VIGILÂNCIA

(Lc 12, 32- 48)

 

"32 Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino! 33 Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. 34 Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. 35 Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas. 36 Sede semelhantes a homens que esperam seu senhor voltar das núpcias, a fim de lhe abrirem, logo que ele vier e bater. 37 Felizes os servos que o senhor, à sua chegada, encontrar vigilantes. Em verdade vos digo, ele se cingirá e os colocará à mesa e, passando de um a outro, os servirá. 38 E caso venha pela segunda ou pela terceira vigília, felizes serão se assim os encontrar! 39 Compreendei isto: se o dono da casa soubesse em que hora viria o ladrão, não deixaria que sua casa fosse arrombada. 40 Vós também, ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais. 41 Então Pedro disse: 'Senhor, é para nós que estás contando essa parábola ou para todos?' 42 O Senhor respondeu: 'Qual é, então, o administrador fiel e prudente que o senhor constituirá sobre o seu pessoal para dar em tempo oportuno a ração de trigo? 43 Feliz aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar assim ocupado! 44 Verdadeiramente, eu vos digo, ele o constituirá sobre todos os seus bens. 45 Se aquele servo, porém, disser em seu coração: 'O meu senhor tarda a vir', e começar a espancar servos e servas, a comer, a beber e a se embriagar, 46 o senhor daquele servo virá em dia imprevisto e em hora ignorada; ele o partirá ao meio e lhe imporá a sorte dos infiéis. 47 Aquele servo que conheceu a vontade de seu senhor, mas não se preparou e não agiu conforme sua vontade, será açoitado muitas vezes. 48 Todavia, aquele que não a conheceu e tiver feito coisas dignas de chicotadas, será açoitado poucas vezes. Àquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado".

 

 

Em Lc 12, 32 diz: "Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino!"

Os discípulos de Nosso Senhor, mesmo sendo poucos, não devem temer os ataques dos inimigos da santidade: "Não devem temer os discípulos de Jesus, embora poucos, espalhados em meio de um mundo incrédulo: constitui-os, o Pai, herdeiros do Reino; no Pai se apóia a certeza de o possuírem um dia" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina, 272, C).

Lembrem-se os discípulos do Senhor, que a luz deve brilhar onde as trevas estão reinando. Os mesmos devem trabalhar ardorosamente para a glória de Deus, mesmo que o ambiente seja contrário à verdade.

Em Lc 12, 33- 34 diz: "Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração".

Os discípulos de Cristo Jesus devem ser desapegados dos bens perecíveis: "Devem, porém, como Abraão, renunciar às seguranças terrenas e aceitar viver como pobres, desprendidos, desarraigados, inteiramente voltados para o verdadeiro tesouro que não é deste mundo, mas do céu" (Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina, 272, C), e: "Há na esmola duas causas distintas: o preceito e o conselho. Um, o preceito, é obrigatório para todos. Todos devem fazer esmola de acordo com os seus recursos e a necessidade do próximo. A omissão deste dever pode ser uma falta grave, conforme as circunstâncias. O conselho, porém, que consiste no despojar-se dos bens da fortuna, para consagrar-se ao serviço de Deus e do próximo, pela prática da pobreza voluntária, é um estado mais perfeito, fonte de graças e merecimentos sem conta, mas não obriga debaixo de pecado. Todavia, notemos que o Divino Mestre não se contenta com uma virtude negativa. Ele quer não somente que evitemos a avareza, mas que ainda sejamos caridosos. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. A riqueza não é um mal; pelo contrário, sendo um dom de Deus, a muitos tem ela servido para ganhar o céu e praticar a virtude. Mas aqueles que unicamente se ocupam com os bens da terra, que neles põem o seu coração, esquecem os bens da eternidade e perdem a sua alma. Pode um homem ser rico e ter o coração posto no céu. Desse homem se poderá também dizer Felizes os ricos - porque o são principalmente dos bens da virtude" (Dom Duarte Leopoldo).

São Josemaría Escrivá escreve: "Quando a Sagrada Escritura fala de coração não se refere a um sentimento passageiro, que perturba ou faz nascer as lágrimas. Fala do coração para indicar a pessoa, pois esta, como disse o próprio Jesus, orienta-se toda - alma e corpo - para o que considera o seu bem: porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt 4, 21)" (Cristo que passa, 164), e: "O ensinamento do Senhor é claro: o coração do homem anela possuir riquezas, boa posição, relações sociais, cargos públicos ou profissionais, onde encontrar a segurança, a felicidade, a afirmação da sua personalidade; contudo, este tipo de tesouro converte-se numa fonte de contínuas preocupações e desgostos, porque está sempre exposto a perder-se. Jesus não quer dizer que o homem deve despreocupar-se das coisas da terra, mas ensina que nenhuma coisa criada pode ser 'o tesouro', o último fim; este é Deus, nosso Criador e Senhor, a quem devemos amar e servir no meio das ocupações ordinárias desta vida e com a esperança do gozo eterno do Céu" (Edições Theologica).

Em Lc 12, 35- 39 diz: "Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas. Sede semelhantes a homens que esperam seu senhor voltar das núpcias, a fim de lhe abrirem, logo que ele vier e bater. Felizes os servos que o senhor, à sua chegada, encontrar vigilantes. Em verdade vos digo, ele se cingirá e os colocará à mesa e, passando de um a outro, os servirá. E caso venha pela segunda ou pela terceira vigília, felizes serão se assim os encontrar! Compreendei isto: se o dono da casa soubesse em que hora viria o ladrão, não deixaria que sua casa fosse arrombada".

A exortação a estarem vigilantes repete-se com frequência na pregação de Cristo e na dos Apóstolos: "Vigiai, portanto, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor" (Mt 24, 42), e: "Vigiai, portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora" (Mt 25, 13), e também: "A minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai" (Mc 14, 34). Por um lado, porque o inimigo está sempre à espreita: "Sede sóbrios e vigilantes! Eis que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar" (1 Pd 5, 8), e, por outro, porque quem ama nunca dorme: "Eu dormia, mas meu coração velava" (Ct 5, 2). Manifestações concretas dessa vigilância são o espírito de oração: "Ficai acordados, portanto, orando em todo momento, para terdes a força de escapar de tudo o que deve acontecer e de ficar de pé diante do Filho do Homem" (Lc 21, 36), e: "O fim de todas as coisas está próximo. Levai, pois, uma vida de autodomínio e de sobriedade, dedicada à oração" (1 Pd 4, 7) e a fortaleza na fé: "Vigiai, permanecei firmes na fé, sede corajosos, sede fortes!" (1 Cor 16, 13).

Edições Theologica comenta: "As vestes amplas que usavam os judeus cingiam-se à cinta para poder realizar determinados trabalhos. 'Ter as roupas cingidas' é uma imagem clara para indicar que alguém se prepara para o trabalho, a luta, as viagens, etc. (cfr Jr 1, 17; Ef 6, 14; 1 Pd 1, 13). Do mesmo modo, 'ter as lâmpadas acesas' indica a atitude própria do que vigia e espera a vinda de alguém", e: "Os orientais traziam ordinariamente vestes muito largas e amplas, que levantavam e cingiam à altura dos rins, para que não os embaraçassem no trabalho. Assim devemos nós trazer os rins cingidos, como o servo que está vigilante e pronto para o trabalho. Cingir os rins significa também a mortificação da carne com que se dispõe o fiel para praticar a virtude. - A lâmpada acesa é a luz da fé e do bom exemplo. Foi destas palavras que nasceu o costume de dar aos moribundos uma vela benta, que devem conservar até o último suspiro, como quem espera o senhor que volta das suas núpcias. O Senhor vem quando a morte se aproxima, bate quando nos adverte pela doença que o amo já se acha à porta da casa, para nos pedir conta da nossa administração. Os que lhe abrem com presteza, são os que aceitam a doença e a morte, resignados à vontade de Deus. No banquete celestial, onde o nosso alimento será a própria essência divina, o Senhor será, por sua vez, o nosso servo. Como é bom servir a um amo tão generoso! A segunda e a terceira vigília representam a mocidade e a idade madura, o tempo em que menos se pensa na morte" (Dom Duarte Leopoldo).

Não sabendo o dia nem a hora da vinda de Nosso Senhor, é preciso que estejamos sempre vigilantes para não sermos surpreendidos: "Vós, ó Senhor, não revelais o dia de vossa vinda a fim de que, vigilantes e sempre prontos, preparados sempre para a batalha, vivamos constantemente dedicados à virtude. Quereis que vivamos em contínua expectativa e sejamos sempre fervorosos: eis por que deixais na incerteza o fim de cada homem. Sabendo que certamente vireis, tornai-nos vigilantes e prontos para não sermos colhidos de surpresa" (São João Crisóstomo, Comentário ao Evangelho de São Mateus).

Católico, não seja negligente, não cochile nem fique adormecido na poltrona, mas permaneça vigilante para que o Senhor não o encontre desprevenido: "À vigilância opõe-se a negligência ou falta da devida solicitude, que procede de um certo desinteresse da vontade" (Santo Tomás de Aquino, op. Cit., II-II, q. 54, a. 3), e: "Estaremos vigilantes no amor e longe da tibieza e do pecado se nos mantivermos fiéis a Deus nas pequenas coisas que preenchem o dia. Quem se habitua a repassar as pequenas coisas de cada dia no seu exame de consciência descobre com facilidade os indícios e as raízes que denunciam um possível extravio não muito longínquo. As pequenas coisas são a ante-sala das grandes, tanto no sentido negativo como positivo" (Pe. Francisco Fernández- Carvajal).

O que dirá para Deus na hora do julgamento, aquele católico que for encontrado adormecido nos "braços" do mundo? Acorde enquanto é tempo!

Em Lc 12, 40 diz: "Vós também, ficai preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora que não pensais".

Feliz do católico que vive preparado para a vinda do Senhor, isto é, que está sempre com a graça santificante na alma e praticando somente o bem: "Deus quis ocultar o momento da morte de cada um e do fim do mundo. Imediatamente depois da morte, todo o homem comparece para o juízo particular: 'Assim está estabelecido que os homens morram uma só vez; e depois disto, o juízo' (Hb 9, 27). Do mesmo modo, no fim do mundo terá lugar o juízo universal" (Edições Theologica), e: "A morte é absolutamente certa, mas a sua hora é sempre incerta. O Filho do Homem virá como um ladrão, quando menos se espera, às escondidas, de dia ou de noite, em casa ou no caminho, sem nunca ser previsto. Estejamos, pois, vigilantes, para não sermos surpreendidos e roubados. O pensamento da morte tem povoado de santos a Igreja Católica, e é, com certeza, um dos melhores corretivos do pecado" (Dom Duarte Leopoldo), e também: "... com isto, parece confundir aqueles que não põem tanto cuidado em guardar a sua alma como em guardar as suas riquezas do ladrão que esperam" (São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. III, pág. 204).

Em Lc 12, 41- 48 diz: "Então Pedro disse: 'Senhor, é para nós que estás contando essa parábola ou para todos?' O Senhor respondeu: 'Qual é, então, o administrador fiel e prudente que o senhor constituirá sobre o seu pessoal para dar em tempo oportuno a ração de trigo? Feliz aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar assim ocupado! Verdadeiramente, eu vos digo, ele o constituirá sobre todos os seus bens. Se aquele servo, porém, disser em seu coração: 'O meu senhor tarda a vir', e começar a espancar servos e servas, a comer, a beber e a se embriagar, o senhor daquele servo virá em dia imprevisto e em hora ignorada; ele o partirá ao meio lhe imporá a sorte dos infiéis. Aquele servo que conheceu a vontade de seu senhor, mas não se preparou e não agiu conforme sua vontade, será açoitado muitas vezes. Todavia, aquele que não a conheceu e tiver feito coisas dignas de chicotadas, será açoitado poucas vezes. Àquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado".

Depois da exortação do Senhor à vigilância, Pedro faz uma pergunta: "Senhor, é para nós que estás contando essa parábola ou para todos?", cuja resposta é a chave para compreender esta parábola: "Por um lado, Jesus insiste no imprevisível do momento em que Deus nos há de chamar para dar contas; por outro, precisamente como resposta à pergunta de Pedro, Nosso Senhor explica que o seu ensinamento se dirige a todos. Deus pedirá contas a cada um segundo as suas circunstâncias pessoais: todo o homem tem nesta vida uma missão para cumprir; dela teremos de responder diante do tribunal divino e seremos julgados segundo os frutos, abundantes ou escassos, que tenhamos dado. Como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, segundo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cfr Hb 9, 27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cfr Mt 25, 31- 46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (Mt 25, 26), no fogo eterno (cfr Mt 25, 41)" (Edições Theologica), e: "Deus não julga como os homens. Sabe fazer os seus descontos e atender aos prejuízos, aos defeitos de educação, à ignorância e à boa fé de muitos desgraçados. Se estes forem punidos, o serão em menor grau do que outros que melhor conhecem ou devem conhecer os seus deveres. Muito se há de pedir àqueles a quem muito se deu. Quantos há que se orgulham dos seus talentos, dos seus conhecimentos científicos, dotes naturais, etc. Pois bem: a responsabilidade será maior diante de Deus; maior será o seu castigo porque tinham mais luzes para conhecer o bem e graça para praticá-lo" (Dom Duarte Leopoldo).

Católico, seja sábio e prudente, não abuse da bondade do Senhor nem enterre os seus talentos; Ele pedirá conta de tudo na hora do julgamento. Não se esqueça de que todos comparemos diante do tribunal de Cristo Jesus após a morte: "Porquanto todos nós teremos de comparecer manifestamente perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante a sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal" (2 Cor 5, 10), e : "Consideremos o comparecimento do réu, a acusação, o exame e a sentença deste juízo. Primeiramente, quanto ao comparecimento da alma perante o juiz, dizem comumente os teólogos que o juízo particular se efetua no mesmo instante em que o homem expira, que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo é julgada por Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual não delega seu poder, mas vem ele mesmo julgar esta causa. 'Na hora que não cuidais, virá o Filho do homem' (Lc 12,40).

'Virá com amor para os fiéis - disse Santo Agostinho - e com terror para os ímpios'. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, vir também a indignação divina! 'Quem poderá subsistir ante a face de sua indignação?' (Na 1, 6). Meditando nisto, o Padre Luís da Ponte estremecia de tal modo, que a cela em que se achava tremia com ele. O venerável Padre Juvenal Ancina se converteu ao ouvir cantar o Dies irae, porque, considerando o terror que se apodera da alma quando se apresentar em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. A indignação do juiz será prenúncio de eterna condenação (Pr 16,14); e fará sofrer mais as almas que as próprias penas do inferno, segundo afirma São Bernardo.

Têm-se visto criminosos banhados em copioso suor frio na presença dos juízes terrestres. Pison, em traje de réu, comparecendo no senado, sentiu tamanha confusão e vergonha, que ali mesmo se deu a morte. Que aflição profunda sente um filho ou um bom vassalo quando vê seu pai ou seu amo gravemente indignado!... Mágoa muito maior sentirá a alma quando vir indignado a Jesus Cristo, a quem desprezou! (Jo 19, 37). Irritado e implacável, então, se lhe apresentará esse Cordeiro divino, que foi no mundo tão paciente e amoroso, e a alma, sem esperança, clamará aos montes que caiam sobre ela e a ocultem à indignação de Deus (Ap 6, 16). Falando do juízo, disse São Lucas: 'Então verão o Filho do homem' (Lc 21, 27). Ver o seu juiz em forma humana aumentará a dor dos pecadores; porque a presença daquele Homem, que morreu para salvá-los, lhes recordará vivamente a ingratidão com que o ofenderam.

Depois da gloriosa Ascensão do Senhor, os anjos disseram aos discípulos: 'Este Jesus que, separando-se de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que o vistes ir para o céu' (At 1, 11). Virá, pois, o Salvador a julgar-nos, ostentando aquelas mesmas chagas sagradas que tinha quando deixou a terra. 'Grande alegria para os que contemplam, grande temor para os que esperam' - Exclama Ruperto.

Essas benditas chagas consolarão os justos e infundirão terror aos pecadores.

Quando José disse a seus irmãos: 'Eu sou José, a quem vendestes', ficaram eles - diz a Escritura - sem fala e imóveis de terror (Gn 45, 3). Que responderá o pecador a Jesus Cristo? Acaso, terá coragem de lhe pedir misericórdia, quando antes dera prova do muito que desprezou essa mesma clemência? Que fará, pois - interroga Santo Agostinho - para onde fugirá quando vir o juiz indignado, por baixo o inferno aberto, a um lado os pecadores que o acusam, ao outro o demônio, disposto a executar a sentença, e dentro de si mesmo a consciência que remorde e castiga?

Considera a acusação e o exame: 'Começou o juízo e os livros foram abertos' (Dn 7, 10). Haverá dois livros: o Evangelho e a consciência.

Naquele, ler-se-á o que o réu devia fazer; nesta, o que fez. Na balança da divina justiça não se pesarão as riquezas, nem as dignidades e a nobreza das pessoas, mas somente suas obras. 'Foste pesado na balança - diz Daniel ao rei Baltasar - e achado demasiadamente leve' (Dn 5,27). Quer dizer, segundo o comentário do Padre Álvares, que 'não foram postos na balança o ouro e as riquezas, mas unicamente a pessoa do rei'. Virão logo os acusadores e em primeiro lugar o demônio. 'O inimigo estará ante o tribunal de Cristo, - disse Santo Agostinho - e referirá as palavras de tua profissão'. 'Recordar-nos-á tudo quanto temos feito, o dia e a hora em que pecamos'. Referir as palavras de nossa profissão significa que apresentará todas as promessas que fizemos, que esquecemos e, por conseguinte, deixamos de cumprir. Denunciar-nos-á nossas faltas, designando os dias e as horas em que as cometemos. Depois dirá ao juiz: 'Senhor, eu não sofri nada por este réu; mas ele vos abandonou, a vós que destes a vida para salvá-lo, e se fez meu escravo. É a mim que ele pertence...' Os anjos da guarda também serão acusadores, segundo diz Orígenes, e 'darão testemunho dos anos em que procuraram a salvação do pecador, a despeito do desprezo deste a todas as inspirações e avisos'.

Então, 'todos os meus amigos o desprezarão' (Lm 1, 2). Até as paredes, que viram o réu pecar, tornar-se-ão acusadoras (Hb 2, 11). Acusadora será a própria consciência (Rm 2,15-16). Os pecados - disse São Bernardo - clamarão, dizendo: 'Tu nos fizeste; somos tuas obras, e não te abandonaremos'. Acusadoras, por fim, serão as Chagas do Senhor, como escreve São João Crisóstomo: 'Os cravos se queixarão de ti; as cicatrizes contra ti falarão; a cruz clamará contra ti'.

Passar-se-á depois, ao exame. Disse o Senhor: 'Com a luz na mão, esquadrinharei Jerusalém' (Sf 1,12). A luz da lâmpada penetra todos os recantos da casa, escreve Mendoza. Cornélio a Lápide, comentando a expressão in lucernis, do texto, afirma que Deus apresentará ao réu os exemplos dos Santos, todas as luzes e inspirações com que o favoreceu, todos os anos de vida que lhe concedeu para que os empregasse na prática do bem (Lm 1,15). Até de cada olhar tens que dar conta, exclama Santo Anselmo. Assim como se purifica e aquilata o ouro, separando-o das escórias, assim se aquilatarão e examinarão as confissões, comunhões e outras boas obras (Ml 3, 3). 'Quando tomar o tempo, julgarei as justiças'. Em suma, diz São Pedro que no juízo até o justo a custo será salvo (1Pd 4, 18). Se se deve dar conta de toda palavra ociosa, que contas se darão de tantos maus pensamentos voluntários, de tantas palavras impuras? Especialmente falando dos escândalos, que lhe roubam inúmeras almas, diz o Senhor: 'Eu lhes sairei ao encontro como uma ursa a quem roubaram os seus filhotes' (Os 13, 8). E, finalmente, referindo-se às ações do réu, dirá o Supremo Juiz: 'Dei-lhe o fruto de suas mãos', quer dizer, paguei-lhe conforme suas obras (Pr 31, 31).

Em resumo: para que a alma consiga a salvação eterna, o juízo há de patentear que a vida dessa alma fora conforme a vida de Cristo.

É o que fazia tremer Jó, quando exclamava: 'Que farei quando Deus se levantar a julgar? E quando me perguntar, que lhe responderei?' (Rm 8, 29). Repreendendo Filipe II um de seus criados, que o tinha enganado, disse-lhe apenas estas palavras: É assim que me enganas?...

Aquele infeliz, ao voltar à sua casa, morreu de pesar. Que fará pois, e que responderá o pecador a Jesus Cristo, seu juiz? Fará como aquele homem do Evangelho, que se apresentou ao banquete sem a veste nupcial. Não soube o que responder e calou-se (Mt 22, 12). As próprias culpas lhe fecharam a boca (Sl 106, 42). A vergonha - diz São Basílio - será então para o pecador maior tormento que as próprias chamas infernais.

Finalmente, o juiz pronunciará a sentença: 'Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!' Quão terrivelmente ressoará aquele trovão - exclama Dionísio, o Cartuxo... 'Quem não treme à consideração dessa horrenda sentença - observa Santo Anselmo - não está dormindo, mas morto'. Santo Eusébio acrescenta que será tão grande o terror dos pecadores ao ouvir a sua condenação, que se não fossem já imortais morreriam de novo. Então, - como escreve São Tomás de Vilanova, - já não será tempo de suplicar, já não haverá intercessores a quem recorrer. A quem, efetivamente, hão de recorrer?... Porventura, a seu Deus a quem desprezaram? Talvez aos Santos, à Virgem Maria?...

Ah! Não! Porque então as estrelas (que são os santos advogados) cairão do céu, e a lua (que é Maria Santíssima) não dará a sua luz (Mt 24, 29). 'Maria - diz Santo Agostinho - retirar-se-á das portas da glória'.

Ó Deus! - exclama o já citado São Tomás de Vilanova, - com que indiferença ouvimos falar do juízo, como se não pudéssemos merecer a sentença condenatória ou como se não tivéssemos de ser julgados...

Que loucura estar tranquilo no meio de tamanho perigo! Não digas, pois, meu irmão - nos adverte Santo Agostinho: Será que Deus queira enviar-me ao inferno? Não o digas jamais. Também os hebreus não queriam convencer-se de que seriam exterminados. Quantos réprobos blasonavam de que não seriam condenados às penas eternas! E, no entanto, chegou a hora do castigo: 'O fim vem, vem o fim... Agora derramarei a minha ira sobre ti, e te julgarei" (Ez 7, 6-8). É também o que te acontecerá. 'Chegará o dia do juízo e verás que Deus não faz vãs ameaças'.

Presentemente ainda nos é dado escolher a sentença que preferimos.

Devemos, pois, ajustar as contas da alma, antes que chegue o juízo (Ecl 18, 19), porque, segundo diz São Boaventura, os negociantes prudentes, para se não exporem a uma falência, conferem e ajustam suas contas frequentemente. 'Antes do juízo, diz Santo Agostinho, podemos ainda aplacar o Juiz; mas durante o juízo, não'. Desejo, ó Juiz de minha alma, que me julgueis e castigueis nesta vida, porque ainda é tempo de misericórdia e de perdão. Depois da morte só será tempo de justiça" (Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte, Consideração XXIV, Pontos I, II e III).

 Católico, o que você dirá a Deus na hora do juízo? Você que conheceu a Santa Doutrina Católica e agora vive como pagão a serviço do mundo e do demônio?

Você que aprendeu a evangelizar, mas agora vive de braços cruzados adormecido na "poltrona" da preguiça?

Você que aprendeu a ser luz, e vive a espalhar as trevas do escândalo?

Você que perseverou por muitos anos no caminho do bem, mas agora trilha o caminho do inferno?

Você que já ouviu inúmeros sermões, e agora vive agitando os salões de bailes?

Católico, a quem muito foi dado muito será cobrado; acorde enquanto é tempo!

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 08 de agosto de 2007

 

 

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