AS NÚPCIAS DE CANÁ
(Jo 2,
1-12)
"1
No
terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galiléia e a mãe de Jesus
estava lá.
2
Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também.
3 Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do
casamento tinha-se acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não
têm mais vinho'.
4
Respondeu-lhe Jesus: 'Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não
chegou'.
5
Sua mãe disse aos serventes: 'Fazei tudo o que ele vos disser'.
6
Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma
contendo de duas a três medidas.
7
Jesus lhes disse: 'Enchei as talhas de água'. Eles as encheram até à
borda.
8
Então lhes disse: 'Tirai agora e levai ao mestre-sala'. Eles levaram.
9 Quando o mestre-sala provou a água transformada em
vinho - ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que
haviam retirado a água - chamou o noivo
10 e lhe disse: 'Todo homem serve primeiro o vinho
bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu
guardaste o vinho bom até agora!'
11 Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e
manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele.
12
Depois disso, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus
discípulos, e ali ficaram apenas alguns dias".
Em Jo 2,
1:
"No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galiléia e a mãe de
Jesus estava lá".
Caná:
"(gr. Kana, significado incerto). Cidade da
Galiléia. A localização não é segura: a tradição situa Caná em Kefr
Kenna, 8 Km a noroeste de Nazaré, mas não poucos estudiosos pensam que
seja provavelmente Khirbet Qanah, cerca de 14 Km ao norte de Nazaré"
(DB).
"No
terceiro dia..."
"Três dias depois do encontro com Filipe e Natanael; o evangelho
abre-se, desse modo, com uma semana completa, contada quase dia por
dia, e conclui-se com a manifestação da glória de Jesus"
(BJ).
São João
Crisóstomo escreve:
"Como o Senhor era
conhecido na Galiléia, o convidaram para as bodas. Por isso segue: 'No
terceiro dia celebraram bodas em Caná da Galiléia"
( In Ioannem,
hom. 20), e:
"Caná é um
povoadinho do território da Galiléia"
(Alcuino).
"... a
mãe de Jesus estava lá"
A
Virgem Maria está presente ao primeiro milagre, que revela a glória de
Jesus:
"Entre os
convidados menciona-se em primeiro lugar Maria Santíssima. Não se cita
São José, coisa que não se pode atribuir a um esquecimento de São
João: este silêncio - e em outros muitos no Evangelho - faz supor que
o santo Patriarca já tinha morrido. As festas de casamento tinham
longa duração no Oriente (Gn 29, 27... Tb 9, 12; 10, 1). Durante elas,
parentes e amigos iam acorrendo a felicitar os esposos; nos banquetes
podiam participar até os transeuntes. O vinho era considerado elemento
indispensável nas refeições e servia, além disso, para criar um
ambiente festivo. As mulheres intervinham nas tarefas da casa; a
Santíssima Virgem prestaria também a sua ajuda: por isso pôde dar-se
conta de que ia faltar vinho"
(Edições Theologica).
Nossa
Senhora não era acomodada nem preguiçosa, ela estava ali para ajudar a
servir. A Virgem serve, porque é Mãe d'Aquele:
"... que veio para servir e não para ser servido"(
Mt 20, 28).
Aprendamos da Virgem Maria a servir o próximo com alegria e
disponibilidade. Como é vergonhoso alguém viver trancado em seu
egoísmo, esse se assemelha a árvore seca. Como é prazeroso ver uma
pessoa servir com alegria àqueles que necessitam da sua ajuda:
"Esses
pequenos serviços em que procuramos adivinhar os desejos dos outros e
dar-lhes pequenas alegrias são, além do mais, um meio de nós mesmos
não cairmos no aburguesamento e de crescermos na vida de união com
Deus, que vê o que se passa em segredo. Daí a felicidade de quem
procura fazer felizes os outros. O segredo da nossa própria felicidade
tem uma única condição: que nunca a procuremos, isto é, que a
procuremos para os outros, esquecendo-nos de nós mesmos, com humildade
de coração e delicadeza humana"
(Pe. Francisco Fernández-Carvajal).
Em Jo 2,
2 diz:
"Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também".
Jesus, que naqueles dias começava a Sua vida
pública, ali chegou com os discípulos, e a festa teve início:
"Para
demonstrar a bondade de todos os estados de vida (...) Jesus dignou-Se
nascer das entranhas puríssimas da Virgem Maria; recém-nascido recebeu
o louvor que saiu dos lábios proféticos da viúva Ana e, convidado na
Sua juventude pelos noivos, honrou as bodas com a presença do Seu
poder"
(São Beda, Hom. 13, para o 2° Domingo depois da
Epif.),
e:
"Chamam ao Senhor às bodas,
não como pessoa honrada, mas como um de muitos, e simplesmente porque
era conhecido. Para expressar isso, o Evangelista disse: 'E estava a
mãe de Jesus ali'. E assim como haviam chamado à Mãe, chamaram o
Filho. Por isso segue: 'E foi também convidado Jesus e seus discípulos
às bodas, e atendeu. Isto não afetava a sua dignidade, mas sucedeu em
benefício nosso; porque Aquele que não negou tomar a forma de servo,
tão pouco negou a vir às bodas de seus servos"
(São João
Crisóstomo, Ut Sup),
e também:
"Envergonhe-se, portanto, o
homem de ser soberbo, porque Deus se humilhou. Considera aqui, como
entre outras coisas, o Filho da Virgem veio às bodas, sendo assim,
quando estava com o Pai instituiu o matrimônio"
(Santo Agostinho, De Verb. Dom., Serm. 41),
e ainda:
"Que tem de estranho ir àquela casa onde se celebravam as bodas,
Aquele que veio ao mundo para celebrar as suas? Porque tem aqui a sua
Esposa, a quem redimiu com seu sangue, a quem concedeu como obséquio o
Espírito Santo, e à que se uniu desde o ventre da Virgem; porque na
realidade o Verbo é o Esposo, e a carne humana é a Esposa"
(Idem., In Ioannem, Tract. 8), e:
"Esta
presença de Cristo nas bodas de Caná é sinal de que Jesus abençoou o
amor entre homem e mulher, selado com o matrimônio. Deus, com efeito,
instituiu o matrimônio no princípio da Criação (cfr Gn 1, 27-28), e
Jesus Cristo confirmou-o e elevou-o à dignidade de Sacramento (cfr Mt
19, 6)"
(Edições Theologica).
Infelizes
dos amasiados; esses vivem no pecado mortal, longe de Deus:
"Quantos cristãos ou que se dizem tais,
repelem a presença de Jesus, recusam a intercessão de Maria
Santíssima, no ato, aliás, tão solene do casamento, que tantas graças
requer para completa felicidade da família! Todo casamento contraído
fora da presença de Jesus, sem a intervenção da sua Igreja, é não
somente escandaloso e infeliz, mas ainda fonte perene de inúmeros
pecados"
(Dom Duarte Leopoldo).
Em
Jo 2, 3 diz:
"Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento tinha-se
acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm mais vinho".
Onde está
a Virgem Maria, aí não pode faltar Seu Amado Jesus.
No mais
bonito do banquete, vem a faltar o vinho. A falta de vinho logo foi
percebida pela Santíssima Virgem, que se deu pressa em avisar a Nosso
Senhor:
"Eles não
têm mais vinho".
Em Lumen
Gentium, 58 diz:
"Na vida
pública de Jesus, Sua mãe aparece duma maneira bem marcada logo no
princípio, quando, nas bodas de Caná, movida de compaixão, levou Jesus
Messias a dar início aos Seus milagres (cfr Jo 2, 1-11). Durante a
pregação de Seu Filho, acolheu as palavras com que Ele, pondo o reino
acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados
todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática (cfr Mc 3, 35
...; Lc 11, 27-28); coisa que ela fazia fielmente (cfr Lc 2, 19.51).
Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união
com seu Filho até a cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus
(cfr Jo 19, 25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e
associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com
amor na imolação da vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus
Cristo, agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas
palavras: 'Mulher, eis aí o teu filho' (cfr Jo 19, 26-27)".
Dom
Duarte Leopoldo escreve:
"Maria
Santíssima pediu um milagre em favor daqueles esposos. Observando que
não era ainda chegada a ocasião de manifestar-se ao mundo, com todo o
seu poder, Jesus cede todavia à intercessão de sua Mãe. Assim praticou
Jesus o seu primeiro milagre, por intercessão de Maria, a quem devemos
sempre recorrer em nossas tribulações. Se ela não podia, por si,
operar o milagre desejado, conseguiu-o, no entanto, com as suas
súplicas".
"Eles não têm mais vinho".
A bondade de Nossa Senhora é imensa, ela é a primeira a perceber o
sério embaraço em que se acham os noivos. Os noivos talvez ainda não o
soubessem, e já o coração da bondosa Mãe treme por eles:
"Já lhe parece assistir à decepção, à admiração e aos protestos dos
convidados que se acham sem vinho no momento em que este é mais
desejado; parece-lhe assistir ao medo e à vergonha dos esposos, que
vêem ofuscada a hora mais alegre da sua vida. Ela se preocupa e sofre
como com uma desventura sua, sucedida na sua própria casa"
(Pe. João Colombo), e:
"Não carece de
mistério, quando foi dito que as bodas se celebraram no terceiro dia.
Aparece o primeiro tempo do mundo, antes da Lei, pelo exemplo dos
Patriarcas. O segundo, sob o domínio da Lei, por meio dos escritos dos
profetas. E o terceiro tempo da graça brilhou (como a luz do terceiro
dia) pelas pregações dos evangelistas, e no qual foi quando o Senhor
apareceu vestido de nossa carne. Além disso, como disse que essas
bodas foram celebradas em Caná da Galiléia (isto é, no zelo da
transmigração), se demonstra sem sentido figurado que são bastante
dignos de graças de Jesus Cristo aqueles que, distinguindo-se pelo
fervor de sua piedade, passam dos vícios às virtudes, e sabem que
emigram das coisas da terra às do céu. Estando já recostado o Senhor
nas bodas, faltou vinho, com o objetivo de que se manifestasse a
glória de Deus, oculta sob a forma humana, por meio do vinho de melhor
condição. Por isso segue: 'E chegando a faltar o vinho, a Mãe de Jesus
lhe disse: Não tem vinho"
(São
Beda).
Sejamos
verdadeiros filhos da Virgem Maria e imitemos a sua bondade.
1.
Tiremos do nosso coração o egoísmo, e ajudemos as pessoas que
necessitam de nossa ajuda, seja para a alma ou para o corpo:
"Quem ama a Deus, ama ao próximo sem reserva. Incapaz de
guardar as próprias riquezas, distribui-as como Deus, dando a cada um
do que ele precisa"
(São Máximo, Centúrias sobre a caridade).
2.
Ajudemos as famílias onde falta o vinho da fé, elas necessitam de uma
séria orientação espiritual:
"Ai de mim,
se eu não anunciar o evangelho"
(1 Cor 9, 16).
3. Nas
orações, não lembremos apenas de nossas dores e necessidades, mas
rezemos também pelas pessoas que estão sofrendo e afastadas de Deus:
"... orai uns pelos outros..."
(Tg
5, 16).
A Virgem
Maria não criticou os noivos, pelo contrário, os ajudou.
Quantos
são aqueles que diante desse acontecimento teriam arreganhado a boca e
falado coisas pesadas. Diriam que tais noivos eram irresponsáveis,
gostavam de se aparecer, não pensaram antes de preparar uma festa,
etc.
A Virgem
não pensou assim. Ela não sabe criticar; sabe providenciar e ajudar:
"Em
tudo semelhante a seu Filho Jesus, Maria, a Mãe de misericórdia, sente
viva alegria quando pode socorrer e consolar os miseráveis"
(Santo Afonso Maria de Ligório),
e:
"Maior é o desejo que ela tem de fazer-nos bem e conceder-nos graça
que o que nós temos de recebê-la"
(São
Bernardino de Bústis).
Nossa
Senhora não deixou para depois, mas ajudou os noivos imediatamente.
Os
egoístas sempre esperam que os necessitados lhes peçam ajuda; mas a
Virgem Maria não agiu assim, ela não sabe tardar.
A bondade
de Maria vê duas coisas no nosso coração:
"A primeira é que muitas vezes estamos tão distraídos, tão
cheios de sono, que nem sequer percebemos estar à beira do abismo;
como os dois esposos não percebiam que não havia mais vinho. Nós todos
somos como as crianças, que se metem nos perigos sem o saberem. Porém
uma mãe não espera que seu filho a chame, mas acorre quando um
veículo, um animal ou qualquer outro acidente lhe ameaça a vida. Quem
sabe quantas vezes Nossa Senhora não tem acorrido para nos salvar, não
tem intercedido e chorado por nós! Se ela tivesse sempre esperado que
lhe rogássemos, a esta hora talvez estivéssemos no inferno"
(Pe. João Colombo),
e:
"Nossa Senhora sabe outra coisa a nosso respeito. E é que nos custa
terrivelmente revelar aos outros a nossa miséria, abaixar-nos para
pedir auxílio: preferiríamos sofrer, até mesmo morrer. E Maria, a boa,
a doce Rainha, ensina-nos que a melhor caridade deve fazer-se sem
sermos solicitados e sem humilharmos, e, se fosse possível, sem nos
fazermos conhecer de ninguém, nem mesmo do beneficiado"
(Idem).
Confiemos
em Nossa Senhora e não duvidemos do seu amor:
"Ninguém se salva senão por vós, ninguém se livra
dos males senão por vós, ninguém recebe um favor divino senão por vós"
(São Germano).
Em Jo 2,
4 diz:
"Respondeu-lhe Jesus: 'Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não
chegou".
Edições
Theologica comenta:
"Mulier'
que alguns traduzem para o português por 'Mulher': é um título
respeitoso, que era equivalente a 'senhora', uma maneira de falar em
tom solene. Este nome voltou a empregá-lo Jesus na Cruz, com grande
afeto e veneração (Jo 19, 26).
A frase
'que Me desejas?' corresponde a uma maneira proverbial de falar no
Oriente, que pode ser empregada com diversos matizes. A resposta de
Jesus parece indicar que embora, em princípio, não pertencesse ao
plano divino que Jesus interviesse com poder para resolver as
dificuldades surgidas naquelas bodas, o pedido de Maria Santíssima O
move a atender a essa necessidade. Também se pode pensar que nesse
plano divino estava previsto que Jesus fizesse o milagre por
intercessão de Sua Mãe. Em qualquer caso, foi Vontade de Deus que a
Revelação do Novo Testamento nos deixasse este ensinamento capital: a
Virgem Santíssima é tão poderosa na sua intercessão que Deus atenderá
todos os pedidos por mediação de Maria. Por isso, a piedade cristã,
com precisão teológica, chamou a Nossa Senhora 'onipotente
suplicante'.
'Ainda
não chegou a Minha hora': O termo 'hora' é utilizado por Jesus
Cristo, algumas vezes para designar o momento da Sua vinda gloriosa (cfr
Jo 5, 28), ainda que geralmente se refira ao tempo da Sua Paixão,
Morte e Glorificação (cfr Jo 7, 30; 12, 23; 13, 1; 17, 1)".
Dom
Duarte Leopoldo explica:
"Mulher,
que nos importa isto a mim e a ti?'
Isto é, que me pedis? Que desejais? Quereis que eu
faça um milagre? Mas não é ainda chegado o momento de manifestar aos
homens todo o meu poder. Todavia, eu adiantarei esse momento, porque é
da vontade de meu Pai, que eu ceda à vossa intercessão... Notemos que
a expressão - Mulher - na língua grega e hebraica, é uma expressão
respeitosa e cheia de afeto; equivale em nossa língua à palavra -
Senhora - que, muito respeitosamente e em tom solene, dão os súditos
às suas soberanas, e ainda mesmo os filhos às suas mães. Nada tem
portanto de duro e menos afetuoso, como pretendem alguns hereges, pois
dessa mesma expressão usou o Salvador no angustioso momento de confiar
ao discípulo amado a proteção da que lhe fora mãe segundo a carne".
A parte
mais importante do milagre de Caná está naquele diálogo, em vos baixa,
de Maria com Jesus. Há como que um combate entre a misericórdia e a
justiça, entre o ansioso coração de uma mãe e a vontade imperscrutável
do Onipotente, entre Nossa Senhora e Deus. O que é de admirar é que
Nossa Senhora vence. Ó Virgem poderosíssima, vencei assim também para
nós!
"Maria diz baixinho a Jesus: 'Eles não têm mais vinho'. Jesus
responde: 'Nem eu nem tu temos culpa; não temos que ver com isso'. Mas
Nossa Senhora não fica satisfeita: o seu amor não se volve somente
para aqueles casos em que, de qualquer modo, ela está interessada; a
sua caridade nunca procura o seu próprio proveito. Maria repete
baixinho a Jesus: 'Eles não têm mais vinho'. E Jesus responde: 'Deixa
isso!' este não é o momento para eu me dar a conhecer como Filho de
Deus'. Só uma mãe sabe compreender perfeitamente as palavras de um
filho; e Nossa Senhora sentiu que, debaixo daquele não, bem no fundo
palpitava um sim. Logo aproveitou-o com um ato que diríamos audacioso,
se não fosse da Virgem prudentíssima"
(Pe. João Colombo).
São João
Crisóstomo escreve:
"É digno de se notar como
veio à imaginação da Mãe um conceito tão elevado de seu Filho, sendo
assim que até então nenhum milagre havia feito. Prossegue: 'Isto
serviu de início aos milagres de Jesus Cristo, etc.' Porém já havia
começado e revelar-se tal como era por meio de São João, e pelas
palavras que dizia a seus discípulos. Além disso, antes de tudo isso,
sua concepção e quanto seguiu a seu nascimento haviam feito conceber
grande estima a respeito daquele Menino. Por isso disse São Lucas:
'Maria conservava todas estas palavras, meditando-as em seu coração'
(Lc 2, 19)"
(Ut sup), e:
"Representa também neste caso a sinagoga, que pede ao Salvador que
realiza o milagre; porque era costume entre os judeus o pedir
milagres. Prossegue: E Jesus lhe disse: 'Mulher, que há de comum entre
tu e mim?"
(Alcuino), e
também:
"E, além disso, por outra
causa; para que não se fizessem suspeitos seus milagres - pois não
convinha que os pedisse sua Mãe, mas aqueles que os necessitavam -,
quis mostrar que tudo devia ser feito em tempo oportuno, não fazendo
tudo de uma vez, porque resultaria certa confusão. Pelo que se segue:
'Ainda não é chegada a hora', isto é, todavia não sou conhecido pelos
que estão aqui presentes, nem sabem que falta vinho; deixa, pois, que
o sirvam primeiro. Porque o que não tem necessidade não agradece o
benefício"
(São João Crisóstomo, In Ioannem, hom. 20 et 21),
e ainda:
"Procure, não obstante, não incorrer no erro dos maniqueus, que
buscavam motivo a seus pérfidos desígnios nas mesmas palavras do
Senhor que disse: 'Que há de comum entre nós dois mulher?' E aqui os
matemáticos acham pretexto para seus sofismas, quando Cristo disse:
'Ainda não é chegada a minha hora'. Vê aqui, dizem, que Cristo estava
sujeito à fatalidade, quando disse: 'Não chegou a minha hora'. Porém,
devem crer mais em Deus que também disse: 'Tenho poder de entregar
minha alma, e tomá-la de novo' (Jo 10, 18). E buscam a verdadeira
explicação do que disse: 'Ainda não é chegada a minha hora', para que
não ponham ao Criador do céu sob os caprichos do destino. Porque se o
destino dependesse dos astros, não poderia estar submetido aos astros
o Criador dos astros. A isto deve agregar-se que não só não esteve
Jesus Cristo sob o poder do que eles denominam destino, porém nem tu
nem ninguém. Por que, pois, disse: 'Ainda não chegou a minha hora?'
Porque estava em sua mão o tempo em que havia de morrer, porém não lhe
parecia tempo oportuno para usar de tal poder. Haviam de ser chamados
primeiramente os discípulos; se havia de anunciar o reino dos céus; se
haviam de mostrar os prodígios de sua missão, para fundamentar em
milagres a divindade do Senhor, e recomendar-se a humildade na mesma
submissão às leis de nossa mortalidade. Quando tudo isso se diz de
maneira que as provas fossem irrecusáveis, então foi a hora, não da
necessidade, mas de manifestar sua vontade; não da condição, mas do
poder"
(Santo Agostinho, Ut Sup).
Em Jo 2, 5 diz:
"Sua mãe disse aos serventes: 'Fazei tudo o que ele vos disser".
Nossa Senhora, como boa mãe, conhece
perfeitamente o valor da resposta de seu Filho, que para nós poderia
resultar ambígua ("Que queres de mim, mulher?"), e não
duvida que Jesus fará algo para resolver o apuro daquela família. Por
isso indica de modo tão direto aos serventes que façam o que Jesus
lhes disser. Podemos considerar as palavras da Virgem como um convite
permanente para cada um de nós:
"Nisso
consiste toda a santidade cristã: pois a perfeita santidade é obedecer
a Cristo em todas as coisas"
(Santo Tomás de Aquino, Comentário sobre São João), e:
"Neste momento solene escutamos com atenção particular as tuas
palavras: 'Fazei o que vos disser o meu Filho'. E desejamos responder
às tuas palavras com todo o coração. Queremos fazer o que nos diz o
teu Filho e o que nos manda; pois tem palavras de vida eterna.
Queremos cumprir e pôr em prática tudo o que vem dele, tudo o que está
contido na Boa Nova, como o fizeram os nossos antepassados durante
séculos (...) Por isso hoje (...) confiamos e consagramos a Ti, Mãe de
Cristo e Mãe da Igreja, o nosso coração, consciência e obras, a fim de
que estejam em consonância com a fé que professamos"
(João Paulo II, Homilia no Santuário de Knock), e também:
"Ainda que havia dito 'não
chegou a minha hora', fez o que a sua Mãe lhe havia pedido. E assim,
prova suficientemente que não estava sujeito a horas. Pois se
estivesse, como fez isso quando ainda não havia chegado a hora devida?
Além disso, por honra de sua mãe, a quem não achava oportuno
contradizer, nem queria envergonhar diante de todos"
(São João Crisóstomo, In
Ioannem, hom. 21).
Em Jo 2, 6 diz: "Havia ali seis talhas de pedra para a purificação
dos judeus, cada uma contendo de duas a três medidas".
Edições
Theologica comenta:
"A 'medida'
ou 'metreta' correspondia a uns 40 litros. A capacidade de cada uma
destas talhas era, portanto, de 80 a 120 litros; no total 480-720
litros da melhor qualidade. São João sublinha a abundância do dom
concedido pelo milagre, como fará também quando da multiplicação dos
pães (Jo 6, 12-13). Um dos sinais da chegada do Messias era a
abundância; por isso nela vê o Evangelista o cumprimento das antigas
profecias: 'O próprio Senhor dará a felicidade e a terra dará os seus
frutos', anunciava o Salmo 85, 13: 'As eiras encher-se-ão de bom
trigo, os lagares transbordarão de mosto e de azeite puro' (Jl 2, 24;
cfr Am 9, 13-15). Essa abundância de bens materiais é um símbolo dos
dons sobrenaturais que Cristo nos obtém com a redenção: mais adiante,
São João porá em realce aquelas palavras do Senhor: 'Eu vim para que
tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 10, 10; cfr Rm 5, 20)".
São
Beda escreve:
"Ainda que parece que se
nega, o fará. A mãe sabia, pois, que era bom e caritativo. Prossegue:
'E havia ali seis talhas de pedra'. Chamam-se talhas a uns cântaros a
propósito para levar água",
e:
"Mas como a Palestina era
escassa de água, e esta não se encontrava em muitos lugares por haver
poucas fontes e poços, enchia as talhas de água"
(São João
Crisóstomo, Ut Sup),
e também:
"E quando disse as palavras
'dois ou três', não quis dizer que em uns recipientes coubessem três e
em outros duas medidas, mas que todos eles serviam indiferentemente
para dois ou para três medidas. Prossegue: 'Jesus lhes disse: Enchei
as talhas de água. E as encheram até a boca"
(São Beda).
Em Jo 2,
7 diz:
"Jesus lhes disse: 'Enchei as talhas de água'. Eles as encheram até à
borda".
"Até à
borda":
"O
Evangelista volta a sublinhar com este pormenor a superabundância dos
bens da redenção e, ao mesmo tempo, indica com quanta exatidão
obedeceram aos serventes, como insinuando a importância da docilidade
no cumprimento da Vontade de Deus, mesmo nos pequenos pormenores"
(Edições Theologica).
Aquele
que faz a vontade de Deus está no caminho da santidade:
"Nem todo o que me diz: 'Senhor! Senhor!' entrará
no reino dos céus, mas sim, quem faz a vontade de meu Pai, que está
nos céus"
(Mt 7, 21),
e:
"Enquanto procura o cristão, com o auxílio da graça, aderir em tudo à
vontade de Deus, esta mesma vontade santifica-o, tornando-o capaz de
adesão cada vez mais plena, que terminará na total conformidade à
vontade divina"
(Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade
Divina, 5, 2).
Em
Jo 2, 8-10 diz:
"Então lhes disse: 'Tirai agora e levai ao mestre-sala'. Eles levaram.
Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho - ele não
sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a
água - chamou o noivo e lhe disse: 'Todo homem serve primeiro o vinho
bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu
guardaste o vinho bom até agora!"
Dom
Duarte Leopoldo escreve:
"O
presidente da mesa ou do festim era quem dirigia todo o serviço. Nosso
Senhor censurou a vaidade dos judeus que procuravam este lugar",
e:
"Jesus faz o milagre sem tacanhez, com magnanimidade; por exemplo, na
multiplicação dos pães e dos peixes (cfr Jo 6, 10-13) sacia uns cinco
mil homens e ainda sobram doze canastras. Neste milagre de Caná não
converteu a água em qualquer vinho, mas num de excelente qualidade"
(Edições Theologica), e também:
"Porém, por que não fez o
milagre antes que enchessem as talhas de água? Porque seria muito mais
admirável se houvesse tirado aquela substância do nada e seria muito
mais brilhante o milagre"
(São João Crisóstomo, Ut Sup),
e ainda: "Outros
acreditam que, como os convidados podiam estar embriagados, era fácil
que acreditassem que se haviam transtornado as coisas, e que não
sabiam se era água ou vinho o que bebiam; mas aqueles a quem estava
confiado o cuidado... vigiavam muito para que nada faltasse e tudo
estivesse em ordem. Portanto, em testemunho do que sucedia, disse o
Senhor: 'Levai ao mestre-sala', porque era quem tinha o cuidado. E não
disse: servi aos convidados"
(In Ioannem, hom. 25)..
Aprendamos de Nosso Senhor a fazer tudo com perfeição; nunca fazer as
coisas pela metade e sem amor:
"Ele tem
feito tudo bem..."
(Mc 7, 37).
Os santos
Padres viram no vinho de qualidade, reservado para o fim das bodas, e
na sua abundância, uma figura do coroamento da História da Salvação:
Deus tinha enviado os patriarcas e profetas, mas, ao chegar a
plenitude dos tempos, enviou o Seu próprio Filho, cuja doutrina leva a
revelação antiga à perfeição, e cuja graça excede as esperanças dos
justos do Antigo Testamento. Também viram neste vinho bom do fim das
bodas o prêmio e a alegria da vida eterna, que Deus concede àqueles
que, querendo seguir Cristo, sofrem as amarguras e contrariedades
desta vida
(cfr Comentário sobre São João. ad. loc.).
Em Jo 2,
11 diz:
"Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e
manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele".
Edições Theologica comenta:
"Antes do
milagre os discípulos já criam que Jesus era o Messias; mas ainda
tinham um conceito excessivamente terreno da Sua missão salvífica. São
João testemunha aqui, que este milagre foi o começo de uma nova
dimensão da sua fé, que tornava mais profunda a que já tinham. O
milagre de Caná constitui um passo decisivo na formação da fé dos
discípulos".
Paulo VI
escreve:
"Maria
aparece como Virgem orante em Caná, onde, manifestando ao Filho com
delicada súplica uma necessidade temporal, obtém também um efeito de
graça: que Jesus, realizando o primeiro dos Seus 'sinais', confirme os
discípulos na fé n'Ele"
(Marialis
cultus, n° 18),
e:
"Por que terão tanta eficácia os pedidos de Maria diante de Deus? As
orações dos santos são orações de servos, enquanto as de Maria são
orações de Mãe, donde procede a sua eficácia e caráter de autoridade;
e como Jesus ama imensamente Sua Mãe, não pode rogar sem ser atendida
(...) Para conhecer bem a grande bondade de Maria, recordemos o que
refere o Evangelho (...). Faltava o vinho, com o consequente apuro dos
esposos. Ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda diante do seu
Filho em favor dos consternados esposos. Contudo, o coração de Maria,
que não pode deixar de se compadecer dos infelizes (...), impeliu-a a
encarregar-se por si mesma do ofício de intercessora e a pedir ao
Filho o milagre, apesar de ninguém lho ter pedido (...). Se a Senhora
agiu assim sem que lho tivessem pedido, que teria sido se lho tivessem
pedido?"
(Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões
abreviados, 48).
Em Jo 2,
12 diz:
"Depois disso, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãos e seus
discípulos, e ali ficaram apenas alguns dias".
"Irmãos":
Nos
idiomas antigos hebraico, árabe, aramaico, etc., não havia palavras
concretas para indicar os graus de parentesco que existem noutros
idiomas mais modernos. Em geral, todos os pertencentes a uma mesma
família, clã, inclusive tribo, eram "irmãos".
No caso
concreto que aqui nos ocupa deve ter-se presente, além disso, que os
familiares de Jesus eram parentes de diverso grau e que se trata de
dois grupos: uns por parte da Santíssima Virgem, e outros de São José.
Mt 13, 55-56 menciona, como a viver em Nazaré, Tiago, José, Simão e
Judas "irmãos do Senhor", e alude também a "irmãs"
(cfr Mc 6, 3).
Por outro lado, Mt 27, 56 diz-nos que destes, Tiago e José são filhos
de uma certa Maria, diferente da Virgem, e Simão e Judas não são
irmãos de Tiago e José, mas, segundo parece, filhos de um irmão de São
José.
Jesus,
porém, era para todos "o filho de Maria"
(Mc 6, 3) ou "o filho do carpinteiro"
(Mt 13, 55).
A Igreja
sempre professou com plena certeza que Jesus Cristo não teve irmãos de
sangue em sentido próprio: é o dogma da perpétua virgindade de Maria.
Pe.
Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 30 de maio de 2008
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