Vós, para Vos dardes a mim, tomastes o que era meu;
eu, para me dar a Vós, quero tomar o que é vosso. Para isso hei de
despir-me do que há em mim e falta em Vós, que é a riqueza, a comodidade,
a soberba; e vestir-me do que há em Vós e falta em mim, que é a
humilhação, o abandono, o sofrimento. Ajudai-me, Deus meu, a levar a
efeito esta minha empresa!
Católico, não jogue mais um Santo Natal
fora; quem sabe esse será o último Natal de sua vida!
|