AS NÚPCIAS DE CANÁ

(Jo 2, 1-12)

 

"1 No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galiléia e a mãe de Jesus estava lá. 2 Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também. 3 Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento tinha-se acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm mais vinho'. 4 Respondeu-lhe Jesus: 'Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou'. 5 Sua mãe disse aos serventes: 'Fazei tudo o que ele vos disser'.

6 Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma contendo de duas a três medidas. 7 Jesus lhes disse: 'Enchei as talhas de água'. Eles as encheram até à borda. 8 Então lhes disse: 'Tirai agora e levai ao mestre-sala'. Eles levaram. 9 Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho - ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a água - chamou o noivo 10 e lhe disse: 'Todo homem serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!' 11 Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. 12 Depois disso, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus discípulos, e ali ficaram apenas alguns dias".

 

 

Em Jo 2, 1: "No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galiléia e a mãe de Jesus estava lá".

 

Caná: "(gr. Kana, significado incerto). Cidade da Galiléia. A localização não é segura: a tradição situa Caná em Kefr Kenna, 8 Km a noroeste de Nazaré, mas não poucos estudiosos pensam que seja provavelmente Khirbet Qanah, cerca de 14 Km ao norte de Nazaré" (DB).

"No terceiro dia..." "Três dias depois do encontro com Filipe e Natanael; o evangelho abre-se, desse modo, com uma semana completa, contada quase dia por dia, e conclui-se com a manifestação da glória de Jesus" (BJ).

São João Crisóstomo escreve: "Como o Senhor era conhecido na Galiléia, o convidaram para as bodas. Por isso segue: 'No terceiro dia celebraram bodas em Caná da Galiléia" ( In Ioannem, hom. 20), e: "Caná é um povoadinho do território da Galiléia" (Alcuino).

"... a mãe de Jesus estava lá" A Virgem Maria está presente ao primeiro milagre, que revela a glória de Jesus: "Entre os convidados menciona-se em primeiro lugar Maria Santíssima. Não se cita São José, coisa que não se pode atribuir a um esquecimento de São João: este silêncio - e em outros muitos no Evangelho - faz supor que o santo Patriarca já tinha morrido. As festas de casamento tinham longa duração no Oriente (Gn 29, 27... Tb 9, 12; 10, 1). Durante elas, parentes e amigos iam acorrendo a felicitar os esposos; nos banquetes podiam participar até os transeuntes. O vinho era considerado elemento indispensável nas refeições e servia, além disso, para criar um ambiente festivo. As mulheres intervinham nas tarefas da casa; a Santíssima Virgem prestaria também a sua ajuda: por isso pôde dar-se conta de que ia faltar vinho" (Edições Theologica).

Nossa Senhora não era acomodada nem preguiçosa, ela estava ali para ajudar a servir. A Virgem serve, porque é Mãe d'Aquele: "... que veio para servir e não para ser servido"( Mt 20, 28).

Aprendamos da Virgem Maria a servir o próximo com alegria e disponibilidade. Como é vergonhoso alguém viver trancado em seu egoísmo, esse se assemelha a árvore seca. Como é prazeroso ver uma pessoa servir com alegria àqueles que necessitam da sua ajuda: "Esses pequenos serviços em que procuramos adivinhar os desejos dos outros e dar-lhes pequenas alegrias são, além do mais, um meio de nós mesmos não cairmos no aburguesamento e de crescermos na vida de união com Deus, que vê o que se passa em segredo. Daí a felicidade de quem procura fazer felizes os outros. O segredo da nossa própria felicidade tem uma única condição: que nunca a procuremos, isto é, que a procuremos para os outros, esquecendo-nos de nós mesmos, com humildade de coração e delicadeza humana" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal).

 

Em Jo 2, 2 diz: "Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também".

 

Jesus, que naqueles dias começava a Sua vida pública, ali chegou com os discípulos, e a festa teve início: "Para demonstrar a bondade de todos os estados de vida (...) Jesus dignou-Se nascer das entranhas puríssimas da Virgem Maria; recém-nascido recebeu o louvor que saiu dos lábios proféticos da viúva Ana e, convidado na Sua juventude pelos noivos, honrou as bodas com a presença do Seu poder" (São Beda, Hom. 13, para o 2° Domingo depois da Epif.), e: "Chamam ao Senhor às bodas, não como pessoa honrada, mas como um de muitos, e simplesmente porque era conhecido. Para expressar isso, o Evangelista disse: 'E estava a mãe de Jesus ali'. E assim como haviam chamado à Mãe, chamaram o Filho. Por isso segue: 'E foi também convidado Jesus e seus discípulos às bodas, e atendeu. Isto não afetava a sua dignidade, mas sucedeu em benefício nosso; porque Aquele que não negou tomar a forma de servo, tão pouco negou a vir às bodas de seus servos" (São João Crisóstomo, Ut Sup), e também: "Envergonhe-se, portanto, o homem de ser soberbo, porque Deus se humilhou. Considera aqui, como entre outras coisas, o Filho da Virgem veio às bodas, sendo assim, quando estava com o Pai instituiu o matrimônio" (Santo Agostinho, De Verb. Dom., Serm. 41), e ainda: "Que tem de estranho ir àquela casa onde se celebravam as bodas, Aquele que veio ao mundo para celebrar as suas? Porque tem aqui a sua Esposa, a quem redimiu com seu sangue, a quem concedeu como obséquio o Espírito Santo, e à que se uniu desde o ventre da Virgem; porque na realidade o Verbo é o Esposo, e a carne humana é a Esposa" (Idem., In Ioannem, Tract. 8), e: "Esta presença de Cristo nas bodas de Caná é sinal de que Jesus abençoou o amor entre homem e mulher, selado com o matrimônio. Deus, com efeito, instituiu o matrimônio no princípio da Criação (cfr Gn 1, 27-28), e Jesus Cristo confirmou-o e elevou-o à dignidade de Sacramento (cfr Mt 19, 6)" (Edições Theologica).

Infelizes dos amasiados; esses vivem no pecado mortal, longe de Deus: "Quantos cristãos ou que se dizem tais, repelem a presença de Jesus, recusam a intercessão de Maria Santíssima, no ato, aliás, tão solene do casamento, que tantas graças requer para completa felicidade da família! Todo casamento contraído fora da presença de Jesus, sem a intervenção da sua Igreja, é não somente escandaloso e infeliz, mas ainda fonte perene de inúmeros pecados" (Dom Duarte Leopoldo).

 

Em Jo 2, 3 diz: "Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento tinha-se acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm mais vinho".

 

Onde está a Virgem Maria, aí não pode faltar Seu Amado Jesus.

No mais bonito do banquete, vem a faltar o vinho. A falta de vinho logo foi percebida pela Santíssima Virgem, que se deu pressa em avisar a Nosso Senhor: "Eles não têm mais vinho".

Em Lumen Gentium, 58 diz: "Na vida pública de Jesus, Sua mãe aparece duma maneira bem marcada logo no princípio, quando, nas bodas de Caná, movida de compaixão, levou Jesus Messias a dar início aos Seus milagres (cfr Jo 2, 1-11). Durante a pregação de Seu Filho, acolheu as palavras com que Ele, pondo o reino acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (cfr Mc 3, 35 ...; Lc 11, 27-28); coisa que ela fazia fielmente (cfr Lc 2, 19.51). Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com seu Filho até a cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr Jo 19, 25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas palavras: 'Mulher, eis aí o teu filho' (cfr Jo 19, 26-27)".

Dom Duarte Leopoldo escreve: "Maria Santíssima pediu um milagre em favor daqueles esposos. Observando que não era ainda chegada a ocasião de manifestar-se ao mundo, com todo o seu poder, Jesus cede todavia à intercessão de sua Mãe. Assim praticou Jesus o seu primeiro milagre, por intercessão de Maria, a quem devemos sempre recorrer em nossas tribulações. Se ela não podia, por si, operar o milagre desejado, conseguiu-o, no entanto, com as suas súplicas".

 "Eles não têm mais vinho". A bondade de Nossa Senhora é imensa, ela é a primeira a perceber o sério embaraço em que se acham os noivos. Os noivos talvez ainda não o soubessem, e já o coração da bondosa Mãe treme por eles: "Já lhe parece assistir à decepção, à admiração e aos protestos dos convidados que se acham sem vinho no momento em que este é mais desejado; parece-lhe assistir ao medo e à vergonha dos esposos, que vêem ofuscada a hora mais alegre da sua vida. Ela se preocupa e sofre como com uma desventura sua, sucedida na sua própria casa" (Pe. João Colombo), e:  "Não carece de mistério, quando foi dito que as bodas se celebraram no terceiro dia. Aparece o primeiro tempo do mundo, antes da Lei, pelo exemplo dos Patriarcas. O segundo, sob o domínio da Lei, por meio dos escritos dos profetas. E o terceiro tempo da graça brilhou (como a luz do terceiro dia) pelas pregações dos evangelistas, e no qual foi quando o Senhor apareceu vestido de nossa carne. Além disso, como disse que essas bodas foram celebradas em Caná da Galiléia (isto é, no zelo da transmigração), se demonstra sem sentido figurado que são bastante dignos de graças de Jesus Cristo aqueles que, distinguindo-se pelo fervor de sua piedade, passam dos vícios às virtudes, e sabem que emigram das coisas da terra às do céu. Estando já recostado o Senhor nas bodas, faltou vinho, com o objetivo de que se manifestasse a glória de Deus, oculta sob a forma humana, por meio do vinho de melhor condição. Por isso segue: 'E chegando a faltar o vinho, a Mãe de Jesus lhe disse: Não tem vinho" (São Beda).

Sejamos verdadeiros filhos da Virgem Maria e imitemos a sua bondade.

1. Tiremos do nosso coração o egoísmo, e ajudemos as pessoas que necessitam de nossa ajuda, seja para a alma ou para o corpo: "Quem ama a Deus, ama ao próximo sem reserva. Incapaz de guardar as próprias riquezas, distribui-as como Deus, dando a cada um do que ele precisa" (São Máximo, Centúrias sobre a caridade).

2. Ajudemos as famílias onde falta o vinho da fé, elas necessitam de uma séria orientação espiritual: "Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho" (1 Cor 9, 16).

3. Nas orações, não lembremos apenas de nossas dores e necessidades, mas rezemos também pelas pessoas que estão sofrendo e afastadas de Deus: "... orai uns pelos outros..." (Tg 5, 16).

A Virgem Maria não criticou os noivos, pelo contrário, os ajudou.

Quantos são aqueles que diante desse acontecimento teriam arreganhado a boca e falado coisas pesadas. Diriam que tais noivos eram irresponsáveis, gostavam de se aparecer, não pensaram antes de preparar uma festa, etc.

A Virgem não pensou assim. Ela não sabe criticar; sabe providenciar e ajudar: "Em tudo semelhante a seu Filho Jesus, Maria, a Mãe de misericórdia, sente viva alegria quando pode socorrer e consolar os miseráveis" (Santo Afonso Maria de Ligório), e: "Maior é o desejo que ela tem de fazer-nos bem e conceder-nos graça que o que nós temos de recebê-la" (São Bernardino de Bústis).

Nossa Senhora não deixou para depois, mas ajudou os noivos imediatamente.

Os egoístas sempre esperam que os necessitados lhes peçam ajuda; mas a Virgem Maria não agiu assim, ela não sabe tardar.

A bondade de Maria vê duas coisas no nosso coração: "A primeira é que muitas vezes estamos tão distraídos, tão cheios de sono, que nem sequer percebemos estar à beira do abismo; como os dois esposos não percebiam que não havia mais vinho. Nós todos somos como as crianças, que se metem nos perigos sem o saberem. Porém uma mãe não espera que seu filho a chame, mas acorre quando um veículo, um animal ou qualquer outro acidente lhe ameaça a vida. Quem sabe quantas vezes Nossa Senhora não tem acorrido para nos salvar, não tem intercedido e chorado por nós! Se ela tivesse sempre esperado que lhe rogássemos, a esta hora talvez estivéssemos no inferno" (Pe. João Colombo), e: "Nossa Senhora sabe outra coisa a nosso respeito. E é que nos custa terrivelmente revelar aos outros a nossa miséria, abaixar-nos para pedir auxílio: preferiríamos sofrer, até mesmo morrer. E Maria, a boa, a doce Rainha, ensina-nos que a melhor caridade deve fazer-se sem sermos solicitados e sem humilharmos, e, se fosse possível, sem nos fazermos conhecer de ninguém, nem mesmo do beneficiado" (Idem).

Confiemos em Nossa Senhora e não duvidemos do seu amor: "Ninguém se salva senão por vós, ninguém se livra dos males senão por vós, ninguém recebe um favor divino senão por vós" (São Germano).

 

Em Jo 2, 4 diz: "Respondeu-lhe Jesus: 'Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou".

 

Edições Theologica comenta: "Mulier' que alguns traduzem para o português por 'Mulher': é um título respeitoso, que era equivalente a 'senhora', uma maneira de falar em tom solene. Este nome voltou a empregá-lo Jesus na Cruz, com grande afeto e veneração (Jo 19, 26).

A frase 'que Me desejas?' corresponde a uma maneira proverbial de falar no Oriente, que pode ser empregada com diversos matizes. A resposta de Jesus parece indicar que embora, em princípio, não pertencesse ao plano divino que Jesus interviesse com poder para resolver as dificuldades surgidas naquelas bodas, o pedido de Maria Santíssima O move a atender a essa necessidade. Também se pode pensar que nesse plano divino estava previsto que Jesus fizesse o milagre por intercessão de Sua Mãe. Em qualquer caso, foi Vontade de Deus que a Revelação do Novo Testamento nos deixasse este ensinamento capital: a Virgem Santíssima é tão poderosa na sua intercessão que Deus atenderá todos os pedidos por mediação de Maria. Por isso, a piedade cristã, com precisão teológica, chamou a Nossa Senhora 'onipotente suplicante'.

 'Ainda não chegou a Minha hora': O termo 'hora' é utilizado por Jesus Cristo, algumas vezes para designar o momento da Sua vinda gloriosa (cfr Jo 5, 28), ainda que geralmente se refira ao tempo da Sua Paixão, Morte e Glorificação (cfr Jo 7, 30; 12, 23; 13, 1; 17, 1)".

Dom Duarte Leopoldo explica: "Mulher, que nos importa isto a mim e a ti?' Isto é, que me pedis? Que desejais? Quereis que eu faça um milagre? Mas não é ainda chegado o momento de manifestar aos homens todo o meu poder. Todavia, eu adiantarei esse momento, porque é da vontade de meu Pai, que eu ceda à vossa intercessão... Notemos que a expressão - Mulher - na língua grega e hebraica, é uma expressão respeitosa e cheia de afeto; equivale em nossa língua à palavra - Senhora - que, muito respeitosamente e em tom solene, dão os súditos às suas soberanas, e ainda mesmo os filhos às suas mães. Nada tem portanto de duro e menos afetuoso, como pretendem alguns hereges, pois dessa mesma expressão usou o Salvador no angustioso momento de confiar ao discípulo amado a proteção da que lhe fora mãe segundo a carne".

A parte mais importante do milagre de Caná está naquele diálogo, em vos baixa, de Maria com Jesus. Há como que um combate entre a misericórdia e a justiça, entre o ansioso coração de uma mãe e a vontade imperscrutável do Onipotente, entre Nossa Senhora e Deus. O que é de admirar é que Nossa Senhora vence. Ó Virgem poderosíssima, vencei assim também para nós! "Maria diz baixinho a Jesus: 'Eles não têm mais vinho'. Jesus responde: 'Nem eu nem tu temos culpa; não temos que ver com isso'. Mas Nossa Senhora não fica satisfeita: o seu amor não se volve somente para aqueles casos em que, de qualquer modo, ela está interessada; a sua caridade nunca procura o seu próprio proveito. Maria repete baixinho a Jesus: 'Eles não têm mais vinho'. E Jesus responde: 'Deixa isso!' este não é o momento para eu me dar a conhecer como Filho de Deus'. Só uma mãe sabe compreender perfeitamente as palavras de um filho; e Nossa Senhora sentiu que, debaixo daquele não, bem no fundo palpitava um sim. Logo aproveitou-o com um ato que diríamos audacioso, se não fosse da Virgem prudentíssima" (Pe. João Colombo).

São João Crisóstomo escreve: "É digno de se notar como veio à imaginação da Mãe um conceito tão elevado de seu Filho, sendo assim que até então nenhum milagre havia feito. Prossegue: 'Isto serviu de início aos milagres de Jesus Cristo, etc.' Porém já havia começado e revelar-se tal como era por meio de São João, e pelas palavras que dizia a seus discípulos. Além disso, antes de tudo isso, sua concepção e quanto seguiu a seu nascimento haviam feito conceber grande estima a respeito daquele Menino. Por isso disse São Lucas: 'Maria conservava todas estas palavras, meditando-as em seu coração' (Lc 2, 19)" (Ut sup), e:  "Representa também neste caso a sinagoga, que pede ao Salvador que realiza o milagre; porque era costume entre os judeus o pedir milagres. Prossegue: E Jesus lhe disse: 'Mulher, que há de comum entre tu e mim?" (Alcuino), e também: "E, além disso, por outra causa; para que não se fizessem suspeitos seus milagres - pois não convinha que os pedisse sua Mãe, mas aqueles que os necessitavam -, quis mostrar que tudo devia ser feito em tempo oportuno, não fazendo tudo de uma vez, porque resultaria certa confusão. Pelo que se segue: 'Ainda não é chegada a hora', isto é, todavia não sou conhecido pelos que estão aqui presentes, nem sabem que falta vinho; deixa, pois, que o sirvam primeiro. Porque o que não tem necessidade não agradece o benefício" (São João Crisóstomo, In Ioannem, hom. 20 et 21), e ainda: "Procure, não obstante, não incorrer no erro dos maniqueus, que buscavam motivo a seus pérfidos desígnios nas mesmas palavras do Senhor que disse: 'Que há de comum entre nós dois mulher?' E aqui os matemáticos acham pretexto para seus sofismas, quando Cristo disse: 'Ainda não é chegada a minha hora'. Vê aqui, dizem, que Cristo estava sujeito à fatalidade, quando disse: 'Não chegou a minha hora'. Porém, devem crer mais em Deus que também disse: 'Tenho poder de entregar minha alma, e tomá-la de novo' (Jo 10, 18). E buscam a verdadeira explicação do que disse: 'Ainda não é chegada a minha hora', para que não ponham ao Criador do céu sob os caprichos do destino. Porque se o destino dependesse dos astros, não poderia estar submetido aos astros o Criador dos astros. A isto deve agregar-se que não só não esteve Jesus Cristo sob o poder do que eles denominam destino, porém nem tu nem ninguém. Por que, pois, disse: 'Ainda não chegou a minha hora?' Porque estava em sua mão o tempo em que havia de morrer, porém não lhe parecia tempo oportuno para usar de tal poder. Haviam de ser chamados primeiramente os discípulos; se havia de anunciar o reino dos céus; se haviam de mostrar os prodígios de sua missão, para fundamentar em milagres a divindade do Senhor, e recomendar-se a humildade na mesma submissão às leis de nossa mortalidade. Quando tudo isso se diz de maneira que as provas fossem irrecusáveis, então foi a hora, não da necessidade, mas de manifestar sua vontade; não da condição, mas do poder" (Santo Agostinho, Ut Sup).

Em Jo 2, 5 diz: "Sua mãe disse aos serventes: 'Fazei tudo o que ele vos disser".

Nossa Senhora, como boa mãe, conhece perfeitamente o valor da resposta de seu Filho, que para nós poderia resultar ambígua ("Que queres de mim, mulher?"), e não duvida que Jesus fará algo para resolver o apuro daquela família. Por isso indica de modo tão direto aos serventes que façam o que Jesus lhes disser. Podemos considerar as palavras da Virgem como um convite permanente para cada um de nós: "Nisso consiste toda a santidade cristã: pois a perfeita santidade é obedecer a Cristo em todas as coisas" (Santo Tomás de Aquino, Comentário sobre São João), e: "Neste momento solene escutamos com atenção particular as tuas palavras: 'Fazei o que vos disser o meu Filho'. E desejamos responder às tuas palavras com todo o coração. Queremos fazer o que nos diz o teu Filho e o que nos manda; pois tem palavras de vida eterna. Queremos cumprir e pôr em prática tudo o que vem dele, tudo o que está contido na Boa Nova, como o fizeram os nossos antepassados durante séculos (...) Por isso hoje (...) confiamos e consagramos a Ti, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, o nosso coração, consciência e obras, a fim de que estejam em consonância com a fé que professamos" (João Paulo II, Homilia no Santuário de Knock), e também: "Ainda que havia dito 'não chegou a minha hora', fez o que a sua Mãe lhe havia pedido. E assim, prova suficientemente que não estava sujeito a horas. Pois se estivesse, como fez isso quando ainda não havia chegado a hora devida? Além disso, por honra de sua mãe, a quem não achava oportuno contradizer, nem queria envergonhar diante de todos" (São João Crisóstomo, In Ioannem, hom. 21).

 

Em Jo 2, 6 diz: "Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma contendo de duas a três medidas".

 

Edições Theologica comenta: "A 'medida' ou 'metreta' correspondia a uns 40 litros. A capacidade de cada uma destas talhas era, portanto, de 80 a 120 litros; no total 480-720 litros da melhor qualidade. São João sublinha a abundância do dom concedido pelo milagre, como fará também quando da multiplicação dos pães (Jo 6, 12-13). Um dos sinais da chegada do Messias era a abundância; por isso nela vê o Evangelista o cumprimento das antigas profecias: 'O próprio Senhor dará a felicidade e a terra dará os seus frutos', anunciava o Salmo 85, 13: 'As eiras encher-se-ão de bom trigo, os lagares transbordarão de mosto e de azeite puro' (Jl 2, 24; cfr Am 9, 13-15). Essa abundância de bens materiais é um símbolo dos dons sobrenaturais que Cristo nos obtém com a redenção: mais adiante, São João porá em realce aquelas palavras do Senhor: 'Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 10, 10; cfr Rm 5, 20)".

São Beda escreve: "Ainda que parece que se nega, o fará. A mãe sabia, pois, que era bom e caritativo. Prossegue: 'E havia ali seis talhas de pedra'. Chamam-se talhas a uns cântaros a propósito para levar água", e: "Mas como a Palestina era escassa de água, e esta não se encontrava em muitos lugares por haver poucas fontes e poços, enchia as talhas de água" (São João Crisóstomo, Ut Sup), e também: "E quando disse as palavras 'dois ou três', não quis dizer que em uns recipientes coubessem três e em outros duas medidas, mas que todos eles serviam indiferentemente para dois ou para três medidas. Prossegue: 'Jesus lhes disse: Enchei as talhas de água. E as encheram até a boca" (São Beda).

 

Em Jo 2, 7 diz: "Jesus lhes disse: 'Enchei as talhas de água'. Eles as encheram até à borda".

 

"Até à borda": "O Evangelista volta a sublinhar com este pormenor a superabundância dos bens da redenção e, ao mesmo tempo, indica com quanta exatidão obedeceram aos serventes, como insinuando a importância da docilidade no cumprimento da Vontade de Deus, mesmo nos pequenos pormenores" (Edições Theologica).

Aquele que faz a vontade de Deus está no caminho da santidade: "Nem todo o que me diz: 'Senhor! Senhor!' entrará no reino dos céus, mas sim, quem faz a vontade de meu Pai, que está nos céus" (Mt 7, 21), e: "Enquanto procura o cristão, com o auxílio da graça, aderir em tudo à vontade de Deus, esta mesma vontade santifica-o, tornando-o capaz de adesão cada vez mais plena, que terminará na total conformidade à vontade divina" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina, 5, 2).

 

Em Jo 2, 8-10 diz: "Então lhes disse: 'Tirai agora e levai ao mestre-sala'. Eles levaram. Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho - ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a água - chamou o noivo e lhe disse: 'Todo homem serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!"

 

Dom Duarte Leopoldo escreve: "O presidente da mesa ou do festim era quem dirigia todo o serviço. Nosso Senhor censurou a vaidade dos judeus que procuravam este lugar", e: "Jesus faz o milagre sem tacanhez, com magnanimidade; por exemplo, na multiplicação dos pães e dos peixes (cfr Jo 6, 10-13) sacia uns cinco mil homens e ainda sobram doze canastras. Neste milagre de Caná não converteu a água em qualquer vinho, mas num de excelente qualidade" (Edições Theologica), e também: "Porém, por que não fez o milagre antes que enchessem as talhas de água? Porque seria muito mais admirável se houvesse tirado aquela substância do nada e seria muito mais brilhante o milagre" (São João Crisóstomo, Ut Sup), e ainda: "Outros acreditam que, como os convidados podiam estar embriagados, era fácil que acreditassem que se haviam transtornado as coisas, e que não sabiam se era água ou vinho o que bebiam; mas aqueles a quem estava confiado o cuidado... vigiavam muito para que nada faltasse e tudo estivesse em ordem. Portanto, em testemunho do que sucedia, disse o Senhor: 'Levai ao mestre-sala', porque era quem tinha o cuidado. E não disse: servi aos convidados" (In Ioannem, hom. 25)..

Aprendamos de Nosso Senhor a fazer tudo com perfeição; nunca fazer as coisas pela metade e sem amor: "Ele tem feito tudo bem..." (Mc 7, 37).

Os santos Padres viram no vinho de qualidade, reservado para o fim das bodas, e na sua abundância, uma figura do coroamento da História da Salvação: Deus tinha enviado os patriarcas e profetas, mas, ao chegar a plenitude dos tempos, enviou o Seu próprio Filho, cuja doutrina leva a revelação antiga à perfeição, e cuja graça excede as esperanças dos justos do Antigo Testamento. Também viram neste vinho bom do fim das bodas o prêmio e a alegria da vida eterna, que Deus concede àqueles que, querendo seguir Cristo, sofrem as amarguras e contrariedades desta vida (cfr Comentário sobre São João. ad. loc.).

 

Em Jo 2, 11 diz: "Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele".

 

Edições Theologica comenta: "Antes do milagre os discípulos  já criam que Jesus era o Messias; mas ainda tinham um conceito excessivamente terreno da Sua missão salvífica. São João testemunha aqui, que este milagre foi o começo de uma nova dimensão da sua fé, que tornava mais profunda a que já tinham. O milagre de Caná constitui um passo decisivo na formação da fé dos discípulos".

Paulo VI escreve: "Maria aparece como Virgem orante em Caná, onde, manifestando ao Filho com delicada súplica uma necessidade temporal, obtém também um efeito de graça: que Jesus, realizando o primeiro dos Seus 'sinais', confirme os discípulos na fé n'Ele" (Marialis cultus, n° 18), e: "Por que terão tanta eficácia os pedidos de Maria diante de Deus? As orações dos santos são orações de servos, enquanto as de Maria são orações de Mãe, donde procede a sua eficácia e caráter de autoridade; e como Jesus ama imensamente Sua Mãe, não pode rogar sem ser atendida (...) Para conhecer bem a grande bondade de Maria, recordemos o que refere o Evangelho (...). Faltava o vinho, com o consequente apuro dos esposos. Ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda diante do seu Filho em favor dos consternados esposos. Contudo, o coração de Maria, que não pode deixar de se compadecer dos infelizes (...), impeliu-a a encarregar-se por si mesma do ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre, apesar de ninguém lho ter pedido (...). Se a Senhora agiu assim sem que lho tivessem pedido, que teria sido se lho tivessem pedido?" (Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, 48).

 

Em Jo 2, 12 diz: "Depois disso, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus discípulos, e ali ficaram apenas alguns dias".

 

"Irmãos": Nos idiomas antigos hebraico, árabe, aramaico, etc., não havia palavras concretas para indicar os graus de parentesco que existem noutros idiomas mais modernos. Em geral, todos os pertencentes a uma mesma família, clã, inclusive tribo, eram "irmãos".

No caso concreto que aqui nos ocupa deve ter-se presente, além disso, que os familiares de Jesus eram parentes de diverso grau e que se trata de dois grupos: uns por parte da Santíssima Virgem, e outros de São José. Mt 13, 55-56 menciona, como a viver em Nazaré, Tiago, José, Simão e Judas "irmãos do Senhor", e alude também a "irmãs" (cfr Mc 6, 3). Por outro lado, Mt 27, 56 diz-nos que destes, Tiago e José são filhos de uma certa Maria, diferente da Virgem, e Simão e Judas não são irmãos de Tiago e José, mas, segundo parece, filhos de um irmão de São José.

Jesus, porém, era para todos "o filho de Maria" (Mc 6, 3) ou "o filho do carpinteiro" (Mt 13, 55).

A Igreja sempre professou com plena certeza que Jesus Cristo não teve irmãos de sangue em sentido próprio: é o dogma da perpétua virgindade de Maria.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 30 de maio de 2008

  

 

Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. "As núpcias de Caná"

www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/escrituras/escritura_0022.htm