PRIMEIRA DOR DE NOSSA SENHORA
(Lc 2, 33-35)

 

33 Seu pai e  sua  mãe  estavam  admirados  com  o  que  diziam  dele. 34 Simeão abençoou-o e disse a Maria, a mãe: ‘Eis que este menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição – 35 e a ti, uma espada transpassará tua alma! – para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações”.

 

 

O Pe. Meschler escreve: “A primeira dor é a profecia de Simeão, a espada, que cruel e inesperada a golpeou no templo, na ocasião do solene cumprimento de uma lei, que por títulos soberanos de isenção, propriamente não a tocava. Esta espada, gravada no seu coração, lá ficou, martirizando os seus sentimentos mais delicados, a encher sua alma de tétricas previsões para o futuro”.

Edições Theologica comenta: “A Virgem Santíssima e São José admiravam-se não porque desconhecessem o mistério de Cristo, mas pelo modo como Deus o ia revelando. Uma vez mais nos ensinam a saber contemplar os mistérios divinos no nascimento de Cristo.

Depois de os abençoar, Simeão, movido pelo Espírito Santo, profetiza de novo sobre o futuro do Menino e de Sua Mãe. As palavras de Simeão tornaram-se mais claras para nós ao cumprirem-se na Vida e na Morte do Senhor.

Jesus, que veio para a salvação de todos os homens, não obstante, será sinal de contradição, porque alguns obstinar-se-ão em rejeitá-Lo, e para estes, Jesus será a sua ruína. Para outros, porém, ao aceitá-Lo com fé, Jesus será a sua salvação, livrando-os do pecado nesta vida e ressuscitando-os para a vida eterna.

As palavras dirigidas à Santíssima Virgem anunciam que Maria teria de estar intimamente unida à obra reden­tora do seu Filho. A espada de que fala Simeão expressa a participação de Maria nos sofrimentos do Filho; é uma dor inenarrável, que transpassa a alma. O Senhor sofreu na Cruz pelos nossos pecados; também são os pecados de cada um de nós que forjaram a espada de dor da nossa Mãe. Por conseguinte, temos um dever de desagravo não só com Deus, mas também com a Sua Mãe, que é igualmente nossa Mãe.

  As últimas palavras da profecia, ‘a fim de se revelarem os pensamentos de muitos espíritos’, enlaçam com o v. 34: na aceitação ou rejeição de Cristo manifesta-se a retidão ou a perversão dos corações”.

Griego escreve: “Cada vez que vêm à memória o conhecimento das coisas sobrenaturais, se renova o milagre no Espírito e por isso disse: ‘Seu pai e sua Mãe escutavam com admiração as coisas que d’Ele se diziam”, e: “Chama a José pai do Salvador, não porque fosse seu pai verdadeiramente (segundo os fostinianos), mas porque era considerado como pai por todos para conservar o bom nome de Maria” (São Beda), e também: “Ainda pôde chamar-se pai por ser o esposo de Maria sem relação carnal nem união conjugal – posto que estava assim – parecia muito mais unido a ela, que de qualquer outra forma. E, portanto, São José podia chamar-se pai de Jesus Cristo, porque, todavia não o havia gerado segundo a natureza, mas o havia adotado” (Santo Agostinho, de Consensu Evangelistarum, 2, 1), e ainda: “Uma vez celebrados os louvores do Senhor, Simeão dirigiu sua bênção sobre os que trouxeram o Menino: ‘E os abençoou Simeão’. Abençoando os dois, dirige os anúncios do que havia de suceder somente à Mãe, todavia, por esta bênção comum não exclui a São José da paternidade aparente, e falando à Mãe, separadamente de José, a considera como verdadeira Mãe do Senhor. Por isso disse: ‘E disse a Maria sua Mãe” (Grego), e: “Vê aqui a graça abundante do Senhor difundida sobre todos por meio do nascimento do Salvador, e como a profecia foi negada aos incrédulos e não aos justos. Eis aqui por que Simeão profetiza que Jesus Cristo tinha vindo para a ruína e para a elevação de muitos” (São Ambrósio), e também: “O que expõe simplesmente, pode dizer que Jesus Cristo veio para a ruína dos infiéis e para a elevação dos fiéis” (Orígenes), e ainda: “Assim como a luz, quando ofende aos olhos débeis, não deixa de ser luz, assim o Salvador continua sendo Salvador, ainda quando se perdem muitos, sem que possa dizer que a perdição destes é obra sua, senão a loucura dos maus, pois que seu poder não só se manifesta quando procura a salvação dos bons, senão também quando produz a ruína dos maus. Porque quanto mais brilha o sol, mais ofende aos olhos débeis” (São João Crisóstomo), e: “Observemos, pois, as expressões desta distinção. Disse que tem preparada a salvação de todo o povo, porém anuncia a caída e a elevação de muitos. O propósito divino é a salvação e a glória de todos. Sem dúvida, a ruína e a elevação de muitos consistem na intenção de cada qual, seja crente ou incrédulo” (São Gregório de Nissa), e também: “Poderá dizer-se que para um ter caído, é preciso que antes tenha estado de pé, porém, quem é o que estava de pé, e para cuja ruína veio o Senhor?” (Orígenes).

 

“... e a ti, uma espada transpassará tua alma! – para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações” (Lc 2, 35).

Desde este instante, cada palavra de Jesus era uma seta para o Coração de Nossa Senhora, cada movimento, uma fonte de lágrimas para seus olhos, em cada posição de Jesus descobria a Virgem Maria alguma semelhança com a Sagrada Paixão. Quando contemplava aquela Face divina, recordava-se logo como havia de ser toda desfigurada! Quando lhe repartia os cabelos com modéstia, parecia-lhe ver a cabeça toda salpicada de sangue! Quando pegava a Jesus pelas mãos tão delicadas, lembrava-se como haviam de ser transpassadas e suspensas em um madeiro! Se o envolvia em pobres panos, vinham-lhe à mente as ataduras com as quais seria arrastado; se lhe vestia a túnica, previa como por vezes lhe seria arrancada, e lançada à sorte; se Jesus dormia pacificamente, até esse sono despertava na Virgem Maria a idéia da sua mortal agonia. As plantas agrestes, lembravam-lhe os espinhos; os flexíveis caniços, as varas e os açoites; as árvores mais elevadas, o Santo lenho da Cruz; a formosura de Jesus era motivo para mais entranhar-se a espada de Simeão; cada suspiro de seu Filho era como uma martelada que repercutia no delicado Coração de Maria Santíssima! E tudo isso recordava e sofria Nossa Senhora em todas as suas mais ordinárias ocupações, quer quando cuidava da boa ordem e asseio da casa, quer quando preparava os necessários alimentos, quer quando fiava seu linho... em todas estas ocupações ressoavam em seus ouvidos as acusações e calúnias de seus inimigos, os gritos e clamores da plebe de Jerusalém, as imprecações e blasfêmias do Pretório, as mofas e escárnios do Calvário, tudo retumbava continuamente aos seus ouvidos como se estivesse presente!

São Bernardo de Claraval escreve: “Maria ficava como abismada em considerar como a formosura dos Céus havia de ser desfigurada; como o Criador de todas as coisas, estreitamente atado; como o Supremo Juiz sentenciado à morte; como o Santo inocente fustigado barbaramente; ficava como abismada em pensar que a fortaleza havia de agonizar, e a glória do Paraíso havia de ser desprezada, o Rei dos Reis havia de ser coroado de espinhos, o coração de um Deus havia de ser aberto por uma lança...!”

O abade Roberto contempla a Virgem Maria, aleitando o Filho e dizendo-lhe: O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra. Ah! Filho meu, aperto-te em meus braços, porque é muito querido. Porém, quanto mais me és querido, mais te tornas para mim um ramalhete de mirra e de dores, ao lembrar-me de tuas penas.

A Virgem Maria revelou à Santa Brígida, que desde aquela hora não houve instante que esta dor não a transpassasse; como o cervo ferido pela seta leva consigo por toda a parte a causa da sua dor, assim, Maria levava Jesus que era a seta de seu coração. O seu Predileto era, portanto, um feixe de mirra para Maria.

O Coração de Maria há de verter sangue, como os estigmas dos Santos, sem jamais se esgotar! Oh! Com quanta razão disse ela a uns seus devotos: Não me chameis mais bem-aventurada, senão amargurada, amarguradíssima, por ter de suportar um verdadeiro martírio por espaço de trinta e três anos. Todavia, neste longo intervalo de trinta e três anos, de cruel martírio, Nossa Senhora não se deixou surpreender da menor impaciência, da menor murmuração, mas antes, modelo perfeito de generosidade e de coragem, renovará a cada instante seu sacrifício, se imolará cada dia com seu Jesus, e julgar-se-á feliz de poder unir as angústias do seu coração aos tesouros de merecimento do seu divino Filho, e comprar assim por este tão caro preço, o título de co-redentora do Gênero humano.

Nossa Senhora, portanto, fez um oferecimento sem igual, real, verdadeiro do seu divino Filho; não oferecimento estéril como o das outras, que apresentavam seus filhos a Deus em sinal de seu supremo domínio, e depois os resgatavam. Maria Santíssima oferece realmente Jesus a seu Eterno Pai, sacrifica todos os direitos que tem sobre Ele, e se o resgata, não é para gozá-Lo como as outras mães, mas para o alimentar e guardar até o dia do sacrifício. Seu oferecimento foi grande; a sua recompensa foi pronta, foi uma pena imensa que devia acompanhá-la toda a vida. Tais são os caminhos de Deus: a primeira dor nos revela, portanto, uma das verdades mais universais, o que mais caracteriza as relações de Deus com os Santos, isto é, que as aflições são os mimos com os quais Deus presenteia seus Santos, são os alicerces das alegrias celestiais, são as que nos fazem mais semelhantes a Jesus e a Nossa Senhora; por isso, mais estimam os santos os padecimentos do que as felicidades. Um coração sem aflição, diz um contemplativo, não vê a Deus, não conhece a Deus, não sente a presença de Deus. Não nos devemos queixar dos trabalhos e das aflições que nos tocam, porque estes são sinais de predileção que se mudarão em alegria. Mudar as alegrias em aflições é obra humana, mudar as aflições em alegrias é obra toda divina.

Nunca devemos desanimar por maiores que sejam nossas aflições, nossas enfermidades, porque nunca serão tão agudas e tão grandes como as de Jesus e de Maria. Deus costuma proporcionar as cruzes à santidade e força de cada um, por isso, usa Ele para conosco de compaixão, querendo que cada qual sofra somente os males que se apresentam, não nos deixando ver os males que nos estão reservados, como aconteceu com Jesus Cristo e a Virgem Maria, que tinham sempre presentes as penas futuras.

Maria Santíssima sofre em silêncio e sem chorar; como chorar sem aparente motivo? Nossa Senhora sofre sem procurar consolação humana, onde achará consolação para tamanha dor? Ela sofre com Nosso Senhor, olhando para Ele e abraçando-O. Se não pudermos sofrer em silêncio, se não pudermos deixar de procurar alguma consolação, soframos ao menos unidos a Jesus Cristo, renovando freqüentemente o oferecimento das nossas tribulações, para que unidos aos sofrimentos de Jesus e Nossa Senhora aqui na terra, possamos depois ter parte nas mesmas recompensas no Paraíso.

 

“Ó minha bendita Mãe, não só uma espada, porém tantas quantas forem os meus pecados, tenho eu acrescentado ao vosso coração. Não a vós, que sois inocente, minha Senhora, mas a mim, réu de tantos delitos, são devidas as penas. Já que contudo quisestes sofrer tanto por meu amor, impetrai-me pelos vossos merecimentos uma grande dor de minhas culpas, e a paciência necessária para sofrer os trabalhos desta vida. Por maiores que sejam, sempre serão leves em comparação dos castigos que tenho merecido, e de meus pecados, que me têm tornado tantas vezes digno do inferno. Amém” (Santo Afonso Maria de Ligório).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 28 de janeiro de 2008

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria

Catena Aurea

Pe. João Batista Lehmann, Euntes... Praedicate!

Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Primeira dor de Nossa Senhora”.

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