Santa
Bárbara, figura saliente entre as Santas da Igreja primitiva, nasceu
em Nicomédia, na Bitínia, de pais pagãos. Não só por ser de beleza
extraordinária, mas por ter revelado grandes qualidades de espírito,
Bárbara era objeto de verdadeira adoração do pai Dióscoro. Este,
receando poder perder aquela jóia, fosse por um casamento
indesejável, fosse pelas “seduções” do cristianismo, destinou uma
torre para morada da filha, à qual deu exímios professores, para que
a instruíssem nas belas ciências e principalmente na religião pagã.
Esta reclusão produziu na donzela o efeito contrário, visto que lhe
proporcionava ocasião bastante para aprofundar o espírito nos
estudos e mostrar-lhe os vestígios de Deus. A existência do sol, das
estrelas, a volta regular das estações, a admirável organização nos
reinos da natureza, tudo lhe levou a inteligência a crer na
existência de um Supremo Ser, que não podia ser idêntico às
divindades que a religião pagã mandava adorar, como criadores e
conservadores do mundo. Estas considerações a convidaram a orar ao
Altíssimo. Sem que o pai o soubesse nem pudesse suspeitar, Bárbara
instruiu-se perfeitamente na religião cristã e recebeu o batismo.
Apresentou-se a Dióscoro um jovem pedindo a filha em casamento.
Tratando-se de pessoa de posição e alta linhagem, o pai de Bárbara
não hesitou em prometer-lhe a mão da donzela. Esta, porém, inteirada
do plano, com respostas vagas procurou esquivar-se do compromisso
paterno. Dióscoro, respeitando a liberdade da filha, não insistiu;
concedeu-lhe um longo prazo para as deliberações, devendo ele se
preparar para uma longa viagem. O pedido de Bárbara de obter, para
sua comodidade, uma instalação balneária, o pai satisfez
prontamente. A sala só tinha duas janelas. Bárbara mandou que se
abrisse na parede uma terceira, para assim ser lembrada sempre da
Santíssima Trindade. Ordenou o pai que se ornamentassem as paredes
com motivos pagãos e de espaço a espaço colocou imagens de
divindades pagãs. Não podendo removê-las sem com isto contrariar o
pai, Bárbara serviu-se delas para demonstrar aversão a uma religião
que não é senão culto dos demônios. Em vez de entregar a nova sala,
esplendidamente arranjada, ao fim para que pedira, dela se serviu
para realizar conferências e reuniões com pessoas amigas do
cristianismo e com elas prestar culto a Deus verdadeiro. Entretanto
voltou Dióscoro da viagem que empreendera. Desejoso de saber a
resolução da filha, qual não foi a decepção, quando esta lhe revelou
não se querer casar, muito menos com um jovem pagão, visto que era
cristã e esposada já com Jesus Cristo.
Grande foi a dor e maior ainda a indignação do pai.
Tendo recuperado a calma, pôs a filha ante o dilema: ou renunciar a
Cristo e aceitar o casamento ou morrer. Quanto mais irritado se
tornava, tanto mais firme e imperturbável Bárbara se mostrou. O
desespero do pai chegou ao ponto de com a espada na mão agredir a
própria filha. Esta escapou da ira de Dióscoro e refugiou-se numa
gruta. Ninguém a teria descoberto, se dois pastores não tivessem
indicado o esconderijo da donzela. Dióscoro encontrou-a em oração.
Qual tigre à presa, o pai atirou-se contra a inocente filha;
arrastou-a pelo chão, colocou-a aos pés, puxou-a pelos cabelos a uma
choupana, onde a fechou até que a mandasse levar para casa. Lá
chegada, começou-lhe o martírio. Vendo afinal inúteis todos os
esforços para induzir a filha à adoração dos deuses, entregou-a ao
governador Marciano, afim de que procedesse contra ela conforme as
determinações da lei.
No começo Marciano aparentou compaixão pela pobre
vítima, duplamente bela no sofrimento, e não poupou blandias e
promessas. Nada conseguindo, recorreu ao rigor.
Por sua ordem, Bárbara foi açoitada com tiras de
couro, até que o corpo se lhe tornou uma só chaga. Na esperança de
que morresse, mandou encarcerá-la. Deus, porém, querendo reservar
para a heroína combate ainda mais glorioso, mandou-lhe um Anjo, que
não só lhe curou as feridas, mas que a animou e lhe predisse um
glorioso martírio, e a assistência divina até a morte. No dia
seguinte, conduzida à presença de Marciano, este muito se admirou de
vê-la completamente restabelecida, fato que atribuía ao poder e à
intervenção dos deuses. “Enganas-te, — disse Bárbara — não foram
ídolos de pedra que fizeram isto: o que vês é obra do Senhor do céu
e da terra, daquele Deus a que adoro e pela honra do qual estou
pronta para morrer”. Marciano ordenou então novos suplícios. A
donzela foi novamente flagelada, o corpo horrivelmente queimado e
finalmente amputaram-lhe os seios. Apesar da dor indescritível que
Bárbara sentia, nenhuma palavra de queixa proferiu; elevando os
olhos ao céu, disse: “Vossa mão, ó meu Deus, não me abandone.
Convosco tudo padecerei, sem vós nada sou”. A estas palavras se
seguiu nova crueldade. O tirano deu ordem para que a mártir fosse
despojada dos vestidos e neste estado, insultada pela multidão,
conduzida pelas ruas da cidade. De todas as torturas foi esta a mais
dura, a mais desumana e a mais dolorosa ao coração da casta donzela.
O desnaturado pai assistiu a todas as crueldades de que a filha foi
vítima, e, não satisfeito com a simples assistência, ainda se
colocou no meio dos algozes, sendo de todos o pior. Tendo Marciano
finalmente pronunciado a sentença de morte, Dióscoro pediu, como
graça especial, poder desferir o último golpe contra a filha.
Marciano concedeu-lhe a licença. Chegando ao alto duma montanha,
Bárbara de joelho agradeceu a Deus o privilégio de poder derramar o
seu sangue por amor de Jesus. Depois desembaraçou o pescoço,
oferecendo-o ao algoz, que era o pai. Este, trêmulo de furor, fez-se
o assassino da filha.
Bárbara tinha a idade de 20 anos apenas.
Uma mulher de nome Juliana, que tinha visto todas as
cenas horripilantes do martírio da donzela, apresentou-se ao
governador, com a declaração de ser cristã e o desejo de morrer como
Bárbara morrera. Foi fácil atendê-la, e no mesmo dia Deus lhe
concedeu a palma do martírio. O corpo de Juliana descansou ao lado
de Bárbara, com a alma da qual entrou triunfante no céu. Não assim
aconteceu ao pai. Descendo da montanha, onde vitimara a filha,
gotejando-lhe das mãos ainda o sangue inocente, foi surpreendido por
um forte temporal. Não havendo onde se abrigar, um raio fulminou-o,
entregando-lhe a alma ao eterno juiz. Altos desígnios de Deus!
Santa Bárbara é invocada para alcançar a graça de uma
boa morte.
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