A TENTAÇÃO

(1 Cor 10, 13)

 

"As tentações que vos acometeram tiveram medida humana. Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças. Mas, com a tentação, ele vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar".

 

 

Nesse trecho de 1Cor 10, 13, o Apóstolo São Paulo recorda a fidelidade de Deus que nunca permite que sejamos tentados acima das nossas forças, e sempre nos dá as graças necessárias para poder vencer na luta: "Se alguém aduz a desculpa de que a debilidade da natureza o impede de amar a Deus, ensina-se que Deus, que pede o nosso amor, derramou nos nossos corações a virtude da caridade por meio do Seu Santo Espírito (cfr Rm 5, 5); e o nosso Pai Celestial dá este bom Espírito àqueles que lhO pedem (cfr Lc 9, 13); e assim com razão Lhe suplicava Santo Agostinho: Dá o que mandas, e manda o que quiseres (Confissões, X, 29, 31 e 37). E, uma vez que está à nossa disposição o auxílio divino, especialmente depois de que pela morte de Cristo Nosso Senhor foi lançado fora o Príncipe deste mundo, não há por que ficarmos aterrados pela dificuldade da obra; porque nada é difícil para quem ama" (São Pio V, Catecismo Romano, III, 1, 7).

Quando Santo Inácio de Loiola se entregava aos exercícios de penitência e oração na gruta de Manresa, Deus, para fortificar-lhe a virtude por meio do combate, permitiu ao demônio que o assaltasse de vários modos. Tendo o tentador estudado o coração de Inácio, encontrando-o inacessível aos golpes da avareza e da luxúria, julgou poder vencê-lo pela vanglória. Sugeriu-lhe o pensamento de que era um grande santo, e, encobrindo-lhe os pecados, fez-lhe uma excelente descrição das aspérrimas penitências, esmolas e longas horas que passava em oração, bem como de todas as virtudes por ele praticadas. O servo de Deus, iluminado pela graça, reconheceu que aquelas sugestões de vanglória vinham do demônio, espírito orgulhoso, e não do Espírito Santo que é espírito de humildade. Assim venceu ele o astuto inimigo só com a lembrança de seus grandes pecados e a meditação do inferno que tantas vezes merecera.

Esperava-o outra prova. Foi privado da paz do coração, da tranquilidade interior, de que gozava após a sua conversão, e invadiram-no trevas, temores, cuidados, inquietações. Parecia-lhe que tudo que fazia era pecado, que nada agradava a Deus e que Nosso Senhor o abandonara.

Eram temores exagerados, sem fundamento, angústias de espírito e escrúpulos com que o demônio queria tornar-lhe o caminho da vida espiritual áspero e aborrecido e lançá-lo no desespero. Mas também aqui o demônio teve de meter a viola no saco e os carretéis na algibeira, porque, com a paciência e sobretudo com a obediência cega ao seu confessor, Inácio saiu triunfante dessa nova tentação. Seguiu a voz do ministro de Deus como se fora a do próprio Jesus Cristo, e recuperou a calma.

O demônio tentou ainda abalar a confiança do Santo.

─ Como, ─ dizia-lhe interiormente ─ como poderás continuar nessa vida tão austera? És moço, tens ainda cinquenta anos de vida: como poderás, por tanto tempo, aguentar uma vida tão penosa?

Inácio, iluminado na oração fervorosa, não custou muito a reconhecer a manda do tentador.

─ Tu, ─ replicou-lhe, ─ tu falas desse modo? Quem me garante viver mais cinquenta anos? Podes garantir-me uma hora sequer?... E, ainda que tivesse de viver mais cinquenta anos, que é isso em comparação com a eternidade? De resto a mim me basta viver dia por dia. Aquele que com sua graça me sustenta hoje, me conservará também amanhã e até quando lhe aprouver prolongar-me a vida.

Desta maneira, o valoroso soldado de Cristo, a exemplo de seu Mestre, superou todas as tentações.

Católico, Deus permite que sejamos tentados, mas não além de nossas forças: "Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças" (1 Cor 10, 13).

Santo Afonso Maria de Ligório escreve: "Quem resiste às tentações não perde nada, 'mas tira delas grande proveito' (1 Cor 10, 13). Por isso o Senhor muitas vezes permite tentações às almas mais escolhidas para que adquiram maiores méritos neste mundo e mais glória no céu" (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, capítulo XVII).

A narração das tentações interiores e exteriores de Santa Catarina de Sena é surpreendente e instrutiva. Ela diz ter tido, certa vez, um combate espiritual longo e terrível.

As imaginações feias desfilavam-lhe, uma após outra, na mente, provocadas pelo demônio. E, quanto mais ela as enxotava, tanto mais elas passavam. O seu coração tremia de espanto. Parecia-lhe que uma água sórdida a penetrava e a submergia toda: só a sua vontade inabalável ficava imersa.

Esta provação durou vários dias: finalmente apareceu-lhe Jesus Cristo, a quem ela disse: "Ah Senhor! Onde estáveis, quando eu me afundava nas trevas e na impureza?" "Minha filha, eu estava no teu coração". "E como podíeis habitá-lo ─ replicou a santa ─ se as más sugestões o haviam invadido?"

Então o Cristo Jesus perguntou-lhe se naqueles momentos tempestuosos ela tinha experimentado alegria e prazer. "Horror e amargura! ─ respondeu a santa. ─ Horror e amargura da minha miséria; esforços supremos para não me deixar derrubar; desejos mais ardentes de te amar por toda a eternidade". E Jesus lhe disse: "Era Eu que do fundo do teu coração difundia esse horror, essa tristeza; era Eu que robustecia a tua vontade para resistires, que purificava o teu amor para te tornares digna de um prêmio eterno maior e mais belo".

Católico, esse fato ensina-nos duas coisas: a primeira é que as tentações não são um pecado; a segunda, que as tentações são úteis: "Ninguém sem tentações poderá entrar no reino dos céus. Suprime as tentações e ninguém será salvo" (Santo Antão, Apoftegmas, Letra Alfa, 4), e: "Retira as tentações, e não haverá ninguém que se salve" (Evágrio).

As tentações não são um pecado, se a vontade não consente nelas. O demônio pode despertar lembranças do passado, sugerir pensamentos, imaginações perversas, provocar fantasias impuras: mas na nossa vontade ele não pode nada. Uma coisa é sentir e outra é consentir: e, mesmo se uma tentação durasse um ano inteiro, se a vontade recusar e resistir, se em nós houver um sentimento de horror e de amargura contra as propostas do demônio, Deus não no-la imputará culpa, mas nos atribuirá a mérito a nossa resistência tenaz e enérgica: "Uma tentação, embora durasse toda a nossa vida, não nos pode tornar desagradáveis à divina Majestade, se não nos agrada e não consentimos nela, porque na tentação nós não agimos mas sofremos, e, como não nos deleitamos com ela, de nenhum modo incorremos em alguma culpa. Por longo tempo sofreu São Paulo tentações da carne e tão longe estava de se tornar com isso desagradável a Deus que, pelo contrário, muito o glorificou. A bem-aventurada Ângela de Foligno foi também atormentada tão cruelmente que causa pena ouvir contar. Nem menores foram as tentações de São Francisco e São Bento, quando aquele se lançou nos espinhos e este sobre a neve, para as combater, e, entretanto, longe de fazê-lo perder a graça de Deus, só serviram para aumentá-la" (São Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota, Livro IV, capítulo III), e: "Por fortes que sejam as tentações do demônio, por mais vivas que sejam as imaginações impuras assaltando o nosso espírito, se nós não as queremos, não mancham a alma, mas a tornam mais pura, mais forte e mais querida de Deus" (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, capítulo XVII).

Católico, eis os sinais para saber se uma pessoa consentiu na tentação:

  1. "Pode-se assentar que NÃO HOUVE consentimento, se, a despeito da sugestão e do prazer instintivo que a acompanha, a alma sente descontentamento, desgosto de se ver assim tentada, se luta para não sucumbir, se na parte superior sente um vivo horror do mal proposto" (Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 907, a).

  2. "Pode-se ter culpa da tentação na causa, quando se prevê que esta ou aquela ação, que podemos evitar, nos é fonte de tentações: 'Se eu sei, diz São Francisco de Sales, que alguma conversação me ocasiona tentação e queda, e a ela me exponho voluntariamente, serei sem dúvida alguma culpado de todas as tentações que nela me vierem'. Mas, então, não há culpa senão na medida em que houve previsão, e, se esta não passou de vaga e confusa, fica proporcionalmente diminuída a culpabilidade" (Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 907, b).

  3. "Pode-se considerar que o consentimento é IMPERFEITO: 1) Quando se NÃO REPELE a tentação tão prontamente como se dá pelo seu caráter perigoso; há nisto uma falta de imprudência que, sem ser grave, expõe ao perigo de consentir na tentação. 2) Quando se HESITA um instante: desejar-se-ia provar um pouco do prazer vedado, mas não se quereria ofender a Deus; em suma, após um momento de hesitação, repele-se a tentação; também aqui há pecado venial de imprudência. 3) Se não se rechaça a tentação senão a MEIAS: resiste-se, mas com indolência, incompletamente; ora semi-resistência é semiconsentimento: falta venial" (Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 908, c).

  4. "O consentimento é PLENO e INTEIRO, quando a vontade, enfraquecida pelas primeiras concessões, se deixa arrastar a saborear voluntariamente o prazer mau, sem embargo dos protestos da consciência que reconhece o mal. Então, se a matéria é grave, é mortal o pecado: pecado de pensamento ou de deleitação morosa, como dizem os teólogos. Se ao pensamento se ajunta o desejo consentido, mais grave ainda é a falta. Enfim, se do desejo se passa à execução ou ao menos a procurar meios para pôr por obra o mau projeto, é pecado de ação" (Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 909, d).

Católico, as tentações são úteis, por isso Deus as permite: "Para quem ama a Jesus Cristo não há sofrimento pior que as tentações. Todos os outros sofrimentos o estimulam a se unir com Deus, quando aceitos com generosidade. As tentações, porém, impelem a pecar, a separar-se de Jesus Cristo e, por isso, são muito mais amargas do que todos os outros sofrimentos. É preciso, porém, notar que todas as tentações, que impelem para o mal, não vêm de Deus, mas do demônio ou das más inclinações: 'Deus é incapaz de tentar para o mal, e ele não tenta ninguém" (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, capítulo XVII).

Deus permite, às vezes, que as almas, que lhe são mais caras, sejam tentadas mais fortemente:

  1. "Para que conheçam melhor a sua fraqueza e a necessidade que têm do auxílio de Deus para não caírem. Quando uma pessoa se encontra interiormente consolada por Deus, pensa ser capaz de vencer todas as tentações e realizar qualquer trabalho pela glória de Deus. Vendo-se, porém, duramente tentada, à beira do precipício, e quase caindo, é então que reconhece melhor sua miséria e sua incapacidade para resistir, se Deus não a socorre. Foi isso justamente o que aconteceu a São Paulo que escreveu: 'É para que a grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi-me dado o estímulo da minha carne, um anjo de satanás, que me esbofeteie' (2 Cor 12, 7)" (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, capítulo XVII).

  2. "Deus permite as tentações para que vivamos mais desapegados deste mundo, e desejemos mais ardentemente ir vê-lo no céu" (idem).

  3. "Deus permite as tentações para nos enriquecer com méritos, como disse o anjo a Tobias: 'Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse' (Tb 12, 13)" (Idem).

Católico, é preciso resistir à tentação.

Sobre as tentações frequentes, mas POUCO GRAVES, São Francisco de Sales manda tratá-las com DESPREZO: "Quanto a essas pequenas tentações de vaidade, suspeitas, tristeza, ciúme, inveja, afeiçõezinhas e outras semelhantes ninharias, que, como moscas e mosquitos, nos andam passando por diante dos olhos, e umas vezes nos picam nas faces, outros no nariz... a melhor resistência que lhes podemos fazer é não nos afligirmos; porque nada disto nos pode causar dano, ainda que nos pode enfadar, contanto que tenhamos firme resolução de querer servir a Deus. Desprezai, pois, estes pequenos assaltos e não vos ponhais nem sequer a considerar o que querem dizer, deixai-vos zunir à roda dos ouvidos, quanto quiserem... como se faz com as moscas" (Introdução à Vida Devota).

Quanto às tentações graves, é preciso combatê-las PRONTAMENTE, ENERGICAMENTE, com CONSTÂNCIA e HUMILDADE.

  1. "PRONTAMENTE, sem discutir com o inimigo, sem hesitação alguma: ao princípio, como a tentação não firmou ainda o pé solidamente em nossa alma, é bastante fácil rechaçá-la; se esperarmos que lance raízes na alma, será muito mais difícil" (Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 914, A).

  2. "ENERGICAMENTE, não com moleza e como de má vontade, o que pareceria convidar a tentação a voltar; mas com força e vigor, testemunhando o horror que tal proposição nos causa" (Idem, 915, B).

  3. "CONSTÂNCIA: é que às vezes a tentação, vencida por um instante, volta com novo furor, e o demônio reconduz do deserto sete espíritos piores do que ele. À esta pertinácia do inimigo é mister opor resistência não menos tenaz: quem combate até o fim é que ganha a vitória" (Idem, 916, C).

  4. "HUMILDADE; é ela, efetivamente, que atrai a graça, e a graça é que nos dá a vitória. O demônio, que pecou por orgulho, foge diante dum ato sincero de humildade, e a tríplice concupiscência, que tira a sua força da soberba, é facilmente vencida, quando, por assim dizer, a decapitamos pela humildade" (Idem, 917, D).

Para vencer as tentações é preciso jejuar, confessar e comungar com frequência, etc., mas o remédio mais eficaz é a oração constante: "Volto a repetir: entre todos os remédios contra as tentações, o mais eficaz e mais necessário, o remédio dos remédios, é suplicar a Deus o seu auxílio e continuar a pedir enquanto durar a tentação. Não é raro que o Senhor destine a vitória não na primeira oração, mas sim na segunda, na terceira ou na quarta. É preciso que nos convençamos de que da oração depende todo o nosso bem. Da oração depende a nossa mudança de vida, o vencer das tentações; dela depende conseguirmos o amor de Deus, a perfeição, a perseverança e a salvação eterna" (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, capítulo XVII).

Em Roma foi colocada na prisão Daria, a santa esposa de Crisanto, por ser cristã e haver convertido inúmeras mulheres da idolatria à verdadeira religião. Empregaram contra ela os mais dolorosos tormentos; puseram em prática todas as astúcias infernais para arrebatar-lhe a virtude, nada conseguindo.

Levaram-na, finalmente, a um lugar infame. Mas Daria, levantando as mãos e os olhos aos céus, pôs-se a rezar. Nem bem começara a rezar e eis que aparece, ao lado dela, um majestoso leão disposto a despedaçar a quem quer que se atrevesse a molestá-la.

Nossa alma está rodeada de terríveis inimigos, como a de Santa Daria.

Qual será a nossa defesa? A oração. Sem ela não há salvação.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 10 de agosto de 2007

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "A tentação"

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