SOBERBA: PRIMEIRO
VÍCIO CAPITAL
(Pr
16, 18)
“A
soberba precede a ruína, e o espírito altivo, a queda”.
São Pio
X escreve:
“Chamam-se capitais estes vícios, porque são a fonte e a causa de
muitos outros vícios e pecados”
(Catecismo Maior,
960).
Soberba ou orgulho é a estima e amor desordenado de nós mesmos, que
nos leva a desprezar os outros e a elevar-nos acima deles, referindo a
nós mesmos o que devíamos referir a Deus.
É o
primeiro de todos os pecados; foi o pecado dos anjos do Céu, de Adão
no paraíso terrestre; é o primeiro vício que desponta em nós e o
último que em nós morre.
O Bem-aventurado José Allamano escreve:
“Todos somos tentados de
soberba. Segundo a expressão de São Francisco de Sales, esta raiz
daninha só morrerá conosco. Os santos também provaram semelhantes
tentações. Certa vez, o próprio São Francisco de Sales, ouvindo que
louvavam um bispo, experimentou um sentimento de inveja. ‘Apenas me
dei conta – escreve ele – peguei o sapo e o esmaguei”.
O ORGULHO E OS
VÍCIOS ANEXOS
I. O orgulho em si mesmo
O orgulho é um
desvio daquele sentimento legítimo que nos leva a estimar o que há de
bom em nós, e a procurar a estima dos outros na medida em que ela é
útil às boas relações que devemos manter com eles. Não há dúvida que
podemos e devemos estimar o que Deus pôs em nós de bom, reconhecendo
que Ele é o primeiro princípio e o último fim de tudo: é um sentimento
que honra a Deus e nos leva a respeitar-nos a nós mesmos. Pode-se,
outrossim, desejar que os outros vejam esse bem, que o apreciem e dêem
por ele glória a Deus, do mesmo modo que devemos reconhecer e estimar
as qualidades do próximo: esta mútua estima não faz senão favorecer as
boas relações que existem entre os homens.
Mas pode haver
desvio ou excesso nestas duas tendências. Por vezes esquece o homem
que Deus é autor desses dons, e atribui-os a si mesmo: o que é
evidentemente desordem, porque é negar, ao menos implicitamente, que
Deus é o nosso primeiro princípio. Assim mesmo, pode alguém ser
tentado a operar para si próprio, ou para ganhar a estima dos outros,
em lugar de trabalhar para Deus e de lhe referir toda a honra do que
faz: é também desordem, porque é negar, implicitamente ao menos, que
Deus é o nosso último fim. Tal é a dupla desordem que se encontra
neste vício. Pode-se, pois, definir: um amor desordenado de si mesmo
que faz que o homem se estime explícita ou implicitamente, como se
fosse o seu primeiro princípio ou último fim. É uma espécie de
idolatria, porque o homem se considera como o seu próprio Deus,
segundo faz notar Bossuet: “O orgulho é uma
depravação mais profunda: por ele o homem, entregue a si mesmo,
considera-se como seu próprio Deus, pelo excesso do seu amor próprio”.
Para melhor
combatermos o orgulho, exporemos: 1°. As suas formas principais; 2°.
Os defeitos que ele gera; 3°. A sua malícia; 4°.Os seus remédios.
1°. As principais
formas do orgulho
1°. A primeira forma
consiste em se considerar a si mesmo o homem, explícita ou
implicitamente, como seu primeiro princípio.
A) Há
relativamente poucos que explicitamente se amam de forma tão
desordenada, que chegam a considerar-se primeiro princípio de si
mesmos.
a) É o pecado
dos ateus que voluntariamente rejeitam a Deus, por não quererem um
senhor. É deles que fala o Salmista, quando assevera:
“Disse o insensato em seu coração: não há
Deus”. Foi equivalentemente o pecado de Lúcifer, que,
pretendendo ser autônomo, recusou submeter-se a Deus; o dos nossos
primeiros pais, que, desejando ser como deuses, quiseram conhecer por
si mesmos o bem e o mal; o dos hereges, que, como Lutero, se negaram a
reconhecer a autoridade da Igreja estabelecida por Deus; e o dos
racionalistas que, ufanos da própria razão, não querem submetê-la à
fé. É, outrossim, o pecado de certos intelectuais, que, demasiadamente
orgulhosos para aceitarem a interpretação tradicional dos dogmas, os
atenuam e deformam, para os harmonizarem com as suas exigências.
B)
É maior o número dos que caem implicitamente neste defeito, procedendo
como se os dons naturais e sobrenaturais, que Deus nos liberalizou,
fossem completamente nossos. Reconhece-se, é verdade, em teoria que
Deus é o nosso primeiro princípio; mas na prática, tem-se da própria
pessoa uma estima desmesurada, como se cada um fosse autor das
qualidades que possui.
a) Há quem se
compraza nas suas qualidades e merecimentos, como se fosse o único
autor deles: “A alma, vendo-se bela,
deleitou-se em si mesma e adormeceu na contemplação da própria
excelência: deixou um momento de se referir a Deus: esqueceu a própria
dependência; primeiramente demorou-se e depois entregou-se a si mesma.
Mas, procurando ser livre até se emancipar de Deus e das leis da
justiça, tornou-se o homem cativo do seu pecado” (Bossuet).
b)
Mais grave é o orgulho dos que se atribuem a si mesmos a prática das
virtudes, como os Estóicos; dos que imaginam que os dons gratuitos de
Deus são frutos dos nossos merecimentos e que as nossas boas obras nos
pertencem mais que a Deus, quando em realidade, é Ele a sua causa
principal; ou, enfim, dos que nelas se comprazem, como se fossem
unicamente suas: “Para vencer a soberba,
devemos rezar e valer-nos destes meios necessários: atribuir a Deus
todas as nossas ações, palavras e pensamentos, começando de manhã e
frequentemente durante o dia; depois, ao surgir a tentação, não nos
rompamos a cabeça. Digamos do fundo do coração ou na presença de Jesus
Sacramentado: ‘Senhor, é coisa vossa! Deus somente! Louco que sou! Vá
embora Satanás!’ Isto se faz num instante, sem necessidade de proferir
palavras, já se sabe. Assim vamos para frente, melhorando sempre. Se,
porém, as coisas foram mal, não nos detenhamos em exames, digamos
apenas: ‘São couves da minha horta!’, e afastemos a inquietação.
Agindo desta forma, venceremos a soberba e conquistaremos a humildade”
(Bem-aventurado José Allamano).
C) É este
mesmo princípio que faz que o orgulhoso exagere as suas qualidades
pessoais.
a) Fecham-se
os olhos sobre os próprios defeitos, e remiram-se as qualidades com
óculos de aumento; por esse processo chega o homem a atribuir-se
qualidades que não possui ou que ao menos não têm mais que a aparência
da virtude; e assim é que, dando esmola por ostentação, julgará que é
caritativo, quando não passa de orgulhoso; imaginará que é um santo,
porque tem consolações sensíveis, ou escreveu belos pensamentos ou
excelentes resoluções, quando na realidade está ainda nos primeiros
degraus da escada da perfeição. Outros crêem ter uma grande alma,
porque fazem pouco caso das pequenas regras, querendo-se santificar
pelos grandes meios.
b)
Daí a preferir-se injustamente aos demais, não vai mais que um
passo: examinam-se à lente os defeitos alheios, nos próprios nem se
sonha; vê-se o argueiro nos olhos do vizinho, nos próprios não se
enxerga a trave. Por este caminho chega muitas vezes o orgulhoso, como
o Fariseu, a desprezar os irmãos; outras, sem ir tão longe, rebaixa-os
injustamente no próprio conceito, julgando-se melhor que eles, quando
na realidade lhes é inferior. Do mesmo princípio, procura dominar os
demais e fazer reconhecer a sua superioridade sobre eles.
c) Com
relação aos Superiores, traduz-se o orgulho pelo espírito de crítica e
revolta, que leva a espiar os seus mais pequeninos gestos ou passos,
para os censurar: quer-se julgar, sentenciar de tudo. Deste modo se
torna muito mais difícil a obediência; sente-se enorme dificuldade em
acatar a sua autoridade e decisões, em pedir-lhes as licenças
necessárias; aspira-se à independência, isto é, em última análise, a
ser seu primeiro princípio.
2.° A segunda
forma do orgulho consiste em se considerar a si mesmo, explícita ou
implicitamente como seu último fim, fazendo as próprias ações sem as
referir a Deus e desejando ser louvado, como se elas fossem
completamente suas. Este defeito deriva do primeiro; pois, quem se
considera como seu primeiro princípio, quer ser também seu último fim.
A)
Explicitamente, pouquíssimos são os que se consideram seu último fim,
exceto os ateus e os incrédulos.
B)
Muitos são, porém, os que procedem na prática, como se estivessem
imbuídos desse erro.
a) Querem ser
louvados, cumprimentados pelas suas boas obras, como se fossem os seus
autores principais e tivessem o direito de proceder por sua conta,
para satisfação da própria vaidade. Em lugar de referirem tudo a Deus,
entendem antes que devem receber felicitações pelos seus pretensos
triunfos, como se tivessem direito a toda a honra que daí provém.
b) Procedem
por egoísmo, pelos próprios interesses, dando-lhes muito pouco da
glória de Deus, e ainda menos do bem do próximo. E assim, vão até o
excesso de imaginar praticamente que os outros devem organizar a sua
vida para lhes agradarem e prestarem serviço; fazem-se assim centro e,
a bem dizer, fim dos demais. Não será isto usurpar inconscientemente
os direitos de Deus?
c)
Sem irem tão longe, há pessoas piedosas, que se buscam a si mesmas, se
queixam de Deus, quando Ele as não inunda de consolações, se
desalentam, quando se vêem na aridez, e imaginam assim falsamente que
o fim da piedade é gozar das consolações, sendo que em realidade a
glória de Deus deve ser o nosso fim supremo em todas as ações, mas,
sobretudo, na oração e nos exercícios espirituais.
É, pois, forçoso
confessar que o orgulho, sob uma ou outra forma, é defeito muito
comum, até mesmo entre as pessoas que se dão à perfeição, defeito que
nos segue através de todas as fases da vida espiritual e que só
conosco morrerá. Os principiantes quase nem sequer dão por ele, porque
não se estudam assaz profundamente. Importa chamar-lhes a atenção para
este ponto, indicar-lhes as formas mais ordinárias deste defeito, para
as tomarem por matéria do exame particular.
II. Os defeitos
que nascem do orgulho
Os principais são a
presunção, a ambição e a vanglória.
1°. A presunção
é o desejo e a esperança desordenada de querer fazer coisas além das
próprias forças. Nasce de ter o homem opinião alta de si mesmo, das
suas faculdades naturais, da sua ciência, forças e virtudes.
a)
Sob o aspecto intelectual, crê-se o presunçoso capaz de
discutir e resolver os mais intrincados problemas, as questões mais
árduas, ou, ao menos, de empreender estudos em desproporção com os
seus talentos. Persuade-se facilmente que tem muita discrição e
sabedoria, e, em vez de saber duvidar, decide as questões mais
controversas.
b)
Sob o aspecto moral, imagina que tem bastante luz para se guiar e que
não há grande utilidade em consultar um diretor. Persuade-se que,
apesar das faltas passadas, não tem que temer recaídas, e lança-se
imprudentemente nas ocasiões de pecado, em que sucumbe; daí desânimos
e despeitos que são muitas vezes causa de novas quedas.
c) Sob o
aspecto espiritual, é mais que medíocre o seu gosto das virtudes
ocultas e cruciantes, prefere as virtudes brilhantes; e, em vez de
construir sobre o fundamento sólido da humildade, afaga sonhos de
grandeza de alma, força de caráter, magnanimidade, zelo apostólico,
triunfos imaginários com que a fantasia doura o futuro. Logo, porém,
às primeiras tentações graves se percebe quão fraca e vacilante é
ainda a vontade.
2.° Esta presunção,
unida ao orgulho, gera a ambição, isto é, o amor desordenado das
honras, das dignidades, da autoridade sobre os outros. Como presume
demasiado das próprias forças e se julga superior aos demais, quer o
ambicioso dominá-los, governá-los, impor-lhes as suas próprias idéias.
A desordem da
ambição pode-se manifestar de três maneiras, diz Santo Tomás de
Aquino: l) Buscando as honras que não
merecem e ultrapassam os nossos meios; 2)
Buscando-as para si, para a própria glória, e
não para a glória de Deus; 3)
Parando no gozo das honras por si mesmas, sem as fazer servir ao bem
dos outros, em contrário da ordem estabelecida por Deus, que exige que
os superiores trabalhem pelo bem dos inferiores.
Esta ambição
estende-se a todos os campos: l) Ao campo político, em que o ambicioso
aspira a governar os outros, e muitas vezes à custa de quantas
baixezas, de quantos compromissos, de quantas covardias que cometem,
para obterem os votos dos eleitores; 2) Ao campo intelectual,
procurando com obstinação impor aos outros as próprias idéias, até
mesmo nas questões livremente controvertidas; 3) À vida civil,
buscando com avidez os primeiros lugares, as funções de mais brilho,
as homenagens da multidão; 4) E até mesmo à vida eclesiástica; pois,
como diz Bossuet, “quantas precauções se
houveram de tomar, para impedir nas eleições, até mesmo eclesiásticas
e religiosas, a ambição, as intrigas, os enredos, as solicitações
secretas, as promessas e os manejos mais criminosos, os pactos
simoníacos e os outros desmandos tão comuns nesta matéria, e Deus sabe
se com tudo isso se terá conseguido pouco mais que encobrir ou paliar
esses vícios, longe de se haverem inteiramente desarraigado”.
E, como nota São Gregório, “não passam
assim as coisas, até mesmo entre os membros do clero, que querem ser
chamados doutores e procuram avidamente os primeiros lugares e os
cumprimentos?”
É, pois, mais comum
do que se poderia julgar à primeira vista este defeito, que se
relaciona também com a vaidade.
3°. A vaidade
é o amor desordenado da estima dos outros. Distingue-se do
orgulho, que se compraz na sua própria excelência. Mas geralmente a
vaidade deriva do orgulho: quem se estima a si mesmo de maneira
excessiva, deseja naturalmente ser estimado dos outros.
A) Malícia
da vaidade. Há um desejo de ser estimado que não é desordem:
desejar que as nossas qualidades, naturais ou sobrenaturais, sejam
reconhecidas, para Deus ser por elas glorificado, e a nossa influência
para o bem, ser por esse modo aumentada, em si não é pecado. A ordem
pede, efetivamente, que o bem seja estimado, contanto que se reconheça
que Deus é o autor de todo o bem e que só Ele deve ser por isso
louvado e engrandecido. Quando muito, pode-se dizer que é arriscado
demorar o pensamento em desejos desses, porque se corre perigo de
desejar a estima dos outros para fins egoístas.
A desordem consiste,
pois, em querer ser estimado por si mesmo, sem referir essa honra a
Deus, que em nós pôs tudo quanto há de bom; ou em querer ser estimado
por coisas vãs que não merecem louvor; ou enfim em procurar a estima
daqueles, cujo critério não tem valor, dos mundanos, por exemplo, que
não apreciam senão as coisas vãs.
Ninguém descreveu
melhor este defeito que São Francisco de Sales:
“Chamamos vã a glória que nos atribuímos, ou
por coisa que não existe em nós, ou por coisa que está em nós, mas não
é nossa, ou por coisa que está em nós e é nossa, mas que não merece
que dela nos gloriemos. A nobreza da raça, o favor dos grandes, a
honra popular, são coisas que não estão em nós, senão em nossos
predecessores ou na estima de outrem. Há quem todo se envaideça e
pavoneie, por se ver em cima dum bom cavalo, por levar um penacho no
chapéu, por estar vestido suntuosamente, mas quem não vê esta loucura?
É que, se há glória nessas coisas, essa glória é para o cavalo, para a
ave ou para o alfaiate... Outros miram-se e remiram-se, por terem o
bigode frisado, a barba bem penteada, os cabelos anelados, mãos muito
finas, por saberem dançar, tocar, cantar; mas não será de ânimo vil,
querer encarecer o seu valor e acrescentar a reputação com coisas tão
frívolas e ridículas? Outros, por um pouco de ciência, querem ser
honrados e respeitados do mundo, como se cada qual tivesse obrigação
de ir à escola a casa deles e tê-los por mestres; é por isso que os
chamam pedantes. Outros narcisam-se extasiados na própria formosura e
crêem que toda a gente os galanteia. Tudo isto é extremamente vão,
insensato e impertinente, e a glória que se toma de tão fracos motivos
chama-se vã, louca e frívola”.
B) Defeitos que
derivam da vaidade. A vaidade produz vários defeitos, que são como
a sua manifestação exterior; em particular a jactância, a
ostentação e a hipocrisia.
1) A jactância
é o hábito de falar de si ou do que pode reverter em seu favor, no
intuito de se fazer estimar. Há alguns que falam de si mesmos, de sua
família, de seus triunfos com uma candura que faz sorrir a quem os
escuta; outros têm uma habilidade rara para fazerem deslizar a
conversa para um assunto em que possam brilhar; outros ainda falam
timidamente dos seus defeitos com a esperança secreta de que os
desculparão, pondo em relevo as suas boas qualidades.
Na História Sagrada
consta-se que Nabucodonosor teve a idéia de fazer em sua própria honra
uma estátua de ouro, e de levantá-la no meio de uma vasta planície. No
dia da inauguração, mandou publicar este edito: “Magistrados e
povo, ficai avisados: apenas ouvirdes a poderosa orquestra tocar com
trompas, flautas, harpas, cítaras e gaitas, imediatamente vos lançais
por terra, adorando a estátua do Rei. Se alguém não o fizer, já arde
para ele uma fornalha de fogo inextinguível”.
Evidentemente, uma
louca soberba induzia Nabucodonosor a julgar-se Deus, e a parodiar o
castigo divino do inferno. Não passou muito tempo que o atingisse a
vingança do Senhor. Ele foi acometido de um mal estranho e bestial,
por força do qual urrava e abocanhava como uma fera, comia feno como
um boi, e nos dedos as unhas lhe cresciam como garras. Aquele que
tinha querido fazer-se Deus, achava-se sendo animal.
O orgulho é essa
suprema depravação que induz o homem a pôr-se no lugar de Deus.
2) A ostentação
consiste em atrair sobre si a atenção por certas maneiras de proceder,
pelo fausto que alardeia, pelas singularidades que dão o que falar.
3) A hipocrisia
toma os exteriores ou as aparências da virtude, ocultando sob essa
máscara vícios secretos muito reais.
III. A malícia do
orgulho
Para bem se julgar
desta malícia, pode-se considerar o orgulho em si mesmo ou nos seus
efeitos.
1°. Em si mesmo:
A) O orgulho propriamente dito, o que consciente e
voluntariamente usurpa, ainda mesmo implicitamente os direitos de
Deus, é pecado grave; o mais grave até dos pecados, diz Santo Tomás de
Aquino, porque não se quer submeter ao supremo domínio de Deus.
a) Assim,
querer ser independente, recusar obediência a Deus ou aos seus
representantes legítimos em matéria grave, é pecado mortal, porque é
revoltar-se contra Deus, nosso legítimo soberano.
b) É falta
grave também atribuir-se a si mesmo o que vem manifestamente de Deus,
sobretudo os dons da graça, porque é negar implicitamente que Deus
seja o primeiro princípio de todo o bem que há em nós. Muitos,
contudo, o fazem, dizendo, por exemplo: eu sou filho das minhas obras.
c) Peca ainda
gravemente quem quer operar para si, com exclusão de Deus, porque isso
equivale a negar-lhe o direito de ser nosso último fim.
B)
O orgulho atenuado que, conquanto reconheça a Deus como primeiro
princípio e último fim, lhe não dá tudo o que lhe é devido, antes lhe
rouba implicitamente uma parte da sua glória, é falta venial bem
caracterizada. Tal é o caso dos que se gloriam das suas boas
qualidades e virtudes, como se estivessem persuadidos que tudo isso
lhes pertence como próprio; ou então o dos que são presunçosos,
vaidosos, ambiciosos, sem, contudo, fazerem nada que seja contrário a
uma lei divina ou humana em matéria grave. Podem, contudo, estes
pecados degenerar em mortais, impelindo-nos a atos gravemente
repreensíveis. Assim a vaidade, que em si não passa de falta venial,
torna-se grave, quando leva a contrair dívidas que se não poderão
pagar, ou a excitar nos outros amor desordenado. É preciso, pois,
examinar também o orgulho nos seus resultados.
2°. Em seus
efeitos: A) O orgulho que se não reprime chega por vezes a efeitos
desastrosos. Quantas guerras não foram ateadas pelo orgulho dos
governantes e às vezes dos mesmos povos? Sem ir tão longe, quantas
divisões nas famílias, quantos ódios entre particulares se devem
atribuir a este vício? Os Santos Padres ensinam com razão que ele é a
raiz de todos os outros vícios, e que ademais, corrompe muitos atos
virtuosos, porque nos leva a praticá-los com intenção egoísta.
B) Encarando
esses efeitos pelo lado da perfeição, que é o que nos interessa,
pode-se dizer que o orgulho é o seu maior inimigo, porque produz em
nossa alma uma lastimosa esterilidade e é fonte de numerosos pecados.
a) Priva-nos, efetivamente, de muitas graças e merecimentos:
1) De muitas graças,
porque Deus, que dá com liberalidade a sua graça aos humildes,
recusa-a aos soberbos. Pesemos bem estas palavras, Deus resiste aos
soberbos, porque, diz M. Olier, “como o
soberbo ataca diretamente e aborrece a soberania divina, Deus lhe
resiste às pretensões insolentes e horríveis; e, como se quer
conservar no que é, abate e destrói o que se eleva contra Si”.
2) De muitos
merecimentos: uma das condições essenciais do mérito é a pureza de
intenção; ora, o orgulhoso opera para si ou para agradar aos homens,
em lugar de trabalhar para Deus e assim merece a censura dirigida aos
Fariseus, que faziam as suas boas obras com ostentação, para serem
vistos dos homens, e, por esta razão, não podiam esperar recompensa
alguma de Deus.
b)
É, além disso, fonte de numerosas faltas. l) Faltas pessoais:
por presunção, expõe-se ao perigo em que sucumbe; por orgulho, não
pede instantemente as graças de que precisa, e cai; depois vem o
desalento, correndo até perigo de dissimular os pecados na confissão;
2) Faltas contra o próximo: por orgulho, não se quer ceder, até
mesmo quando se não tem razão, empregam-se picuinhas mordazes na
conversação, travam-se discussões ásperas e violentas que acarretam
discórdias; daí, palavras amargas, até injustas, contra os rivais,
para os abater, críticas acerbas contra os Superiores e recusa de
obedecer às suas ordens.
c)
É, enfim, uma causa de infelicidade para quem cede habitualmente ao
orgulho: como o orgulhoso quer ser grande em tudo e dominar os seus
semelhantes, para ele deixa de haver mais paz e repouso. E na verdade,
como por um lado não pode sossegar, enquanto não consegue triunfar de
seus rivais, e por outro jamais o consegue completamente; vive
perturbado, agitado e infeliz. Importa, pois, buscar remédio para este
vício tão perigoso.
IV. Os remédios
do orgulho
O remédio mais
eficaz contra o orgulho é reconhecer que Deus é o autor de todo o bem,
e que, por conseguinte, só a Deus pertence toda a honra e glória. De
nós mesmos não somos mais que nada e pecado, e, por conseguinte, não
merecemos senão esquecimento e desprezo.
1.° Não somos
mais que nada: É esta uma convicção fundamental que os
principiantes devem haurir da meditação, refletindo lentamente, à luz
divina, nos pensamentos seguintes: não sou nada, não posso nada, não
valho nada.
A) Não sou
nada: aprouve, é certo, à Bondade divina escolher-me entre milhões
e milhões de possíveis, para me dar a existência, a vida, uma alma
espiritual e imortal, e por esses benefícios devo-lhe dar graças todos
os dias. Mais: a) Eu saí do nada, e pelo meu próprio peso tendo para o
nada, aonde me precipitaria infalivelmente, se o meu Criador me não
conservasse pela sua ação incessante; o meu ser não me pertence, pois,
mas é todo inteiramente de Deus, e a Deus é que eu devo fazer dele
homenagem.
b) Este ser
que Deus me deu é uma realidade viva, um imenso benefício, de que
jamais lhe poderei dar graças excessivas; mas, por mais admirável que
seja, este ser, comparado ao Ser divino, é um puro nada... tão
imperfeito é! l) É um ser contingente, que poderia desaparecer, sem
que nada faltasse à perfeição do mundo; 2) É um ser de empréstimo, que
não me é dado senão com a reserva expressa do soberano domínio de
Deus; 3) É um ser frágil que não pode subsistir por si mesmo e
necessita de ser sustentado a cada instante por Aquele que o criou. É,
pois, um ser essencialmente dependente de Deus, sem outra razão de
existir mais que dar glória ao seu autor. Esquecer esta dependência,
proceder como se as nossas qualidades fossem completamente nossas e
envaidecermo-nos delas, é, pois, erro, loucura e injustiça
inconcebíveis.
E o que dizemos do
homem na ordem da natureza, mais verdade é ainda na ordem da graça:
esta participação da vida divina, que faz a minha dignidade e
grandeza, é um dom essencialmente gratuito, que tenho de Deus e de
Jesus Cristo, que não posso conservar muito tempo sem a graça divina
que, não aumenta em mim, senão com o concurso sobrenatural de Deus...
Que ingratidão e injustiça atribuir a si mesmo a menor parcela deste
dom essencialmente divino!
B) Não posso
nada por mim mesmo: é certo que recebi de Deus faculdades
preciosas que me permitem conhecer e amar a verdade e a bondade.
Estas faculdades foram aperfeiçoadas pelas virtudes sobrenaturais e
pelos dons do Espírito Santo; e mal poderíamos admirar em
excesso esses dons da natureza e da graça que tão
perfeitamente se completam e harmonizam. Mas, de mim mesmo, de
minha própria iniciativa, não posso nada para os pôr em ação e os
aperfeiçoar: nada, na ordem natural, sem o concurso de Deus: nada, na
ordem sobrenatural, sem a graça atual, nem sequer formar um bom
pensamento salutar, um bom desejo sobrenatural. E, sabendo isto,
poderia eu envaidecer-me destas faculdades naturais e
sobrenaturais, como se elas fossem inteiramente propriedade
minha? Ainda aqui seria ingratidão, loucura e injustiça.
C) Não valho
nada: se considero o que
Deus pôs em mim e o que em mim opera pela sua graça, não há dúvida que
sou de altíssimo preço, sou um valor: valho o que custei, custei o
sangue de um Deus! Mas a honra da minha redenção e santificação, é a
mim que deve referir-se ou é a Deus? A resposta não pode oferecer a
menor dúvida. Apesar de tudo, diz o amor próprio vencido, ainda assim
tenho alguma coisa que é minha e me dá valor: é o meu livre
consentimento ao concurso e à graça de Deus. Certo que temos nisso
alguma parte, mas não a principal: esse livre consentimento não é mais
que o exercício das faculdades que Deus nos deu gratuitamente, e, no
próprio momento em que o damos, é Deus que o opera em nós, como causa
principal. E, por uma vez que consentimos em seguir o impulso da
graça, quantas vezes lhe não resistimos, quantas vezes não cooperamos
com ela senão imperfeitamente. Verdadeiramente que não temos neste
ponto nada de que nos ufanar, senão de que nos humilhar.
Quando um grande
mestre pintou uma obra prima, é a ele que atribuímos e não aos
artistas da terceira ou quarta ordem que foram seus colaboradores. Com
mais força de razão, devemos atribuir os nossos méritos a Deus, como
causa primária e principal, pois que, segundo canta a Igreja, Deus
coroa os seus dons, quando coroa os nossos méritos.
Assim, pois, seja
qual for a luz a que nos consideremos, seja qual for o preço imenso
dos dons que há em nós, e até mesmo dos nossos próprios méritos, não
temos o direito de nos jactarmos deles, mas o dever de os referir a
Deus na mais sentida homenagem de ação de graças, pedindo-lhe ao mesmo
tempo perdão do mau uso que deles temos feito.
2.° Sou pecador,
e, como tal, mereço o desprezo, todos os desprezos com que aprouver a
Deus esmagar-me. Para disso nos convencermos, basta lembrarmos do
pecado mortal e venial que cometemos.
A) Se tive a
infelicidade de cometer um só pecado mortal, mereço eternas
humilhações, pois que mereci o inferno. Posso ter, é certo, a doce
confiança de que Deus já me perdoou; mas nem por isso deixa de
continuar a ser verdade que cometi um crime... uma espécie de deicídio
e suicídio espiritual, e que, para expiar a ofensa à Majestade divina,
devo estar disposto a aceitar, a desejar até todas as humilhações
possíveis, as maledicências, as calúnias, as injúrias, os insultos:
tudo isso fica muito aquém do que merece aquele que uma só vez ofendeu
a infinita Majestade de Deus. E, se o ofendi muitas vezes, qual não
deve ser a minha resignação, a minha alegria, quando tenho ocasião de
expiar os meus pecados por meio de opróbrios de curta duração!?
B)
Todos nós temos cometido pecados veniais, e, sem dúvida, de propósito
deliberado, preferindo a nossa vontade e o nosso prazer à vontade e
glória de Deus. Ora, isto é uma ofensa à Majestade divina, ofensa que
merece humilhações tão profundas que, nem mesmo com uma vida inteira
passada na prática da humildade, poderíamos por nós mesmos restituir a
Deus toda a glória de que injustamente o despojamos. Se a alguém
parecer exagerada esta linguagem, lembre-se das lágrimas e penitências
austeras dos Santos, que não tinham cometido senão faltas veniais, e
que nunca se podiam persuadir que faziam demais para purificar a sua
alma e reparar os ultrajes infligidos à Majestade divina. Estes Santos
viam nisto mais claro do que nós; se não pensamos como eles, é porque
estamos obcecados pelo orgulho.
Devemos, pois, como
pecadores, não somente não procurar a estima dos outros, mas
desprezar-nos a nós mesmos e aceitar todas as humilhações que a Deus
aprouver enviar-nos.
O orgulhoso possui
um coração duro: “A terra pedregosa
significa o coração do soberbo. A soberba torna o coração duro, porque
não quer receber nenhuma correção. Se a chuva cai sobre a pedra,
banha-a por fora, mas não por dentro, onde ela fica árida. Assim, se a
chuva da palavra divina e da divina inspiração cai sobre o coração
soberbo, toca-o por fora apenas, pois dentro não pode ir”
(Pe. João Colombo).
Católico, você já
examinou a sua consciência sobre o pecado de orgulho?
Católico, você acusa
o pecado de orgulho na confissão?
Quem sabe você é o
“rei da humildade”, aquele que caiu do céu por descuido!
Pe. Divino Antônio
Lopes FP.
Anápolis, 24 de
fevereiro de 2008
Bibliografia
Escritura Sagrada
Mnr. Cauly, Curso de
Instrução Religiosa – O Catecismo Explicado
Bem-aventurado José
Allamano, A Vida Espiritual
São Pio X, Catecismo
Maior
Adolfo Tanquerey,
Compêndio de Teologia Ascética e Mística
Pe. João Colombo,
Pensamentos sobre os Evangelhos
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