Instituto Missionário dos Filhos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das Dores de Maria Santíssima

06 de agosto

Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo

 

A Igreja comemora hoje a festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dos Evangelista é São Mateus que refere mais por minúcias esse fato, admirável da vida de Nosso Senhor, Os Santos Padres ocupam-se muito do mistério da Transfiguração de Nosso Senhor, principalmente São João Crisóstomo, que escreveu coisas admiráveis sobre o mesmo assunto. O que se segue, são pensamentos daquele Santo Padre, como os propôs aos ouvintes, explicando o Evangelho do dia de hoje.

Nosso Senhor tendo falado muitas vezes da sua Paixão e Morte, profetizara aos Apóstolos perseguição e morte cruel; tendo-lhes dado mandamentos positivos e severos, quis mostrar-lhes a magnificência e glória com que voltará no fim do mundo, provar e revelar-lhes, já nesta vida, sua majestade, para animá-los e confortá-los nas tristezas presentes e futuras.

São Mateus (17,1-13) escreve, contando o fato da Transfiguração: “Seis dias depois, (isto é depois da predição da sua Paixão e Morte) Jesus tomou a Pedro, Tiago e a João”. Um outro Evangelista Lc 9, 28 diz: “Oito dias depois”. Não há contradição entre os dois, porque este conta o dia em que Jesus discursou perante os Apóstolos e o dia em que subiu o monte Tabor, quando São Mateus conta apenas os dias que estão entre estes dois fatos. Reparamos também a modéstia de São Mateus, que menciona os Apóstolos que, mais do que ele, foram honrados por Nosso Senhor. Nesse ponto segue o exemplo de São João, que minuciosamente refere os elogios com que Jesus distinguiu a Pedro.

Jesus tomou os chefes dos Apóstolos e levou-os a um monte, a sós. E transfigurou-se diante deles. Resplandeceu-lhe o rosto como o sol e os vestidos tornaram-se-lhe brancos como a neve. Porque motivo Nosso Senhor levou só estes três Apóstolos? Porque ocupavam um lugar saliente entre os demais. Pedro salientava-se pelo amor a Jesus; João era o mais querido de Nosso Senhor e Tiago, por causa da resposta que juntamente com o irmão dera ao divino Mestre: “Nós beberemos o cálice”. E não só por causa desta resposta, como também em virtude das suas obras, que provaram a virtude daquela asserção. Era tão odiado pelos Judeus, que Herodes, para ser-lhes agradável, o mandou matar. Porque razão disse Nosso Senhor aos Apóstolos: “Em verdade vos digo: alguns de vós aqui presentes não verão a morte, enquanto não tiverem visto o Filho do Homem em sua glória?” (Mt 16, 28). Com certeza para lhes estimular a curiosidade de ver aquela visão, da qual lhes falava e enchê-los de desejo de ver o Mestre rodeado de glória divina.

“E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Ele”. Porque apareceram essas figuras do Antigo Testamento? Há diversas razões que explicam esta circunstância. A primeira é esta: Porque entre o povo dizia-se que Jesus era Elias, Jeremias ou um dos profetas do Antigo Testamento, ficar-lhes-ia patente a grande diferença que existia, entre o servo do Senhor, e que bem merecido fora o elogio que coube a São Pedro, por ter chamado Filho de Deus a Nosso Senhor. Segunda razão: Repetidas vezes inimigos de Nosso Senhor o acusavam de blasfêmias, da pretensão de dizer-se Filho de Deus. “Este homem, que não observa o sábado, não pode ser de Deus” (Jo 9, 16).  E mais: Não é por causa de nenhuma obra boa que te apedrejamos, mas pela blasfêmia, e por que disseste que és Filho de Deus, quando não passas de simples homem” (Jo 10, 33). Estas acusações eram freqüentes e como proviessem da inveja, quis Nosso Senhor mostrar que não transgredira a lei e nenhuma blasfêmia proferira, dizendo-se Filho de Deus. Para este fim, Jesus fez aparecer dois profetas de maior destaque. De Moisés era a lei, e não era admissível que justamente Moisés distinguisse com sua presença o transgressor da mesma que era Jesus Cristo, na opinião dos Judeus. Elias, o grande zelador da honra de Deus, por seu turno nunca teria honrado com sua presença a Jesus Cristo se este de fato não fosse o Filho de Deus. Um terceiro motivo seria este: Aparece um profeta que morreu e um outro que não sofreu a morte. Esta circunstância devia fazer compreender aos discípulos, que seu Mestre é o Senhor da vida e da morte, e seu reino é no céu e na terra. Um quarto motivo o próprio Evangelista menciona: Para mostrar a glória da cruz e para animar os pobres Apóstolos, na triste previsão de sofrimentos. Os dois profetas falaram da glória, que na cruz seria manifesta, em Jerusalém; (Lc 9, 31), isto é, da sua Paixão e Morte.

Se Nosso Senhor levou consigo estes três Apóstolos, foi também porque deles havia de exigir uma virtude mais apurada que dos outros. “Quem quer seguir-me, tome sua cruz e siga-me”. Os dois profetas do Antigo Testamento eram homens que, pela lei de Deus e pelo bem do povo, estavam sempre prontos a deixar a vida. Ambos, Elias e Moisés usaram da máxima franqueza na presença de tiranos, este diante de Faraó, aquele diante de Achab; ambos se empenharam em favor de homens rudes e ingratos; ambos foram quais vítimas da malícia daqueles, a que mais benefícios dispensaram; ambos trabalharam para exterminar a idolatria entre o povo. Tanto um como o outro desprezavam a riqueza. Moisés e Elias eram pobres e viviam num tempo, em que os grandes servidores de Deus não possuíam o dom de fazer grandes milagres. É verdade que Moisés dividiu as águas do mar; Pedro, porém, andou sobre as ondas, expulsou maus espíritos, curou muitos doentes e transformou a face da terra. É verdade que Elias ressuscitou um morto; os Apóstolos, porém chamaram muitos mortos à vida, no tempo em que não tinham ainda recebido o Espírito Santo. Jesus Cristo faz aparecer estes dois profetas, para apresentá-los aos discípulos, como modelos de firmeza e constância; como Moisés, devem ser mansos e humildes; iguais a Elias, deviam ser zelosos e incansáveis; como ambos, prudentes e circunspectos. Elias passou fome durante três anos, por amor ao povo. Moisés disse a Deus: “Perdoai-lhes os pecados e exonerai-me ou se assim não quiserdes, extingui meu nome do vosso livro”. Tudo isso Jesus faz lembrar aos Apóstolos, mostrando-lhes, em misteriosa visão, a glória de Elias e Moisés.

Propondo-lhes Elias e Moisés como modelos, a imitação dos mesmos ainda não é o ideal, que Jesus Cristo quer ver nos Apóstolos, quando estes disseram: “Senhor, se assim quiserdes, chamaremos fogo do céu, que destrua esta cidade”, talvez assim falaram lembrando-se de Elias, que de tal forma procedeu. Jesus, porém, respondeu-lhes: Não sabeis de que espírito sois” (Lc 9, 55). Queria assim que é melhor sofrer quando se perceberam graças maiores. Não quer isto não fosse santo e perfeito. Elias vivera num outro tempo, era que a humanidade, atrasada ainda na cultura, meios educativos mais fortes. O campo de ação dos Apóstolos não devia ser o Egito, a terra de Moisés, mas o mundo inteiro; não era ao Faraó que haviam de contradizer, mas aceitar a luta do demônio, o tirano da maldade, vencê-lo e desarmá-lo.

E não o conseguiriam dividindo as águas do mar. A tarefa era, armando-se do ramo de Jessé, dividir as águas furiosas do oceano da impiedade. Reparemos bem quantas coisas não amedrontaram os Apóstolos: a morte, privações e mil martírios não menos os intimidaram, que aos Judeus o Mar Vermelho e as hostes de Faraó; mas Jesus, seu Mestre, levou-os a tal grau de perfeição que não hesitaram em aceitar tudo. Para torná-los capazes de uma missão tão difícil, apresentou-lhes os dois grandes heróis do Antigo Testamento.

“Senhor, bom é estarmos aqui”, disse São Pedro a Jesus. Ouvindo as referências à Paixão e Morte do querido Mestre, o coração encheu-se-lhe de temor; mas, desta vez, faltando-lhe a coragem de dizer: “Lon ge de ti essas coisas”, formulou os receios nas palavras já mencionadas. O monte onde se achavam, bem longe de Jerusalém, já era a seu ver uma garantia; fazendo ainda três tendas para lá morar, dispensava perfeitamente a viagem a Jerusalém e removido o perigo do Mestre cair nas mãos dos inimigos. “Bom é estarmos aqui”, com Elias, que chamou fogo sobre a montanha; com Moisés, que falou com Deus no cimo do monte — ninguém sabe que aqui estamos. Quem não descobre nestas palavras a profunda e sincera amizade de São Pedro ao Mestre? Os Evangelistas, referindo-se às palavras de São Pedro, dizem: “Não sabia o que falava, pois, tão atônito de medo  se   achava.” (Mc 9, 5 e  Lc 9, 33).

Falando ainda, eis que uma nuvem os envolveu. Não era noite, era dia claro. A luz, o esplendor assombravam-os e atônitos caíram de rosto por terra. Qual foi a atitude de Cristo?  Nem ele, nem Elias, nem Moisés, disseram coisa alguma. Mas da nuvem saiu a voz daquele que é a Verdade. Porque da nuvem? Porque Deus sempre fala da nuvem. “Rodeiado está de nuvens e trevas” (Sl 96, 2). “O Filho do Homem vem entre as nuvens” (Dn 1, 13). Saindo a voz da nuvem, não mês restava dúvida que era a voz de Deus.

E eis que uma voz do meio da nuvem disse: “Este é o meu Filho muito amado, em quem me agradei; ouvi-o”. No monte Sinai era uma nuvem negra e escura que cobria o monte. No Sinai Deus publicou ameaças contra o povo. Aqui se via uma nuvem branca e lúcida. Pedro tenha falado em três tendas. Deus, porém, mostrou uma única tenda, não feita por mão de homem; daí a circunstância da aparição de uma luz claríssima e a audição de uma voz. Para não deixar dúvida sobre a pessoa em questão, Elias e Moisés desapareceram e a voz disse: “Este é meu filho muito amado”. Se é Ele o amado, o medo de Pedro é infundado. Embora já devesse estar convencido da divindade do Mestre, embora não tivesse dúvidas da sua futura ressurreição, Pedro ainda é vacilante em sua fé. Ouvindo agora a voz confirmante do Eterno Pai, deviam desaparecer-lhe os temores e as dúvidas. Se Ele é filho muito amado, o Pai não o abandonará. É seu amado, não só por ser seu Filho, mas também por Lhe ser igual. “Nele achei meu agrado”, quer dizer, pois: Ele é meu agrado, minha alegria, porque, como Filho, é igual ao Pai, é regido pela mesma vontade, é um com Ele eternamente. Ouvi-o.

 

REFLEXÕES

 

Felizes os Apóstolos que foram achados dignos de ver o Divino Mestre com tanta glória e magnificência. Se quisermos, poderemos também ver o mesmo Jesus, não como os Apóstolos no monte Tabor, mas numa glória incomparavelmente maior — naquele dia em que virá com toda a glória e majestade, rodeado dos Anjos e Santos do céu. Todos os homens hão de ver como Ele virá sobre as nuvens. Julgando a todos, dirá aos que se lhe acharem à direita: “Vinde, benditos de meu Pai, pois eu estava faminto e vós me destes de comer” (Mt 25, 34). E a outros dirá: “Muito bem, servo fiel e bom; pois que foste fiel em pouco, confiar-te-ei maiores bens; entra no gozo do contentamento do teu Senhor!” (Mt 25, 23).  A outros, porém, dirá: “Afastai-vos de mim, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e seus anjos”. E ainda: “Servo mau e preguiçoso” (Mt 25). E serão entregues aos algozes e, atados as mãos e os pés, atirados às trevas exteriores. Os justos, porém, fulgirão como o sol, ou mais do que ele. Aquele dia será o horror para os maus. Não carece de documentos, de provas, de testemunhas, o eterno e justo juiz supre tudo isso. Ele é acusador, testemunha e lançador da sentença. Tudo sabe, nada lhe é incógnito. Naquele dia não haverá ricos e pobres, fracos e poderosos, protegidos e protetores — persistirão somente os fatos em toda a nudez, em toda a realidade. As máscaras hão de cair, e a verdade aparecerá em toda a clareza. Afastemos de nós as vestes imundas do pecado, armemo-nos com as armas da luz, pratiquemos o bem e a glória de Deus nos revestirá.