Os PROTESTANTES mentindo,
perseguindo e seduzindo os
católicos, dizem:
“Deus proíbe fazer imagens”.
Resposta
aos PROTESTANTES:
Notaremos, logo de início, que o culto das
imagens não é obrigatório neste sentido de que
alguém, para salvar-se, tenha que possuir
imagens ou prestar-lhes culto, nem também no sentido de que
sem elas nós não pudéssemos nos dirigir aos seus protótipos.
A Igreja poderia até proibir o uso das imagens em alguma
região onde este culto estivesse sendo mal interpretado e
não houvesse possibilidade de ser bem compreendido.
O que é obrigatório
é reconhecerem os católicos a legitimidade do culto das
sagradas imagens e que elas são dignas de todo o nosso
respeito e veneração.
A Igreja mantém o culto das imagens porque
resulta grande utilidade deste culto, que é legítimo,
pois “a honra que se lhes tributa
se refere aos protótipos por elas representados, de modo
que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais
descobrimos a cabeça e nos curvamos, nós adoramos a Cristo e
veneramos os santos, dos quais elas nos apresentam uma
semelhança” (Concílio de Trento: sessão
XXV). Não se entende absolutamente
“que nelas haja alguma divindade ou
alguma virtude, pela qual devam ser cultuadas, nem que é a
elas que se deva pedir alguma coisa, nem que se deva pôr a
confiança nas imagens, como acontecia outrora com os gentios
que colocavam a esperança em ídolos”
(Concílio de Trento: sessão XXV). O
poder está em Deus que nos concede muitas graças
pela intercessão dos santos, graças estas que são todas
pedidas em nome de Jesus Cristo e alcançadas em virtude dos
méritos de sua Paixão Redentora.
Qual é então
a grande utilidade das imagens?
Fala-se muito hoje em ensino intuitivo,
ou seja, fazer a pessoa ver em lugar de obrigá-la só a
pensar e raciocinar. Os elementos mais eficazes para o
ensino intuitivo são: o desenho, a
gravura e a representação do
objeto. Pois, este ensino intuitivo, a
Igreja o vem empregando desde os primeiros séculos.
A imagem é o livro do analfabeto
O Protestantismo
pode dispensar a imagem, porque é uma “religião inventada
só para grandes sábios, para homens de grande cultura”.
Cada protestante pretende ser, pelas suas próprias luzes, um
intérprete da Bíblia; para isto se requer conhecimento do
grego e do hebraico, bem como uma inteligência muito acima
do comum, porque há textos na Bíblia que qualquer criança
entende, mas há outros intrincadíssimos que
desafiam os maiores gênios; interpretar um ou outro texto
aqui e acolá pode ser fácil e contradição não há na Bíblia,
porque ela é infalível; mas entender perfeitamente todos os
textos e harmonizá-los, tendo em mãos edições sem
comentários que tanto estão difundidas no seio da reforma,
isto é uma tarefa dificílima.
Todos os protestantes são, portanto, ou pelo
menos, deveriam ser grandes cabeças pensantes.
Mas a Igreja Católica, como o
seu próprio nome indica, é uma Religião para todos,
pois Católica quer dizer Universal; não só
para os sábios, mas também para os rudes e os ignorantes. E
um homem rude pode ouvir um sermão maravilhoso sobre a
Paixão de Jesus Cristo e não ficar tão comovido como ao ver
a Imagem de Cristo Crucificado, em que se pintam ao vivo os
sofrimentos que Cristo aceitou por nosso amor. Sua cabeça
pode ser fraca para guardar todas as ideias belíssimas do
pregador, mas o seu coração é grande e bastante sensível
para se impressionar com a obra de arte que vê, que tem
diante de seus olhos.
O Padre Henrique van der Horst era vigário de
Porto Calvo, em Alagoas, quando um dia, ao entrar na sua
matriz, encontrou uma camponesa debulhada em lágrimas diante
da imagem do Bom Jesus. Perguntando-lhe a razão de tantas
lágrimas, a matutinha exclamou:
“Não está vendo o senhor o que fizeram com
Ele? Quanta malvadeza! Como é que O fizeram ficar assim
nesse estado?”
O vigário procurou aproveitar a ocasião para
fazer-lhe uma exortação: “Fomos nós que fizemos isto com
os nossos pecados. Foi a senhora também, fui eu, foram todos
os pecadores, porque Ele ficou assim para salvar a nossa
alma”.
Mas o sermão não foi bem entendido:
“Eu não! Eu não fiz nada com Ele! Foram os
malvados que fizeram isto!”
A sua inteligência não pode perceber todo o
alcance das palavras do sacerdote; mas o seu coração sabia
expandir-se diante da imagem, na meditação dos sofrimentos
de Jesus.
Também num lugarejo do interior de
Pernambuco, três matutos (era um dia de feira)
deixarem à porta da igreja matriz os seus sacos, cheios
de mantimentos, porque regressavam para casa, e
começaram a percorrer o templo sagrado. Logo lhes chamaram a
atenção os quadros da Via-Sacra, em que estão gravadas as
cenas passadas com Jesus no caminho do Calvário.
Um dos visitantes, mais desembaraçado, ia
procurando interpretar para os outros as cenas que iam
vendo. E entremeava as suas explicações com exclamações como
esta: “Está vendo? Ele era Deus e
sofreu tanto! E nós? Nós não queremos sofrer nada!”
Percebia-se claramente ali quanto a
pintura é intuitiva para o analfabeto. Na sua muda
linguagem estava a Via-Sacra fazendo o mais eloquente dos
sermões.
Já São Gregório Nazianzeno (do século IV)
falava de uma mulher pecadora que se converteu ao contemplar
a imagem do mártir São Polemon (Carmen de vita sua L I.°
secção II.ª v. 800 segs.) e São Gregório de Nissa
(também do século IV) declarava que jamais viu o quadro
do sacrifício de Isaac, sem que as lágrimas lhe viessem aos
olhos, de modo que Basílio, bispo de Ancira, presente ao 2.°
Concílio de Nicéia, comentava: “Muitas vezes este Padre
tinha lido a história e não tinha chorado, mas, quando viu a
pintura, chorou”. E outro Padre presente ao mesmo
Concílio acrescentava: “Se a
pintura produz tal efeito em um mestre, como não será útil
aos ignorantes e aos simples!”
Compreende-se, portanto, muito bem, que
quando Sereno, bispo de Marselha, temendo que se
interpretasse mal o culto das imagens, quis proibi-las,
o Papa São Gregório Magno (do século VI) que foi
notável também pela sua grande cultura, o tenha repreendido,
dizendo: “Aquilo que para os
letrados é a escrita, é a pintura a ser vista pelos rudes,
porque nela, mesmo os ignorantes vêem o que devem imitar;
nela lêem os que não conhecem as letras”
(Epístolas LIX, 105).
E diz também o Cardeal Gibbons:
“As imagens religiosas podem ser
consideradas como um catecismo para os rudes... Quando
Agostinho, apóstolo da Inglaterra, apareceu pela primeira
vez diante do rei Etelberto para pregar o Evangelho, foram
postas diante do pregador imagens de Cristo pendente da cruz
e outras imagens de Cristo Salvador, e elas foram mais
eloquentes para os olhos dos ouvintes do que as palavras
para os ouvidos”.
São João Damasceno escreve:
“A beleza e a cor das imagens
estimulam minha oração. É uma festa para os meus olhos,
tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a
dar glória a Deus”, e:
“A contemplação dos ícones santos,
associada à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos
hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração
para que o mistério celebrado se grave na memória do coração
e se exprima em seguida na vida nova dos fiéis”
(Catecismo da Igreja Católica).
Para que é que se fazem as estátuas dos
grandes homens e se põem aos olhos de todos na praça
pública? É para avivar sempre a sua memória e para que o
exemplo de sua vida fique sempre patente diante de todos.
É o que acontece com as imagens de Nosso
Senhor Jesus Cristo, de Maria Santíssima e dos santos nas
nossas igrejas. Sem que ninguém precise fazer um sermão,
elas estão continuamente relembrando seus protótipos,
evocando a recordação daqueles que não devemos jamais
esquecer e para copiarmos a santidade de suas vidas.
E aqui entra o protestante com o seu espírito
pirrônico (que duvida de tudo):
E quem pode garantir que aquilo é o
retrato fiel de Jesus, de Maria ou dos santos?
Para que a imagem produza o bom resultado de
nos despertar a lembrança do santo, não é necessário
que seja a cópia fiel das feições do protótipo.
Estabeleceu-se na arte cristã de todos os
tempos um sistema tradicional de representar o Divino
Redentor, sua Santa Mãe e os santos, de tal modo que sem ser
preciso colocar-se o nome no pedestal, o homem, mesmo rude,
mesmo o camponês, sabe que aquela imagem é de Jesus, aquela
de Maria Santíssima, aquela de São José, ou de São Pedro ou
de Santo António etc. Isto é o bastante para que evoque
imediatamente estas augustas pessoas, desperte a sua
lembrança, excite demonstrações de respeito, amor e
veneração por elas.
A bandeira do país suscita
imediatamente no indivíduo a lembrança de sua Pátria querida.
E para isto não é necessário que o brasileiro ou o alemão ou
o japonês veja naquela bandeira a cópia fiel de sua Pátria.
É um símbolo convencional que a representa, e é quanto basta
para acender-lhe o entusiasmo patriótico.
O mesmo se dá com as imagens. Elas têm por
fim: excitar a devoção, alimentar a piedade dos fiéis,
transportar o seu pensamento para os protótipos que elas
representam e provocar o desejo de imitá-los sinceramente na
sua vida.
II
NOÇÃO DE ÍDOLO E DE IMAGEM |
Quem vai entrar em discussão sobre uma
questão qualquer (e principalmente quem vai lançar contra
outrem uma grave acusação) precisa ter uma ideia bem
clara sobre o significado dos termos que emprega nesta
controvérsia ou nesta acusação. Discutir sem a exata noção
dos termos seria obrigar os adversários a uma lamentável
perda de tempo; acusar sem medir bem o alcance das palavras
seria leviandade.
Ora, há protestantes
(dizemos há protestantes, porque felizmente não são todos)
que levam o seu ódio à Igreja Católica ao ponto de acusá-la
de idolatria que, como a própria palavra está dizendo,
consiste no culto de latria (ou seja,
adoração no sentido rigoroso da palavra) prestada
aos ídolos. É muito fácil verificar se é exata ou
não esta acusação.
Afinal, o que vem a ser ídolo?
Ídolo é a
figura representativa de um deus falso à qual
se presta culto: “O
Senhor é grande e digno de louvores infinitos e terrível
mais que todos os deuses, porque todos os deuses das gentes
são ídolos; mas o Senhor fez os Céus” (1
Cr 16, 25-26), e:
“Eles reputaram por deuses a todos os ídolos das nações”
(Sb 15, 15).
Sabemos que antes de Cristo, o
mundo inteiro em peso caiu na idolatria, ou
seja, adoração de estátuas de falsas divindades,
as quais os homens consideravam como sendo o seu supremo
senhor, mudando, como diz São Paulo,
“a glória de Deus incorruptível em
semelhança de figura de homem corruptível e de aves e de
quadrúpedes e de serpentes” (Rm 1, 23).
A única exceção a essa geral degenerescência da razão humana
era o pequenino povo hebreu, o qual, entretanto, de vez em
quando, pelo menos em parte, caía também neste grave
pecado pela influência dos povos vizinhos, com os
quais era obrigado a entrar em contato.
Conhecemos pela História a quantidade enorme
desses falsos deuses e deusas,
aos quais prestavam culto mesmo os povos mais civilizados,
no desconhecimento em que se encontravam da existência do
Deus único, Espiritual e Eterno. Como eram entre os romanos
ou com outros nomes entre os gregos: Júpiter, Apolo,
Mercúrio, Marte, Netuno, Saturno entre os deuses; e
Juno, Vênus, Diana, Minerva, Vesta e Ceres entre as
deusas. Como eram entre os egípcios: Amon, Osíris, Hórus,
Anúbis, Isis, etc. Como eram na Mesopotâmia: Marduque,
Assur, Samash, Sin, Istar, etc.
A Bíblia nos fala no nome de
alguns destes ídolos adorados por povos vizinhos dos
hebreus: Baal, Astarte, Moloc, Melcom, Camos...
“Os filhos de Israel, ajuntando
novos aos antigos pecados, fizeram o mal na presença do
Senhor e adoraram os ídolos, a Baal e a
Astarte, e os deuses da Síria e de Sidônia e do Moab”
(Jz 10,6), e:
“Salomão dava culto a astarte, deusa
dos sidônios e a Melcom, ídolo dos amonitas”
(1 Rs 11, 5), e também:
“Edificou Salomão um templo a Camos,
ídolo dos moabitas” (Idem., 11,7).
Ora, três coisas verdadeiramente
absurdas se notavam nesta idolatria ou adoração dos
ídolos.
A primeira é que se
apresentavam como deuses, em contraposição com
o único e verdadeiro Deus.
A segunda é que esses deuses
não correspondiam a nenhuma realidade. Nunca existiu
Júpiter, nem Baal, nem Vênus, etc. Era pura
imaginação. É por isto que diz São Paulo:
“... mudaram a verdade de Deus em
mentira” (Rm 1, 25).
Sendo o culto desses deuses
inteiramente mentiroso, prestado a seres
completamente inexistentes e destinando-se assim a
substituir a adoração do verdadeiro Deus, a Bíblia o
apresenta como sendo prestado ao próprio demônio,
pai da mentira, que fomentava no mundo esse culto
ilusório para afastar os homens da verdadeira noção do
Criador: “... os sacrifícios a
eles oferecidos eram endereçados aos demônios: Eles O
irritaram adorando deuses estranhos e com as suas
abominações O provocaram à ira. Ofereceram sacrifícios, não
a Deus, mas aos demônios, aos deuses que eles desconheciam”
(Dt 32, 16-17), e:
“Todos os deuses das gentes são
demônios; mas o Senhor fez os Céus” (Sl
95, 5), e também:
“E serviram aos seus ídolos e lhes foi causa de tropeço. E
imolaram aos demônios os seus filhos e as suas filhas”
(Idem., 105, 36-37), e
ainda: “As coisas que sacrificam
os gentios, as sacrificam aos demônios, e não a Deus”
(l Cor 10, 20).
A terceira é que, não
correspondendo esses ídolos a nenhuma realidade, os
gentios que os adoravam, era daquelas estátuas em si mesmas
que esperavam todo poder, toda proteção, de modo que estavam
convencidos de que se desprendia daquele objeto material uma
virtude, um poder mágico. E é assim que Deus pelo profeta
Isaías comenta com ironia o absurdo de um homem que
fabrica uma imagem e a considera como sendo o seu Deus:
“O escultor estendeu a sua régua
sobre o pau, ele o formou com o cepilho, pô-lo em esquadria,
e com o compasso lhe deu as devidas proporções e fez dele
uma imagem de varão, como um homem bem apessoado que habita
numa casa. Cortou cedros, tomou uma azinheira e um carvalho
que estivera entre as árvores dum bosque, plantou um
pinheiro, que criou a chuva. E esta árvore serviu aos homens
para o fogão; ele mesmo tomou parte das mencionadas árvores
e com ela se aquentou e a acendeu e cozeu um par de pães; e
do mais que ficou fez ele um deus e o adorou, fez uma
estátua e prostrou-se diante dela. A metade deste pau,
queimou ele no fogo e com a outra metade cozinhou as carnes
que comeu; acabou de cozer as suas viandas e fartou-se delas
e aquentou-se e disse: Bom, aquentei-me, já vi aceso o
fogão. E do que ficou do mesmo pau fez ele para si um
deus e um ídolo, diante ao qual se prostra, e o adora e
lhe roga, dizendo: livra-me, porque tu és o meu deus”
(Is 44, 13-17).
Até aqui a noção de ídolo.
Passemos agora à de imagem.
Imagem é
um termo de significação muito ampla. Quer dizer, a
representação ou semelhança expressa
de um ser qualquer. Não é só qualquer estátua ou desenho ou
gravura; o sentido é tão vasto que quando nos lembramos de
uma pessoa, dizemos trazer a sua imagem em
nossa mente; ou quando o pregador usa de belas comparações,
nós dizemos que ele emprega belas imagens, ou
seja, umas ideias representando outras.
Mas, quando falamos, como agora é o caso, da
questão do culto das imagens, entendemos por
esta palavra as imagens sagradas, ou de
pintura ou de escultura, que estão em uso na
Igreja Católica.
São figuras representativas,
não de falsos deuses, mas de Nosso Senhor Jesus
Cristo, de sua Mãe Maria Santíssima, dos anjos e dos santos.
A Igreja Católica, espalhando no mundo as
ideias cristãs desde os primeiros séculos, espalhou
consequentemente a doutrina fundamental de que há um
único e verdadeiro Deus, espiritual, invisível, imutável e
eterno, criador de todas as coisas.
Mas é claro que todos os grandes personagens
da História e todos os fatos relevantes para a humanidade
têm fornecido assunto para as belas artes, como o desenho, a
pintura e a escultura; nada mais natural, portanto, do que
os artistas cristãos procurarem expressar os
grandes personagens da História do Cristianismo, entre os
quais avulta, é claro, Nosso Senhor Jesus Cristo,
Homem-Deus, figura central de toda a História da humanidade.
Com Ele, têm que ser relembrados os episódios sacrossantos
da sua vida. Entre estes aparece, como um dos mais belos
assuntos para a arte cristã, o seu nascimento em Belém e aí
já é inseparável a sua Mãe Santíssima. Como também merecem a
atenção dos artistas, os santos que ficam como um exemplo
admirável para os homens pelo modo como souberam realizar em
si as virtudes cristãs e espelhar na sua vida os
ensinamentos de Jesus; bem como, segundo a nossa maneira de
expressá-los, os anjos que são os mensageiros de Deus.
Ora, sabe-se muito bem que a imagem, a
representação e o símbolo, valem não pelo que são
materialmente em si, como seja um pedaço de pau ou de pano
ou um aglomerado de gesso, mas valem muito aos nossos
olhos em virtude daquilo que representam.
Portanto, querer confundir duas coisas
tão diversas, como sejam: o ídolo, isto é, a
representação de uma falsa divindade inventada
pelos demônios, e a imagem, isto é, a
representação de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Maria
Santíssima, dos anjos e santos sob o pretexto de que
tudo não passa de pedaços de pau, de pano ou de gesso,
isto é o mesmo que dizer que: o retrato de meu pai ou
de minha mãe ou de meus irmãos – e o retrato de
um cachorro vem a ser a mesma coisa, porque tudo isto
não passa de um pedaço de papel onde pousou o material
fotográfico; ou que a bandeira que simboliza a nossa querida
Pátria – e o pano que serve para a cozinheira enxugar os
pratos vem a ser a mesma coisa, porque tudo isto vem a ser
apenas um simples pedaço de pano.
As imagens valem por aquilo que representam.
Por isto os ídolos eram abomináveis, pois
representavam os falsos deuses, que não passavam de
invenções diabólicas para perdição dos homens. As nossas
sagradas imagens são veneradas porque
representam realidades que são dignas de todo o nosso
respeito e consideração.
E os protestantes que querem tachar de ídolos
as nossas imagens sagradas são refutados por outros seus
companheiros de Reforma: porque há seitas, como os luteranos
e anglicanos que têm nas suas igrejas imagens iguais às que
estão em uso na Igreja Católica; se
são ídolos abomináveis, por que os conservam nos seus
templos?
III
NOÇÃO DE ADORAÇÃO E LATRIA |
Nem as nossas imagens são ídolos, como
acabamos de ver; nem também o culto que a elas prestamos é
de latria ou de verdadeira adoração. É o que iremos provar.
Sabemos todos, católicos e protestantes, que
só devemos adorar a Deus.
Mas o que não deixa de lançar certa confusão
sobre o assunto é que a palavra adoração pode
ter vários sentidos: existe a adoração impropriamente
dita e a adoração propriamente dita.
Adorar,
por exemplo, pode significar: querer bem, ter muita estima.
Um pai pode dizer: Adoro os meus filhinhos. Um filho
extremoso pode dizer: Adoro minha santa mãe. E, no entanto,
não estão cometendo nenhum ato de ofensa a Deus, pois se
adorar aí no caso quer dizer querer muito bem, então este
pai tem obrigação mesmo de adorar os seus
filhinhos, isto é, querer muito bem a eles; este filho tem
obrigação de adorar a sua mãe, isto é, amá-la de todo o
coração. Deus mesmo quer que seja assim; o erro só haverá se
estas pessoas puserem o amor de seus filhinhos ou o amor de
sua mãe acima do amor de Deus, que deve ser superior a
todos os outros amores.
É comum ouvir esta expressão: uma
criatura adorável, que ao pé da letra deveria
indicar uma criatura digna de ser adorada, mas que, sem
nenhuma blasfêmia exprime simplesmente isto: uma
criatura que merece toda simpatia, benevolência e estima.
Na linguagem bíblica, no latim e também no
português antigo, a palavra adorar tem
igualmente o sentido de prosternar-se, isto é,
ajoelhar-se com os dois joelhos e fazer uma inclinação de
cabeça que pode ser mais ou menos profunda e que pode ser
profunda até o ponto de se fazer chegar a cabeça até o chão.
Existem vários sistemas de saudação entre os diversos povos,
como sejam entre nós, por exemplo: tirar o chapéu, fazer uma
inclinação de cabeça, dar um aperto de mão etc. Os
orientais, muito mais pródigos e exagerados do que nós neste
assunto de cumprimentos, costumavam diante de personagens
muito ilustres, que mereciam grande respeito, levar a
saudação até este ponto: a prosternação completa, isto é,
não só de joelhos, mas também com muito profunda inclinação
de cabeça. Daí não se segue que considerassem a pessoa que
recebia tais saudações como se fosse uma divindade.
Apenas o gesto significa isto: um profundo respeito.
Quando dizemos que só a Deus devemos
adorar, não é tomando a palavra adorar
no sentido de prosternar-se, pois esta adoração
impropriamente dita aparece muito frequentemente na
Bíblia, feita por pessoas dignas e servos de Deus a outras
criaturas e nunca foi intenção da Bíblia fazer propaganda de
idolatria: “Levantando, porém,
Jacó os seus olhos, viu vir Esaú... E ele mesmo,
adiantando-se o adorou sete vezes prostrado por terra até
chegar a seu irmão... Chegou também Lia com seus meninos; e
como o adorassem do mesmo modo, em último lugar o
adoraram José e Raquel” (Gn 33, 1-3 .
7), e: “No mesmo
ponto abriu o Senhor os olhos de Balaão, e ele viu o anjo
parado no caminho com a espada desembainhada e prostrado por
terra, o adorou” (Nm 22, 31),
e também: “Josué viu um anjo em
figura de homem e se lançou com o rosto em terra e
adorando-o, disse: Que diz meu Senhor ao seu servo?”
(Js 5, 14), e ainda:
“Tendo-se, pois, apresentado ao rei
esta mulher de Técua, deitou-se por terra diante dele e o
adorou e disse: Salva-me, ó rei” (2 Sm 14,
4), e: “Joab,
prostrando-se por terra sobre o seu rosto, adorou e
felicitou ao rei” (2 Sm 14, 22),
e também: “Inclinou-se Betsabéia
profundamente e adorou o rei” (1 Rs 1, 16),
e ainda: “Eliseu lhe disse: Toma
o teu filho. Chegou-se ela e lançou-se a seus pés e o adorou
prostrada em terra; e tomou seu filho e saiu”
(2 Rs 4, 36-37), e:
“E todo o povo bendisse o Senhor
Deus de seus pais; e se prostraram e adoraram a Deus e
depois ao rei” (1 Cr 29, 20).
Quando Cornélio, ao receber São Pedro,
prostrando-se aos seus pés o adorou (At 10, 25) não
praticou um ato pecaminoso de idolatria ou de culto divino
prestado à criatura, pois Cornélio era homem justo e temente
a Deus (At 10-22). Pedro, porém, lhe disse:
“Levanta-te, que eu também sou
homem” (At 10, 26). A
extraordinária modéstia de São Pedro (mais realçada ainda
pelo alto cargo que ocupava), a sua humildade profunda
que conservou durante toda a vida, especialmente depois do
pecado da negação, fazia com que o Apóstolo se sentisse
incomodado ao ver alguém diante dele desmanchar-se em
saudações tão rasgadas, quando ele, Pedro, era homem e
também havia pecado.
Qual é, então, o conceito da verdadeira
adoração, da adoração no sentido próprio (que se expressa
pelo termo técnico latria) e que só a Deus é
devida?
Latria ou adoração propriamente dita
é o ato pelo qual se tributa homenagem a um ser, como ao
Supremo Senhor de todas as coisas, ou em outras palavras,
como tendo o supremo domínio sobre nós.
É um erro,
por exemplo, dizer:
ajoelhar-se diante de alguém ou de
alguma coisa é adorar, é fazer ato de idolatria.
Eu posso ajoelhar-me diante de meu pai, de minha mãe ou de
uma pessoa qualquer para lhes pedir perdão de uma falta que
cometi; daí não se segue que eu lhes esteja prestando a
adoração que só a Deus é devida. Pois posso ajoelhar-me
diante dessas pessoas, exclusivamente por um ato de
humildade, sem considerar a nenhuma delas, como sendo o
Supremo Senhor de todas as coisas. Nem mesmo,
como vimos há pouco, o ato de ajoelhar-se e curvar a cabeça
até o chão indica o culto de latria,
pois os orientais faziam este gesto tão espetacular,
simplesmente com a intenção de manifestar o profundo
respeito que lhes inspirava aquela criatura.
O católico, no
grande dia da Sexta-feira Santa,
dia em que se comemora a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pode ajoelhar-se com os DOIS joelhos diante da
cruz e inclinar a cabeça; isto apenas significa o grande
respeito, a especial veneração que lhe merece a cruz do
Divino Salvador, onde Ele remiu a humanidade; o seu
pensamento se volta para o Calvário, onde se deu outrora a
expiação infinitamente meritória de Cristo e quer com este
ato homenagear a Cristo, que nos salvou. Não é o fato de
chamar esta cerimônia adoração da cruz que
torna isto um ato de idolatria; a palavra adoração é aí
empregada no sentido de prosternação, assim
como o verbo adorar é empregado muitas e muitas vezes na
Bíblia, como vimos, no sentido de dobrar os joelhos com
profunda inclinação do corpo: Jacó adorou a
Esaú, Balaão adorou o anjo,
Betsabéia adorou o rei, o
povo adorou a Deus e depois ao rei,
etc. Pode ser muito bronco e muito estúpido
este católico; porém mesmo assim sabe muito bem que não são
aqueles 2 pedaços de madeira atravessados um no outro que
constituem o seu Deus, porque, como diz na sua linguagem
simples e ingênua o nosso povo: “Deus está no Céu e na
terra e em todo lugar onde se chamar por Ele”.
Por aí se vê que a adoração propriamente
dita, ou seja, o culto de latria
é um ato interno que se processa no nosso espírito, no nosso
coração e ato pelo qual se reconhece aquele Ser, como nosso
Supremo Senhor, como nosso Deus, a quem devemos a
existência, a quem devemos tudo e de quem tudo esperamos.
Como somos criaturas compostas de alma e
corpo, costumamos manifestar por atos exteriores os nossos
sentimentos internos. Esta adoração a Deus podemos
manifestá-la de diversas formas, mas entre estes atos
externos só há um que por si mesmo, indica
diretamente, necessariamente o culto de
latria: é o sacrifício. Imolava-se a
vítima precisamente para isto; para indicar com aquela
vítima sacrificada, a qual morria ou desaparecia, que o Ser
cultuado é o Supremo Senhor da vida e da morte. Por isso se
explica muito bem que Paulo e Barnabé, confundidos em
Listra, respectivamente, com os deuses Mercúrio e Júpiter,
rasgassem as suas vestiduras e protestassem veementemente
quando o sacerdote de Júpiter, que estava à entrada da
cidade, trazendo para ante as portas touros e grinaldas,
queria sacrificar com o povo (At 14, 12).
Diante dos ídolos, ou seja, dos
deuses falsos, qualquer ato externo de homenagem que se
fizesse, como seja, queimar incenso, ajoelhar-se ou
simplesmente curvar a cabeça era um ato pecaminoso,
porque aqueles ídolos eram apresentados como sendo deuses,
como se tivesse qualquer um deles, ou sozinho ou de parceria
com outros, o supremo domínio de todas as coisas.
Quem lhes prestava culto o prestava diretamente àquela
estátua, que não correspondia a nenhuma realidade e assim
dava gosto ao demônio que se servia de tão abomináveis
invenções para afastar os homens do culto do verdadeiro
Deus, trazendo todos os povos pagãos na mais grosseira
idolatria.
Quando, porém, nós católicos, que
sabemos que existe só um Deus, que é Espiritual e
Eterno, Supremo Senhor de todas as coisas e só a Ele
prestamos o culto de latria,
cercamos de carinho e veneração as sagradas imagens de Jesus
Cristo, de Maria Santíssima e dos santos, a coisa é muito
diversa. Não estamos diante de ídolos, ou de
deuses falsos. Diante de uma imagem de Jesus
Cristo, sabemos muito bem que não é aquela imagem, mas sim o
seu protótipo, Jesus, que é o Supremo Senhor do Universo,
Autor da Vida e da morte. Diante da imagem de Maria
Santíssima e dos santos, sabemos muito bem que nem aquela
imagem, nem o seu protótipo é o Supremo Senhor do Universo.
Isto, porém, não nos impede de mostrar-lhes o nosso amor, de
fazer-lhes as nossas súplicas diante destas venerandas
representações e imagens que tanto nos excitam ao fervor e à
devoção. E quando afirmamos categoricamente que não estamos
prestando a estas imagens um culto de
latria, é inútil que venham os
protestantes teimar conosco, querendo convencer-nos de que o
nosso culto é de verdadeira adoração. Pois a
adoração é um sentimento interno, e os protestantes não
podem saber melhor do que nós mesmos (e Deus) aquilo
que realmente se passa no nosso íntimo, no interior do nosso
coração.
IV
A ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E
VERDADE |
E é precisamente porque a verdadeira adoração
se processa no nosso íntimo, que Nosso Senhor disse estas
palavras: “A hora vem, e agora é,
quando os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em
espírito e verdade; porque tais quer também o Pai que
sejam os que O adorem. Deus é espírito, e em espírito e
verdade é que O devem adorar os que O adoram”
(Jo 4, 23-24).
Nosso Senhor se refere aí à transformação que
vem trazer o Cristianismo, substituindo-se àquela religião
de meras exterioridades em que tinha caído o judaísmo:
“Este povo honra-me com os lábios;
mas o seu coração está longe de mim” (Mt
15, 8), e: “Ai de
vós, escribas e fariseus hipócritas, que dizimais a hortelã,
o endro e o cominho, e haveis deixado as coisas que são mais
importantes da lei, a justiça, a misericórdia e a fé: estas
coisas eram as que vós devíeis praticar sem que, entretanto,
omitísseis aquelas outras” (Idem., 23, 23),
e também: “Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas, porque limpais o que está por fora do
copo e do prato, e por dentro estais cheios de rapinas e de
imundícias” (Idem., 23, 25).
Apesar de
praticarem muitos atos exteriores de religiosidade, não
praticavam os judeus a verdadeira adoração; esta consiste em
que a nossa alma esteja
totalmente submissa a Deus: a nossa inteligência pela fé
na sua Palavra infalível; o nosso coração pelo amor a Ele
acima de todas as coisas; o nosso espírito pela resignação à
sua vontade; toda a nossa vida pela exata observância dos
seus mandamentos. Isto que é realmente reconhecer a
Deus como Supremo Senhor nosso e Supremo Senhor de todas as
coisas.
Verdadeiro adorador
em qualquer época e em qualquer país é aquele que se acha
no estado de graça santificante, isto é, em situação de
amizade com Deus, com os seus pecados perdoados e com o
firme propósito de jamais voltar a cometê-los. Porque
aquele que está no estado de pecado mortal não pode dizer,
em toda a extensão da palavra, que reconhece o supremo
domínio de Deus sobre a sua alma; se reconhece em teoria,
não quer reconhecê-lo na prática, nas suas ações, no seu
modo de agir; antes se coloca sob a servidão do demônio,
pois, como disse a Sabedoria Eterna:
“Todo o que comete pecado é escravo
do pecado” (Jo 8, 34). E é
por isto que diz São Paulo a respeito daqueles que têm
contaminadas tanto a sua mente como a sua consciência:
“Eles confessam que conhecem a Deus,
mas negam-no com as obras” (Tt 1,
16).
A Igreja tem as belas cerimônias de sua
liturgia, para a qual contribuem todas as artes:
arquitetura, pintura, escultura, música, eloquência, etc.,
todas a serviço do sentimento religioso que ela procura
infundir nos seus filhos fiéis. Aliás, o centro de toda a
liturgia é Jesus Cristo realmente presente na Hóstia
Consagrada, que é objeto da nossa adoração e
do culto de latria, porque é a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Mas, ao mesmo tempo em que nos emociona com
as suas cerimônias, ela nos lembra sempre que isto é um meio
e não um fim; ela quer, sobretudo, chegar à
purificação da alma e a sua total dedicação a
Deus. Esta purificação da alma se opera com a
confissão bem feita, a qual só é possível quando o cristão
não só está sinceramente arrependido de seus pecados, mas
está sinceramente resolvido, custe o que custar, a jamais
voltar a cometê-los. Recuperando assim a graça
santificante que havia recebido no Batismo, o
católico se habilita a ser um verdadeiro adorador
numa total submissão a Deus, e quanto mais santo for
interiormente, tanto mais perfeita será a sua adoração. Por
isto a Igreja obriga os fiéis a se confessarem
ao menos uma vez cada ano; e insiste sempre pela
prática da confissão frequente e da comunhão, até mesmo
quotidiana.
E nos meios eclesiásticos é considerado o
povo mais católico, não aquele em que maior
número de pessoas comparece à igreja, mas aquele em que
maior número de pessoas, devidamente preparadas pela
confissão bem feita, se aproximam da mesa eucarística. Se
nesse meio vai alguém que não o faz com a devida
sinceridade, não temos o poder de adivinhar o que se passa
no coração dos outros; mas já é um sinal de que Deus
conhece os verdadeiros adoradores... e a adoração é uma
coisa toda interna.
Os protestantes, no seu velho sistema
de interpretar as passagens da Bíblia, tendo, antes de tudo,
o pensamento de ver em cada uma delas um meio de censurar e
combater a Igreja Católica; tomam a palavra de Jesus
no sentido de que está condenado todo e qualquer culto
externo e ficam satisfeitos com a ideia de que, tendo as
paredes de suas igrejas completamente nuas e não tendo
cerimônias impressionantes como o Catolicismo, são eles os
únicos verdadeiros adoradores a que se refere
Jesus.
Mas é o caso de
perguntar: será isto que resolve a questão? Se adorar é
reconhecer o supremo domínio de Deus, é reconhecer a Deus
como Supremo Senhor da nossa inteligência, do nosso coração,
da nossa vida; suponhamos que um protestante, com esta ampla
autorização que tem, pelo livre exame de
interpretar a Bíblia como bem entende, se põe a torcer
a palavra de Deus diante de uma doutrina
de Jesus em que não quer acreditar. Será um verdadeiro
adorador? Não; porque não quer reconhecer a Deus
como Supremo Senhor de sua inteligência... em vez de adorar
a Deus, Verdade Infalível, adora o ídolo de sua
opinião própria. Nem venham os protestantes afirmar
que ninguém no Protestantismo torce as palavras da Bíblia.
Eles próprios têm que reconhecer que existe no seu seio quem
o faça. Pois se há seitas que crêem na Santíssima Trindade e
outras que a negam; se há seitas que admitem a divindade de
Jesus e outras que a rejeitam; se há seitas que admitem a
existência do inferno, a presença real de Jesus Cristo na
Eucaristia, a necessidade das boas obras para a salvação, a
indissolubilidade do matrimônio, a imortalidade da alma, a
sobrenaturalidade da graça etc., e há outras que negam estes
pontos, é sinal de que aí neste meio há gente torcendo o
sentido da Bíblia, a não ser que Cristo tenha falado de
maneira duvidosa exclusivamente para isto, para sua doutrina
andar sempre assim numa eterna discussão. Ora, isto é
claramente inadmissível.
Suponhamos que mesmo com suas igrejas de
paredes branqueadas e com a ausência de cerimônias
litúrgicas, haja um protestante que vive enganando os outros
em matéria de dinheiro, ou que vive escravizado a uma paixão
carnal e desonesta. Será um verdadeiro adorador?
Não; porque São Paulo é o primeiro a nos dizer que há
pecados que equivalem ao culto dos ídolos:
“Nenhum fornicador ou imundo, ou
avaro, que é idólatra, não tem herança no reino de Cristo e
de Deus” (Ef 5, 5).
Não é nosso intuito com estas hipóteses
humilhar nem ofender aos protestantes. Absolutamente não! Há
católicos errados e há protestantes errados; é a
consequência inevitável da fragilidade humana. Mas quererem
alguns insinuar que todo homem, abraçando uma seita chamada
“evangélica” se torna ipso facto uma criatura
angélica e impecável, que no seio do Protestantismo só há
puros e perfeitos, que o cristão logo que se convence que já
está salvo por Jesus, se torna uma nova criatura modelo de
virtudes, isto é conversa para boi dormir.
Nesta canoa ninguém embarca. E quanto à Igreja Católica, ela
mesma é que ensina os seus filhos a rezar assim:
pequei, Senhor, muitas vezes por
pensamentos, palavras e obras, por minha culpa, por minha
culpa, por minha tão grande culpa!
O que queremos frisar aqui é simplesmente
isto: que não é o fato de frequentar igrejas lisas ou
de não assistir a cerimônias litúrgicas que faz de um homem
um verdadeiro adorador. E que a adoração é uma
coisa interna, é um sentimento da alma e do
coração, é o reconhecimento, no nosso íntimo, do supremo
domínio do Ser a quem nós adoramos. Não é o fato de nos
ajoelharmos, de nos curvarmos, de trazermos ofertas ou de
acendermos velas que constitui a adoração.
E o católico, por mais rude e ignorante que
seja, sabe muito bem que não é aquela imagem que está no
altar, a qual não vê, não sente, não ouve, não fala, não tem
inteligência, nem sensibilidade... não é aquela imagem que
tem o supremo domínio sobre a sua alma e sobre a sua vida.
Se os pagãos caíram neste erro
tão grosseiro a respeito de seus ídolos, isto mostra apenas
a degenerescência em que tinha caído a razão humana antes da
doutrinação de Jesus Cristo, o que serviu para mostrar
quanto era necessária a vinda do Salvador.
Sabe muito bem o católico que não é aquela
imagem que o ouve, nem que o socorre; mas ela serve para ele
erguer melhor o seu pensamento ao protótipo que ela
representa. E assim como ficaríamos alegres se soubéssemos
que alguém cercou de flores o nosso retrato ou quis diante
dele render-nos carinhosa homenagem. Jesus Cristo, a Virgem
Maria e os santos só podem receber com agrado as homenagens
que lhes prestamos diante de suas sagradas e venerandas
imagens que tão insistentemente estão avivando aos nossos
olhos a sua memória e a sua recordação.
V
LEI DE DEUS A QUE ESTAMOS
SUJEITOS |
Finalmente, antes de examinarmos o texto da
Bíblia que os protestantes apresentam pretendendo demonstrar
com ele que é contrário à lei de Deus o culto
que os católicos prestam às imagens, é preciso relembrar que
a lei de Deus ou se entende lei natural que
todo homem traz na sua consciência e no seu coração,
ou lei mosaica dada aos judeus, ou lei cristã
que nos é imposta por Nosso Senhor Jesus Cristo no Novo
Testamento.
A lei natural proíbe a
idolatria. Mesmo independentemente da fé, a razão
nos diz que só existe um Deus o qual fez todas
as coisas e só a Ele é que podemos adorar, isto é,
reconhecê-Lo como supremo Senhor de todas as coisas.
Mas não nos proíbe homenagear um homem ilustre através de
sua estátua, desde que esta veneração à estátua não consiste
em adorá-la, como se fosse um Deus. Logo, a lei
natural não proíbe o culto das imagens, como é
praticado na Igreja Católica.
Quanto à lei mosaica, já
sabemos que foi abolida (At 15, 5-29).
Não se pode, por conseguinte, apresentar o
uso e o culto das imagens como condenados por Deus, só pelo
fato de que tenham sido proibidos no Antigo Testamento,
na lei de Moisés. Como se prova que tudo o que
era proibido aos judeus no Antigo Testamento é proibido
também a nós? A usar deste argumento, deveriam os
protestantes ensinar que nos é proibido comer carne de
lebre, de camelo ou de porco, bem como todos os peixes que
não tenham barbatanas nem escamas (Dt 14, 7-8.
10), que é proibido lavrar com boi e burro ao
mesmo tempo, ou vestir qualquer tecido de lã com linho
(Idem., 22, 10-11), que é proibido ao filho
bastardo entrar na congregação do Senhor até a décima
geração (Idem., 23, 2), ou rapar a
barba (Lv 19, 27) etc. Tudo isto está
proibido pela Bíblia no Antigo Testamento, mas estas leis
não nos atingem.
A Lei Antiga está cheia também de preceitos
que não vigoram mais, como a circuncisão, bem como
cerimônias especiais para a mulher que dá à luz
(Idem., 12, 8) etc.
E é conhecida a
luta de São Paulo contra os judaizantes que queriam à fina
força obrigar os cristãos a obedecer a lei de Moisés que
havia sido abolida.
Para provar, portanto, que a nós, cristãos, é
proibido o culto das imagens, é preciso provar que ele é
proibido pela lei de Cristo.
– Pois é precisamente o que vamos fazer,
dirão os protestantes.
O culto das imagens é proibido nos 10
mandamentos. Ora, os dez mandamentos fazem parte da lei de
Cristo, porque Nosso Senhor disse ao moço do Evangelho:
“Se tu queres entrar na vida, guarda
os mandamentos” (Mt 19, 17).
Logo, o culto das imagens é proibido pela lei de Cristo.
– É o caso de dizer: Deste versículo da
Bíblia, que encerra a palavra infalível de Jesus,
vocês se lembram agora, porque querem acusar
os católicos de transgredir um mandamento; por que
não se lembram dele quando vivem a pregar que só a fé,
e não a observância dos mandamentos, é necessária
para a salvação?
Sim, os 10 mandamentos estão de pé na lei
cristã, não há dúvida alguma; não, porém, na mesma forma ou
com os mesmos termos em que vigoraram para os judeus
outrora, pois o Divino Mestre refundiu e aperfeiçoou os
preceitos do Decálogo. É o que demonstraremos daqui a pouco.
Antes, porém, queremos ver como é que vocês,
protestantes, nos provam que o uso e o culto das
imagens, tal qual se observam na Igreja Católica, são
condenados pelo texto dos 10 mandamentos.
Examinemos:
O TEXTO DO ÊXODO
Para o nosso caso, esse texto
não tem nenhuma diferença do texto do Deuteronômio
5, 7-9.
Versículo 3.
Não terás deuses estrangeiros diante
de mim. Versículo 4. Não farás para ti
IMAGEM DE ESCULTURA, NEM FIGURA ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM
CIMA NO CÉU E DO QUE HÁ EMBAIXO NA TERRA, NEM DE COISA QUE
HAJA NAS ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA. Versículo 5.
NÃO AS ADORARÁS NEM LHES DARÁS CULTO, porque eu sou o
Senhor teu Deus, o Deus forte e zeloso que vinga a
iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração daqueles que me aborrecem (Ex 20, 3-5).
VERSÍCULOS 3.° e 4.°.
Vê-se claramente que estas imagens de que
Deus fala no versículo 4.° são as imagens dos
deuses estrangeiros de que falou no versículo 3.°.
Se no versículo 4.° Deus diz que não façam imagem de
escultura, NEM FIGURA DE COISA ALGUMA QUE HAJA OU NO CÉU,
OU NA TERRA OU NAS ÁGUAS, entende-se que Deus não fala
aí de qualquer espécie de desenho ou de pintura
ou de escultura (assim estaria proibindo
até o termos em casa o retrato de nossos pais, ou qualquer
pintura decorativa representando flores ou peixes ou frutos
etc.), mas sim, de ídolos e de figuras de deuses
falsos. Estes ídolos tomavam aqui e acolá inúmeras
formas de pessoas, ou de animais, ou de astros, ou de outras
coisas. Tudo era deus, exceto o próprio Deus, como disse
Bossuet. Por isto Deus proíbe os deuses estrangeiros,
SEJA QUAL FOR A FORMA SOB A QUAL ELES SE APRESENTEM.
Somente quem possui o VENENO da
CALÚNIA na língua é que finge não entender
essa passagem bíblica.
E a prova de que Deus aí não se refere
a qualquer imagem, a qualquer pintura e a qualquer
semelhança, está no fato de que Deus mesmo mandou
Moisés fazer uma serpente de metal (se há proibição de
fazer qualquer figura ou semelhança de tudo que há em cima
no céu, e do que há embaixo na terra, a serpente é um animal
que há embaixo na terra). E o Senhor lhe disse:
“Faze uma serpente de metal e põe-na
por sinal: todo o que sendo ferido olhar para ela, viverá.
Fez, pois, Moisés uma serpente de metal e pô-la por sinal
aos que, estando feridos, olhavam para ela, saravam”
(Nm 21, 8-9).
Esta imagem de serpente em escultura era
prefigurativa de Jesus pregado na cruz:
“Como Moisés no deserto levantou a
serpente, assim importa que seja levantado o Filho do Homem,
para que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida
eterna” (Jo 3, 14-15).
Por que, então, Jesus Cristo não disse que
aquela SERPENTE de BRONZE era
uma idolatria?
Deus mandou Moisés fazer também dois
querubins de ouro (portanto imagens de anjos
em escultura) para cobrirem o propiciatório:
“Farás também dois querubins de
ouro trabalhados ao martelo, nas duas extremidades do
oráculo. Um querubim estará a um lado, outro ao outro.
Cubram ambos os lados do propiciatório com asas estendidas,
e cobrindo o oráculo estarão olhando um para o outro com os
rostos virados para o propiciatório, com o qual se cobrirá a
arca” (Ex 25, 18-20).
Salomão, quando construiu o templo, mandou
também fazer, por sua própria conta e risco, alguns
querubins, bem como diversas figuras na parede:
“E pôs no oráculo dois querubins de
pau de oliveira de dez côvados de altura... Cobriu também de
ouro os querubins; e fez esculpir todas as paredes do templo
em roda de entalhes e molduras, e nelas fez querubins e
palmas e diversas figuras, como sobrepujando e saindo da
parede” (1 Rs 6, 23. 28-29).
Entre estas figuras que havia no templo, estavam leões
e bois que são animais que existem
aqui embaixo na terra: “E entre
as coroas e laçadas havia leões, bois e querubins”
(Idem., 7, 29).
Ora, isto não foi do desagrado de Deus, pois
quando Salomão terminou o templo e fez para lá a solene
trasladação da arca, aconteceu que, logo que os sacerdotes
saíram do santuário, uma névoa encheu a casa do Senhor; e os
sacerdotes não podiam ter-se em pé nem fazer as funções do
seu ministério por causa da névoa, porque a glória do Senhor
tinha enchido a casa do Senhor. Então disse Salomão:
“O Senhor disse que Ele habitaria
numa névoa” (Idem., 8, 10-12).
Portanto, quando os protestantes dizem,
procurando impressionar as pessoas simples: Os católicos
estão contra a Bíblia, porque a Bíblia proíbe fazer imagens
e eles fazem imagens de Jesus Cristo, de Maria Santíssima,
dos anjos e dos santos; trata-se de uma acusação muito fora
de propósito. Deus proibiu aí no texto do Êxodo fazer
imagens dos deuses estrangeiros, pois é dos
deuses estrangeiros que Ele está falando. E a
prova é que Ele mesmo mandou fazer outras imagens
e Deus não cai em contradição consigo mesmo.
Nem se concebe que Deus, tendo horror a quaisquer imagens,
como querem os protestantes, fosse o primeiro a mandar
fabricá-las.
E basta ler com atenção o Pentateuco, se não
quisermos falar em todo o Antigo Testamento, para ver como a
grande preocupação, se assim se pode dizer de Deus, era
fazer com que aquele povo pequenino, como era o seu povo
escolhido, cercado como estava de tantos povos idólatras,
pois o eram todas as nações do mundo, não se deixasse
contaminar pelo exemplo dos outros adorando os
deuses estranhos: “Lançai
fora os deuses estranhos que estão no meio de nós”
(Gn 35, 2), e:
“Não fareis para vós deuses de prata
nem deuses de ouro” (Ex 20, 23),
e também: “O meu anjo caminhará
diante de ti e ele te introduzirá na terra dos amorreus, dos
heteus, dos ferezeus, dos cananeus, dos heveus, dos jebuseus,
os quais eu destruirei. Não adorarás os seus deuses nem lhes
darás culto, não imitarás as suas obras, mas destruí-los-ás
e quebrarás as suas estátuas” (Idem., 23,
23-24), e ainda:
“Eu entregarei nas vossas mãos os habitantes da terra e os
expulsarei da vossa vista... Não habitem na tua terra, para
que te não façam pecar contra mim, servindo aos seus deuses”
(Idem., 23, 31-33), e:
“Não adores a deus alheio. O Senhor
tem por nome Zelador, Deus é zeloso”
(Idem., 34, 14), e também:
“Não vos volteis para os ídolos, nem façais para vós deuses fundidos. Eu
sou o Senhor vosso Deus” (Lv 19, 4),
e ainda: “Não seguireis os deuses
estrangeiros de alguma das nações que estão à roda de vós”
(Dt 6, 14), e:
“Se esquecendo-te, porém, do Senhor
teu Deus, seguires deuses estranhos e os servires e
adorares, eu desde agora te denuncio que perecerás de todo”
(Idem., 8, 19), e também:
“E lá servirás a deuses estranhos,
ao pau e à pedra; e ver-te-ás na última miséria, como o
ludíbrio e a fábula de todos os povos, onde o Senhor te
houver levado” (Idem., 28, 36-37),
e ainda: “Eles O irritaram
adorando deuses estranhos e com as suas abominações O
provocaram à ira” (Idem., 32, 16).
VERSÍCULO 5.°
Vejamos agora o versículo 5.°:
“Não as adorarás, nem lhes prestarás
culto, porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte e
zeloso que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até a
terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem”
(Ex 20, 5).
Já que o versículo 3.° se refere aos deuses
estrangeiros: “Não terás deuses
estrangeiros diante de mim” (Idem., 20, 3).
Já que o versículo 4.° :
“Não farás para ti imagem de
escultura, NEM FIGURA ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM CIMA NO CÉU
E DO QUE HÁ EMBAIXO NA TERRA, NEM DE COISA QUE HAJA NAS
ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA” (Idem., 20, 4),
como já provamos, se refere a imagens de escultura ou
figuras destes mesmos deuses estrangeiros; está claro que a
proibição de prestar culto que lemos no versículo 5.° :
“Não as adorarás, nem lhes darás
culto” (Idem., 20, 5) se
refere a imagens ou figuras destes mesmos deuses pagãos.
Bastam os pronomes as, lhes para
nos mostrar que é àquelas imagens de que fala o versículo
anterior que é proibido prestar culto. No versículo
anterior, Deus proibiu fazer tais ídolos. Mas podia
acontecer que os judeus, nas suas viagens ou recebendo
visitas de gente de outros povos, se deparassem com tais
ídolos que eles, judeus, não tinham fabricado, mas que foram
feitos pelos outros. Ou podia acontecer que alguém, mesmo no
seio do povo israelita, teimasse em fazer tais ídolos. Neste
caso era preciso que soubessem os judeus que também lhes
estava proibido, tanto o adorá-los como o prestar-lhes
qualquer culto.
E a prova de que Deus se refere a estes
ídolos, a estas representações de deuses estranhos, está na
razão que Deus lhes apresenta:
“Não as adorarás, nem lhes darás culto, porque eu sou o
Senhor teu Deus” (Idem., 20, 5).
O que mostra muito bem que, sendo Ele o único Deus dos
israelitas, não quer entrar em pé de igualdade com deuses
estranhos, nem quer ser substituído por eles.
Os protestantes provariam que aí Deus está
proibindo aos católicos fazer imagens de Jesus Cristo, de
Maria Santíssima e dos anjos e santos e reverenciá-las,
se conseguissem provar que estas
imagens, venerandas e sagradas pelas pessoas que
representam, são imagens daqueles deuses
estrangeiros, que eram pura invenção do
demônio, para afastar os homens do culto do Deus
verdadeiro, culto este que nós, católicos, Lhe prestamos,
reconhecendo o Seu supremo domínio sobre todas as coisas e
reservando a Ele, só a Ele, o culto de latria,
ou seja, de verdadeira adoração. Nós não substituímos o
culto de Deus pelo de outros deuses nem pelo de nenhuma
criatura.
Diante, portanto, da legítima interpretação
do texto, não há aí nenhuma proibição do culto das imagens,
tal como é compreendido e praticado pela Igreja que Cristo
fundou, ou seja, a Igreja Católica.
VI
A INTERPRETAÇÃO PROTESTANTE |
Analisemos agora a interpretação que os
protestantes dão ao texto.
Não é a interpretação verdadeira; mas ainda
mesmo que o fosse, a proibição contida neste texto do
Antigo Testamento não nos atingiria, assim como eles
também não se sentem atingidos por ela. É o que iremos
provar.
Os protestantes separam completamente os dois
versículos: “Não terás deuses
estrangeiros diante de mim” (Ex 20, 3)
é uma ordem.
“Não farás para
ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo O QUE HÁ
EM CIMA NO CÉU E DO QUE HÁ EMBAIXO NA TERRA, NEM DE COISA
que haja nas águas debaixo da terra”
(Idem., 20, 4) é outra ordem que
nada tem a ver com o versículo anterior.
Aqui o homem rude logo se atrapalha com o
sentido da palavra imagem; e desta confusão se aproveita o
protestante.
Hoje, quando falamos em imagem, logo nos
lembramos das imagens sagradas que vemos nas igrejas
católicas. Era justamente o que não existia naquele tempo.
Não havia imagem de Jesus Cristo, nem da Virgem Maria, nem
de São Pedro ou de Santo Antônio ou de São Francisco ... por
uma razão muito simples: nem Jesus Cristo como homem, nem
Maria Santíssima, nem nenhum desses santos existia ainda.
Havia, sim, os anjos, dos quais, como vimos, Deus
mesmo mandou fazer imagens.
Imagem aí no texto se toma no sentido
geral: representação de um ser
mostrando-lhe a semelhança. Uma imagem de escultura é, por
exemplo, a estátua de um homem; é um
animal qualquer: um cachorro, um elefante, um
carneiro feito de gesso, de madeira, de prata ou de ouro
etc.
Desde que acha o protestante que também para
nós está proibido fazer qualquer imagem de escultura, então
estão proibidas todas as estátuas. São condenadas pela lei
de Deus... É preciso acabar com elas... São proibidos todos
os animais feitos por escultura. Entrando numa casa, onde
encontra na sala um gato ou um leão ou um boi fabricado em
gesso ou em madeira ou em metal, o “evangélico” deve
protestar indignado; porque toda imagem de escultura é
proibida por Deus. Tem que acabar, portanto, a
profissão de escultor, como sendo uma
profissão de homens rebeldes e pecadores
que vivem fazendo justamente aquilo que Deus proíbe no seu
mandamento.
Mas não são somente os escultores que entram
na dança; entram também todos os pintores,
desenhistas, gravadores e
fotógrafos, porque o texto não proíbe somente
qualquer imagem de escultura, mas proíbe qualquer
figura, seja de criaturas humanas, seja de astros,
seja de animais ou de plantas, seja lá do que for, pois
continua assim: “NEM FIGURA
ALGUMA DE TUDO O QUE HÁ EM CIMA NO CÉU E DO QUE HÁ EMBAIXO
NA TERRA, NEM DE COISA QUE HAJA NAS ÁGUAS”
(Idem., 20, 4).
Entrando no atelier de um pintor e
encontrando-o a pintar uma figura humana, o protestante terá
que dizer: É proibido; não podes fazer isto.
E se ele disser: Ao menos, deixe-me pintar
um peixe ou outro animal qualquer, uma planta; ao menos, uma
flor.
– Não; nada disto é permitido.
Não se pode fazer a figura de coisa
alguma: nada do que há embaixo na terra, nada do que há nas
águas.
Os livros ilustrados, bem como as
fotografias, as gravuras, os desenhos que aparecem nas
revistas ou jornais, bons ou maus, todos são proibidos.
Ora, esta interpretação é evidentemente
absurda.
Não foi assim; Deus só proibiu fazer figuras
de deuses estrangeiros, fosse qual fosse a
forma sob a qual se apresentassem.
E mesmo que se quisesse dizer que Deus falava
sobre qualquer imagem ou figura em geral, ainda se podia
conceber que houvesse esta proibição para os judeus num
tempo em que não havia ainda imprensa nem fotógrafos.
Podia-se ainda imaginar que Deus, diante do grande perigo em
que estavam os judeus de cair na idolatria pelo exemplo dos
povos vizinhos, proibisse a este pequenino povo a arte dos
pintores e dos escultores, a fim de se evitar a ocasião de
pecado. Seria então um preceito positivo só para eles e
ocasionado pelas circunstâncias. Mas querer fazer daí um
preceito geral para todos os tempos, mesmo para os povos
cristãos e civilizados que não estão mais, pelo simples fato
de ver uma pintura ou uma estátua, em perigo de cair na
idolatria, seria evidentemente cair no ridículo.
O protestante, portanto, se não quer admitir
que este versículo 4.° se refere aos deuses
estrangeiros, mencionados no versículo precedente,
fazendo parte, portanto, da lei natural, como
é em geral todo o Decálogo, tem que admitir que se trata de
um preceito positivo só para os judeus. A não ser que queira
apresentar como abomináveis e condenadas por Deus todas as
estátuas, todos os objetos de adorno em forma de figuras
humanas ou de animais, todos os brinquedos de criança feitos
no mesmo sistema, todas as pinturas, todas as gravuras de
livros, todas as fotografias...
AINDA O VERSÍCULO 5.°
Mas dirá o protestante: Deus não proíbe
somente fazer imagens. Proíbe prestar-lhes culto no
versículo 5.°: “Não as
adorarás, nem lhes darás culto” (Ex 20, 5)
e os católicos prestam culto às imagens.
– É o caso de perguntar: Se você é obrigado a
admitir (para não cair no ridículo) que o versículo
4.° é endereçado só aos judeus, como
pode provar agora que o versículo 5.°, ou seja, a
proibição de prestar culto às imagens não é também um
preceito só para eles? Este versículo 5.° está, não
só logicamente, mas também gramaticalmente
ligado ao versículo 4.°. Um preceito que era só para
os judeus não nos atinge a nós cristãos.
Os dez mandamentos sempre estiveram,
estão e estarão de pé para todos
os homens, ou se achem estes sob a lei natural,
ou sob a lei mosaica, ou sob a lei
de Cristo.
Mas assim como não vigoram da mesma forma sob
a lei natural como à luz da revelação (neste último caso
são conhecidos com mais nitidez), assim também não
vigoram para nós, cristãos, exatamente da mesma forma em que
vigoravam para os judeus. Estão em vigor na forma em que nos
são propostos no Evangelho por Nosso Senhor Jesus Cristo,
que é o nosso Legislador e nosso Mestre.
Há, então, diferença entre os mandamentos de
Deus, tais quais foram impostos aos judeus e tais quais nos
são ensinados por Jesus Cristo?
É claro que sim; pois o Divino Mestre
refundiu e aperfeiçoou os preceitos do Decálogo.
Consideremos, por exemplo, a questão do
descanso semanal. Era preceituado com muito rigor na Lei
Antiga. E os protestantes devem reconhecer, pela leitura do
Evangelho, como Jesus Cristo dá uma nova interpretação à lei
do repouso no dia do Senhor, lei que permanece, porém de
maneira mais benigna, pois o Mestre nos ensina que o
preceito da caridade é superior a ela:
“Logo, é licito fazer bem nos dias
de sábado” (Mt 12, 12), e:
“O sábado foi feito em
contemplação ao homem, e não o homem em contemplação do
sábado” (Mc 2, 27).
Já o contrário se dá com o 5.° mandamento que
dizia simplesmente: “Não matarás”
(Ex 20, 13) e agora se tornou muito
mais rigoroso. Na Lei Antiga se permitia que se tivesse ódio
aos inimigos, ódio aos gentios, pois Nosso Senhor, como se
vê pela parábola do Samaritano (Lc 10, 29-37) é que veio
alargar a noção da palavra: O próximo. Na Lei
Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo não se proíbe só o
matar, proíbe-se qualquer sentimento de ódio contra
o próximo, sendo o próximo qualquer pessoa:
“Ouvistes que foi dito aos antigos:
não matarás e quem matar será réu no juízo. Pois eu digo-vos
que todo o que se ira contra seu irmão será réu no juízo”
(Mt 5, 21-22), e:
“Tendes ouvido que foi dito: Amarás
ao teu próximo e aborrecerás a teu inimigo. Mas eu vos digo:
Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e
orai pelos que vos perseguem e caluniam para serdes filhos
de vosso Pai que está nos Céus” (Idem., 5,
43-45).
O mesmo se dá com o preceito da castidade que
se torna muito mais rígido. O texto do Êxodo que cita os
protestantes e que traz os mandamentos diz simplesmente:
“Não fornicarás”
(Ex 20, 14). Fala somente sobre os pecados de
ação. Jesus nos mostra no Evangelho que são condenados até
os pecados por pensamento:
“Ouvistes que foi dito aos antigos: não adulterarás. Eu,
porém, digo-vos que todo o que olhar para uma mulher
cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela”
(Mt 5, 27-28).
O 4.° mandamento é proposto no Êxodo
com uma promessa que só vale para os judeus, promessa de
vida longa na terra que lhes era reservada, promessa esta
que não está vigorando, é claro, para nós, pois as promessas
do Novo Testamento são de vida eterna:
“Honrarás a teu pai e a tua mãe para
teres uma dilatada vida sobre a terra que o Senhor teu Deus
te há de dar” (Ex 20, 12).
Agora perguntamos: Já que o assunto de que
falamos é o 1.° mandamento; quando indagavam a Nosso
Senhor Jesus Cristo, Legislador e Salvador nosso, que nos
veio trazer a sua lei, que veio aperfeiçoar a lei de Moisés,
qual era o primeiro e o mais importante mandamento da lei,
Nosso Senhor respondia assim:
“Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Não farás para
ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que há
em cima no céu e do que há embaixo na terra, nem de coisa
que haja nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem
lhes darás culto?” (Idem., 20, 3-5).
Não. Havia um preceito muito mais importante do que
este. Não ter outros deuses, não cometer idolatria ainda é
muito pouco.
O moço a quem Jesus disse:
“Se tu queres entrar na vida, guarda
os mandamentos” (Mt 19, 17).
Pergunta-Lhe quais são estes mandamentos. O Mestre, para
identificá-los, diz: “Não
cometerás homicídio; não adulterarás; não cometerás furto;
não dirás falso testemunho; honra teu pai e a tua mãe e
amarás ao teu próximo como a ti mesmo”
(Idem., 19, 18-19).
Às prescrições do capítulo 20 do Êxodo, Jesus
ajunta um precioso versículo do Levítico (19, 18):
“Amarás a teu próximo como a ti
mesmo” – que vai ter um papel de relevância na
Nova Lei, mas nenhuma alusão faz aos primeiros mandamentos
(e os mais importantes) referentes a Deus, não que
estes mandamentos fossem abolidos, mas porque na Nova Lei
tomam redação melhor e mais perfeita, não já do capítulo 20
do Êxodo, mas de outra parte do Antigo Testamento (Dt 6,5).
Quando perguntavam a Nosso Senhor qual era o
primeiro e o máximo mandamento, Ele respondia, como
respondeu ao doutor da lei:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o máximo e o
primeiro mandamento. E o segundo semelhante a este é: Amarás
a teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,
37-39).
Em outra ocasião, o Divino Mestre louva a
outro doutor da lei que aponta como, meio para entrar
na posse da vida eterna, a observância destes
grandes mandamentos: “E eis que
se levantou um doutor da lei e Lhe disse para O tentar:
Mestre, que hei de fazer para entrar na posse da vida
eterna? Disse-lhe então Jesus: Que é o que está escrito na
lei? Como lês tu? Ele, respondendo, disse: Amarás ao Senhor
teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma e de
todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e ao
próximo como a ti mesmo. E Jesus lhe disse: respondeste bem;
faze isso e viverás” (Lc 10, 25-28).
Ninguém pode deixar de ver a
superioridade deste mandamento: Amar a Deus de
todo o coração, de toda a alma, com todo o entendimento
– sobre o outro: Não ter deuses
estrangeiros, não fazer imagens de escultura etc. Está
se vendo que este último foi inculcado aos judeus a fim de
chamar-lhes bem a atenção para não caírem na idolatria, à
maneira dos povos vizinhos, mas o mandamento do amor a Deus
sobre todas as coisas não só inclui a repulsa à idolatria,
senão também a submissão de todo o nosso ser e de toda a
nossa alma aos ensinamentos de Deus.
Devo amar a Deus de todo o coração e ao
próximo como a mim mesmo. Se cometo idolatria, se adoro
deuses falsos, se adoro outro ser que não seja Deus, estou
pecando contra este mandamento, não O estou amando sobre
todas as coisas.
Mas, se eu amo a Jesus Cristo, a Maria
Santíssima que foi sua Mãe, a qual eu considero grande
justamente por isto, porque foi mãe de Jesus, se eu amo os
santos que foram em vida o bom cheiro de Cristo (2
Cor 2, 15), que de tal modo imitaram o Mestre que bem podiam
dizer como São Paulo: “Não sou eu
já o que vivo; mas Cristo é que vive em mim”
(Gl 2, 20), se pelo amor que tenho a
Jesus Cristo, a Maria Santíssima e aos santos, trato com
carinho, veneração e respeito as imagens que os representam
e simbolizam (imagens estas que valem muito para mim,
assim como o retrato de um pai, de uma mãe ou de um irmão
muito vale aos nossos olhos ou assim como a bandeira da
nossa Pátria, mesmo sendo um simples pedaço de pano, também
tem grande valor para nós pelo que ela simboliza), com
esta veneração, respeito e acatamento que tenho às imagens
não estou de maneira alguma faltando ao amor a Deus; ao
contrário, louvo a Deus e O engrandeço pelas maravilhas que
operou em seus servos e em seu Divino Filho.
Se aos judeus na Lei Antiga, num tempo em
que, quando se falava em imagens de escultura ninguém
pensava em Jesus Cristo, nem em Maria Santíssima, nem nos
santos, mas só nos ídolos, nos deuses falsos que eram
adorados como se fossem o Supremo Senhor, se aos judeus no
Antigo Testamento foi ou não proibido cultuar imagens por
causa da excessiva inclinação que tinham para a idolatria,
isto é lá com eles, não me interessa: não sou
judeu; não sou do Antigo Testamento; nem sou tão estúpido
que dê o mínimo valor à idolatria. Tenho que seguir a lei de
Cristo que está exposta no Novo Testamento, em substituição
à Lei Antiga que já foi abolida; e o Novo Testamento fala
nos mandamentos de Deus, mostra-nos quais são, mas não
contém nenhum versículo QUE PROÍBA FAZER IMAGENS
SAGRADAS, NEM PRESTAR-LHES UM SIMPLES CULTO DE VENERAÇÃO.
Infelizmente, os protestantes, em vez de
lerem a Bíblia como deveria ser, com o pensamento exclusivo
de conhecer a verdadeira doutrina de Jesus, a lêem, primeiro
que tudo, com a preocupação de ver em cada versículo um meio
de fazer oposição sistemática à Igreja Católica, à
qual votam um ódio indisfarçável. Já existe aí uma
péssima preparação para chegar à verdade, porque o
ódio cega.
E assim, em vez de ir buscar os mandamentos
de Deus nos ensinos de Jesus Cristo, os vão buscar na Lei
Antiga que foi dada aos judeus. E a imensa maioria deles
caem logo numa grande contradição: se vão buscar os
mandamentos na letra do Antigo Testamento para recriminar os
católicos que têm imagens, por que motivo então não
observam o sábado, como era preceituado na Lei
Antiga? E todos caem nesta inconsequência:
se o mandamento divino proibia, como eles
querem, qualquer imagem ou figura, por que não saem pelo
mundo afora bradando contra todas as estátuas, todos os
quadros de pintura, todos os desenhos e todas as
fotografias?
Portanto, das duas uma: Ou a proibição de
fazer imagens e prestar-lhes culto, que está nos versículos
4.° e 5.° do capítulo 20 do Êxodo, se refere
só aos deuses estrangeiros e, por conseguinte não nos
atinge, a nós católicos, uma vez que as nossas imagens não
são imagens de deuses estrangeiros; ou então é uma lei
rigorosíssima, proibindo fazer qualquer imagem, qualquer
figura ou semelhança, seja lá do que for, qualquer estátua,
pintura ou gravura, e neste caso não pertence à lei natural,
é uma lei positiva que faz parte apenas da lei mosaica e,
portanto, também não nos atinge, porque não somos judeus
anteriores a Cristo, nem estamos sujeitos à lei mosaica; e
no Novo Testamento não há nenhuma proibição do culto das
imagens tal qual nós o fazemos.
Estamos, sim, obrigados a não cometer nenhum
ato de idolatria. Esta é uma lei natural escrita nos nossos
corações; e uma lei cristã, constantemente pregada pelos
Apóstolos, como por exemplo: “Nem
os idólatras... hão de possuir o reino de Deus”
(1 Cor 6, 9-10), e:
“Meus caríssimos, fugi da idolatria”
(Idem., 10, 14).
Mas o nosso culto às imagens está muito longe
de ser uma idolatria, porque: 1.° Como já explicamos, as
nossas imagens não são ídolos (ídolo é a representação de
um deus falso); 2.° Não prestamos a elas o culto de
adoração ou latria (pois isto seria reconhecer-lhes o
supremo domínio sobre todas as coisas), culto este que
só prestamos a Deus.
E, como já esclarecemos no princípio, este
culto não é obrigatório no sentido de que só se salva quem
rezar diante das imagens, ou que só se possa fazer oração
diante delas. Mas a Igreja o conserva como um método
utilíssimo para instruir os fiéis, para avivar sempre no
espírito de todos, até mesmo dos mais rudes, a lembrança das
coisas celestiais e para melhor fomentar nos seus filhos o
fervor, a piedade e a devoção.
VIII
LICEIDADE E CONVENIÊNCIA |
A FORÇA DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Finalmente dirão os protestantes: O culto
das imagens não consta absolutamente na Bíblia, por isto não
o aceitamos. No Antigo Testamento não há nenhum vestígio
desse culto. Os querubins, de que fala na Bíblia, eram para
adorno do templo, não para serem cultuados. A
serpente de bronze serviu para curar os que estavam feridos
pelas serpentes (Nm 21, 8-9). Mas, quando os filhos de
Israel começaram a queimar incenso diante dela, o rei
Ezequias a fez em pedaços. E a Bíblia o louva por causa
disto: “Ele fez o que era bom
na presença do Senhor” (2 Rs 18, 3).
E no Novo Testamento não consta
absolutamente, nem que Jesus, nem que os Apóstolos, nem que
nenhum cristão mandasse fazer imagens ou a elas prestasse
culto. Logo, o culto das imagens desagrada a Deus.
– Caros amigos: Uma coisa é não se fazer um
ato porque é pecado, porque desagrada a Deus. E outra coisa
muito diferente é não se fazer um ato porque em
determinadas circunstâncias não é prudente, nem conveniente
e pode tornar-se uma ocasião para o pecado.
É preciso ver a situação em que estava o
mundo durante todo o tempo antes de Cristo.
Todas as nações estavam mergulhadas na idolatria, adorando
estátuas de deuses falsos, como se fossem o verdadeiro Deus,
e apenas um pequenino povo adorava o Deus único, Invisível e
Eterno.
Este pequeno povo, que era o povo hebreu,
estava completamente cercado de nações idólatras e, além
disso, tinha uma inclinação tremenda para a idolatria. Basta
dizer que, depois de ter Deus manifestado tão
estrondosamente a sua glória no monte Sinai,
“o povo, vendo que Moisés tardava de
descer do monte, se ajuntou contra Arão e disse: Levanta-te,
faze-nos deuses que vão adiante de nós, porque não sabemos o
que aconteceu a Moisés” (Ex 32, 1).
E feito o bezerro de ouro, exclamava:
“Estes são, ó Israel, os teus deuses
que te tiraram da terra do Egito” (Idem.,
32, 4).
Basta ler qualquer parte do Antigo Testamento
para ver a facilidade com que o povo caía na idolatria, à
qual não escapou, apesar de sua imensa sabedoria, o próprio
rei Salomão.
Nestas circunstâncias, nesta situação tão
delicada, Deus tinha um cuidado todo especial em evitar
qualquer coisa que, mesmo de longe, pudesse dar ocasião a
que os judeus se entregassem àquele culto dos ídolos, a que
eram tão fortemente inclinados. Por isso tinha que privar a
este povo e, se assim se pode dizer, privar-se a si mesmo de
coisas que eram lícitas, que eram justíssimas, que eram
santas, para evitar o perigo da idolatria.
Por exemplo: Nada mais justo, nada mais
lícito, nada mais santo do que Deus instruir os homens a
respeito de sua própria natureza, revelar as suas grandezas
e perfeições. Era proibido Deus revelar aos judeus que havia
n’Ele três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo constituindo um só Deus Verdadeiro? Absolutamente não.
Mas não quis revelar o mistério da Santíssima Trindade, que
durante tantos séculos ficou oculto à humanidade,
simplesmente por isto: os judeus não tinham capacidade
para receber esta revelação e, ouvindo falar na Trindade,
iriam logo fazer confusão com o politeísmo das outras nações.
Os gentios adoravam a muitos deuses e eles ficariam também
com a ideia de que havia três deuses. Com a era do
Cristianismo, este viria renovar completamente a face da
terra, e o mundo já estaria em condições de ter notícia da
Santíssima Trindade, a qual foi revelada por Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Outro exemplo: Deus, quando se revelou no
monte Horeb, podia ter-se manifestado sob uma forma
sensível, sob a aparência de alguma coisa material? Sim,
podia. Tanto podia que se encarnou em Jesus Cristo homem e
viveu aqui na terra trinta e três anos. Tanto podia que o
Espírito Santo apareceu em forma sensível:
“E desceu sobre Ele o Espírito Santo
em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3,
22), e: “E lhes
apareceram repartidas como línguas de fogo, que repousou
sobre cada um deles e foram todos cheios do Espírito Santo”
(At 2, 3-4).
Entretanto, Deus, ao revelar-se no monte
Horeb não tomou nenhuma forma sensível para se manifestar e,
se assim procedeu, não foi porque isto fosse ilícito, mas
para evitar aos judeus o perigo da idolatria:
“Vós não vistes figura alguma no dia
em que o Senhor vos falou em Horeb do meio do fogo, por não
suceder que enganados façais para vós alguma imagem de
escultura ou alguma figura de homem ou de mulher, nem
semelhança de qualquer animal que há sobre a terra ou das
aves que voam debaixo do céu, ou dos répteis que se movem na
terra ou dos peixes que debaixo da terra moram nas águas;
não seja que, levantando os olhos ao céu, vejas o sol e a
lua e todos os astros do céu e, caindo no erro, adores e dês
culto a essas coisas que o Senhor teu Deus criou para
serviço de todas as gentes que vivem debaixo do céu”
(Dt 4, 15-19).
Hoje é muito comum colocar-se na rua as
estátuas dos grandes homens, dos grandes heróis da nossa
Pátria e, em certos e determinados dias, prestar-se uma
homenagem à memória destes homens, cobrir de flores suas
estátuas, fazer-se discursos etc. Isto é muito lícito e
muito natural e nestas manifestações públicas feitas a um
homem perante a sua estátua, o que é o mesmo que dizer,
perante a sua imagem, tomam parte também os próprios
protestantes, como cidadãos e patriotas que são, porque
sabem muito bem que nisto não há nada demais, que aí não há
nenhuma idolatria.
Pois bem, esta mesma cena realizada outrora
no seio do povo judaico, seria completamente inconcebível.
Terem os judeus nas praças públicas: estátuas de
Abraão, de Isaac, de Jacó, de Moisés... e prestar-lhes
homenagens, cobri-las de flores – não se consentiria de
forma alguma. Por quê? Por que era ilícito? Se é
lícito hoje, também o podia ser naquele tempo. Isto não se
consentiria porque seria uma grandíssima imprudência; o povo
não estaria em condições de bem compreender o sentido de
tais homenagens e aquilo fatalmente iria dar numa indébita
adoração à criatura, pecado este de que o mundo estava cheio
naquela época.
Por isto se explica muito bem o fato de não
ter havido entre os judeus nem o culto dos santos nem o
culto das imagens. O povo não tinha capacidade para
distinguir entre uma simples veneração e a adoração
propriamente dita.
Foi natural, portanto, o gesto de Ezequias.
Se os judeus soubessem que aquela serpente de metal era
figura do Messias, Jesus Cristo Salvador Nosso, pendente da
sua cruz e queimassem incenso diante dela exclusivamente com
o pensamento de homenagear, através do sou símbolo,
Aquele que havia de morrer por nós para nos salvar do
pecado, assim como a serpente de bronze curara a muitos de
seus ferimentos, Deus não se incomodaria com isto, porque
Ele só podia achar justa, santa e razoável uma homenagem
prestada a seu Divino Filho.
Mas não era nem podia ser com este pensamento
que os judeus queimavam o seu incenso; aquilo, se já não era
idolatria, estava arriscado a sê-lo. Por isso, foi preciso
fazer desaparecer a serpente de metal, que, aliás, o
próprio Deus tinha mandado fazer.
Ora, não foi num dia que o paganismo idólatra
deixou de dominar o mundo. A substituição do paganismo pelo
Cristianismo foi-se processando progressivamente no decorrer
de alguns séculos. E no tempo em que viviam os Apóstolos a
situação era praticamente a mesma que tinha existido antes
de Cristo; o mundo ainda estava mergulhado na idolatria.
Aparecerem os Apóstolos mandando fazer imagens de Jesus
Cristo e reverenciá-las, seria a maior das imprudências; uma
vez que, como explicamos, este culto não é necessário para a
salvação, mas apenas um método, um meio para instruir, para
excitar à devoção... a imagem naqueles tempos seria
totalmente contraproducente. Não só causaria
repugnância aos judeus, mas iria fazer uma confusão tremenda
na cabeça dos pagãos, os quais não lhe saberiam compreender
o verdadeiro sentido e pensariam que, à semelhança deles, os
cristãos também tinham seus ídolos.
IX
AS IMAGENS ATRAVÉS DOS SÉCULOS
DA ERA CRISTÃ |
O uso das imagens tinha que vir aparecendo,
portanto, pouco a pouco, de acordo com as circunstâncias.
Daí se explica, por exemplo, que os primeiros cristãos não
tivessem imagens nas suas igrejas abertas ao público, que,
aliás, não eram numerosas naqueles tempos de tremenda
perseguição, como foram os três primeiros séculos da nossa
era. Não só as imagens e símbolos serviriam para
denunciá-los, como também podiam ser mal interpretados pelos
pagãos que os vissem, os quais poderiam pensar que os
cristãos apenas tinham mudado de ídolos. Daí também ser no
princípio, restrito, o uso às imagens pintadas, para depois
se passar às imagens de escultura.
Mas que as imagens, pelo menos de pintura,
tenham sido usadas pelos cristãos dos primeiros séculos, não
há dúvida alguma.
Temos o testemunho valioso das catacumbas de
Roma. Ali naqueles subterrâneos, que eram lugares também de
culto coletivo, longe das vistas dos pagãos podiam os
artistas cristãos entregar-se mais livremente à sua tarefa
de reproduzir os personagens e os mistérios do Cristianismo.
E assim é comum nas catacumbas encontrarem-se imagens em
pintura do Bom Pastor, de Maria Santíssima e de alguns
santos (entre os quais predomina São Pedro, que era muito
conhecido em Roma, onde se estabeleceu e sofreu o martírio).
Algumas destas imagens dão indícios de pertencerem ao 1.°
e ao 2.° séculos; e outras em grande número são
pertencentes com toda certeza aos séculos 3.° e
4.°.
A Virgem Maria é quase sempre representada
com seu Divino Filho nos braços, e a sua imagem mais antiga
conhecida remonta no máximo à metade do século 2.°;
encontra-se na Capela Grega das Catacumbas de Priscila. A
Virgem aparece juntamente com os três Magos. Há outra imagem
muito célebre, que tudo indica remontar a fins do século
2.°, em que aparece a Virgem sentada com o Menino nos
braços, vendo-se ao seu lado Balaão apontando para uma
estrela. Outra figura de Maria, da metade do século 4.°,
apresenta-a como orante de braços estendidos diante de seu
Divino Filho e se encontra no fundo de um arcossólio no
Cemitério Maior. Isso mostra não só o uso das imagens, mas
também o apreço que os cristãos sempre tiveram à mãe do
Salvador.
As estátuas ou esculturas já são frequentes
em sarcófagos do século 4.° e do 5.°; e há nas catacumbas,
pelo menos, duas estátuas do Bom Pastor que parecem ser
anteriores à época de Constantino (portanto, no máximo,
do século 3.°).
Passando o
testemunho das catacumbas para o dois livros, como autores
que testemunham a existência de imagens, temos no século 3.°
Tertuliano que fala no Bom Pastor representado nos cálices
(De pudicitia VII, 10) e o historiador Eusébio de
Cesaréia, que diz ter visto imagens pintadas de Jesus
Cristo, de São Pedro e de São Paulo (História
Eclesiástica VII, 18).
Uma vez conseguida a paz no tempo de
Constantino (313), passando o Cristianismo a usar da
liberdade de culto no Império Romano, vai-se espalhando por
toda a parte o culto à cruz, principalmente depois que a
rainha Helena, mãe de Constantino, encontrou a verdadeira
cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual, no meio das
outras, demonstrou a sua autenticidade por meio de um
milagre; e à proporção que se vai extinguindo o paganismo e,
portanto, desaparecendo o perigo da confusão que poderia
surgir entre os ídolos pagãos e as venerandas imagens de
Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e dos santos, vão
aumentando em toda a parte, pública e privadamente, o uso e
o culto das imagens.
Que do século 5.° em diante já se começam a
usar profusamente não só nas casas particulares, mas também
nas igrejas públicas, e não só imagens pintadas, mas também
esculturas, isto é um fato incontestável.
Quando aparece no século 8.° a heresia dos
iconoclastas ou quebradores de imagens, fomentada
pelos imperadores bizantinos, é logo condenada
pelo 2.° Concílio de Nicéia reunido em 787. E é de notar que
este Concílio apela, em favor do culto das imagens, para a
tradição da santa Igreja Católica; ao mesmo tempo em que
acusa os iconoclastas de quererem introduzir uma novidade
indo de encontro às tradições eclesiásticas. Isto mostra
como era antigo na Igreja este culto:
“Devem expor-se as venerandas
imagens sacras, manufaturadas com tintas, com mosaico e com
outras matérias idôneas nas igrejas consagradas a Deus, nos
vasos e paramentos sagrados, nas paredes e nos retábulos,
nas casas e nas ruas; e isto aplica-se tanto à imagem de
Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo e à de Nossa
Senhora Imaculada, a santa Theotokos, como às imagens dos
veneráveis anjos e de todos os homens santos e piedosos”
(Horos, em:
Mansi XIII, 377D).
Se o Imperador Carlos Magno entendeu, por
razões políticas, de fazer coro com os imperadores
bizantinos e isto produziu certa agitação no seio dos
francos, a Igreja fez cessar esta perturbação com outro
Concílio, o 4.° Concílio de Constantinopla (869 e 870) em
que reafirmou e redefiniu o que já havia sido determinado no
2.° Concílio de Nicéia.
Do 2.° Concílio de Nicéia até os nossos dias,
continuou cada vez mais propagado na Igreja Católica o culto
das imagens. Aí estão os documentos históricos, os museus,
as igrejas antiquíssimas da Europa para atestá-lo. E a prova
é esta: por que os protestantes, aparecendo no século XVI,
faziam tanta gritaria contra o culto das imagens, provocando
assim um novo pronunciamento no Concílio de Trento, senão
porque este culto continuava a existir na Igreja Católica.
Sobre os iconoclastas, escreve
o Papa João Paulo II: “O
movimento iconoclasta, rompendo com a tradição autêntica da
Igreja, considerava a veneração das imagens como um retorno
à idolatria. Não sem contradição e ambiguidade, ele proibia
a representação de Cristo e as imagens religiosas em geral,
enquanto continuava a admitir as imagens profanas, em
particular as imagens do imperador, com os sinais de
reverência que a elas andavam ligados”
(Carta “Duodecim Saeculum”, 8).
X
O FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO |
De modo que os protestantes, quando
dizem que o culto das imagens é uma idolatria;
quando dizem que se há este culto é
simplesmente porque o paganismo invadiu a Igreja, mostram
apenas que não CRÊEM EM NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.
Jesus Cristo fundou a sua Igreja e prometeu
que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela:
“Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei A MINHA IGREJA, E AS PORTAS DO INFERNO NÃO
PREVALECERÃO CONTRA ELA” (Mt 16, 18).
Bem como mandou seus Apóstolos propagarem uma igreja
universal: “Ide, pois, ensinai
todas as gentes” (Idem., 28, 19),
e prometeu sua proteção, sua assistência até o fim do mundo:
“Estais certos de que eu estou
convosco todos os dias, até a consumação do século”
(Idem., 28, 20).
Como é que deixou esta Igreja Universal ficar
durante mais de 1.000 anos praticando a idolatria, invadida
por um grosseiro paganismo... e só no século XVI fez
aparecer Calvino para remediar a esta situação? Neste caso,
então a Palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo não seria
infalível.
A Igreja é a amada esposa de Cristo (Ef 5,
25). Não se pode lançar sobre ela a gravíssima acusação de
haver-se prostituído pela idolatria, sem ultrajar ao mesmo
tempo o seu Divino Esposo que, tendo poder infinito, tão
explicitamente prometeu velar sobre ela até a consumação do
mundo.
Lembre-se protestante, de que é preciso,
porém, ler a Bíblia toda, com discernimento
e sinceridade. Com versículos recortados todas
as monstruosidades encontrarão apoio na Sagrada Escritura.
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