SILÊNCIO!

(Mc 1, 35)

 

"De madrugada, estando ainda escuro, ele se levantou e retirou-se para um lugar deserto..."

 

 

Católico, deixe de tanta correria e barulho. Aprenda de Nosso Senhor Jesus Cristo a buscar o silêncio: "Ao raiar do dia, saiu e foi para um lugar deserto" (Lc 4, 42), e: "Tendo-as despedido, subiu ao monte... Ao chegar a tarde, estava ali, sozinho" (Mt 14, 23), e também: "Ele disse: 'Vinde vós, sozinhos, a um lugar deserto e descansai um pouco" (Mc 6,31).

Precisamos construir o nosso deserto no meio desse mundo barulhento e agitado, sem jamais deixar uma brecha para que ele possa nos incomodar com as suas gritarias: "Se alguém estiver aflito de barulhos exteriores, apertado por turbas populares, mas assim mesmo mantiver o coração livre de ânsias materiais, este homem não está na cidade" (São Gregório Magno, In Job, 1.30. c. 16), e: "O deserto não está onde se imagina. O Saara é mais vivaz do que uma capital, e a cidade mais buliçosa se esvazia, e os pólos essenciais da vida se desmagnetizam" (A. de Sant Exupéry. Lettre à um Otage, p. 32).

Infeliz daquele que corre do silêncio e vive a tagarelar o tempo todo; esse jamais adquirirá vida espiritual sincera: "Há muitas pessoas que fogem do silêncio... gostam de estar numa roda, gostam de viver para fora, gostam de poder falar. O silêncio parece-lhes um suplício. Seria como entrar numa prisão. No entanto milhares de almas consagradas a Deus observam o silêncio. O silêncio se torna uma virtude. Não porque haja valor em não falar. Mas porque este silêncio religioso é um silêncio povoado. É um silêncio de melodias externas. Se, pois, é natural ao homem o comunicar-se com seus semelhantes e é uma virtude falar cristamente, dominando as palavras; - é não menos virtude o recolhimento em que se ouve a palavra não dos homens, mas de Deus... O silêncio vazio seria sem sentido. O silêncio religioso é uma conversa com o Senhor" (Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, Meditações), e: "O reino dos céus se oculta nas palavras divinamente inspiradas da Escritura, o qual se descobre aqueles que na oração, no silêncio, nos salmos e leituras perseveram e com isto a mente se ilumina" (São Nilo Abade, Ench. Asceticum, n° 859).

Seria grande ignorância e erro grave pensar que o silêncio é somente para os monges, a quem escrevia São Nilo. Mas o cristão comum, sem ter uma "regra do silêncio", deve saber cultivar um certo silêncio.

Uma vez por ano, o católico deveria retirar-se, três ou mais dias, para meditar e tratar da própria alma com exercícios espirituais.

Todos os dias deveria consagrar meia hora ou mais para a meditação. E habitualmente deveria conseguir um certo controle da língua, um certo recolhimento, de modo a se lembrar da presença de Deus.

Católico, imite o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo e saiba guardar silêncio.

Milhões de católicos pensam que é charme fazer barulho. Enganam-se esses que pensam assim; somente o silêncio faz bem: "Reconhecemos o verdadeiro recolhimento pelos seus frutos: paz, silêncio interior, tranquilidade de coração" (Thomas Merton).

É preciso guardar silêncio no falar; falando somente o necessário e moderadamente: "Fale pouco, e só se meta nas coisas em que for perguntado" (São João da Cruz, Ditos de Luz e Amor, 139), e: "Faze para as tuas palavras uma balança e um peso; para a tua boca, porta e ferrolho" (Eclo 28, 25).

Como é desagradável conviver com pessoas tagarelas, que falam muito e sem discrição; esse tipo de gente se assemelha à metralhadora descontrolada, atira sem direção e faz muito barulho.

 

Zenão, estando em companhia de um jovem que falava demais, disse-lhe: "Fica sabendo que temos dois ouvidos e uma só boca, para escutarmos duas vezes mais do que falamos".   

 

Alguém perguntou a Pitágoras como poderia chegar a ser seu discípulo. O filósofo respondeu: "Guardando silêncio até que seja necessário falar; não dizendo senão o que sabeis bem; fazendo o maior bem possível e falando pouco, porque o silêncio é sinal de prudência e a tagarelice é sinal de tolice. Não vos apresseis a responder, e deixai que aquele que pergunta acabe de falar. Não faleis mal de ninguém". Costumava condenar seus discípulos a cinco anos de silêncio.  

 

Sócrates falava muito pouco. Um indiscreto perguntou-lhe, certa ocasião, se guardava silêncio por ignorância. Sócrates respondeu: "Um ignorante não sabe calar-se!"

 

Existem pessoas que além de falarem muito, são imoderadas no falar, isto é, falam em voz alta. Esse tipo de gente transforma qualquer ambiente em "ar carniçal"; todos sentem repugnância só em ouvir sua voz.

Santo Ambrósio se pergunta: "É conveniente ficarmos sempre calados?" E o mesmo santo responde: "Não". Em seguida mostra como se deve falar: "Ou cala, ou dize coisas que sejam melhores que o silêncio".

São Francisco de Sales, desenvolvendo a mesma idéia, declara: "As nossas palavras sejam poucas e boas, poucas e suaves, poucas e simples, poucas e repassadas de caridade, poucas e amáveis".

Está claro que é preciso falar com moderação, com prudência, com caridade e piedade.

Infeliz do católico que fala demais: "No muito falar, não faltará a culpa" (Pr 10, 19).

É preciso guardar silêncio ao andar. Não arrastar os pés nem pisar com força ao dar os passos.

Algumas pessoas tentam imitar monstros; fazendo o chão tremer a cada passo.

É preciso guardar silêncio durante a faxina. Algumas senhoras quando estão limpando a casa até parece que estão tocando uma fanfarra: batem portas, janelas, arrastam sofás, jogam cadeiras, etc., e ainda cantarolam acompanhando músicas no rádio.

É preciso guardar silêncio enquanto lava louças. Algumas moças batem os pratos, jogam os garfos dentro da pia, batem panelas e tampas, etc. Até parece que está armando uma furiosa tempestade. Não satisfeitas com tanto barulho, ainda gritam com os cachorros e gatos.

É preciso guardar silêncio na higiene pessoal. Muitos parecem querer arrancar o nariz e a garganta quando estão a escovar os dentes. Deixando alguns que passam na rua preocupados, se chama ou não a ambulância.

Em resumo, é preciso amar o silêncio: "Recolhe-te, às vezes, à solidão interior do teu coração, e aí, num completo desapego das criaturas, trata dos negócios da salvação e perfeição com Deus, como dois amigos que cuidam familiarmente de seus negócios..." (São Francisco de Sales, Introdução à Vida devota, cap. XII).

 

OS DOZE GRAUS DO SILÊNCIO

(Irmã Maria Amada de Jesus) 

 

Primeiro grau: Falar pouco com as criaturas e muito com Deus.

Eis o primeiro passo indispensável nas vias solitárias do silêncio.

Na escola do silêncio ensinam-se os elementos que dispõem à união com Deus. Aí a alma estuda essa virtude no espírito do Evangelho. Aprofunda-a no espírito da Regra que abraçou, respeitando os lugares consagrados, as pessoas, e, sobretudo, a língua... Nela, tantas vezes, repousa o Verbo ou a Palavra de Deus, o Verbo feito carne...

Silêncio em relação ao mundo... silêncio sobre as notícias... silêncio com as almas mais santas... a voz dum Anjo perturbou Maria...

 

Segundo grau: Silêncio no trabalho, silêncio nos movimentos.

Silêncio no andar. Silêncio dos olhos, dos ouvidos, da voz. Silêncio de todo o exterior, preparando a alma a unir-se a Deus.

Por esses primeiros esforços, a alma merece, tanto quanto depende dela, ouvir a voz do Senhor.

Como esse primeiro passo é bem recompensado! Deus atrai a alma ao deserto.

Assim, nesse segundo estado, a alma afasta tudo o que possa distraí-la. Afasta-se do ruído. Foge só, para AQUELE QUE É O SÓ. Gozará então as primícias da união divina.

É o silêncio do recolhimento ou o recolhimento no silêncio.

 

Terceiro grau: Silêncio da imaginação.

Esta faculdade é a primeira que vai bater à porta fechada do jardim do Esposo: emoções estranhas, vagas impressões, tristezas...

Aí no seu retiro, a alma dará ao Dileto, provas de seu amor. Apresentará à imaginação, que não pode ser aniquilada, os encantos de seu Senhor, as cenas do Calvário, as perfeições de Deus, as belezas do Céu. Permanecerá então, no silêncio, serva silenciosa do Amor divino.

 

Quarto grau: Silêncio da memória.

Silêncio sobre o passado. esquecimento. É preciso saturar essa faculdade da lembrança das misericórdias de Deus. É o reconhecimento no silêncio. É o silêncio da ação de graças.

 

Quinto grau: Silêncio com as criaturas.

Como a nossa condição presente é cheia de miséria! A alma surpreender-se-á muitas vezes conversando interiormente com as criaturas! Até os santos lamentam-se dessa humilhação!

Essa alma deve, pois, retirar-se nas profundezas mais íntimas desse lugar oculto, onde repousa a Majestade inacessível do Santo dos Santos. Então, Jesus, seu Consolador e seu Deus, se descobrirá a ela, revelar-lhe-á seus segredos e fa-la-á experimentar a bem-aventurança futura.

Jesus lhe tornará insípido tudo o que não é Ele. Pouco a pouco as coisas da terra cessarão de distraí-la.

 

Sexto grau: Silêncio do coração.

Se a língua se cala, se os sentidos se acalmam, se a imaginação, a memória, as criaturas se calam, a solidão se faz, senão em volta, ao menos no íntimo dessa alma de esposa; haverá então pouco ruído no coração.

Silêncio das afeições, das antipatias; silêncio dos desejos demasiado ardentes; silêncio dum zelo indiscreto; silêncio dum fervor exagerado, silêncio até nos suspiros!...

Silêncio do amor, no que há de exaltado. Não dessa exaltação de que Deus é autor. Mas daquela produzida pela natureza. O silêncio do amor é o amor no silêncio.

É o silêncio diante de Deus. Deus, a beleza, a bondade, a perfeição. Silêncio que nada tem de forçado.

Silêncio que não prejudica a ternura nem a intensidade do amor, assim como a confissão das faltas não prejudica o silêncio da humanidade. O "fiat" não prejudicou o silêncio do Getsêmani. O Sanctus eterno não prejudica o silêncio dos Serafins!...

Um coração silencioso é um coração de virgem. É melodia para o coração de Deus.

Silenciosa consome-se a lamparina diante do tabernáculo... Até o trono de Deus sobe, silenciosamente, a fumaça do incenso... Eis o silêncio do amor.

Nos graus precedentes, o silêncio era ainda queixa da terra. No silêncio do amor, por causa de sua pureza, a alma começa a aprender a primeira nota do cântico sagrado, o canto do céu.

 

Sétimo grau: Silêncio na natureza, do amor próprio.

Silêncio à vista da própria corrupção e incapacidade. Silêncio da alma que se compraz em sua baixeza. Silêncio ante os louvores e a estima. Silêncio diante do desprezo, das preferências, das murmurações. Eis o silêncio da mansidão e da humildade.

Silêncio da natureza ante a alegria e o prazer. A flor desabrocha no silêncio. Seu perfume louva em silêncio o Criador. Assim deve fazer a alma.

Silêncio da natureza no sofrimento e na contradição. Silêncio sobre os jejuns e vigílias. Silêncio sobre o cansaço, o frio, o calor. Silêncio na saúde, na doença, na privação total. É o silêncio eloquente da verdadeira pobreza e da penitência! Amável silêncio da morte a todo o criado e humano.

É o silêncio do eu humano, perdendo-se no querer divino. As reclamações da natureza não o perturbam, porque esse silêncio está acima da natureza.

 

Oitavo grau: Silêncio do espírito.

Afastar os pensamentos inúteis, agradáveis, muito humanos. Só eles perturbam o silêncio do espírito. Porque o pensamento, em si mesmo, não pode deixar de existir.

Nosso espírito quer a verdade. E nós lhe damos a mentira! Ora, a verdade essencial é Deus! Deus se basta. E Ele não bastaria à pobre inteligência humana?!!

Pensar continuamente em Deus é, certamente, impossível à fraqueza humana, salvo puro dom de sua bondade. O silêncio do espírito, em matéria de fé, é contentar-se com as obscuridades da fé. Silêncio, pois, de argumentos sutis, que enfraquecem a vontade e diminuem o amor.

Silêncio na intenção: pureza, simplicidade.

Na meditação: silêncio da curiosidade. Na contemplação, silêncio das potências da alma.

Silêncio do orgulho. Este se insinua por toda a parte e sempre, procurando subir no conceito das criaturas. Cale-se o orgulho. Far-se-á o silêncio da simplicidade, da retidão, do despojamento total.

Um espírito que combate tais inimigos é semelhante aos anjos que vêem sempre a face de Deus.

Deus eleva até Si essa inteligência sempre no silêncio.

 

Nono grau: Silêncio no julgamento.

Silêncio quanto às pessoas e às coisas. Não julgar. Não deixar transparecer sua opinião. Fazer como se não se tivesse opinião, isto é, ceder simplesmente, salvo se a caridade ou a prudência se opuser.

É o bem-aventurado silêncio da infância espiritual. É o silêncio dos perfeitos. É o silêncio dos anjos e arcanjos, quando executam as ordens de Deus. É o silêncio do Verbo Encarnado.

 

Décimo grau: Silêncio da vontade.

O silêncio ante uma ordem, o silêncio diante das santas leis da Regra, não é bastante.

O senhor tem algo de mais profundo e mais difícil a ensinar-nos: o silêncio do escravo sob os açoites do senhor. - Feliz escravo! Seu Senhor é Deus!

É o silêncio da vítima sobre o altar. É o silêncio do cordeiro que se tosquia. É o silêncio nas trevas... Silêncio no qual nem se pede a luz.

É o silêncio nas angústias do coração e nas dores da alma. É o silêncio de uma alma favorecida por Deus, que, sentindo-se repelida, não pronuncia estas palavras: "Por quê? Até quando?" É o silêncio do abandono... Silêncio ante a severidade do olhar de Deus... Silêncio sob o peso da mão divina. Silêncio cuja única queixa é a do amor. É o silêncio dos mártires. É o silêncio da agonia de Jesus.

Sim. Esse silêncio é o divino silêncio. Nada se compara à sua voz! Nada resiste à sua prece! Nada mais digno de Deus... essa espécie de louvor no sofrimento... "fiat" no lagar; silêncio no trabalho da morte...

Enquanto essa vontade humilde e livre, verdadeiro holocausto de amor, procura aniquilar-se para glorificar o Nome de Deus, Deus se transforma em sua vontade.

Que falta ainda à perfeição dessa alma? Que lhe falta para a união? Que é necessário para completar sua transformação no Cristo? Expirar no ósculo do Senhor... divina, inefável recompensa.

 

Décimo primeiro grau: Silêncio consigo mesma.

Não monologar interiormente. Não se escutar. Não se queixar, nem consolar-se. Em uma palavra: calar-se interiormente; não pensar em si: isolar-se, ficar a sós com Deus.

Eis o silêncio mais difícil. É, entretanto, necessário para unir-se a Deus tão perfeitamente quanto possível a uma pobre criatura. Com a graça de Deus, ela chega frequentemente até aí. Detém-se, contudo, nesse grau. Não o compreende. Muito menos o pratica.

É o silêncio do nada, mais heróico que o silêncio da morte.

 

Décimo segundo grau: Silêncio com Deus.

No começo, Deus dizia à alma: "Fala pouco com as criaturas e muito comigo".

Agora Ele lhe diz: "Não me fales". Silêncio com Deus. Consiste em aderir a Ele; apresentar-se, expor-se, oferecer-se a Ele. É ouvi-lO, amá-lO, adorá-lO, repousar n'Ele.

É o silêncio da eternidade. É a união da alma com Deus.

 

Católico, fuja do barulho e cultive o silêncio em sua vida, principalmente o silêncio interior. O silêncio dos lábios seria de pouca utilidade se não viesse acrescentar-se o silêncio do coração: "Para que serve a solidão material, se não houver a solidão da alma?" (São Gregório Magno).

Feliz do católico que busca o silêncio diante do sacrário, em seu quarto ou em bosques. Esse é realmente sábio!

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 12 de novembro de 2007

 

 

 

Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Silêncio!"

www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/escrituras/escritura_0098.htm