IRA: QUARTO VÍCIO CAPITAL
(Ef 4, 26)

 

“... não se ponha o sol sobre a vossa ira...”.

 

CASTIGO DA IRA

 Após a grande guerra emigrou para a América um homem de Neusadeuz, na Galícia. Passados alguns anos, sua esposa, que o tinha por morto, recebe uma carta do ausente. Aberto o envelope, encontra apenas o retrato e a assinatura do marido. Desenganada por não encontrar o que desejava, atira ao fogo a fotografia. No dia seguinte recebe outra carta do marido: Ele avisava que na fotografia ela encontraria escondidos seiscentos dólares, auxílio que lhe enviava.

Foi tamanha a tristeza daquela mulher, vítima de seu mau gênio, que logo depois faleceu.

 

A ira é uma aberração daquele sentimento instintivo que nos leva a defender-nos, quando somos atacados, repelindo a força com força.

Ira é o desejo desordenado de vingar uma injúria. Não é, pois, pecado grave querer castigar justamente uma ofensa que nos é feita indevidamente. Mas será pecado grave querer dar um castigo notavelmente excessivo ou castigar uma falta que não existe, causando, sem motivo, em ambos os casos, grave desgosto ao próximo.

Ordinariamente, chamamos ira ao ato de nos impacientarmos ou de nos zangarmos. Tais atos são antes, uma falta, que só seria pecado grave quando, por causa da nossa zanga, faltássemos gravemente à caridade ou ao respeito devidos ao próximo.

Ira é o movimento desordenado da alma pelo qual se repele com violência o que desagrada; leva à vingança.

Ira é um pecado emocional desordenado que nos incita a desforrar-nos dos outros, a opor-nos insensatamente a pessoas ou coisas. Os homicídios, as desavenças e as injúrias são consequências evidentes da ira, como também o são o ódio, a murmuração e o dano à propriedade alheia.

A ira é santa quando leva a defender os valores divinos (é a ira de Jesus Cristo ao expulsar os vendilhões do Templo: cf Mc 11, 15-19); o ódio agrada a Deus se é ódio ao pecado; o prazer é bom quando regido pela reta razão. Se os objetos a que tendem as paixões forem maus, afastam-nos do fim último: tais são o ódio ao próximo, a ira por motivos egoístas e o prazer desordenado...

 

 I - Natureza da ira

 

ira-paixão e ira-sentimento.

1.° A ira, considerada como paixão, é uma necessidade violenta de reação, determinada por um sofrimento ou contrariedade física ou moral. Esta contrariedade desencadeia uma emoção violenta que distende as forças no intuito de vencer a dificuldade: sentem-se então impulsos de descarregar a cólera sobre pessoas, animais ou coisas.

 

Distinguem-se duas formas principais: a cólera rubra ou expansiva nos fortes, e a cólera branca ou pálida, ou espasmódica nos fracos. Na primeira, bate o coração com violência e impele o sangue para a periferia: acelera-se a respiração, avermelha-se o rosto, incha o pescoço, desenham-se as veias sob a pele; eriçam-se os cabelos, faísca o olhar, saltam das órbitas as pupilas, dilatam-se as narinas, enrouquece a voz, entrecortada, exuberante. Aumenta a força muscular, todo o corpo se distende pra a luta, e o gesto irresistível fere, quebranta ou afasta violentamente o obstáculo. Na cólera branca, contrai-se o coração, torna-se a respiração difícil, cobre-se a face de palidez extrema, goteja a fronte suor frio, cerram-se as maxilas, guarda-se um silêncio impressionante; mas a agitação, contida no interior, acaba por estalar brutalmente, descarregando-se por meio de golpes violentos.

 

2.° A ira, considerada como sentimento, é um desejo ardente de repelir e castigar um agressor.

A) Há uma cólera legítima, uma santa indignação, que não é senão o desejo ardente, mas racional, de infligir aos criminosos o justo castigo. Foi assim que Cristo Senhor Nosso entrou em justa cólera contra os vendilhões que com o seu tráfico contaminavam a casa de seu Pai; o sumo sacerdote Heli, pelo contrário, foi severamente censurado por não ter reprimido o mau procedimento de seus filhos.

 

Para ser legítima, a cólera tem que ser: a) Justa no seu objeto, não tendo em vista senão castigar a quem o merece e na medida em que o merece; b) Moderada no seu exercício, não indo mais longe do que reclama a ofensa cometida e seguindo a ordem que demanda a justiça; c) Caritativa na sua intenção, não se deixando arrastar a sentimentos de ódio, não procurando senão a restauração da ordem e a emenda do culpado. Qualquer destas condições que falte, haverá excesso repreensível. É, sobretudo nos superiores e pais que a cólera é legítima; mas os simples cidadãos têm por vezes direito e dever de se deixarem inflamar de cólera santa, para defenderem os interesses da cidade e impedirem o triunfo dos maus; é que, efetivamente, há homens que a doçura deixa insensíveis, e nada temem senão o castigo.

 

B) Mas a cólera, que é vício capital, é um desejo violento e imoderado de castigar o próximo, sem atender às três condições indicadas. Muitas vezes é a cólera acompanhada de ódio, que procura não somente repelir a agressão, mas ainda tirar dela vingança; é um sentimento mais refletido, mais duradouro, e que por isso mesmo tem mais graves consequências.

 

3.° A cólera tem graus: a) Ao princípio, é apenas um movimento de impaciência: mostra-se mau humor à primeira contrariedade, ao primeiro revés; b) Depois, é arrebatamento, que faz que um se irrite desmedidamente e manifeste o descontentamento com gestos desordenados; c) Às vezes, vai até à violência e não traduz-se somente por palavras,  mas  até por golpes; d)   Pode chegar ao  furor,  que é uma loucura passageira; o colérico nesse caso já não é senhor de si mesmo, mas deixa-se arrebatar a palavras incoerentes, a gestos tão desordenados que antes se diriam um verdadeiro acesso de loucura; e) Enfim, degenera por vezes em ódio implacável que não respira mais que vingança e vai  até desejar a morte do adversário.   Importa discernir estes graus, para apreciar a sua malícia.

O Pe. Miguel Meier escreve: “Há uma ira justa e santa. Tal foi a ira de Moisés quando desceu do Sinai e viu o bezerro de ouro e as danças. (Ex 32, 19): ‘Muito irado atirou das suas mãos as tábuas da lei e quebrou-as ao pé do monte’. Ira justa foi a de Jesus quando expulsou do templo os que profanavam o templo com um tráfico escandaloso (Mt 22, 12 e Jo 2, 13).

Ira pecaminosa: Raiva de Caim contra Abel. ‘E Caim irou-se extremamente e seu semblante ficou abatido’ (Gn 4, 5-6).

Ira e ódio de Esaú: ‘Odiava a Jacó por causa da bênção e disse: ‘Matarei Jacó meu irmão’.

Os habitantes de Nazaré exigiram de Jesus os milagres que tinha feito em outros lugares. Jesus lhes disse: ‘Nenhum profeta é bem aceito em sua terra, e mostrou-lhes que não podia fazer milagre por causa da incredulidade dos nazarenos. Ouvindo estas palavras, todos os que estavam na sinagoga se encheram de cólera, levantaram-se, expulsaram-no da cidade e o conduziram ao monte sobre o qual estava edificada a cidade, para dali o precipitarem. Jesus, porém, passando pelo meio deles retirou-se para Cafarnaum” (A Catequese).

 

Não vos ireis

 

Um famoso médico pagão de nome Galeno viu, à entrada de uma casa, um homem irado, justamente na explosão da sua paixão. Tinha os olhos sanguíneos e revirados, agitava toda a sua pessoa como um epilético, e com lábios lívidos e trêmulos vomitava contra o céu uma saraivada de horríveis juras e de blasfêmias atrozes. De vez em quando ele se calava, mas a boca estava convulsa, e o seu peito soltava gemidos como de touro ferido. Galeno foi presa de um frêmito de horror, pois lhe parecia que aquele não era mais um homem, porém uma besta selvagem, e concebeu tal aversão à cólera, que em toda a sua vida nunca lhe escapou uma explosão de ira.

 

Se a razão é o que distingue os homens dos animais, devemos concluir justamente que a ira nos transforma em animais, visto que justamente nos priva da razão. E às vezes por uma verdadeira inépcia.

O colérico põe-se a escrever: a pena chia e não solta tinta. Nada de extraordinário, mas, no entanto, ele já se tornou vermelho como um morango, já treme, já tudo vai pelos ares, papel, pena e tinteiro.

O colérico abre uma porta: a chave engasga e não gira. Nada de extraordinário, mas, contudo, ele já arreganha os dentes aborrecido, bate os pés, lança-se como um demente contra a porta, bate-a com os punhos.

O colérico senta-se à mesa: à primeira colherada, percebe que a sopa está insossa. Uma distração da mulher, mas facilmente remediável; bastaria aspergi-la com sal refinado. Mas, em vez disto, é uma cascata de palavras injuriosas, de imprecações, de blasfêmias, e enfim, como conclusão, ele atira o prato à parede e o talher ao chão. As crianças, amedrontadas, refugiam-se atrás da porta e choram.

Basta destes desagradáveis episódios: enquanto isso, pensemos, que vida penosa na casa do colérico! Se, depois, é de índole furiosa a mulher, então o Espírito Santo tem razão de dizer que é melhor fugir para o deserto: “Melhor é morar numa região deserta, do que com uma mulher queixosa e iracunda” (Pr 21, 19). Enquanto isso, pensemos nos maus exemplos, nos danos materiais, nas inimizades e nas desordens que provêm da ira. Pensemos somente nas infinitas blasfêmias que todos os dias sobem para provocar a vingança de Deus, as quais todas são más ervas nascidas no campo do iracundo.

Previno uma objeção.   “Compreendo que não faço bem, — diz o colérico — mas sou assim feito”.    “És assim feito, mas deves corrigir-te”. “É impossível!”   Não é verdade;   outros mais infelizes na índole do que tu tornaram-se mansos;  portanto tu também, se quiseres, podes modificar-te.    E, se verdadeiramente o queres, usa estes três meios:   a oração, porque nada de bom podemos realizar sem o auxílio do Alto;   o esforço cotidiano e enérgico para te dominares a ti mesmo, porque o Céu te ajudará se fizeres de tua parte;   enfim, a Confissão frequente, a qual te obrigará a refletir , nas tuas faltas e a detestá-las, e te infundirá novo ânimo.

E depois disto um conselho indispensável! Não dizeres nem fazeres nada enquanto estiveres agitado pela ira, porque, quando o sangue ferve, os olhos se turvam, a mente fica nebulosa e não falarias nem agirias com sensatez.

Arquita, filósofo de Taranto, recolhendo-se em casa uma noite, ouviu do feitor os estragos feitos por alguns servos, e ficou furioso.

“Que devo fazer?” - perguntou o feitor.

“Se eu não estivesse irado, - respondeu o filósofo - fa-los-ia bater todos até sangrar. Mas volta amanhã de manhã, e dar-te-ei as ordens oportunas”. Sábia resposta!

E, ainda, ficai atentos a não ralhardes, nem castigardes vossos filhos nos momentos de fúria: não saberíeis conservar o justo meio termo, e a repreensão não atingiria o escopo. Deixai esfriar a cólera, e depois vereis melhor a natureza do erro, e o castigo adequado para puni-los.

Conta Sêneca, que Platão, uma vez, deixou-se surpreender por um acesso de raiva contra o seu escravo, e empunhou a chibata. Mas, quando percebeu estar irado, ficou com a mão suspensa em ato de ferir, porém imóvel como uma estátua. Justamente naquele momento bateu-lhe em casa um amigo: “Que estás fazendo?” perguntou-lhe admirado. “Estou esperando que a raiva me passe”, respondeu Platão (De ira, liv., III, c. 12).

 

 Não provoques à ira          

 

Quando as balas de canhão encontram o mole, não explodem e detêm-se inócuas. Aí está por que, durante a guerra, com acolchoados da lã e com saquinhos de areia se defendem dos abusos dos adversários os monumentos de arte. Não diversamente ocorre na vida: se cercardes o homem colérico com a vossa doçura, ele fica desarmado e é inócuo.

Acrescentarei outro símile. Quando Davi via o rei Saul cheio de furor como um endemoninhado; em silêncio, com calma tomava a harpa e tirava dela dulcíssimos acordes. Sucessivamente as notas se alçavam trêmulas no ar. Sentia-as Saul caírem como gotas de orvalho sobre a ardência da sua alma, sentia-as como gotas de bálsamo difundir-se em lenitivo dos seus ardores.

Não diversamente sucede na vida: se em vossa casa, se na vossa vizinhança, se na vossa oficina há uma índole furiosa, aplacai-a com a suave música da vossa doçura. É doçura manter para com todos a bondade do coração e das ações; não oferecer estímulos à ira alheia com respostas descorteses ou malignas; sofrer com paciência as injúrias; e, sobretudo calar, calar, calar.

Um fidalgo de Genebra odiava de morte o bispo da cidade, São Francisco de Sales, e já não sabia mais o que inventar para desafogo da sua verde bile. Um dia, correu ao bispado com todos os seus cães e servidores, uns para que ladrassem e outros para que insultassem. Foi um barulho dos infernos, mas ninguém chegou à janela. Então ele mesmo subiu ao quarto do santo e vomitou contra ele toda a mais bárbara espécie de injúrias. O bispo escutava-o sem se queixar; mas o seu inimigo, interpretando esse silêncio como desprezo, redobrou de violência, e, não podendo mais, foi-se embora.

Os amigos de São Francisco, que haviam assistido à cena, perguntaram-lhe como tinha podido calar-se, e o santo respondeu: “Minha língua e eu fizemos um pacto: combinamos que, enquanto o coração estiver agitado, da boca não saia palavra”.

Este mesmo pacto deve concluir todas as mulheres que têm o marido colérico; todos os homens que têm mulher iracunda; todos aqueles que têm em casa uma sogra ou uma nora, um cunhado ou uma cunhada fáceis à ira. E, visto que todos nós somos — mais ou menos — susceptíveis de iracunda, todos nós devemos fazer o pacto que São Francisco fez com a sua língua: saber calar.

Então, ó cristãos, em todas as nossas famílias ocorrerão aqueles milagres de transformação que Santo Agostinho diz ocorridos na sua família por obra de Mônica sua mãe. Mônica casara-se com Patrício, infiel de religião, soldado de profissão e bárbaro de costumes. Além de ter alguns “bons defeitos”, o pai de Santo Agostinho era um tipo colérico. E Mônica, ao vê-lo em fúria, cedia-lhe, e nem com fato nem com palavra lhe contrariava a ira. E, se ele se encolerizava sem razão, ela, deixando-o acalmar-se, aproveitava o momento oportuno para adverti-lo do seu modo de fazer. Sucedia, às vezes, muitas senhoras, que no, entanto tinham maridos mais discretos, conversando juntas, se queixarem, em confidências, dos maus tratos recebidos de seus maridos, e documentavam a verdade mostrando o rosto machucado por pancadas. E Mônica, embora zombeteira em aparência, com seriedade as avisava: “É a vossa língua que vos arranja isso...”

Mônica também teve de avir-se com a sogra, a qual, instigada pelas servas, era intratável, fazia zangas e cenas a cada coisa dela. Mas a boa nora suportava tudo em silêncio e com mansidão, e tanto a cercou de obséquios e de cortesia, que afinal a tornou amiga.

“De outra bela qualidade tu, ó Senhor, dotaras aquela boa serva vossa que era minha mãe, isto é, a de pôr paz em toda parte onde o pudesse. Intervinha sempre que mulheres litigantes vinham a ela; e uma delas, ausente a outra, gritava e proferia as mais negras calúnias contra a adversária, quais justamente sabem fazer vomitar a zanga, e a discórdia fervilhante. E Mônica, prudentíssima, não manifestava, disso, à outra senão o que valesse para recompor os ânimos e para fazer voltar a paz. Isto eu não o teria como grande mérito se, com muita dor, não me doesse todo de ver gente sem número, presa de malignidade pestilenta e ruinosa, não só levar mal de um a outro, mas ainda juntar a isso, intencionalmente, maldades e tristezas, para causar maior ira. Horrenda coisa e contrária à natureza!” (Confissões, livro IX, cap. IX).

 

II - Malícia da ira

 

Podemo-la considerar em si mesma e nos seus efeitos.

 

1.° Em si mesma, pode sugerir ainda várias distinções:

A) Quando a cólera é simplesmente um movimento transitório da paixão, é de sua natureza pecado venial: porque então há excesso na maneira por que ela se exerce, neste sentido que ultrapassa a medida, mas não há, assim o supomos, violação das grandes virtudes da justiça ou da caridade. Há casos, contudo em que é tal o excesso, que o colérico perde o domínio de si mesmo e se deixa arrastar a graves insultos contra o próximo. Se estes movimentos, posto que passionais, são deliberados e voluntários, constituem falta grave; muitas vezes, porém, não passam de semi-voluntários.

 

B) A cólera, que chega a ódio e rancor, quando é deliberada e voluntária, é pecado mortal de sua natureza, porque viola gravemente a caridade e muitas vezes a justiça. É neste sentido que Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu no juízo. E o que disser a seu irmão: raca, será réu no conselho. E o que lhe chama insensato, será réu do fogo do inferno” (Mt 5, 22). Mas, se o movimento de ódio não é deliberado, ou se não se lhe dá senão consentimento imperfeito, não passará de leve a falta.

 

2.° Os efeitos da cólera, quando não são reprimidos, são às vezes terríveis.

 

A) Sêneca descreveu-os em termos expressivos: atribui-lhes traições, assassínios, envenenamentos, divisões intestinas nas famílias, dissensões e lutas civis, guerras com todas as suas funestas consequências. Ainda quando não chega a tais excessos, é fonte dum sem-número de faltas, porque nos faz perder o senhorio de nós mesmos, e em particular perturba a paz das famílias e cria inimizades tremendas.

B) Sob o aspecto da perfeição, é a ira, diz São Gregório Magno, “um grande obstáculo ao progresso espiritual”. É que, de fato, se a não reprimimos, faz-nos perder: l) A sabedoria ou a ponderação; 2) A amabilidade, que faz o encanto das relações sociais; 3) A preocupação da justiça, porque a paixão impede de reconhecer os direitos do próximo; 4) O recolhimento interior, tão necessário à união íntima com Deus, à paz da alma, à docilidade e às inspirações da graça. Importa, pois, encontrar-lhe o remédio.

 

III - Remédios contra a ira

 

Estes remédios devem combater a paixão da cólera e o sentimento do ódio que às vezes dela resulta.

1.° Para triunfar da paixão, não se deve descurar nenhum meio.

 A) Há meios higiênicos, que contribuem para prevenir ou moderar a cólera: tais são um regime alimentício emoliente, banhos tépidos, duchas, abstenção de bebidas excitantes e em particular das alcoólicas: por causa da união íntima entre o corpo e a alma, é mister saber moderar o mesmo corpo. Mas, como nesta matéria, é preciso ter em conta o temperamento e o estado de saúde, requer a prudência que se consulte um médico.

B) Mas os remédios morais são ainda melhores. a) Para prevenir a cólera, é bom acostumar-nos a refletir, antes de fazer qualquer coisa, para não nos deixarmos dominar pelos primeiros ímpetos da paixão: trabalho de longa duração, mas eficacíssimo. b) Quando esta paixão, a despeito de todas as cautelas, nos sobressaltou o coração, melhor é sacudi-la com presteza que querer negociar com ela; porque, por pouco lugar que lhe demos, se faz senhora de toda a praça, havendo-se como a serpente que introduz facilmente todo o corpo, por onde pode meter a cabeça... É mister, logo que a sentirdes, convocar prontamente vossas forças, não áspera nem impetuosamente, mas suave e ainda assim seriamente. Aliás, se quisermos reprimir a cólera com ímpeto, mais nos perturbaremos. c) Para melhor sofrear a ira, é útil divertir a atenção, isto é, pensar em qualquer coisa diversa do que a possa excitar; é necessário, pois, desterrar a lembrança das injúrias recebidas, afastar as suspeitas, etc. d) “Devemos invocar o auxílio de Deus, quando nos vemos agitados pela cólera, à imitação dos Apóstolos, combatidos pelo vento e tempestade no meio do mar, porque Deus mandará às nossas paixões que sosseguem e sobrevirá grande tranquilidade” (São Francisco de Sales).

 

2.° Quando a cólera excita em nós sentimentos de ódio, rancor ou vingança, é impossível curá-los radicalmente com outro remédio que não seja a caridade fundada no amor de Deus. É caso, então, de nos lembrarmos que somos todos filhos do mesmo Pai celestial, incorporados no mesmo Cristo, chamados à mesma felicidade eterna, e que estas grandes verdades são incompatíveis com qualquer sentimento de ódio. Assim, pois: a) Recordarmos as palavras do Pai Nosso: perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido; e como desejamos vivamente receber o perdão divino, de melhor grado perdoaremos aos nossos inimigos. b) Não esquecermos os exemplos de Cristo Senhor Nosso, chamando a Judas seu amigo, ainda no momento da traição, e orando do alto da cruz pelos próprios verdugos; e pedir-lhe ânimo para esquecer e perdoar. c) Evitarmos pensar nas injúrias recebidas e em tudo que a elas se refira. Os perfeitos orarão pela conversão de quem os ofendeu, e encontrarão nesta prece bálsamo suavíssimo para as feridas da sua alma.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de março de 2008

 

Bibliografia

 

Escritura Sagrada

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Pe. Miguel Meier, A Catequese

Pe. J. Bujanda, Teologia Moral para os fiéis

Mnr Cauly, Curso de Instrução Religiosa – O Catecismo Explicado

Pe. Leo J. Trese, A Fé Explicada

Ricardo Sada e Alfonso Monroy, Curso de Teologia Moral

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Ira: Quarto vício capital”

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