AVAREZA: SEGUNDO
VÍCIO CAPITAL
(1 Cor
6, 10)
“... nem os avarentos... herdarão o Reino de
Deus”.
COMO
MORRE UM AVARENTO
Em
Paris, estava um velho avarento estendido em seu leito de agonia.
Trabalhara sem cessar durante toda a vida, não só nos dias úteis, mas
também nos domingos e festas de preceito, e isso para amontoar
riquezas e mais riquezas. A sua divisa parece ter sido esta: “Ouro,
por ti eu vivo; por ti eu morro!”
Como
estava prestes a expirar, pediu que lhe colocassem nas mãos muitas
moedas de ouro. Fizeram-lhe a vontade e, assim, expirou. As moedas
rolaram pelo chão. Estava morto, afinal, o gozo do ouro...
1.° Natureza. A avareza é o amor desordenado dos bens
da terra. Para mostrar onde se encontra a desordem da avareza, importa
recordar, primeiro, o fim para que Deus deu ao homem os bens
temporais.
A avareza é um dos pecados chamados capitais, visto ser dele que
nascem, como de fonte ou cabeça, muitos outros.
Por ser
ocasião de outros pecados. São Paulo chega a dizer que
“a raiz de todos os males é o
dinheiro” (1 Tm
6, 10).
São Francisco de Sales chama
“loucura” a este pecado, pois
“nos torna escravos daquilo
que foi criado para nos servir”
(Introdução à Vida Devota, IV, 10).
Da avareza nascem não só os pecados de roubo e fraude, como também
os menos reconhecidos de injustiça entre patrões e empregados,
práticas abusivas nos negócios, mesquinhez e indiferença ante as
necessidades dos pobres, e isso para mencionar só uns poucos exemplos.
A avareza pode assumir diversas formas:
1. Tacanhez, que leva a fugir das despesas razoáveis ou
regatear tudo.
2. Cobiça, que procura acumular mais e mais riquezas, por
motivos egoístas e sem confiança na Providência.
Há certo amor aos bens da terra que é legítimo; é um estímulo para
o trabalho, uma previdência para o futuro; porém, desejar as riquezas,
não para usar delas licitamente, senão pelo mero gosto de as possuir e
por nelas todo o afeto, é idolatria aviltante e cheia de perigos (Cl
3, 5).
A) O
fim, que Deus se propôs, é duplo: a nossa utilidade pessoal e a
dos nossos irmãos.
a) Os bens da terra nos são concedidos para socorrerem as
necessidades temporais do homem, tanto da alma como do corpo, para
conservarem a nossa vida e a dos que dependem de nós, e para nos darem
meios de cultivarmos a inteligência e demais faculdades.
Entre esses bens: l)
Uns são necessários para o presente ou para o futuro: é um dever
adquiri-los por meio do trabalho honesto; 2) Os outros são úteis para
aumentar gradualmente os nossos recursos, assegurar o nosso bem-estar
ou o dos outros, contribuir para o bem público, favorecendo as
ciências ou as artes. Não é proibido desejá-los para um fim honesto,
contanto que se reserve uma parte para os pobres e para as boas obras.
b)
Nos são também dados estes bens para socorrermos os nossos irmãos que
estão na indigência. Somos, pois, em certa medida, tesoureiros da
Providência, e devemos dispor do supérfluo para assistir aos pobres.
B) Agora já
nos é mais fácil mostrar onde se encontra a desordem no amor dos bens
da terra.
a) Está
muitas vezes na intenção: desejam-se as riquezas, por si mesmas, como
fim, ou por fins intermédios que se erigem em fim último, por exemplo,
para alcançar prazeres ou honras. Parar ali, não encarar a riqueza
como meio de agenciar bens superiores, é uma espécie de idolatria, o
culto do bezerro de ouro; não se vive mais que para o dinheiro.
b)
Manifesta-se ainda na maneira de as adquirir: procuram-se com avidez,
por toda a espécie de meios, com prejuízo dos direitos de outrem, com
dano da saúde própria ou dos empregados, por meio de especulações
temerárias, com risco de perder o fruto das próprias economias.
c) Aparece
também na maneira de usar deles: l) Só se despendem de má vontade, com
mesquinhez; o que se quer é acumular, para maior segurança, ou para
gozar da influência, que dá a riqueza; 2) Não se dá nada ou quase nada
aos pobres e às boas obras: capitalizar, eis o fim supremo que se
procura a todo o transe. 3) Alguns chegam deste modo a amar o dinheiro
como um ídolo, a aferrolhá-lo no cofre, a apalpá-lo com amor: é o tipo
clássico do avarento.
C) Este
defeito não é geralmente o dos jovens, que, ainda levianos e
imprevidentes, não pensam em capitalizar; há, contudo, exceções entre
os caracteres sombrios, inquietos e calculadores. Na idade madura ou
na velhice é que ele se manifesta: então é que se desenvolve o temor
de vir a passar míngua, fundado por vezes no receio das doenças ou dos
acidentes que podem produzir a impotência ou a incapacidade de
trabalhar. Os solteirões e solteironas estão particularmente expostos
a este vício, por não terem filhos que os socorram na velhice.
D) A
civilização moderna desenvolveu outra forma do amor insaciável das
riquezas, a plutocracia, a sede de chegar a ser milionário ou até
bilionário, não para assegurar o seu futuro ou o de seus filhos, senão
para adquirir esse poder dominador que o dinheiro conquista. Quem tem
à sua disposição somas enormes, goza de grandíssima influência, exerce
um poder muitas vezes mais eficaz que os governantes, é o rei do
ferro, do aço, do petróleo, da finança, e manda aos soberanos como aos
povos. Esta dominação do ouro degenera muitas vezes em tirania
intolerável.
2.° Sua malícia.
A) A avareza é um sinal de desconfiança de Deus, que prometeu
velar sobre nós com paternal solicitude, não nos deixando jamais
passar falta do necessário, contanto que tenhamos confiança nele.
Convida-nos a olhar para as aves do céu, que não trabalham nem fiam,
não certamente para nos incitar à preguiça, senão para acalmar as
nossas preocupações e nos estimular à confiança em nosso Pai
celestial. Ora, o avarento, em lugar de pôr a sua confiança em Deus,
coloca-a na multidão das suas riquezas e faz injúria a Deus,
desconfiando d’Ele. Esta desconfiança é acompanhada de excessiva
confiança em si mesmo, na sua atividade pessoal: quer o homem ser a
sua providência, e assim cai numa espécie de idolatria, fazendo do
dinheiro o seu Deus. Ora, ninguém pode servir ao mesmo tempo a dois
senhores, a Deus e a riqueza.
É, pois, grave de
sua natureza este pecado, pelas razões que acabamos de indicar; é o
também, sempre que leva a faltar aos deveres graves da justiça, pelos
meios fraudulentos que porventura se empreguem para adquirir e reter a
riqueza; da caridade, quando se não dão as esmolas necessárias; da
religião, quando alguém se deixa de tal modo absorver pelos negócios
que menospreza os deveres religiosos. Não passa, porém, de pecado
venial, quando não nos leva a faltar a qualquer das grandes virtudes
cristãs, nem muito menos aos deveres para com Deus.
B)
Sob o aspecto da perfeição, é gravíssimo obstáculo o amor desordenado
das riquezas.
a) É paixão
que tende a suplantar a Deus em nosso coração: este coração, que é
templo de Deus, é invadido por toda a sorte de desejos inflamados das
coisas da terra, de inquietações, de preocupações absorventes. Ora,
para nos unirmos a Deus, é mister desprender o coração de qualquer
criatura ou preocupação terrena; porque Deus quer
“todo o espírito, todo o coração, todo o tempo
e todas as forças de suas pobres criaturas” (J. J.
Olier). É, sobretudo, necessário
esvaziá-lo do orgulho; ora o apego às riquezas desenvolve esse
orgulho, porque o homem tem mais confiança nos bens terrenos que em
Deus.
Deixar prender o
coração ao dinheiro é, pois, levantar um obstáculo ao amor de Deus;
porque onde está o nosso tesouro lá está também o nosso coração.
Desprendê-lo é abrir a Deus a porta do coração: uma alma despojada dos
bens da terra é rica do próprio Deus.
b)
A avareza conduz igualmente à falta de mortificação e à sensualidade:
quem tem dinheiro e o ama, quer gozar dele e comprar com ele muitos
prazeres; ou então, se se priva desses prazeres, é para apegar o
coração ao dinheiro. Em ambos os casos, é sempre um ídolo que nos
afasta de Deus. Importa, pois, combater esta triste inclinação.
3.° Remédios. A)
O melhor remédio é a convicção profunda, fundada na razão e na fé, que
as riquezas não são fim, senão meios que nos dá a Providência, para
acudirmos às nossas necessidades e às de nossos irmãos; que Deus nunca
deixa de ser o soberano Senhor delas; que nós, a bem dizer, não
passamos de meros administradores, e que um dia havemos de dar conta
delas ao Juiz Supremo. E depois, são bens que passam, que não
levaremos conosco para a outra vida, onde não corre essa moeda; se
formos prudentes, para o céu e não para a terra é que trataremos de
capitalizar: “Não queirais entesourar para
vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os destroem e os
ladrões os desenterram e furtam. Entesourai antes para vós tesouros no
céu, onde nem a ferrugem nem a traça os destroem, e onde os ladrões
não os desenterram, nem furtam” (Mt 6, 19-20).
B) Para
melhor desapegar o coração, não há meio mais eficaz que depositar os
seus bens no banco do céu, consagrando uma parte generosa aos pobres e
às boas obras. Dar aos pobres é emprestar a Deus, é receber o
cêntuplo, ainda mesmo neste mundo, tendo a consolação de fazer ditosos
à roda de si, mas, sobretudo, no céu, onde Jesus, que considera como
dado a Si mesmo o que foi dado ao menor dos seus, se encarregará de
restituir em riquezas não perecíveis os bens temporais que houvermos
sacrificado por Ele. Prudentes são, pois, aqueles que cambiam os
tesouros da terra pelos do céu. Procurar a Deus, tender à santidade,
eis aqui em que consiste a prudência cristã:
“Buscai primeiro o reino de Deus e a sua
justiça, e tudo isto vos será dado por acréscimo”
(Mt 6, 33).
C) Os
perfeitos vão mais longe: vendem tudo, para darem aos pobres ou para o
porem em comum, entrando numa congregação. Pode também algum, sem
abdicar o domínio, despojar-se dos rendimentos, não fazendo uso deles
senão conforme o parecer dum prudente diretor. Desse modo, sem sairmos
do estado em que a providência nos colocou, podemos praticar o
desprendimento de espírito e do coração.
Pe. Divino Antônio
Lopes FP.
Anápolis, 27 de
fevereiro de 2008
Bibliografia
Escritura Sagrada
Pe. Leo J. Trese, A
Fé Explicada
Mnr. Cauly, Curso de
Instrução Religiosa – O Catecismo Explicado
Adolfo Tanquerey,
Compêndio de Teologia Ascética e Mística
Ricardo Sada e
Alfonso Monroy, Curso de Teologia Moral
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